De: Guy Nattiv. Com Helen Mirren, Liev Schreiber e Camille Cottin. Drama, EUA / Reino Unido, 2023, 103 minutos.
Em uma época em que todo o mundo se tornou, inesperadamente, especialista em Israel e em conflitos do Oriente Médio - da tia Nelci do zap ao vereador de extrema direita do pequeno município gaúcho -, um filme como Golda: A Mulher de Uma Nação (Golda) pode suscitar algumas paixões meio desmesuradas. Habituados a defesa cega do País - e até da política bizarra do primeiro ministro Benjamin Netanyahu - os conservadores e evangélicos poderão encontrar na ex primeira-ministra de Israel uma líder carismática e preocupada em defender sua Nação a qualquer custo. Nem que isso envolva um aparato bélico gigantesco, com o apoio inevitável dos Estados Unidos. "Israel acima de tudo", talvez dirão os mais emocionados. Para aqueles que repudiam fortemente a luta contra o terrorismo do Hamas como uma desculpa pra bombardear a tudo e a todos - de mulheres, crianças, civis e qualquer ser humano que se mova -, será meio difícil se comover com os esforços da líder que se vê em tela. Até mesmo pela sua história controversa.
Alguns poderão dizer que é um filme que sai na hora certa. Ou talvez seja na errada. Mas o caso é de que os conflitos na região se arrastam por décadas e certamente sem um historiador bem informado - com dados, documentos históricos e outros registros - sempre será difícil apontar o lado certo dessa disputa. Aliás, há lado certo? Em uma briga política e religiosa que busca ocupação de territórios, supressão de povos e outras medidas, no mínimo, questionáveis? Aparentemente, o que o diretor Guy Nattiv (do premiado curta Skin) tenta, com toda a força do mundo, é humanizar Golda (que sob a maquiagem carregada de Helen Mirren, parece ainda mais caricata). Nesse sentido, ela surge em tela como uma senhorinha de ombros curvados, que padece de um câncer, ainda que isso não a impeça de praticamente emendar um cigarro no outro. E enquanto ela lida com os problemas de saúde pessoais, precisa se ocupar de algo muito mais sério: no caso com os acontecimentos da Guerra do Yom Kippur, ocorrida há 50 anos.
Pra quem não está muito familiarizado - aliás, meu caso -, pode ser meio complicado entender os detalhes desse conflito. Ou mesmo as suas motivações. Em linhas gerais o que aconteceu à época foi uma batalha próxima do Canal de Suez, junto à fronteira do Estado de Israel com o Egito. A ideia do ex-presidente egípcio Anwar Al Sadat era invadir o País vizinho justamente durante o Yom Kippur, importante feriado para os judeus e que é conhecido também como o Dia do Perdão. E se não bastasse ter de lidar com o Egito por um lado, havia ainda a Síria tentando atacar por outro, junto às Colinas de Golã. Resumo da ópera: Israel pretendia preservar os territórios conquistados na Guerra dos Seis Dias, de 1967, mas os árabes não estavam muito satisfeitos. O resultado? Vinte dias de bombas, tiros, mortes e escolhas questionáveis, que desencadeariam ainda uma crise petrolífera no ocidente, com o aumentos dos preços dos barris. No fim, tudo é sobre dinheiro. Sobre economia. Sobre capital. Com a religião sendo um pano de fundo onipresente. Golda estava entrando nos anos finais de sua vida. O que não a impediu de mover as peças nesse complexo tabuleiro geográfico.
Ok, não se trata de um filme ruim ou desprezível. Há um grande empenho da produção em focar nos bastidores, nos diálogos feitos em gabinetes fechados, que envolvem tomadas de decisão complicadas e uma verborragia militarista que parece intensificar ainda mais o senso de ameaça. Mas talvez aqui o problema esteja no recorte excessivamente diminuto para uma obra que pretende levar o nome de Golda. Para o desavisado, talvez essa pudesse ser uma experiência mais ampla sobre a história de vida da líder política - aliás, a primeira (e única) mulher da história a ocupar o cargo em Israel. Até se tornar signatária pela independência de Israel ela moraria nos Estados Unidos, trabalharia como professora, se envolveria no movimento sionista trabalhista. Todos esses aspectos que adicionariam camadas à personalidade de Golda são ignorados no filme. Não há algo que a conecte com os judeus ucranianos da sua Kiev natal. Ou sobre a sua atividade como Ministra do Trabalho - o que envolveu um empenho em políticas habitacionais para os imigrantes judeus. Ou mesmo sobre controvérsias relacionadas a temas como racismo, xenofobia e mesmo políticas genocidas. Em tempos em que os olhos se voltam tão atentamente para Israel, talvez tudo isso fosse importante. Afinal, Golda não parece ser apenas uma idosa fragilizada a caminho da morte, que fuma compulsivamente. No limite, pareceu meio que isso.
Nota: 5,5