quinta-feira, 30 de junho de 2016

Lado B Classe A - Jeff Buckley (Grace)

Existem pessoas cuja passagem neste planeta é breve e impactante como um raio. Da mesma forma, existem obras de arte que sobrevivem ao tempo, em um legado que justifica toda uma existência pelo valor e impacto nas pessoas que por aqui ficaram. Este algo "maior que a vida" que, creio, é o desejo de muitos como forma de alcançar o sublime, e que na maioria das vezes leva anos para ser maturado e finalmente tomar forma - quando toma. Alguns conseguem o feito de maneira extremamente precoce, numa forma inconteste de genialidade: é o caso do cantor e compositor americano Jeff Buckley, aos 28 anos de idade no ano de lançamento de seu único disco oficial, Grace (1994).

Filho do consagrado músico Tim Buckley, Jeff não apenas honrou o talento herdado da família como ampliou o seu alcance, influenciando bandas tais como Radiohead, Travis, Muse, Coldplay, dentre outros - tendo recebido, inclusive, elogios entusiasmados da dupla Robert Plant e Jimmy Page (Led Zeppelin) após estes assistirem uma de suas impressionantes performances ao vivo. Unanimidade de público e crítica, Grace causou e ainda continua causando espanto nos ouvintes que tem o privilégio de se deparar com tão bela obra: seja por elevar o estilo pop rock a um patamar de grandiosidade artística sem precedentes, com influências de Jazz e até do Grunge, ou devido ao impressionante alcance vocal de seu criador, em uma entrega poucas vezes antes vista no mundo da música.


Arranjos e harmonias vocais complexas, melancolia, belas melodias, uma agressividade colocada em momentos certeiros, envoltas em uma base baixo-guitarra-bateria típica do rock and roll, são o esboço de uma fórmula peculiar e inventiva, o que torna fácil a associação das músicas a seu autor bem como perceber a influência deixada em seus seguidores. Seja nas releituras Hallelujah, clássico de Leonard Cohen, ou Lilac Wine, imortalizada na voz de Nina Simone, podemos sentir a apropriação que o jovem fez de canções tão consagradas - mas com a ousadia de quem sabe das coisas e consegue imprimir sua personalidade nelas. Do início quase transcedental com Mojo Pin, até os momentos mais agitados da faixa título e do hit Last Goodbye, passando pela linda So Real e a maravilhosa Lover, You Should've Come Over (uma das mais belas canções de amor já escritas por um ser humano), tudo é pontuado por uma tristeza e romantismo subjacente de alguém que sente as dores do mundo de forma muito intensa.

Da guitarreira de Eternal Life até o gran finale de Dream Brother, somos conduzidos a uma espiral de emoções e beleza que tornam impossível para o ouvinte ficar impassível diante de tão grandiosa obra de arte. E é no mínimo trágico que o mundo tenha perdido tamanha promessa de forma tão precoce - Buckley morreu afogado aos 30 anos de idade em um dos afluentes do Rio Mississipi enquanto cantarolava Whole Lotta Love do Led Zeppelin - embora não surpreendente. Sem sabermos se o que houve foi um acidente ou suicídio, de uma coisa temos certeza: que os anos vividos por aqueles que sentem as coisas de forma muito intensa podem perfeitamente substituir diversos outros de letargia daqueles que vivem anestesiados em rotinas sem sentido. E, mesmo tendo deixado uma significativa obra incompleta (que foi lançada, embora sem o aval final do músico), o que temos aqui é não apenas uma prova de genialidade artística, mas um registro de uma vida vivida em sua forma mais visceral e sincera. Uma obra-prima imperdível e emocionante!

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Novidades em DVD - O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice)

De: Edward Zwick. Com Tobey Maguire, Liev Schreiber, Michael Stuhlbarg e Peter Sarsgaard. Biografia / Drama, EUA, 2014, 115 minutos.

Devo admitir que tinha grande expectativa para este O Dono do Jogo (Pawn Sacrifice), mas as irregularidades da obra dirigida por Edward Zwick são tantas, que fica praticamente impossível analisar o resultado final como positivo. A trama, baseada em fatos reais, conta a história do norte-americano Bobby Fischer (Maguire), jovem enxadrista de grandes habilidades, que resolve desafiar os jogadores russos que, no início dos anos 70, eram considerados os melhores do planeta. Na época, Boris Spassky (Schreiber) simbolizava justamente o enxadrista ao mesmo tempo frio (quase siberiano) e arrojado, que era tido pela imprensa como praticamente invencível. Não bastasse a rivalidade esportiva natural entre nações, especialmente em um período em que o xadrez era exibido nas TVs do mundo com grande audiência, o contexto era beligerante por conta das manobras envolvendo Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria.

E, nesse sentido, reside o primeiro grande problema do filme. Ainda que a Guerra Fria já seja (talvez) um tanto quanto batida no que diz respeito ao debate ideológico, a apresentação desse contexto é realizada de forma um tanto quanto econômica. Conforme Fischer vai se sentindo "acossado" pelas pressões externas que parecem haver sobre ele - no caso, para que seja um jogador realmente eficaz e capaz de superar não apenas os seus demônios, mas também os russos -, em nenhum momento fica evidentemente claro de onde estão vindo estas pressões. São do Governo? Do exército? Do Associação de Xadrez? Dos familiares? Bobby tem uma infância complicada? Sim. Tem comportamento infantilizado e recluso? Também. Mas parece faltar ainda uma motivação A MAIS, que acaba ficando ainda mais paradoxal diante do comportamento autoconfiante e até mesmo arrogante do sujeito.



Tobey Maguire, a meu ver, por mais que tenha sido elogiado por alguns setores da crítica por sua caracterização, jamais consegue alcançar, com suas caras, bocas e jeitão de "guri" a complexidade da personalidade de Fischer. A comoção que deveria ser causada no espectador por seu comportamento obsessivo, esquizofrênico, delirante, se torna não mais do que caricata ou ingênua, na maior parte das sequências. Algo reforçado pelas tenebrosas escolhas para a trilha sonora - que utiliza como músicas algumas canções de rock e blues do período -, e que jamais conseguem contribuir para que se crie o clima de suspense ou tensão almejado. Aliás, essa falta de identidade melhor definida enquanto gênero, se consolida como outro grave problema do filme. O que deveria ser um drama potente sobre o uso do esporte como demonstração de "força" (não bélica, claro) durante a Guerra, se torna (quase) uma comédia sem graça em muitos momentos - especialmente naqueles em que o padre (vivido por Sarsgaard) e o agente (Stuhlbarg) se tornam equivocadíssimos "alívios cômicos". (e quem assistiu a um filme como Ponte de Espiões, de Steven Spielberg, saberá o que é uma construção elegante e complexa do mesmo período, ainda que a trama envolva um "fiapo de história")

Falhando monstruosamente ainda nas cenas em que os jogos são mostrados, Zwick consegue a proeza de não deixar clara absolutamente NENHUMA jogada exibida - e isso que, em muitos momentos é utilizada uma esquisita e fragmentada câmera lenta. Sim, ainda que o jogo não seja o foco principal do filme - funcionando apenas como parte estrutural do arco dramático secundário - a consolidação do uso da imagem para tornar um pouco mais claras as ideias dos jogadores, talvez contribuísse para que se forjasse um clima de tensão que, no fim das contas, jamais se estabelece. Assistir a Fischer e Spassky realizando a derradeira série de 24 jogos decisiva, se torna, quase como num contraponto, uma tarefa exaustiva para quem assiste. (não à toa, as pequenas paranoias de Fischer em busca de escutas, microfones ou câmeras que representassem qualquer tipo de sabotagem ou perseguição da "ameaça comunista", se tornam apenas esquisitices em meio ao jogo nada emocionante)


Pra não dizer que a obra é um completo desastre, Schreiber, com o habitual talento e, dadas as limitações de tempo em tela de seu personagem, se esforça para caracterizar Spassky como um sujeito de personalidade complexa e dotado de uma ética particular. Da mesma forma, a recriação cenográfica da época, ou mesmo a fotografia amarelada e em alguns momentos fria, combina totalmente com um jogo que requer concentração total por parte dos enxadristas. O mesmo já não pode ser dito da claudicante edição, que faz sobressaltos abruptos e inclui cenas desnecessárias no corte final. Bobby Fischer, com seu comportamento errático, carreira vitoriosa e certo ativismo político presente em frases e manifestações - "A história do país é basicamente o quê? Ganhar algo do nada. Certo? Tomar. Matar. Eles invadiram o país; roubaram as terras dos indígenas", disse ele certa vez - certamente merecia uma biografia melhor. O xadrez, então, que raramente aparece no cinema, nem se fala. Infelizmente não foi dessa vez.

