Foi um ano completamente diferente para o cinema: com as salas fechadas por causa da pandemia, as produtoras tiveram de encontrar outras alternativas de distribuição - e aí o streaming surgiu quase como um substituto natural. Certamente não foi fácil. Grandes produções, como Tenet (que AINDA não assistimos), viram suas bilheterias minguarem em apostas arriscadas - reabertura com o Covid à espreita? -, ao passo que obras mais alternativas, caso por exemplo de Estou Pensando em Acabar Com Tudo encontraram um "porto seguro" (e seu público) no aconchego do sofá - e da Netflix. Foi tudo meio diferente e, cá estamos no final de 2020 com uma certeza: a despeito de todas as dificuldades, foi um ótimo ano em matéria de filmes, com produções diversificadas, dos mais variados países, chegando diretamente a telinha. Nessa relação a gente reúne 25 Grandes Filmes de 2020 que foram lançados no cinema - enquanto foi possível -, ou que chegaram ao mercado via Now ou em qualquer outro sistema de vídeo on demand. Ainda dá tempo de se atualizar até o final do ano. Ainda mais em um contexto de segunda onda - sendo que a primeira sequer foi embora do Brasil. Bora dar o play e ficar em casa?
Menções Honrosas
40) Rosa e Momo (La Vita Davanti a Sé)
38) Ninguém Sabe que Estou Aqui (Nadie Sabe Que Estoy Aqui)
37) Ford vs. Ferrari
36) Magnatas do Crime (The Gentlemen)
35) Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood)
34) On the Rocks
32) The Farewell
30) Crip Camp: Revolução Pela Inclusão (Crip Camp)
29) Um Bilhete Para Longe Daqui (The Escape)
27) Adam
26) Jojo Rabbit
25) Entre Facas e Segredos (Knives Out): Você certamente já viu essa história mais de uma vez no cinema ou na literatura: alguém morre em um determinado cenário e todos aqueles que estavam naquele ambiente passam a ser suspeitos em um eventual crime. De Assassinato no Expresso do Oriente de Agatha Christie ao divertido filme 8 Mulheres (2002), de François Ozon, foram muitos os suspenses que brincaram com a capacidade investigativa de seu público, espalhando pistas, oferecendo improváveis reviravoltas e possíveis culpados que mais adiante serão descartados (ou não). Esse tipo de narrativa - tão convencional quanto divertida -, é replicada nesse ótimo filme do diretor Rian Johnson, que reuniu um elenco estelar para contar a história por trás do misterioso assassinato de um escritor de novelas policiais (Christopher Plummer), justamente na madrugada em que ele comemorou o seu aniversário de 85 anos. Isso significa que praticamente toda a família - filhos, noras, genros e netos, a governanta e até uma enfermeira que ajudava a ministrar seus medicamentos -, passa a ser suspeita no caso. Uma obra engraçada, levemente excêntrica e cheia de reviravoltas que, não por acaso recebeu uma justa indicação ao Oscar na categoria Roteiro Original. Leia a resenha completa.
24) Caixa de Recordações (Retablo): De acordo com o dicionário, o verbete Retábulo pode ser definido como uma espécie de "construção manual de madeira ou de pedra, em forma de painel, que se coloca na parte posterior de altares, sendo geralmente decorada com temas sacros ou retratos de santos". É, portanto, uma peça de artesanato, que é desvendada aos poucos. Assim como as pessoas, numa metáfora óbvia, nem sempre percebemos de saída o que aquelas formas, figuras ou cores querem nos dizer. Na trama, o jovem morador dos Andes Segundo Paucar aprende do pai o ofício de retablista, o que os envolve em uma rotina silenciosa, bucólica, num local de belíssimas paisagens que só são alteradas pelo barulho de caminhonetes escandalosas que vão e vem da cidade. Na relação de pai e filho, um tipo de cumplicidade que começa aos poucos a se quebrar, conforme o menino vai fazendo a transição que lhe levará a vida adulta. Sutil e naturalista, a película enviada pelo Peru ao último Oscar discute temas como conservadorismo das pequenas comunidades, machismo, preconceitos diversos, aceitação do outro e fanatismo religioso. E é nesse contexto de placidez que o ódio e a intolerância podem surgir com força, sem aviso prévio. Um filmaço que reforça a importância do cinema sulamericano na atualidade. Leia a resenha completa.
