De: Sofia Coppola. Com Rashida Jones, Bill Murray, Marlon Weyans e Jessica Henwick. Comédia dramática, EUA, 2020, 96 minutos.
Existe uma cena bem no comecinho de On The Rocks que, apenas com o uso do som abafado, confuso, já dá o tom daquilo que encontraremos nessa agridoce aventura romântica da diretora Sofia Coppola (de As Virgens Suicidas e Encontros e Desencontros). No momento em que Laura (Rashida Jones) leva os seus filhos para a escola, uma espécie de britadeira de uma obra insiste em poluir uma conversa descompromissada que ela tem com uma mãe de algum outro aluno. A mãe em questão discorre sobre as aventuras sexuais com um desconhecido, enquanto os barulhos rotineiros, aleatórios, quase invadem a cena, perturbam incomodam. Não é preciso nem cinco minutos para que compreendamos que o caos ruidoso da vida lá fora é uma metáfora para o estado de espírito da protagonista: com vários anos de casamento nas costas, uma casa para cuidar, dois filhos, a rotina e o cotidiano, a "vida a dois" com o marido Dean (Marlon Weyans) já não é mais aquelas coisas. E uma sequência com Chris Rock pontua bem os rituais habituais de um casal. É divertido e melancólico ao mesmo tempo.
Pra piorar, tudo indica que Dean possa estar tendo um caso com sua jovem e prestativa assistente Fiona (Jessica Henwick). No trabalho, há muitas viagens juntos, muitas conquistas, números alcançados e metas a celebrar e Laura, uma escritora que luta para colocar a "casa em ordem" para destrinchar o seu novo livro, acaba ficando meio alheia a tudo. Sua vida é recolher brinquedos, conter agitações. Ir da escola para casa, da casa para a escola, com uma passada no mercado ou nos familiares pouco amistosos. Falando em familiares, a situação piora quando "entra" em sua vida o seu pai, o bon vivant Feliz (Bill Murray). Sujeito que consegue esconder o machismo e a misoginia debaixo de uma tonelada de carisma, Felix se propõe a ajudar a filha a desvendar aquilo que possa estar por trás da crise de seu relacionamento. Experiente e cheio de segredos do passado, acredita que Laura mereça o melhor: e não aceita o fato de que sua "pequena" esteja sendo deixada de lado, virando um tipo de detetive empenhado em descobrir a verdade sobre Dean (e Fiona).
Sim, parece meio bobinho mas é agridoce, leve, divertido. Cada encontro de Felix com Laura - seja em algum restaurante luxuoso, em algum ponto turístico ou, sei lá, no México (!) -, renderá um sem fim de diálogos divertidos, cheios de comentários sociais sobre relacionamentos, suas angústias, anseios, dores e temores. Não, não é para mudar a vida, mas quando Sofia centra seu roteiro em um tema tão caro a qualquer um de nós - o da paixão e da necessidade permanente de reciclá-la dentro de um relacionamento -, ela fala com absolutamente TODAS as pessoas. E aí é impossível não se identificar. Quando Laura flagra uma necessaire de Fiona perdida nas coisas de Dean, ou mesmo os dois saindo de um jantar que parece fruto de alguma mentira, a protagonista teria tudo para encarnar a esposa paranoica e insegura. Mas a presença do pai sempre ao seu lado, por mais excêntrico que ele seja, faz com que as coisas se mantenham mais ou menos dentro de um controle, com as dúvidas sobre o desfecho do principal arco dramático se mantendo em suspense o tempo todo.
E o fato de Murray encarnar Felix como uma figura ao mesmo tempo abjeta e elegante gera um caráter multidimensional para a construção daqueles que assistimos, afinal de contas todos nós somos seres complexos, que tem conflitos internos e questões a serem resolvidas praticamente o tempo inteiro. Se por um lado, o comportamento sexista e preconceituoso de Felix surge praticamente o tempo inteiro, gerando desconforto nos demais, será ele também a pessoa que estará lá para apoiar Laura nos piores momentos. E nos mais constrangedores também. Inclusive naqueles em que ele mais atrapalha do que ajuda! Com boas chances na categoria Roteiro Original na próxima edição do Oscar, a película ainda representa um sopro de otimismo em tempos tão duros, tão rudes, tão ásperos. Saber perdoar, se redescobrir, conseguir ir adiante, mudar mesmo permanecendo, ficando... a obra traz algumas lições. Pequenas, não tão profundas. Mas que nos arrancam um sorriso glorioso ao final.
Nota: 8,0
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