Nota: 3,3

terça-feira, 28 de junho de 2016

Na Espera - Wado (Disco)

Se existe um cantor e compositor brasileiro que pode requisitar os títulos de versátil ou eclético, sem que haja qualquer tipo de contraponto, este é o catarinense Wado - por sinal, um dos favoritos aqui da casa. Próximo de lançar o nono disco da carreira, o artista já flertou com os mais variados estilos, estando entre eles a MPB (Cinema Auditivo, 2002), a música africana, o rap e o hip hop (Atlântico Negro, 2009), o samba (Samba 808, 2011) e o bom e velho rock 'n roll (1977, 2015). Em seu novo e aguardado registro - que se chamará Ivete -, a investida será, como não poderia deixar de ser, em ritmos brasileiros diversos, que tomam como base o axé (a homenagem é SIM para a musa Ivete Sangalo).



Como forma de divulgar o registro - que chega as plataformas de streaming no próximo dia 05 de julho -, Wado lançou, recentemente, um arquivo em áudio para a canção Alabama, que inaugura o trabalho. O disco contará ainda com outras nove músicas, estando entre elas uma cover para Filhos de Gandhi, de Gilberto Gil. Com participações especiais e parcerias de nomes, como, Zeca Baleiro, Moreno Veloso, Momo, Marcelo Camelo, Thiago Silva (Sorriso Maroto) e Dinho Zampier (Figueroas), o cantor promete homenagear um estilo que, em suas palavras, "é mais punk do que o próprio punk". Não é necessário dizer que, nós, aqui do Picanha, somos pura expectativa por este lançamento.


segunda-feira, 27 de junho de 2016

Cinema - Os Anarquistas (Les Anarchistes)

De: Elie Wajeman. Com: Tahar Rahim, Adèle Exarchopoulos, Swann Arlaud e Guillaume Gouix. Drama / Suspense, França, 2014, 101 minutos.

Ideologia política revolucionária baseada na crítica à dominação capitalista, o anarquismo é o pano de fundo para o filme Os Anarquistas (Les Anarchistes), do diretor Elie Wajeman. Mas, é preciso que se diga que a obra apresenta uma espécie de "anarquismo paz e amor", com o sistema sendo mostrado a partir de uma história excessivamente elegante, com fotografia refinada, jogo de luzes bem construído e visual bem apurado. O que seriam características de importância em um filme de época, parecem diluir, em partes, o impacto do debate político de um período - mais precisamente o final do século XIX - em que, recém iniciada a segunda Revolução Industrial na Europa, também tomavam forma os primeiros movimentos operários e as inaugurais discussões estratégicas com vistas a consolidar o sindicalismo e (tentar) equilibrar a balança entre trabalhadores e empregadores - algo que, perceberíamos mais de um século depois, não ter sido contemplado a contento, dada a permanente voracidade dos líderes políticos em retirar dos trabalhadores os seus direitos há muito conquistados. Inclusive no Brasil.

Ou seja, o filme teria um grande potencial, com um significativo tema político. Mas parece ter ficado aquém da grandeza almejada, ao não conseguir transmitir um clima de época que, muito provavelmente era de permanente violência, com perseguições a revolucionários e centenas de mortes. É tudo muito bonito. Quase poético. Que nem parece estarmos diante de uma obra que pretende jogar luz ao período mais importante do próprio anarquismo, que é a Segunda Onda, iniciada, não por acaso, na França em que se passa a película. Não tô defendendo aqui que o filme devesse ser sujo, violento, sanguinário ou ideologicamente raivoso. Mas é muito provável que a suposta "mensagem" pensada para o filme acabe passando despercebida em meio aos casos de amor entre os anarquistas, imagens e enquadramentos convencionais e a sutileza dos acontecimentos. Parece faltar certa visceralidade, apenas.



A trama envolve o sargento Jean (Rahim), que é encarregado de se infiltrar em meio a um grupo de anarquistas de Paris, com vistas a faturar uma promoção caso tenha sucesso na empreitada. Só que o problema é que ele, a despeito da desconfiança de alguns integrantes, faz amizades e logo desperta o interesse (também amoroso) da jovem revolucionária Judith (Exarchopoulos). Assim, enquanto o homem se aproxima dos anarquistas e dos seus ideais - nutrindo uma espécie de empatia - também passa a se questionar sobre a importância e o resultado que será alcançado pela tarefa desenvolvida. Algo acentuado pela paixão por Judith. Em algum sentido, a obra se assemelha muito ao espetacular alemão A Vida dos Outros (2006) - vencedor do Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira - que também tem a sua poética própria, mas com uma lógica muito maior de existência, já que, os observados pelos comunistas da Alemanha Oriental - aí também uma diferença diametralmente oposta - eram artistas (escritores e atores).

Evidentemente que a película passa bem longe de ser ruim e tem valor nas referências culturais da época e nas cenas de encontros em locais do espaço público para debate a respeito da questão anarquista. Também os questionamentos por parte do grupo de anarquistas sobre a presença de Jean entre eles, renderá um arco dramático interessante e de algum suspense. O mesmo valendo para o bom elenco, encabeçado pelo sempre competente Rahim - visto nos potentes O Profeta (2009) e O Passado (2013). Ainda assim, nada superará o impacto do terço final, quando as decisões do sargento modificarão a vida de todos, ao mostrar que as vontades políticas daqueles que têm mais força, superam, com quilômetros de "vantagem", àqueles que puxam a corda pelo lado mais fraco. Sempre foi assim. E, nesse sentido, a lição, como num contraponto, fragilizada durante toda a projeção, ganha força justamente onde ela mais precisava: em seu momento decisivo. Pra quem assiste os créditos subindo, fica a comoção pelo que se viu.

Nota: 7,4

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Encontro com a Professora - Há Tanto Tempo Que Te Amo (Il y a Longtemps que Je T'aime)

Algumas das decisões que tomamos na vida são aquelas tomaríamos outra e outra vez. O problema é que sempre temos de arcar com o ônus da dita decisão. Este é o mote – simplificado, claro – deste filme meio escondido entre as prateleiras cinematográficas. Há Tanto Tempo Que Te Amo (Il y a Longtemps que Je T'aime, 2008), é dirigido pelo então estreante Phillippe Claudel e protagonizado pela sempre maravilhosa Kristin Scott Thomas, atriz inglesa que roubou a cena em Quatro Casamentos e um Funeral e que construiu uma carreira de sucesso na França, onde vive há anos.

Em Há Tanto Tempo, Juliette é uma mulher recém-saída da prisão, depois de 15 anos. Acolhida pela irmã e pelo cunhado pouco receptivo, esta ex-médica passa a viver de favor, tendo de acompanhar a difícil acomodação do casal que acaba de adotar duas crianças vietnamitas. O quadro que se delineia na casa já aponta para uma instigante trama sobre o “eu” e o “outro”, sobre aquele que, a princípio, acolhe, sobre aquele que é acolhido e, principalmente, sobre o que esse acolhimento exige de cada um.



Talvez muitos tenham visto o filme. Mesmo assim, quero poupar os que não viram do spoiler que estrutura/desestrutura a narrativa. E, depois, como toda boa obra, o filme está repleto de perguntas que um provável pré-julgamento poderia romper. O diretor é generoso com a protagonista e permite ao espectador que simplesmente a acompanhe e sinta sua solidão e medo. Então, quando finalmente descobrimos a verdade, estamos mais abertos ao drama cruel que ela esconde.

As perguntas que o filme provoca remetem ao que faríamos por amor e mesmo sobre o que é este sentimento. Mas esta questão se desdobra para o fato de que, como dito na introdução deste texto, temos de arcar com aquilo que decidimos. Assim, Juliette passa a viver no ostracismo e sob a ótica daqueles que só conseguem julgar o ato em si, mas não o que levou a isso.


Em tempos em que a intolerância se manifesta em todos os campos, em que debatemos sobre os direitos que temos – e pouco sobre os deveres – Há Tanto Tempo Que Te Amo é um poema duro que mexe com o nosso tabu mais incrustado. A sociedade estabelece lugares, tarefas e, inclusive, se julga capaz de dizer o que devemos e o que não devemos sentir. Com isso, qualquer ruptura no que parece ser a ordem do nosso sacrifício de estarmos vivos, funciona como uma bomba no cotidiano. Nesse contexto, Juliette vaga, meio etérea, sem culpa e culpada ao mesmo tempo.

O filme tem altos e baixos e poderia evitar alguns clichês. Mesmo assim, vale muito a pena. Destaco a relação entre as duas irmãs: a que luta para criar o quadro da família “comercial de margarina” e a que perdeu tudo e quer recomeçar a partir da perda. Através dessas personagens, ressoa sempre a pergunta: quanta coragem é preciso ter para fazer o que temos de fazer?