23) Borat: Fita de Cinema Seguinte (Borat Subsequent MovieFilm): Ascensão da extrema direita, Trump, negacionismo científico, intolerância, xenofobia, fake news, militarismo... vamos combinar que não poderia haver momento mais adequado para o surgimento de uma sequência com o "segundo melhor repórter do Cazaquistão" do que os tempos de hoje. Partindo exatamente de onde parou, em 2006, a nova história abre com o personagem de volta ao seu País Natal sendo enviado como escravo para uma espécie de Gulag. E ele só é retirado do campo de trabalho forçado por um motivo nobre: insatisfeito por não fazer parte dos panteão dos mais proeminentes governos extremistas do planeta - entre os quais, figura com louvor o nosso glorioso "mito" -, o presidente envia Borat com a missão de levar um presente para Donald Trump (ou McDonald Trump), com o objetivo diplomático de ser incluso no seleto grupo dos extremistas. Pois esse arco dramático ESDRÚXULO é a desculpa perfeita para um sem fim de comentários políticos, sociais, religiosos e culturais que envolvem ambos os países em questão, mas que colocam um dedo enorme na ferida da desastrosa política geral da extrema direita. É "apenas" a comédia mais engraçada do ano. Leia a resenha completa.
22) Sinônimos (Synonymes): Devo dizer a vocês que gosto desses filmes que precisam ser desvendados, que são cheios de camadas, sem um começo, um meio e um fim bem definidos. E esse é o caso desse filme, vencedor do Urso de Ouro no último Festival de Berlim. Na narrativa, uma série de fragmentos visuais, pequenas colagens em sequência que formam um mundo que parece à beira do colapso, pautado por uma política de exclusão, de intolerância e de preconceitos diversos. Nações que deveriam derrubar muros os constroem. Povos que são diferentes apenas nas aparências e que deveriam olhar para si com mais compaixão, com mais empatia e com menos ódio, se afastam, se isolam - culturalmente, politicamente, socialmente. Religiosamente. Há uma crise relacionada ao tema da imigração, afinal, com casos de xenofobia e de violência aumentando exponencialmente. Na trama, Yoav é um jovem israelense que se refugia em Paris para tentar uma nova vida. Mas será que a França é assim tão diferente? Será que ela recebe bem os estrangeiros e os ampara, concedendo a eles autonomia? Imprevisível, excêntrica, embaraçosa, desconfortável, audaciosa... não faltarão palavras (e seus sinônimos) para resumir a experiência. Leia a resenha completa.
21) A Febre: Vencedor do Festival de Brasília, o filme de estreia da diretora Maya Da-Rin discute o sincretismo cultural em nosso País, a partir da história do índio Justino. Integrante da tribo indígena Desana, ele saiu de sua aldeia nos arredores de Manaus há mais de vinte anos para trabalhar como vigilante na estação portuária da capital do Amazonas. É lá que ele tem uma rotina monótona, enfadonha, em meio a enormes guindastes e pesados contêineres que entram e saem diariamente. Viúvo e morador da periferia terá o tédio quebrado pelo anúncio feito pela sua amorosa filha Vanessa, que está indo para Brasília estudar medicina. Enquanto assimila a novidade, Justino passa a ser tomado por uma febre forte, de origem meio inexplicável. Em seu trabalho, tem dificuldade em se manter acordado. No dia a dia, sofre com o calor escaldante e com as chuvas tropicais e torrenciais. No noticiário, o assunto é um animal selvagem, sem origem determinada, que estaria rondando o bairro. Em resumo: acontece bastante coisa enquanto se espalha a letargia dos dias. Bebendo na fonte do cinema do diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, esse belo filme mescla misticismo, folclore, bucolismo e crítica social, de forma naturalista e evocativa. Vale demais. Leia a resenha completa.