Texto: Rosane Cardoso

Lançamento de Videoclipe - Ava Rocha (Auto das Bacantes)

Mate você
Mesmo
Coma do seu morto
Desalinhe o corpo
Fique louco
Tome espaço do Estado, da polícia, da NSA
Da mulher maravilha
E meta um grelo na geopolítica

(Ava Rocha - Auto das Bacantes)

Não bastasse ter feito uma letra absolutamente foda para a canção Auto das Bacantes - presente em Ava Patrya Yndia Yracema, nono melhor disco nacional de 2015, em nossa relação de final de ano -, a cantora e compositora Ava Rocha ainda construiu um videoclipe que é um verdadeiro TAPÃO NA CARA da sociedade machista, preconceituosa, misógina e hipócrita - "legitimada" por figuras políticas grotescas como Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Tropicalista e antropofágica, a cantora utiliza o nu feminino como forma de desconstrução artística, em um clipe forte e impactante, capaz de denunciar a violência dos tempos modernos e a necessidade a cada dia mais urgente de debate sobre igualdade de gêneros e papel da mulher na sociedade. Tudo por meio de uma provocativa (e evocativa) combinação de imagens e sons. Aviso: se você á "família tradicional", melhor não clicar. O aviso foi dado.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Pérolas do Netflix - Bo Burnham: Make Happy

Em determinado momento da obra-prima Hannah e Suas Irmãs o personagem vivido por Woody Allen, um hipocondríaco que pensa estar a beira da morte, busca de forma urgente um sentido para a sua vida - o que enfim acontece ao assistir um filme dos irmãos Marx no cinema, numa declaração apaixonada ao fazer artístico e o seu poder de transformar vidas ou, ao menos, torná-las mais suportáveis. Confesso que este tipo de epifania me tomou de assalto em uma dessas madrugadas da vida ao assistir o especial de stand up comedy da Netflix intitulado Bo Burnham: Make Happy. Quando dei por mim estava completamente absorto, rindo de gargalhar sozinho e me emocionando com as peripécias do jovem humorista Bo Burnham, de apenas 25 anos de idade, tendo a certeza de estar em frente a uma performance única e especial.

Quem acompanha o nosso site sabe do meu apreço por stand up comedy, o que considero uma das artes mais difíceis de se realizar: o artista e um microfone frente a uma plateia enorme com o imenso desafio de fazê-la rir com o seu monólogo milimetricamente roteirizado - mesmo que isso não seja evidente para o espectador. Mas aqui a questão é um tanto diferente: após um prólogo um tanto melancólico, somos levados ao palco onde acompanharemos Burnham, que irá utilizar dos mais variados subterfúgios para prender a atenção de seu público, seja no uso constante da música, recursos interpretativos que apelam para o humor físico, efeitos de luz e - o mais importante - seu dom como intérprete e compositor musical. Seja emulando um Eminem cantando hip hop, ou até um Elton John nas sensacionais performances ao piano, o humorista dá um verdadeiro show de versatilidade e inteligência que surpreende devido a pouca idade de seu criador.


Dono de uma auto-ironia mordaz, Burnham sabe como ninguém interagir com a plateia em seus temas muitas vezes delicados e representativos de uma sociedade cada vez mais fragmentada por questões como misoginia, racismo, xenofobia, dentre outros. Seja na fantástica e emocionada performance da música Straight White Man, onde ele narra as "desventuras" e dificuldades de ter nascido homem, branco e heterossexual e ter que lidar com minorias exigindo seus direitos, num exemplo precioso da característica descrita no início deste parágrafo ("Igrejas nunca me fizeram ter vergonha do que eu sou", "Nunca fui parado a força para ser revistado em busca de drogas", queixa-se) ou na hilária emulação da música country de boutique americana, mais ou menos como o nosso sertanejo universitário, onde clichês são repetidos à exaustão por pessoas que nunca viveram a realidade da vida no campo que deu origem ao estilo musical.

Trazendo um tipo de humor que não lembro de ter visto até então, podemos considerar Bo Burnham como uma das maiores promessas do humor contemporâneo, trazendo frescor e originalidade a um tipo de performance até então carente de ineditismo. Não bastasse, o clímax final a lá Kanye West, onde vai até as últimas consequências sobre os problemas que a lata de batata Pringles representa para o consumidor (que não percebe os problemas do mundo a seu redor), bem como o estresse gerado por um burrito mal preparado em um restaurante de fast food mexicano, é absolutamente hilário e tragicômico. Refletindo no palco a necessidade inerente de cada ser humano em querer ser aceito e admirado, Burnham leva o seu humor aparentemente vazio a um patamar ainda mais elevado - revelando uma maturidade e visão de mundo extremamente consciente e crítica de seu autor. Mais uma grande sacada da Netflix, e uma pérola que recomendamos sem hesitar.

Cine Baú - O Gabinete do Doutor Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari)

De: Robert Wiene. Com Werner Krauss, Conrad Veidt, Friedrich Feher e Lil Dagover. Drama / Suspense / Fantasia, Alemanha, 1920, 77 minutos.

Temas sombrios de suspense e mistério, ambientes urbanos recheados de figuras caricatas, bizarras e assustadoras, imagens e cenários distorcidos, maquiagem intensa e pesada, cenografia fantástica funcionando quase como um delírio sobrenatural ou uma espécie de sonho gótico. São tantas as características que marcam a escola cinematográfica conhecida como Expressionismo Alemão - uma das primeiras do cinema, surgida ainda no início do século passado -, que elas mal conseguem dar conta de sua riqueza enquanto estilo. Quando se analisa esta vertente, é praticamente impossível não pensar no clássico Nosferatu, lançado em 1922 pelo diretor F.W. Murnau. Ou mesmo em Metrópolis, filmado por Fritz Lang, em 1927. Mas como obra inaugural do expressionismo alemão, nenhuma delas é mais significativa do que imperdível O Gabinete do Doutor Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari).

Assim como ocorreria mais tarde com os igualmente marcantes Roma Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini, e Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut - que apresentariam ao mundo, respectivamente, o Neorrealismo Italiano a Nouvelle Vague Francesa -, O Gabinete do Doutor Caligari, com a sua coleção de personagens excêntricos, cenários absolutamente extravagantes e narrativa caótica (ainda que engenhosa), seria a primeira obra a explorar os elementos fílmicos que simbolizariam o cinema alemão durante toda a década seguinte. Em uma época em que o cinema - com seus pouco mais de 20 anos de vida - ainda engatinhava e filmes "ultrarrealistas" e melodramáticos como O Nascimento de Uma Nação (1915) e Intolerância (1916) - ambos de D.W. Griffith - eram a "bola da vez", um cinema expressivo e delirante, certamente representava um importante ponto de ruptura.



Certamente não é por acaso que a loucura - como bem ilustra o sanatório comandado pelo doutor Caligari do título - é parte onipresente da trama, o que possibilitou a seus roteiristas - Hans Janowitz e Carl Meyer - e a seus cenógrafos brincarem com toda a sorte de imagens geométricas, entortadas, distorcidas e teatrais, com figuras levemente grotescas, sombras assustadoras ou mesmo com estradas sinuosas e cidades que mais parecem saídas de uma graphic novel estilosa de outrora - caso esse produto já existisse para o consumo das massas. A propósito das influências, quem já assistiu ao videoclipe para a canção Otherside do Red Hot Chili Peppers ou mesmo qualquer filme do Tim Burton, sabe exatamente de onde vem a fonte de inspiração para as casas tortas, o clima soturno e a caracterização teatral.

A histeria tem propósito, já que a narrativa é contada por dois internos do sanatório que, em formato de flashback, resgatam a história do hipnotizador Caligari (Krauss), que utiliza as habilidades de seu ajudante - o sonâmbulo zumbificado Cesare (Veidt) - para prever o futuro das pessoas que participam de seus números pantomimeiros. Quando um dos homens tem a sua morte prevista já para o dia seguinte, Francis (Feher) passa a desconfiar que, tanto Caligari como Cesare, possam estar envolvidos em uma onda de assassinatos que movimentam a fictícia cidade de Holstenwall. Somente na sequência final, em uma cena reveladora é que saberemos que a verdade - ou aquilo que pensávamos ser a verdade - era bem diferente daquilo que assistíamos. Uma história intrigante e criativa, que mantem o impacto até os dias de hoje, quase 100 anos após seu lançamento.
 

sábado, 18 de junho de 2016

Disco da Semana - Tegan and Sara (Love You to Death)

Parece não ter fim o "nicho de mercado musical" que se apropria dos elementos utilizados pelas bandas dos anos 80, transformando-os em novos, acessíveis e, por que não criativos produtos para consumo imediato. Se grupos como Chvrches, M83, Purity Ring e Passion Pit perfumam cada curva de seus discos e músicas com sintetizadores, teclados e outros fragmentos que nos remetem diretamente para aquela década, reinventando-os no instante seguinte com doses melódicas que atualizam o modelo para os nossos tempos - seja por meio da inclusão de outros instrumentos e efeitos ou mesmo por estilos vocais inovadores - outros coletivos preferem quase apostar naquilo que poderia ser chamado de "anos 80 de raiz", caso existisse essa denominação. É exatamente este o caso da dupla Tegan and Sara, que, com Love You to Death, chega ao seu oitavo registro.

Apostando no pop direto e acessível, a dupla canadense entrega o melhor da música comercial do período sem pensar em muitas invencionices. e afastando-se cada vez mais do modelo empregado no início de suas carreiras. Se em discos como So Jealous (2004), The Con (2007) e Sainthood (2009) ambas pareciam flertar tanto com a música romântica noventista - acrescendo até mesmo uma pitada de country music - como com o rock um pouco mais "agressivo" (mas sem perder, ao menos no caso delas, a ternura) das rrrriot girls, com o mais recente lançamento o que vale mesmo é se atirar na pista, como se não houvesse amanhã, cantando e dançando toda a sorte de canções comerciais, recheadas de refrões assobiáveis e de outros elementos que não fariam feio em algum disco do Roxette em início de carreira ou do Human League, na época do Dare!



A propósito do "ponto de ruptura" do estilo musical das meninas, é preciso que se diga que ele ocorreu justamente no trabalho anterior, intitulado Heartthrob (2013). Se por um lado as mudanças na musicalidade foram gritantes, pode-se dizer que as temáticas adotadas nas canções - muitas delas versando sobre relacionamentos amorosos (e suas desilusões), ou mesmo o cotidiano a dois - pouco mudaram. De quebra, versos como This love it may fall the faint of heart / When there's love, it's tough, no refrão da pegajosa Faint Of Heart ou mesmo You treat me like your boyfriend / And trust me like a, like a very best friend no single Boyfriend são capazes de ser tão íntimos dos ouvintes, que, invariavelmente, possibilitam uma identificação imediata, tornando a experiência de escutar o duo ainda mais satisfatória.

Se "na natureza nada se cria, tudo se transforma", já diria Lavoisier há mais de 200 anos, pode-se dizer que essa premissa vale também para o mundo da música. Assim como, nos dias atuais, é possível dizer que são centenas de bandas mundo afora buscando o título de "representante oficial de uma geração", pode-se dizer que existem outras tantas fazendo pop, rock, música eletrônica e R&B descompromissado, divertido, jovial, sem amarras. E é exatamente este o caso das meninas Tegan and Sara. Se ouvir o disco Love You to Death é ser jogado lá para o meio dos anos 80 num piscar de olhos, pode-se dizer que apreciá-lo, de alguma forma também é olhar para o futuro, aceitando a ideia de que existe muita música bacana na atualidade, voltada ao consumo imediato, sem que para isso precise haver algum rótulo sobre ela. Experimente escutar as ótimas Stop Desire, Dying to Know e 100x (baladinha das melhores, que ninguém é de ferro!) e tentar ficar imune a este "movimento". Garanto que será difícil.

Nota: 8,0



quinta-feira, 16 de junho de 2016

Picanha.doc - The True Cost

Pouco conhecida (ou lembrada) no Brasil, a tragédia com o edifício Rana Plaza, em Bangladesh, completou três anos no último mês de abril. Quando o complexo de oito pisos - com estrutura já há muito deteriorada - desmoronou, naquela ocasião, 1.138 pessoas morreram e outras centenas ficaram feridas. Sim, você leu certo: 1.138 pessoas vieram a óbito e você, muito provavelmente, não tinha ouvido falar disso. (mas não se culpe: a mídia local pouco espaço encontrou em seus editoriais para o tema) Os mortos e feridos eram operários da indústria têxtil, que recebiam cerca de US$ 2 por dia de trabalho, convivendo com péssimas condições, jornadas exasperantes e outras circunstâncias semelhantes as de um regime de escravidão. Por trás desse sistema, marcas americanas e europeias, como, Benetton, Zara, H&M e DressBarn. A cada dia mais ricas, em meio a crise e ao consumo desenfreado, motivado por aquilo que se convencionou chamar de moda rápida, ou fast fashion.

Em linhas gerais esse é o assunto do imperdível documentário The True Cost. Se já havíamos ouvido falar do fato de que certas camisetas e calçados que usamos eram produzidos por pessoas - homens, mulheres (em sua grande maioria) e crianças - de países pobres, pode-se dizer que o filme consolida esta ideia, apresentando ainda os obscenos detalhes de como funciona esse mercado que visa, exclusivamente, o lucro. E o lucro de poucos. Se já nos deparamos com peças de roupas de R$ 20 ou R$ 30 - não as de brechó, evidentemente -, produzidas por grandes marcas, é muito provável que elas sejam industrializadas em países "emergentes" como China, Camboja e Bangladesh. E, sem um mínimo que seja de regulamentação de mercado, o livre comércio - tão defendido por aqueles que acreditam que a força de um País está, unicamente, no seu Produto Interno Bruto (PIB) - fica com caminho livre para que os países mais industrializados (e ricos) cometam abusos, sem que se sintam responsáveis diretos por tragédias como a do Rana Plaza. É mais ou menos essa a lógica da terceirização - tão debatida (e defendida) pela "família de bem odiosa" ou por parte da juventude política anacrônica que toma por base apenas o lucro e que, nesse caso, tem a frente o empresariado -, que nada mais significa que não a precarização de uma relação pautada pelos quilômetros de distância existentes entre capital e força de trabalho.


Apresentando números estarrecedores - como aqueles que dão conta do fato de o consumo de roupas ter crescido 400% nos últimos vinte anos ou sobre suicídios envolvendo produtores de algodão (mais de 250 mil nos últimos 16 anos, só na Índia) - o jovem diretor Andrew Morgan, que conseguiu viabilizar o filme por meio de financiamento coletivo no Kickstarter, coloca o dedo na ferida, ressaltando o fato de todos os integrantes deste mercado possuírem certa "parcela de culpa" nesse sistema. Inclusive - diria até que, muito especialmente - nós, consumidores. "Se antigamente costumávamos comprar de três a quatro camisetas por ano, atualmente adquirimos uma por fim de semana, por conta dos preços considerados 'mais baixos'", salienta um dos executivos entrevistados. E, tudo isso, sob a ilusão de que, consumindo, seremos mais felizes, mais descolados e mais importantes. Sendo que, verdadeiramente, estamos ficando mais pobres, desiludidos e deprimidos pela necessidade de TER, tão cara a modernidade.

Além de dar voz a executivos, jornalistas, professores, economistas, designers, ambientalistas e empresários, além de pessoas que trabalham em regimes de subserviência, Morgan enriquece ainda mais o seu trabalho ao apresentar o ciclo completo de um sistema que inicia em lavouras de milhares de hectares de algodão transgênico - que recebe diariamente muitos litros de venenos diversos - até chegar a fábrica de onde sai o produto e aos luxuosíssimos desfiles de moda. Sem aliviar nas imagens de maior impacto - especialmente naquelas relacionadas a protestos e greves de trabalhadores -, o diretor questiona o modelo capitalista, que costuma conceder ao empresário um poder quase ilimitado, por este estar simplesmente gerando emprego. Como se este fosse uma espécie de "bem-feitor" e como se os lucros estratosféricos, obtidos por meio da miséria desoladora, da dor, da precariedade e da distância da família, por parte dos escravos empregados, nunca fossem suficientes.


Em uma época em que, no Brasil, direitos trabalhistas há muito conquistados, parecem estar no limite da destruição por parte do governo interino - sob a desculpa da necessidade de "equilibrar as finanças e fortalecer a economia" (que nada mais é do que a visão tecnicista voltada a deixar aquela pequena fatia de ricos, ainda mais ricos, com o trabalhador em condições cada vez mais fragilizadas), um filme como The True Cost serve como uma bela reflexão sobre a forma como nos comportamos em meio a esse ecossistema carniceiro chamado "sociedade de consumo". E se o futuro parece desolador, é preciso saudar iniciativas como as da empresária Safia Minney, da agência People Tree, que emprega pessoas tendo por base o espírito colaborativo, os salários mais justos e a sustentabilidade ambiental. Ou mesmo os debates acalorados de ativistas como a jornalista Livia Firth, que promove palestras disseminando estas mesmas ideias. Se conseguirmos, nós mesmos, repensar os nossos hábitos, modificar a nossa forma de consumo tão materialista (e individualista) e contribuir para um mercado mais justo e menos desumano - quem sabe até mesmo optando por pequenos empreendimentos-, bom, este pode ser um bom começo. Depende de todos nós.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Pérolas do Netflix - O Presente (The Gift)

De: Joel Edgerton. Com Jason Bateman, Rebecca Hall e Joel Edgerton. Drama / Suspense, EUA, 2015, 108 minutos.

Gênero cinematográfico muitas vezes relegado a um segundo plano do ponto de vista artístico - seja por conta dos argumentos forçados, do excessos de clichês ou pela ausência de verossimilhança -, o suspense eventualmente nos apresenta alguma boa película que, ainda que aqui e ali possa incorrer na repetição de fórmulas, serve para dar uma "reanimada" no estilo. É exatamente este o caso do surpreendente O Presente (The Gift), uma pequena pérola escondida entre as dezenas de filme existentes na plataforma de streaming Netflix. A obra, estreia do ator Joel Edgerton na direção, pega um dos chavões mais batidos do gênero - o do casal de classe média americana que se muda para uma casa maior, mais espaçosa e muito mais envidraçada, com a intenção de dar um outro rumo as suas vidas ou mesmo superar algum trauma do passado e que terá reflexos no presente. Só que, aqui, essa lógica é subvertida.