20) Perdi Meu Corpo (J'ai Perdu Mon Corps): Vamos combinar que muitas vezes a gente fica buscando grandes interpretações nos filmes que assistimos, quando o melhor mesmo é viver a experiência e curtir. Sentir o que a obra está te passando. De que maneira ela mexe contigo. E é esse o caso dessa lindíssima animação francesa, que talvez ela seja uma obra sobre perdas. Sobre a busca tão demasiadamente humana pela felicidade. Sobre seguir em frente após algum tipo de experiência traumática. Sobre dores que todos nós temos. Enfim, ela é uma dessas películas nem sempre fácil de ser digerida. Eventualmente amarga. Com uma trilha sonora absurdamente envolvente, daquelas que fica na nossa cabeça assim que sobem os créditos. A história é narrada em duas partes distintas. Em uma delas, uma mão decepada (sim) foge de um laboratório de dissecação e enfrenta uma série de perigos pela cidade, na busca por encontrar seu corpo original. Em outro segmento, somos apresentados a um entregador de pizzas de vida nada fácil que, em meio a uma noite de merda no trabalho, acaba "conhecendo" uma jovem, se tornando obcecado por ela. Trata-se de um filme lírico, sensível, adulto e cheio de simbolismos. Leia a resenha completa.
19) A Camareira (La Camarista): Existe um tipo de opressão, especialmente direcionada à massa trabalhadora, que é demonstrada de forma soberba (e sutil) nesse ótimo exemplar do cinema mexicano. Esse tipo de abuso é muito mais estrutural, está presente no tecido social, o que faz com que muitas pessoas vivam uma vida de invisibilidade. Aliás, pior: na intenção de obter o mínimo para o atendimento de suas necessidades mais básicas, abdicam permanentemente de suas vidas pessoais, abrindo mão de seus sonhos para existir, em muitos casos, a existência do "outro". E, nesse sentido, não poderia haver ambiente mais adequado para o desenvolvimento da ação da película de estreia da realizadora Lila Aviles, do que um hotel de luxo. É esse espaço que nos permitirá nos ver confrontados com tantos contrastes. Enquanto a protagonista Eve se empenha em atender os caprichos dos mais variados hóspedes - a maioria monossilábicos, grosseiros - se empenha em tentar alcançar pequenas vitórias que amenizem a distância existente entre o seu universo e o dos aristocratas com quem convive à força, no trabalho. Uma obra inteligente, de fluência contemplativa, que estabelece o hotel como uma metáfora para a sociedade. Leia a resenha completa.
18) First Cow: Sensibilidade. Sutileza. Uma fluência narrativa eventualmente lenta, quase evocativa. Eventos que se descortinam sem pressa num filme que diz bastante, mas sem mostrar muito. Um certo bucolismo selvagem. Uma história sobre amizade, empreendedorismo e... gastronomia. Assim é o mais recente trabalho da veterana diretora Kelly Reichardt (de Certas Mulheres) e uma das boas surpresas dessa temporada pouco convencional de cinema. Não é uma obra muito fácil de resumir porque a sua complexidade está nas detalhes, nas nuances. A trama volta 200 anos no tempo para o interior do Estado do Oregon, ocasião em que dois homens fazem uma amizade que, mais tarde, virará "parceria de negócios" - e que está diretamente ligada a "primeira vaca" do título original. Será o animal, que surge na narrativa com um caráter quase místico, celestial, que fornecerá o leite para que a dupla de protagonistas produza um tipo de bolinho que será vendido no comércio local - e que não tardará para ser um sucesso. Só que há um porém: a vaca não é deles e sim de um aristocrata da região. Cheia de contrastes, essa pequena joia diverte e emociona em igual medida, especialmente pelo carisma irresistível de seu elenco central. Leia a resenha completa.
17) Quem Você Pensa Que Sou (Celle Que Vous Croyez): Em tempos tão tecnológicos como os nossos, é muito provável que não haja pessoa nesse mundo que não tenha experimentado a delícia de ficar horas conversando com alguém pelas redes sociais. A escolha das frases bem pensadas antes de enviar, o uso de emojis, as palavras ditas (e até as não ditas) e a observação atenta da tela enquanto o "digitando" persiste em aparecer. É algo que todo mundo faz. Ou já fez. E que a protagonista desse filme exibido no Festival Varilux do último ano também faz. Mas com uma "pequena" diferença. Claire (Juliete Binoche) é uma mulher de 55 anos que, após o divórcio, é aparentemente acostumada a se relacionar com homens mais novos. Homens mais novos que, em muitos casos, não querem muito compromisso - como é o caso de Ludo (Guillaume Gouix), que termina o caso com Claire de forma bastante abrupta (e até grosseira). Pra tentar se reaproximar do rapaz, Claire cria um perfil falso no Facebook. E é nesse pequeno recorte - especialmente quando as coisas começarem a sair do controle - que estará estabelecido um ótimo suspense, que bebe na fonte de séries como Black Mirror e de filmes como Ela (2013). Leia a resenha completa.