No caso, o casal protagonista é Simon (Bateman) e Robyn (Hall). Casados há pouco tempo, resolvem comprar uma casa nos arredores de Los Angeles, cidade em que Simon passou a infância e a adolescência. Não demora para que eles encontrem um ex-colega da época de colégio, de nome Gordon (Edgerton). Introspectivo e enigmático, Gordon passa a visitar o casal, levando a eles algum presente, ou até mesmo contribuindo em alguma tarefa doméstica. Só que, ao mesmo tempo em que Robyn acredita nas boas intenções do sujeito - que mantém a aparência entre o afável e o misterioso -, Simon parece desconfiar dessa aproximação, que se torna a cada dia mais ostensiva - e parece relacionada a algum segredo do passado, que carece de ser resolvido.



Claramente inspirado por obras do diretor austríaco Michael Haneke - especialmente Caché (2005) e Violência Gratuita (2007) - Edgerton constroi o suspense de maneira crescente, mas sem jamais apelar para o maniqueísmo típico do gênero, e que poderia acabar por delimitar os papeis de cada um dos personagens que vemos em cena, fossem eles bandidos ou mocinhos. Ao contrário, ao se apropriar da técnica do Mcguffin - tão bem empregada na filmografia de Alfred Hitchcock -, o diretor estreante faz com que tenhamos a nossa atenção voltada para as inusitadas e constantes visitas de Gordon, para, no instante seguinte, mostrar a nós que os problemas domésticos podem ser muito maiores do que um sujeito freak com cavanhaque estranho e ar tristonho, que resolve perturbar o casamento de alguém conhecido do passado. É mais ou menos como os zumbis de The Walking Dead, que, lá pelas tantas, passam a representar o menor dos problemas.

Ainda que a obra não consiga esquecer totalmente os lugares-comuns do gênero - entre eles a inevitável cena da protagonista que acorda de um sonho em que está sendo "atacada" pelo vilão -, o filme certamente reservará boas surpresas para os espectadores que apreciam roteiros engenhosos e que se sintam muito mais instigados pelo lado psicológico do que pelo susto óbvio provocado pelo miado de um gato escondido. Além de, aqui e ali, ainda abordar alguns dos males "modernos", como as fobias sociais e a síndrome do pânico. É claro que há uma ou outra forçada de barra na constituição do projeto - Bateman, ainda que simpático, não consegue convencer como um sujeito de personalidade ambígua, por exemplo. Mas, em geral, o filme, que ainda reserva algumas revelações decisivas para o seu terço final - com direito a uma liçãozinha de moral básica -, tem saldo positivo. Vale conferir!

Na Espera - Narcos (Série)

Os fãs de série Narcos, dirigida pelo brasileiro José Padilha, tiveram uma ótima notícia nesta segunda-feira (13/06), com a divulgação da data de estreia da segunda temporada, pelo serviço de streaming Netflix: será a partir do dia 02 de setembro de 2016 que a saga de Pablo Escobar (Wagner Moura) terá continuidade, com 10 novos episódios. No primeiro e (curto) teaser para apresentação do novo material, é possível ver o traficante - um dos mais icônicos da história -, intercalado por três datas, que dão conta dos seus dias de nascimento (01/12/1949) e morte (02/12/1993) e da estreia da nova temporada. "A busca por Pablo Escobar está apenas começando", nos lembra outros materiais promocionais, previamente disponibilizados. E nós, aqui do Picanha, somos pura expectativa!

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Especial Novidades em DVD - A Banda Mais Bonita da Cidade (Ao Vivo no Cine Joia)

Os queridos d'A Banda Mais Bonita da Cidade gentilmente nos enviaram, na última semana, o DVD Ao Vivo no Cine Joia, primeira apresentação do quinteto registrada integralmente em áudio e vídeo. Resultado do financiamento coletivo que contou com o apoio de quase 500 fãs, o material foi gravado há exatamente dois anos, em uma sexta-feira (dia 13 de junho de 2014), na casa de shows paulista. No repertório de 14 canções e pouco mais de uma hora de show, além de "velhas" conhecidas como Oração, Boa Pessoa, Canção Pra Não Voltar e Uma Atriz - que integram os dois discos até agora lançados -, o grupo também apresenta a inédita Zeppelin, de Livia Lakomy, além da ótima Terminei Indo, que integra o EP Canções Que Vão Morrer no Ar, lançado em 2012. (e nem vou chorar a ausência de Mercadoramama, uma das favoritas da casa!)

Quase desnecessário dizer que o registro é repleto de momentos emocionantes e que dão conta da sinergia existente entre banda e público. Não à toa, a impressão que se tem é a de que a vocalista Uyara Torrente interpreta as canções amparada por centenas de pessoas nos backing vocals, que cantam cada uma das músicas a plenos pulmões, com vontade, de coração. A própria Uyara não é apenas uma moça cantando músicas para alguém ouvir. Na melhor tradição das intérpretes brasileiras do passado, a artista parece viver genuinamente cada uma das canções que executa, entregando uma performance capaz de passar da melancolia para a ferocidade, da introspecção para a energia, em segundos. Não se trata apenas de uma voz ao mesmo tempo doce e potente. É presença de palco. É vibração. Enfim, é amor por aquilo que se faz.



É claro que, muito provavelmente, isso não seria possível não fosse o nítido clima de camaradagem entre os integrantes. Tocar e cantar, para A Banda Mais Bonita da Cidade, parece mais ou menos como apreciar uma lauta refeição, no caso do glutão. Ou como um culto, para aquele fiel mais engajado. É um prazer. E se o tecladista Vinícius Nisi, o baixista Marano, o guitarrista Thiago Ramalho e o baterista (e brother) Luís Bourscheidt garantem a instrumentação e o clima necessário para o andamento perfeito do ponto de vista musical, convidados especiais como Bernardo Bravo, China, Leo Fressatto, Rodrigo Lemos e Troy Rossilho garantem o brilho em momentos íntimos e intensos. Nesse sentido, é praticamente impossível não se emocionar com participações como a de Léo Fressatto, em Canção Pra Não Voltar e Solitária - esta última, a do indefectível refrão Vou cometer harakiri / Mesmo sabendo que nesse momento você ri.

Do ponto de vista técnico, a cenografia (de Tainá Azeredo), a iluminação (de Victor Sabbag e Fábia Regina), a fotografia (de Rosano Mauro Jr.) e a direção de vídeo (de Arnaldo Belotto) também dão mostras de que a afinidade dos integrantes com aqueles que lhes acompanham vai para além do palco, chegando a uma equipe que facilmente ultrapassa as 40 pessoas, que, como uma família, estão empanhadas em levar o melhor a seu público. E, quando todos os integrantes e convidados sobem ao palco para o encerramento épico, com Oração, tem-se a certeza da plena cumplicidade, da parceria e da intimidade entre todos. Um símbolo que alcança os fãs, representados pela já inesquecível "cena dos balões brancos", ainda capaz de surpreender os integrantes d'A Banda, mesmo que estes já estejam familiarizados com tanto carinho.


Para quem ainda não conhece o trabalho dos curitibanos, talvez o lançamento deste DVD possa representar uma bela porta de entrada para quem ainda não está familiarizado com aquela que talvez seja uma das mais simpáticas bandas nacionais da atualidade. E que, inacreditavelmente, ainda não tocou aqui em Lajeado - mesmo sendo esta a cidade natal do baterista, amigo e parceiro aqui do Picanha Luís Bourscheidt (o nosso eterno Geleia), a quem a gente agradece por ter enviado o trabalho. (Alô, empresários da cidade!) Nessas manhãs de frio / Quando a geada pinta a grama / E o azul do céu é de uma beleza que caçoa / Quando o nada, nada te faria tirar o pijama / Não fosse o vento que vai lá fora / É a voz do teu amor que chama agora, canta A Banda, na magnífica Boa Pessoa. O inverno é frio aqui pros lado do Sul. Mas só até a música começar a tocar. Simplesmente imperdível.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Lado B Classe A - Dirty Projectors (Swing Lo Magellan)

Sempre que vou ouvir pela primeira vez alguma banda que não esteja ainda familiarizado, costumo escutar os trabalhos - se forem em maior quantidade - em ordem cronológica. A meu ver esta parece ser uma forma de (tentar) entender como o artista evoluiu (se é que isto ocorreu) com o passar dos anos, ou mesmo quais as mudanças percebidas dentro de sua obra, e que podem estar relacionadas à bagagem artística, a resposta da audiência ou mesmo a maturidade alcançada. No caso do Dirty Projectors, devo admitir que comecei pelo final. Descobri a banda nova iorquina, após algumas leituras e indicações, justamente a partir de seu mais recente registro, o majestoso Swing Lo Magellan, lançado em 2012. E é preciso que se diga que, se talvez tivesse "começado pelo começo" (com o perdão do péssimo trocadilho), não estivesse aqui escrevendo mais esse Lado B Classe A.

Isto porque o primeiro trabalho de David Longstreth e companhia, chamado The Glad Fact (2003), é experimental ao extremo. Arranjado como se fosse uma colagem de sonoridades e conceitos esparsos e pouco audíveis, o álbum, curiosamente, caiu nas graças da crítica, que gostou da proposta artística - ainda que pouco comercial - recheada de camadas e texturas que dialogavam não apenas com o lo-fi e o indie rock, mas também com outras vertentes, como o acid jazz e o folk. "Longstreth canta como um menestrel que será assassinado, como um sem-teto, ou como uma espécie de Morrissey em estilo yankee", comparou à época o Pitchfork. A proposta era convidativa, mas complexa, hermética e pouco acessível, polvilhada por vocais enevoados e metálicos e instrumental seco e caseiro, formando um bolo que parecia servir exclusivamente à mente inquieta de seu criador.



As esquisitices pouco convidativas prosseguiriam pelos três próximos registros - Slave's Graves and Ballads (2004), The Getty Adress (2005) e Rise Above (2007). E ainda que, aqui e ali, alguns elementos que marcariam a banda futuramente começassem aos poucos a dar as caras em alguma das curvas de cada um desses trabalhos - fosse à percussão inspirada por ritmos africanos ou tribais, o baixo onipresente e bem pontuado, as palminhas quase em substituição a bateria ou mesmo os saborosos vocais adocicados de Amber Coffman - o que ainda parecia predominar era a complexidade experimental, que tornava cada trabalho um tanto menos palatável. Foi somente com o ótimo Bitte Orca (2009) - para muitas publicações o melhor trabalho da banda -, que aquele muro que ainda parecia estar interposto entre músicos e audiência foi quebrado.

Como se tivessem sido iluminados por algum "sopro divino", os integrantes do Dirty Projectors conseguiram, assim, promover um encontro entre a complexidade do shoegaze e da música alternativa como um todo e a música pop, acessível, radiofônica. Experimente ouvir Stillness Is the Move, um dos singles de Bitte Orca, e diga se a canção não poderia fazer parte de alguma playlist de sucessos de R&B dos anos 2000 - ao lado de nomes tão distintos como Rihanna ou Vampire Weekend, especialmente no que diz respeito a parte instrumental. Adotando elementos da soul music e do rock noventista de guitarras certeiras, com algumas pitadas de música clássica e caribenha, além do canto coral, o grupo perfumou o trabalho com o que de melhor poderia haver no que diz respeito ao cancioneiro comercial, mas sem perder as suas origens e as características que tornam o conjunto um dos mais diferentes e inventivos da atualidade.


Pois se Bitte Orca representou uma quebra de paradigma, o fundamental Swing Lo Magellan significou o aperfeiçoamento do modelo, com uma série de canções de grande refinamento no que diz respeito ao uso de vocais mesclados, sussurrados e limpos, amparados por um instrumental claro e magnético - seja na adoção da guitarra estridente, da percussão hipnotizante ou do teclado sutil -, mas sem perder o caráter intrigante que sempre foi a base da formação musical de Longstreet, e que posicionou o quinteto naquilo que se convencionou chamar de freak folk. Canções como About to Die, Dance For You, The Socialites, Unto Caesar e Swing Lo Magelan - equilibradas entre o elétrico e o acústico, entre o urgente e o econômico - representam uma inventividade poucas vezes vista na música moderna. Em meio a um emaranhado de bandas muitas vezes repetitivo e enfadonho, em muitos casos pautado apenas pelo hype, o Dirty Projectors, mostrou atingir a maturidade musical no momento certo, levando ao mundo o seu melhor trabalho. Simplesmente imperdível.

Na Espera - Teenage Fanclub (Disco)

As notícias para os fãs do Teenage Fanclub não poderiam ser melhores. Ao que parece, finalmente a espera por um novo disco dos escoceses está chegando ao fim! Ainda que não haja mais detalhes sobre a data de lançamento - ou mesmo o nome do álbum, a capa e a lista de músicas -, a chegada de um novo single nessa semana, intitulado de I'm In Love, dá a entender que o trabalho possa estar muito perto de ser concluído. Ainda mais que as últimas informações sobre um novo disco tenham sido divulgadas ainda de 2015, quando a banda de Norman Blake e companhia anunciou já estar em trabalho de pós-produção daquele que será o seu décimo primeiro registro - contando o trabalho colaborativo Words Of Wisdom and Hope (2002).



Dono de um power pop ao mesmo tempo ensolarado e elegante, que dialoga tanto com o shoegaze quanto com o indie rock, o Teenage Fanclub fez sucesso entre os alternativos dos anos 90, quando do lançamento de clássicos modernos, como Bandwagonesque (1991) e, especialmente, Grand Prix (1995), um dos melhores discos dos anos 90 para diversas publicações - e favoritaço-aço-AÇO aqui da casa! De lá para cá foram uma série de registros, cada vez mais espaçados, quase sempre acima da média, mas bem distantes da energia roqueira e vibrante apresentada no famoso disco com o carro de Fórmula 1 na capa. Bom, enquanto o sucessor de Shadows (2010) não chega, resta saborear o novo single e torcer para que o disco novo chegue logo!

terça-feira, 7 de junho de 2016

Pérolas do Netflix - Contracorrente (Contracorriente)

De: Javier Fuentes-Léon. Com Cristian Mercado, Tatiana Astengo e Manolo Cardona. Drama / Romance / Fantasia. Peru / Colômbia / França / Alemanha, 2009, 104 minutos.

A história do peruano Contracorrente (Contracorriente) não chega a ser exatamente inovadora, mas ela é contada de uma maneira tão leve e equilibrando, na mesma medida, o humor, o drama e algumas pitadas de nonsense (ou seria sobrenatural?), que fica praticamente impossível resistir! Diferentemente do que ocorre no magnífico O Segredo de Brokeback Mountain (2005), de Ang Lee, onde dois vaqueiros do oeste americano se apaixonam durante uma temporada de trabalho de pastoreamento de ovelhas, na fictícia cidade de Brokeback, aqui a trama se passa em uma colônia de pescadores, junto a uma bela praia peruana na costa do Pacífico. Em ambos os casos serão as dificuldades relacionadas a aceitação de um relacionamento homoafetivo, por uma comunidade conservadora e que convive com o permanente temor religioso, que pautarão as ações das películas.

No caso da obra de Javier Fuentes-Léon, somos apresentados a Miguel (Cristian Mercado), um pescador respeitado na localidade em que mora. Casado com Mariela (Tatiana Astengo), Miguel está prestes a ser pai pela primeira vez. Em meio a encontros com os amigos no bar para tomar uns tragos e jogar cartas, e a rotina como pescador, o rapaz mantém um relacionamento às escondidas com o artista plástico Santiago (Manolo Cardona), que está no local a trabalho, realizando séries fotográficas e pinturas variadas. A aproximação entre Miguel e Santiago certamente gerará suspeitas na comunidade, o que obrigará o primeiro a tomar a decisão de não ver mais o segundo. Assim, sem a possibilidade de ver o seu amor correspondido, Santiago decide abandonar o local, saindo em alto-mar.



É nesse momento que a história sofrerá uma interessante reviravolta, com a morte de Santiago após um acidente marítimo. Só que o problema é que a sua alma ficará vagando e retornará a praia, como se estivesse "presa", ocasião em que apenas Miguel poderá vê-la. Passado o baque do "reencontro" com o ex-amante, será a hora de Miguel retornar para o alto-mar, com o objetivo de resgatar o corpo de Santiago, única forma de dar a ele um enterro digno, retirando-o também desse limbo. Mas e se ele começar a gostar da situação de ter a pessoa amada próxima de si, sem que os outros o vejam? São estes arcos dramáticos, em muitos casos simples, as vezes quase ingênuos - ainda que com algumas cenas quentes -, que conduzirão a trama, em uma jornada de autodescoberta, enfrentamento de difculdades e de tomadas de decisões para todos os personagens - especialmente o protagonista.

Ver um filme peruano - a obra teve apoio da Colômbia, da França e da Alemanha -, cuja produção para o grande público e para o mercado externo é ainda incipiente, tratando de maneira tão natural de temas como homossexualismo (ou bissexualidade), é algo não apenas comovente, mas louvável. E ainda por cima com toques de fantasia! É claro que, aqui e ali, a película ainda peca em uma ou outra piada preconceituosa ou clichê do gênero - como na sequência em que vemos Mariela com a intenção de tentar uma espécie de "cura gay" (Feliciano aprovaria) para o marido, forçando-o a assistir futebol (esporte de "macho", não é?). Ainda assim, com interpretações absolutamente naturalistas de todo o elenco de atores, esse pequeno achado é uma verdadeira Pérola escondida no Netflix, que merece ser descoberta. Um filme, por sinal, adorado pelo público, que lhe concedeu o prêmio da audiência no Festival de Sundance de 2010, lhe garantindo, ainda, mais de quatro estrelas na já citada plataforma de streaming. Além de um mais do que honroso 7,8 no IMDB. Vale a pena conferir!