16) Mank (Mank): De clássicos como Crepúsculo dos Deuses (1950) a obras recentes como Ave, César! (2016) não foram poucos os filmes que utilizaram a metalinguagem como recurso narrativo. Aliás, Hollywood parece gostar de falar de si própria - de seus tumultuados bastidores, da iconoclastia latente de astros e estrelas - e, no fim das contas, quem se deleita é o espectador. Que pode conhecer mais sobre certa época, que envolve desde os movimentos feitos pela indústria até chegar ao contexto político, social e cultural daquele período. No caso da obra mais recente do David Fincher, a gente viaja no tempo para as décadas de 30 e 40 - mais especificamente para a época em que o clássico Cidadão Kane (1942) foi gestado. Centrada na figura de Herman Mankiewicz (Gary Oldman), a história narra o desenrolar tumultuado do roteiro que viria a ser filmado por Orson Welles (Tom Burke), especialmente pelo fato de Mank ser um beberrão hedonista, que não se dobra facilmente aos "caprichos" de produtores, empresários, colunistas e outros figurões da época - entre eles o próprio magnata da mídia William Randolph Hearst (Charles Dance), que viria a ser a inspiração para a criação de Charles Foster Kane. Um filme tecnicamente impecável e com aquele "cheiro" de Oscar. Leia a resenha completa.
15) 1917 (1917): Quando assistimos a uma produção como esta passamos a ter a certeza de que não, o tema da guerra no cinema NÃO SE ESGOTOU e sempre haverá espaço para que ele nos surpreenda ou nos traga um novo ponto de vista. E acompanhar a jornada de dois homens do exército inglês que devem levar uma carta de um ponto a outro do front - ação que poderá evitar a morte de 1.600 aliados -, a pé, adentrando o território inimigo (no caso, os alemães), é algo que nos deixa sem fôlego mais ou menos pelo TEMPO TODO. E isso tem sim a ver com a parte técnica. Muitas pessoas se empenharam em falar do suposto plano-sequência que nos conduz em um território acinzentado, abandonado, melancólico, lamacento, com cheiro, gosto e cara de morte, com corpos apodrecendo, ratos pestilentos, trincheiras sujas, secas ou úmidas. E de pouca esperança. E de absurdo em um conflito sem lógica. Mas eu digo a vocês que pouco importa o plano-sequência: o que vale aqui é o sentimento de imersão. E é o combo fotografia + figurinos + edição e mixagem de som + desenho de produção que faz isso, tornando a experiência ainda maior. E isso transforma a obra de Sam Mendes em um espetáculo visual, que a coloca ao lado dos grandes filmes de guerra da história. Leia a resenha completa.
14) Honeyland: É muito provável que vocês já tenham ouvido falar a respeito da importância das abelhas no mundo - e sobre como estaríamos condenados à extinção, caso estes pequenos insetos simplesmente deixassem de existir. Bom, ainda que não seja assim tão explícito, esse belíssimo documentário enviado pela Macedônia ao último Oscar, utiliza como microcosmo um local remoto para fazer um pequeno recorte sobre o quão prejudicial pode ser o comportamento predatório, na hora de exercer o ofício de apicultor. Trata-se de uma obra singela e contemplativa, que valoriza a comunhão do homem com a natureza e a importância do equilíbrio para a manutenção dos ecossistemas. Na trama acompanhamos a jornada de uma mulher de meia idade de nome Hatidze. Com colmeias espalhadas em locais estratégicos, ela faz o manejo de inverno respeitando um dos preceitos para a sustentabilidade dos enxames: ela retira apenas metade do mel, deixando a outra metade para as abelhas sobreviverem. Bom, por mais sofrida que a vida seja neste contexto, ela se modificará com a chegada de uma nova família na vizinhança, que adotará a apicultura de forma desastrosa. Será nesse contraste que se estabelecerá a força da narrativa dessa obra sutil e imperdível. Leia a resenha completa.