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Picanha em Série - Sense8

Não é fácil falar de uma série tão maravilhosa como Sense8 - disponível na plataforma de streaming Netflix -, porque se tem a impressão de que, com palavras, não será possível descrevê-la. É uma obra ao mesmo tempo intensa e tocante, dramática e divertida na medida certa, além de ser (aparentemente) diferente de tudo o que já foi feito. Devo confessar a vocês que, no começo, fiquei meio reticente - especialmente pelo fato de não ser lá um grande fã do trabalho dos Wachowskis (responsáveis pela trilogia Matrix e pelo recente A Viagem). Uma história em que oito pessoas completamente diferentes ao redor do mundo estão conectadas mentalmente por algo que pode ser chamado de "ressonância límbica", me parecia mirabolante demais! Ainda mais com estes mesmos sujeitos sendo perseguidos por representarem uma ameaça para a ordem mundial. Era meio viagem demais! E isso que gosto de ficção científica, especialmente pelo fato de as distopias representarem, em algum grau, nada mais do que o nosso mundinho de dominantes e dominados.

Mas aí muita gente começou a me falar do programa. Alguns leitores me perguntavam nas ruas: "e o Sense8 no quadro Picanha em Série?". Tá, essa parte não é verdade porque pra isso é preciso TER leitores. Mas o caso é que resolvi começar a assistir. Um episódio, dois... resolvi passar para o terceiro, até chegar no quarto. Quem já assistiu a primeira temporada na íntegra - são 12 episódios - saberá do que estou falando, ao mencionar A CENA da season one. Ela ocorre ao som de What's Up - clássico dos anos 90, cantado pelas meninas do 4 Non Blondes. É esse, o exato momento que nos maravilhamos pelo fato de um "simples" produto cultural mexer tanto conosco. Seja por força da empatia ou pelo sentimento de nostalgia mesmo. Em um instante estamos DENTRO da série. Somos sensates - é como são conhecidos os protagonistas, trocadilho com Sense8 - iguais a eles. E queremos todos vivos e acontecendo.



Nesse sentido, é preciso que se diga que a série, em muitos momentos, mais parece uma grande instalação artística apresentada em sequência, como se fossem aqueles vídeos exibidos em mostras de arte, em museus mundo afora. São tantas imagens bonitas - efeitos de grandiosos movimentos de câmera -, tanta cultura aflorada em cada curva de cada episódio, com o uso de música, pintura, teatro e outras manifestações, que a riqueza daquilo que encontramos em uma série como esta, não é possível de ser medida. Sim, há a sequência ao som de What's Up, mas há também aquela em Riley (Tuppence Midleton) é recebida, ao retornar a sua terra natal, a Islândia, por seu pai, compositor de música clássica, com uma calorosa canção regionalista, que ele faz enquanto entoa o banjo. Essa é mais UMA cena! Mas term várias, que poderiam ser descritas aqui pra descrever a maravilha daquilo que vemos.

É claro que nada disso seria possível se não fosse o elenco absolutamente carismático, sexy - tô apaixonado pelo elenco do segmento que se passa no México (aiai, Daniela) -, multicultural e pautado pela diversidade de gêneros e estilos, e que representa, cada um da sua maneira, os povos dos quatro cantos do planeta. Há, por exemplo, um arrombador de cofres de Berlim (Max Riemelt) que foi criado no crime organizado. Um ator ao estilo don juan que mantém em segredo o fato de ser homossexual (Miguel Angel Silvestre). Tem também um motorista de ônibus em Nairóbi (Aml Ameen) e uma empresária em Seul, que, nas horas vagas, participa de lutas noturnas em octógonos coreanos (Donna Bae). Há ainda uma farmacêutica indiana (Tina Desai) e uma DJ islandesa (a já citada Midleton). E dois americanos, um policial de Chicago (Brian Smith) e uma hacker  transexual (e lésbica) que luta pelos direitos LGBT (Jamie Clayton).


Sobre o grupo de personagens, se você tem dificuldades em assistir cenas que envolvem o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, de empoderamento da mulher, de apoio a causa das minorias (como negros e gays), de respeito a diversidade religiosa, cultural e sexual, de combate a grandes corporações ou mesmo de entender que um jovem alemão de olhos azuis também pode ser "bandido", essa série não foi feita pra você. E, nesse sentido, talvez seja melhor você conferir algum outro produto, como a noventista Dawson's Creek, com seus personagens branquelos e politicamente corretos. Porque Sense8 fala, no fim das contas, do todos nós. Ainda que não estejamos conectados telepaticamente, estamos unidos por outras formas, seja por ideologia ou por tecnologia. E aí está o pulo do gato!. Com seu roteiro intrincado, com imagens algumas vezes etéreas ou idílicas - até mesmo surrealistas -, personagens multifacetados e intrigantes, sequências divertidas, dramáticas, tensas, trilha sonora magnética, Sense8 consegue ser a série completa por excelência. E é por isso que se torna impossível descrevê-la apenas com palavras. Juro que tentei. Os fãs que me ajudem nessa. E que venha a segunda temporada!

sexta-feira, 3 de junho de 2016

10 Discos Internacionais Para Receber o Inverno (+05 Menções Honrosas)

Com o frio que aportou aqui pelas bandas do Sul nos últimos dias, a impressão que se tem é a de que a estação mais fria do ano já chegou! Só que, ainda que já estejamos confortáveis debaixo do edredom, tomando sopa praticamente toda a noite, a realidade é a de que o inverno só começa mesmo no dia 20 de junho. Pra quem não resiste às manhãs frias e ensolaradas da estação, ao café e ao chimarrão quentinhos, ao aconchego da roupa confortável, ao vinho solitário tarde da noite, preparamos um post mais do que especial: são os 10 Discos Para Receber o Inverno (+05 Menções Honrosas). Esta é uma forma de sugerir a trilha sonora ideal para aqueles dias mais frios - talvez até chuvosos -, mas que possuem aquele clima introspectivo e plácido bem ao estilo do período. Importante na hora de ouvir a música é o fato de o coração estar aquecido. Mesmo que a batida seja mais gélida.

Menções honrosas

#15 Björk (Homogenic)
#14 James Blake (The Colour In Anything)
#13 Portishead (Dummy)
#12 Travis (The Man Who)
#11 M83 (Saturdays = Youth)


#10 Lykke Li (I Never Learn): caso vocês não estejam ligando o nome a pessoa, a Lykke Li é a responsável pelo megahit I Follow Rivers, que integrava o disco Wounded Rhymes de 2011, e que apareceu em tudo quanto é rádio (e pista de dança) mais descolada daquele ano. Em seu mais recente trabalho, lançado em 2014, a sueca amplia ainda mais o romantismo invernal, cantando de uma maneira tão conectada as batidas gélidas que acompanham as suas canções, que a impressão que se tem é a de ser transportado imediatamente para algum canto do País nórdico. O clima é frio, claro. Mas Li é só coração na sua interpretação. O que garante o aconchego necessário para encarar as temperaturas mais baixas.



#9 Youth Lagoon (The Year Of Hibernation): nesse caso, pode-se dizer que o nome do trabalho fala por si. Algo que pode ser complementado pelo clima onírico, introspectivo e plácido desse registro fundamental, lançado em 2011. Mas é preciso que se diga que, como uma espécie de contraponto àquilo que escutamos - e a todas as emanações atmosféricas e hipnóticas (e geniais) criadas por seu único integrante, Trevor Powers - há uma verdadeira coleção de manifestações, nas letras, relacionadas à problemas mentais, de ansiedade, de medo da morte, ou mesmo ligados a frustrações amorosas e a outros conflitos internos. É um disco frio, difícil, até mesmo intrigante. Mas compensador.



#8 FKA Twigs (LP1): com uma mistura absolutamente sedutora de trip hop, R&B e música eletrônica, a cantora, compositora e produtora britânica garante a trilha sonora certeira para fazer o edredom ferver nas noites frias. As emanações do estilo são geladas, assim como as batidas secas, mas o vocal sussurrante e envolvente garante o clima para o momento a dois nesse elogiado e premiadíssimo trabalho (lançado em 2014). Não à toa a artista, ainda em início de carreira, foi comparada a, entre outros, Marvin Gaye. I know it hurts / You know, I'd put you first / (I can fuck you better than her) / You say you want me canta a moça no luxuriante single Two Weeks, mostrando que não brinca em serviço.



#7 Beirut (The Flying Club Cup): vamos combinar que, a despeito da capa ensolarada, existe algo totalmente invernal nas músicas desse discaço dos americanos do Beirut, lançado em 2007. Não sei se são os instrumentos - que podem ser desde o acordeão, passando pelo ukelelê, até chegar na tuba - ou os vocais absolutamente melancólicos do mentor do grupo Zach Condon. Talvez seja o clima folk inspirado no Leste Europeu, que flerta com outros estilos relacionados aquilo que acostumamos a chamar de World Music. Mas faço aqui um desafio a vocês: experimentem ouvir A Sunday Smile num belo domingo de sol pela manhã. Será absolutamente impossível não sorrir. Outras obras-primas, como Nantes, The Penalty e Cliquot completarão a sensação.