13) Dois Papas (Two Popes): O que este maravilhoso filme dirigido por Fernando Meirelles faz é imaginar como seria o suposto encontro de correntes teológicas distintas, simbolizadas pela "amizade" entre os papas conservador Bento XVI (Anthony Hopkins) e progressista Francisco (Jonathan Pryce). A obra inicia no conclave que empossa Bento, em 2005, dando um salto no tempo para os meses que antecedem à sua renúncia, em 2013 - momento em que ele convoca o cardeal Jorge Mario Bergoglio para uma conversa que, no fim das contas se converterá em uma série de troca de confidências em que ambos os homens revelarão fraquezas, angústias, remorsos, dúvidas e anseios. Mesmo com pensamentos e visões de mundo opostas - Bento parece pouco aberta ao diálogo que poderia revisar dogmas, ao passo que Francisco é um reformador de grande popularidade -, aos poucos os dois se aproximarão, percebendo o fato de que podem ser tão parecidos quanto diferentes. Sem resvalar para a mera "propaganda religiosa", Meirelles constroi uma obra suntuosa, com roteiro bem costurado em que suas duas grandes estrelas brilham, alternando momentos mais introspectivos com outros da mais profunda sensibilidade e leveza. Leia a resenha completa.
12) Corpus Christi (Boze Cialo): "Você sabe no que somos bons? Em desistir das pessoas." Dita lá no meio do polonês indicado ao Oscar desse ano, essa frase meio que resume a ideia central da obra do diretor Jan Komasa. Trata-se, afinal, de um filme que revela aos poucos a hipocrisia da sociedade. A mesma sociedade que tem muita facilidade para apontar dedos, para julgar, mas bastante dificuldade para perdoar. Ou para amar alguém "apesar de sua culpa". Na trama baseada em fatos reais somos apresentados ao jovem Daniel (o expressivo Bartosz Bielenia). Morando em um reformatório onde está preso por um crime cometido no passado, se tornará bastante religioso - ele se emociona, se comove com as pregações -, a ponto de fingir ser padre quando chega a um pequeno povoado e faz amizade com um veterano clérigo, após deixar o centro de detenção. É nesse local, uma comunidade provinciana, cheia de "famílias de bem" com um sem fim de demônios guardados no armário, que terá início a grande farsa de Daniel. Tecnicamente impecável - a fotografia e a trilha sonoras são atmosféricas, climáticas -, é um filme de sutilezas, nem sempre fácil e que nos tira, definitivamente, da zona de conforto. Leia a resenha completa.
11) O Jovem Ahmed (Le Jeune Ahmed): O tema do mais recente filme dos irmãos Dardenne é o fanatismo religioso e como ele pode ter um potencial altamente destrutivo, especialmente quando direcionado a pessoas em vulnerabilidade emocional, inseguras ou fragilizadas. Aliás, de alguma forma a película dialoga com essa onda conservadora e extremista que tem gerado um sem fim de grupos que visam a "limpar" a população daquilo que consideram religiosa ou politicamente diferente - e na Bélgica, País em que se desenrola a narrativa, isso parece ocorrer com ainda mais força. Na trama o jovem Ahmed do título original (o ótimo Idir Ben Addi) é um garoto de 13 anos que, ao invés de jogar videogame, futebol e se masturbar, prefere seguir a risca o Corão, cumprindo uma rotina de comportamentos introspectivos, que incluem rezas em horas marcadas e uma vida de privações - tudo para seguir o que pede o "Imã", uma espécie de guia espiritual, encarregado da mesquita. Como sempre ocorre no cinema dos Dardenne, eles se ocupam de um pequeno recorte que nos possibilitará, enquanto espectadores, um olhar para o todo, numa narrativa sutil, documental e que levanta bandeiras sem pesar a mão. Leia a resenha completa.
10) Estou Pensando Em Acabar Com Tudo (I'm Thinking of Ending Things): Já deve ter acontecido para vocês mais de uma vez: o ideal de um relacionamento era muito melhor do que o relacionamento em si. O que ia ser mas não foi por que a vida real, bom, a vida real é REAL. Nesse universo, a gente pode optar por sermos apenas nós mesmos. Ou sermos quem o outro desejaria que fôssemos, deixando os nossos sonhos e escolhas pelo caminho, para que a gente viva a vida pensando pelo outro. Para o outro. Na essência, o mais recente trabalho de Charlie Kaufman, baseado em obra de Iain Reid, versa sobre as inconveniências dessa instituição que conhecemos como "relacionamento idealizado", incluindo aí temas, como, permanência, afeto, longevidade, velhice, paixões e planos feitos ou desfeitos. As divagações sobre o mundo, as pessoas, o pessimismo que salta da tela em cada sequência pontuada por um sem fim de referências - de Guy Debord, passando por John Cassavetes e David Foster Wallace - nos faz constatar a nossa incapacidade de, infelizmente, conviver normalmente em sociedade. No limite entre o onírico e o melancólico, é um dos melhores e mais complexos filmes desse ano. Leia a resenha completa.
9) Destacamento Blood (Da 5 Bloods): Em meio a protestos nos Estados Unidos por causa da morte de George Floyd e da ampliação do debate sobre o Movimento #BlackLivesMatter, o timing de lançamento do novo filme do diretor Spike Lee - junho desse ano - não poderia ter sido melhor. Assim como no clássico Faça a Coisa Certa (1989) e no recente Infiltrado na Klan (2018), as discussões sobre o racismo pontuam este novo trabalho. Melhor ainda, jogam luz sobre um fato pouco conhecido do grande público: o de que em guerras como a do Vietnã, boa parte dos soldados enviados para o front eram negros que formavam as primeiras fileiras de combatentes - praticamente atirados à morte. Essas histórias reais normalmente a gente não vê no cinema, especialmente em grandes clássicos como Apocalypse Now (1979) ou Platoon (1986). Assim o que Lee faz, em um primeiro momento, é prestar uma homenagem à memória destes soldados que também estiveram em guerras absurdas. Que perderam vidas, tiveram suas famílias devastadas, voltaram traumatizados. Nas entrelinhas, temas como xenofobia, ódio, intolerância e racismo pontuam a narrativa, que transforma o microcosmo apresentado num recorte válido, também, para a nossa sociedade atual. Leia a resenha completa.
8) Retrato de Uma Jovem em Chamas (Portrait de La Jeune Fille En Feu): A paixão é um dos sentimentos mais fascinantes e contraditórios que a raça humana pode experimentar. Quando nos encantamos por uma pessoa, imediatamente criamos expectativas e idealizações em nossa mente e, por mais provavelmente errado que estejamos, é isso que torna aquilo que sentimos - e imaginamos - perfeito. Com todo o entusiasmo e a graça de se encontrar apaixonado existe também o seu efeito colateral: a ausência da pessoa amada causa angústia, dor, os minutos passam numa velocidade impressionantemente reduzida e a sensação de dependência torna-se quase patológica. Até que ponto vale a pena alimentar este sentimento que consome tanta energia de nossos corpos e dias? E mais, é possível evitar quando este se aproxima? Essas e muitas outras reflexões vêm a mente nesse belíssimo filme que se passa no século 18. Na trama, uma pintora é contratada por uma condessa para ir até uma ilha pintar um retrato da filha, que está prometida em casamento para um rapaz italiano. O ritmo é lento e já poucos diálogos, nessa obra sutil que fala sobre o despertar de uma paixão, de forma poucas vezes vista. Leia a resenha completa.
7) Uma Mulher Alta (Dylda): A guerra definitivamente não acaba quando termina. Ficam os traumas, as dores não apenas físicas, mas psicológicas. E como se reerguer da pior das devastações, que é a emocional? Uma Mulher Alta, o enviado da Rússia no Oscar desse ano, trata desse tema com um tipo de sutileza quase peculiar. A guerra já passou em Leningrado, mas os hospitais estão ocupados por soldados dilacerados, com corpos e mentes destruídos e distantes de qualquer tipo de recuperação. É um contexto cheio de dor e de devastação, que tenta encontrar motivação nas pequenas coisas - como uma visita inesperada ou uma brincadeira envolvendo uma criança. A "mulher alta" do filme trabalha nesse hospital. Seu nome é Iya e ter mais de 1,80 de altura é a menor de suas preocupações, enquanto transita em meio a pacientes feridos, médicos esforçados e doentes de todos os tipos. A melhor amiga de Iya é Masha, jovem que retornou do front após uma gravidez e será acompanhando a sua rotina nos dias que se sucedem ao término do cerco a Leningrado que compreenderemos como as dores de ambas - aliás, as dores de TODOS -, estão na alma. Uma obra trágica, perturbadora, incômoda e que estabelece diálogo com esses tempos sombrios que vivemos. Leia a resenha completa.
6) Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (Never, Rarely, Sometimes, Always): Discutir o tema "descriminalização do aborto" nunca é fácil. É um assunto que suscita um debate fervoroso que costuma colocar de um lado aqueles que acreditam na suposta tese de que a prática se consiste em um crime contrário à natureza e aos "desígnios de Deus" (sim, ainda precisamos lidar com o fanatismo, o delírio da "família de bem" e a terra plana) e de outro aqueles que acreditam na legalização como um avanço científico que possibilita às mulheres a decisão sobre seus corpos - especialmente em casos que envolvam violência, gravidez indesejada ou riscos para a mãe (ou tudo ao mesmo tempo). E no meio disso tudo há as artes que podem nos ajudar a compreender melhor os pormenores que envolvem esse contexto e esse é o caso desse ótimo filme em que acompanhamos a verdadeira via crúcis da jovem Autumn (Sidney Flanigan) que, ao lado de sua prima, sairá de uma pequena cidade do interior da Pensilvânia para ir até Nova York para tentar interromper uma gravidez indesejada. Um filme duro, franco, sutil e elegante ao mesmo tempo e que escancara todo o tipo de violência - física, psicológica, moral - sofrida pelas mulheres. Leia a resenha completa.
5) Os Miseráveis (Les Misérables): "Meus amigos, lembrai-vos sempre de que não há ervas daninhas nem homens maus: há sim, maus cultivadores". Essa frase do escritor Victor Hugo resume a essência do cinema caótico estabelecido em Os Miseráveis, ainda que pouco tenha a ver com o clássico literário protagonizado por Jean Valjean. Quer dizer, ao menos em partes, já que temas caros ao autor - as injustiças sociais, o abuso de autoridade, a falta de perspectivas das camadas mais vulneráveis -, parecem se espalhar em cada frame da película. Assim como ocorre com outros filmes franceses, este lança um olhar para o lado menos glamouroso de sua romântica capital. Paris está lá e é apresentada em seu esplendor já na primeira cena, quando a Torre Eiffel surge como cenário de fundo para a catarse coletiva vivida pelos franceses em meados de 2018, quando sua seleção foi campeã de mundo de futebol. Mas o futebol, a gente sabe, é uma alegria efêmera. E a vida, com todos os seus percalços, continua. Deve continuar. na trama acompanhamos uma brigada anticrime em um contexto de grande miscigenação cultural e racial. Preconceito, ódio, intolerância, xenofobia... a tensão é latente nessa obra caótica, que foi a indicada da França na última edição do Oscar. Leia a resenha completa.
4) Ema (Ema): Disponível na plataforma Mubi, Ema é um filme sobre um tema pouquíssimo explorado nas artes: no caso um processo de adoção que deu errado, após um trauma familiar. O que fez com que o casal adotante tivesse de "devolver" o jovem um ano após o início da experiência como uma nova família. Na realidade esse fiapo de história serve para que o diretor chileno Pablo Larraín - de No (2012) e O Clube (2015) - discuta temas muito maiores, colocando em conflito o conservador e o moderno, o tradicional e o contemporâneo. É um filme hipnótico, sensorial e contemplativo, que funciona quase como se fosse uma grande instalação artística de pouco mais de uma hora e meia de duração, em que os conflitos dos personagens são desenrolados em meio a números de dança, apresentações coreografadas e diálogos absurdamente sinceros (e doloridos). É obra que discute a hipocrisia da sociedade e as mudanças políticas e culturais do mundo atual, aos quais se inserem, também, as novas configurações de família. Trata-se de um formato narrativo muito criativo no debate sobre feminismo, papel da mulher na sociedade e liberdade, numa narrativa enigmática, hipnótica e sensual. Leia a resenha completa.