#6 Keane (Strangeland): não vou aqui dizer que o Keane pra mim é guilty pleasure porque ele não é. Eu adoro a banda, é uma das favoritas, torço pras voltar, quero mais discos, shows e tudo o mais. Pra mim dá de relho em qualquer Coldplay da vida quando o assunto é rock inglês daquele tipo pra ouvir de maneira desavergonhada. E vocês devem estar se perguntado o por quê de o disco lançado estar nessa lista. Não sei explicar. Eu ouço esse álbum no inverno, como ouço no verão, na primavera, no outono. Mas tem algo nele que combina com a estação mais fria do ano. Talvez a melancolia ou as letras tristonhas. Talvez a mistura de eletrônica com britpop. Os videoclipes com paisagens locais. Não sei, tem alguma coisa. Me digam, se vocês souberem.


#5 Julia Holter (Loud City Song): esse disco da americana Julia Holter, lançado em 2013, é a trilha sonora ideal para aquele sujeito que percorre a cidade nas noites (ou madrugadas) frias em busca de algum lugar para se aquecer. Há um quê de solidão total nele, uma melancolia enfumaçada, quase sufocante, quer talvez nem seja muito recomendada para quem está naqueles dias mais tristes. É um álbum de vanguarda, arranjado de maneira exemplar - com o uso de instrumentos como harpa e órgão, além de sintetizadores - que não à toa o registro figurou em TODAS as listas de melhores daquele ano. E que compensa o clima de iceberg sonoro com uma interpretação daquelas de elevar o espírito. Quem experimentar, certamente será recompensado.



#4 Radiohead (Kid A): Essa não é a primeira vez que esse disco do Radiohead aparece em uma lista, aqui no Picanha, e muito provavelmente não será a última, dada a infinita sensação de completude proporcionada pelo registro. Praticamente sem letras, o álbum se baseia em uma série de recortes e colagens sonoras, recheadas de efeitos eletrônicos e samplers que, invariavelmente, afundarão o ouvinte numa espécie de "inverno da alma". Mas mesmo as emanações árticas são pontuadas por uma beleza etérea, que pode ser percebida mais especificamente em canções como How to Disappear Completely e Optimistic. Ah, e o álbum ainda possui a música ideal para a dancinha solitária no canto da boatezinha cool: Idioteque.



#3 The National (Boxer): existe um ar melancólico, quase sombrio, no quarto álbum do The National, lançado em 2007, que o faz combinar perfeitamente com as noites geladas acompanhado quem sabe daquele livro que há horas você esperava o momento de ler, com aquele vinho tinto especial a tiracolo. Talvez seja o timbre de voz do vocalista Matt Berninger - que lembra muito Johnny Cash. Ou talvez o clima absolutamente intimista do instrumental discreto, quase acústico, que torna o registro diferente de todos lançados antes e depois, pelos americanos. Mas é aquele clima frio aconchegante, sabe? Que te faz rir enquanto ouve as notas musicais totalmente perfeitas sendo vertidas das caixinhas de som. Experimente a primeira música, chamada Fake Empire. Duvido você não querer o resto.



#2 Bon Iver (Bon Iver): é praticamente impossível o folk não aparecer em grandes doses em uma lista como essa. Ainda mais no caso da banda de Justin Vernon. Começa pelo nome do grupo. Bon Iver vem do francês e significa, acredite, "bom inverno" - alusão a uma frase dita por moradores do Alaska, quando as primeiras nevascas da temporada se avizinham. Aí você olha pra capa do trabalho: uma casinha situada no meio da natureza, junto as montanhas invernais. E quando os primeiros acordes da maravilhosa Perth, começam a percorrer o seu coração, você é transportado diretamente para esse clima. As emanações nostálgicas, belas em inúmeros sentidos, líricas, delicadas, poderão parecer totalmente melancólicas, conforme o registro - melhor de 2011 para várias publicações - se descortina. Mas o inverno é frio, não podemos nos esquecer. Cabe a nós tentar nos aquecer.



#1 Mutual Benefit (Love's a Crushing Diamond): não tem problema você nunca ter ouvido falar dessa banda e, até algumas semanas atrás, nós do Picanha também não estávamos familiarizados por ela. Tranquilo quanto a isso. Mas o fato é que o primeiro registro da banda de Jordan Lee, lançado em 2013, foi o motivo dessa lista ter surgido. Com apenas sete músicas e pouco mais de 30 minutos, essa verdadeira obra-prima da música folk-barroca foi resumida pelo site Pitchfork á perfeição: amorosa, paciente, bondosa e infalivelmente esperançosa. É a música do coração quente por excelência, em meio ao inverno gelado. Experimente se envolver com o banjo acalorado de Advanced Falconry em uma manhã fria e chuvosa de sábado. É um verdadeiro acalento.

Lançamento de Videoclipe - Travis (Animals)

All the animals are running after me
It's all that I can do to stay on two feet
All the animals are running to the sea
And I give it away every night every day
Every word that I say
I'm an animal

(Travis)

Os escoceses do Travis continuam produtivos quando o assunto são os novos videoclipes para divulgar o ótimo disco Everything At Once, lançado nesse ano - e que já foi resenhado aqui no Picanha. Depois de Magnificent Time, 3 Miles High e a música título, agora é a vez de Animals receber vídeo. Como é de praxe no caso da banda de Fran Healy - que segue com o estilo "tiozão grisalho" da barba comprida - e companhia, o clipe é levemente divertido, com o quarteto em frente a uma grande tela de chroma key. Pra quem quiser começar a sexta-feira com boa música, é só clicar e conferir!

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Espaço do Leitor / Disco da Semana - Niki & The Dove - Everybody's Heart Is Broken Now

Como ocorre eventualmente aqui no Picanha, hoje o quadro Disco da Semana é misturado com o Espaço do Leitor! Isto porque o nosso amigo, leitor e grande parceiro aqui do site Lucas George Wendt - que trabalha no Centro Cultural da Univates, aqui em Lajeado - é o responsável por falar sobre o novo disco da dupla sueca Niki & The Dove, o sensacional Everybody's Heart Is Broken Now - desde já um dos prováveis candidatos e figurar na nossa lista de melhores do final do ano. Boa leitura!


Niki & The Dove é, na verdade, como conhecemos os músicos suecos Malin Dahlström e Gustaf Karlöf. A história musical de Gustaf e Malin inicia em 2010 e, em 2012, o mundo conhece
o trabalho de dupla quando a BBC Radio 1 seleciona-os para concorrer no Sound Of The Year: competição que escolhe as grandes apostas da emissora anualmente. Em seu segundo álbum, a dupla aposta no groove e nas batidas oitentistas para trazer ao público um registro muito peculiar e diferente daquilo que nos acostumamos a ouvir quando pensamos neles. Everybody's Heart Is Broken Now sucede o primeiro álbum do duo, Instinct, lançado em 2012.

Essencialmente diferente desse primeiro registro completo de estúdio, que nos trouxe um debut repleto de batidas explosivas e atmosfera pop frenética, como nos casos dos singles Tomorrow e DJ, Ease My Mind, o segundo álbum é repleto de ecos e batidas distantes, mais ritmado, e um convite à dança. Um claro regresso aos anos 1980, a disco music e ao groove que reinavam na época. Everybody's Heart Is Broken Now foi lançado em abril pela TEN Music Group, e as canções do álbum versam sobre temas como o futuro, o cotidiano, e sobre término de relacionamentos.



Nesse sentido, temos canções mais tristes como Lost Ub, que aborda o senso de perda e falta de chão que prevalece quando o amor finda. É um disco nostálgico e sutil, de toques leves. Nesse novo material entregue aos fãs, riffs de guitarra substituem as batidas eletrônicas do disco anterior e, somadas a voz bastante singular de Malin, convidam para uma viagem sonora às décadas passadas. Aliás, o potencial vocal da performer é explorado de maneira magistral na canção Everybody Wants To Be You, quando o álbum já vai se encaminhando para o fim. Antes do lançamento em abril, os singles, para o promoção do registro, foram as canções So Much It Hurts e Play It On My Radio, que caracterizam bem a estética musical proposta no novo material.

Destaques do álbum ficam por conta de canções como Scar For Love, com refrão grudento no qual Malin versa sobre as marcas que nossos amores deixam nos corações alheios e Pretty Babies, que fala sobre promessas e futuro. Ode To a Dance Floor é a música de maior duração, com quase oito minutos, e versos longos: é uma história que Malin canta e que passa por altos e baixos. Shark City (Tropico X) é a mais dançante e também a mais inusitada, com uma letra que diz que em uma cidade de tubarões você precisa de dentes afiados. Desde o lançamento ­e ao longo das últimas semanas­, as canções da edição especial estão sendo disponibilizadas. Até o momento chegaram a público Lady Friend e Sunset Tyger. A edição especial ainda conta com mais duas faixas não reveladas, Sister Brother Mother Father e Empires.

Pra quem gosta de Vanbot, Lykke Li, Austra, Oh Land e St. Lucia.

Nota: 9,0