3) A Vida Invisível de Eurídice Gusmão: Existe uma frase que está no prólogo do livro de Martha Batalha, no qual o filme dirigido por Karim Aïnouz (Madame Satã, O Céu de Suely) se baseia, que resume bem o espírito de A Vida Invisível de Eurídice Gusmão: "[...] o mais real deste livro está na vida das suas protagonistas, Eurídice e Guida. Elas ainda podem ser vistas por aí. Aparecem nas festas de Natal, onde passam a maior parte do tempo sentadas, com o guardanapinho nas mãos. São as primeiras a chegar e as primeiras a ir embora. Comentam sobre os temperos do bacalhau, sobre os calores ou chuvas do dia ou sobre se o marido vai bem e se a sobrinha-neta já tem namorado. Eurídice e Guida foram baseadas na vida das minhas, e das suas avós". Bom, é o condensado de uma vidinha simplória que resultará em uma terceira idade de frustrações, de sonhos jamais alcançados e de anseios engavetados. São mães, tias e avós que se tornaram invisíveis em uma sociedade patriarcal e altamente machista, que tiveram sonhos despedaçados, adiados, no tecido social o homem como o sujeito forte e a mulher como o sexo frágil, submisso. Um filmaço que, não por acaso, recebeu o Prêmio do Juri no último Festival de Cannes. Leia a resenha completa.
2) Você Não Estava Aqui (Sorry We Missed You): Quem acompanha a carreira do diretor Ken Loach sabe que seu cinema social costuma ser duro, áspero e extremamente realista. Não há desafogo para a paisagem que se estabelece, seja na análise do cidadão comum que luta contra a burocracia de um sistema que lhe exaure, como no anterior Eu, Daniel Blake (2018), seja na abordagem da precarização do trabalho, caso deste Você Não Estava Aqui. Na trama voltamos um pouco no tempo, mais especificamente para os anos que se sucederam a crise de 2008, que resultou em um sem fim de trabalhadores desempregados. Um destes é Ricky (Kris Hitchen), que adquire (meio a contragosto) uma van para trabalhar de forma autônoma com entregas. Já a esposa Annie (Debbie Honeywood) trabalha como cuidadora, como forma de complementar a renda. Ambos os trabalhos precarizados, sem direitos, com jornadas exaustivas, que chegam próximas das 14 horas diárias. É um contexto bastante atual, e Loach mete o dedo na ferida para mostrar como a falsa de ideia de "autonomia" no mercado de trabalho é, apenas isso... falsa. Assim, a estrutura familiar desanda e a tragédia se torna quase inevitável. Leia a resenha completa.
1) Os 7 de Chicago (The Trial Of The Chicago 7): A gente não sabem nem por onde começar a falar dessa obra-prima moderna de Aaron Sorkin (roteirista de A Rede Social e de Moneyball), porque é absolutamente tudo PERFEITO nela. Pra começar, temos um roteiro extremamente bem costurado, que tem como pano de fundo a Guerra do Vietnã - e a desastrada política armamentista norte-americana -, uma das tantas chagas políticas da Terra do Tio Sam. Depois, há o grupo de atores e, admito a vocês, que fazia muito tempo que não me deleitava tanto com um coletivo tão coeso de interpretações. Os diálogos, outro ponto de destaque, ainda que eventualmente expositivos, nos auxiliam a compreender o que estava em questão naquele contexto de antes e depois da convenção do Partido Democrata no ano de 1968 e de como as decisões daquele período poderiam determinar o futuro de milhares de jovens da nação. E, por fim, há o drama de tribunal envolvente em que as bombas e explosões que marcaram as manifestações, dão lugar a um sem fim de discursos que servem para pontuar as intenções de ambos os lados. É cinema de grande riqueza argumentativa. Inteligente, realista e com posição clara. Vale demais o primeiro lugar. Leia a resenha completa.
Não pensei que fosse ser tão difícil fazer a lista de melhores desse ano porque é muito filme bom. E certamente muita coisa bacana ficou de fora. E, pra vocês, quais os melhores desse ano? Escrevam pra gente! E se você curte esse tipo de material, não deixe de conferir nossas listas dos anos de 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015. Ainda tá em tempo de "recuperar" as grandes obras de anos anteriores!
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