sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Pérolas da Netflix - Joias Brutas (Uncut Gems)

De: Ben e Joshua Safdie. Com Adam Sandler, Eric Bogosian, Julia Fox, Lakeith Stanfield, Kevin Garnett e Idina Menzel. Comédia / Drama, EUA, 2019, 135 minutos.

Joias Brutas (Uncut Gems) está sendo "vendido" como o filme em que Adam Sandler faz uma boa interpretação e, sim, ele faz. O ator encarna um certo Howard Ratner, um trambiqueiro que se traveste de vendedor em uma loja de peças de valor e que se vê em maus lençois quando um grupo de capangas aparece para cobrar uma dívida de pouco mais de US$ 100 mil. Enquanto ele vai engambelando os credores - e tenta evitar apanhar (e até morrer) -, ele recebe pelo correio uma encomenda que pode mudar a sua vida: uma preciosíssima Opala retirada por mineiros de um País africano e que, de acordo com o seu conhecimento, pode valor perto de US$ 1 milhão. Interpretando a si mesmo, o astro do basquete Kevin Garnett se apresenta como o principal interessado no objeto - ele acredita que a pedra preciosa tenha poderes mágicos para fazer ele jogar ainda melhor (mesmo sendo um veterano). Mas Howard não está interessado em vender a peça, já que ela será leiloada, podendo ser arrematada por um valor altíssimo.

Esse primeiro parágrafo do texto não consegue dar conta de um dos aspectos mais marcantes de Joias Brutas: o de que tem SEMPRE muita coisa acontecendo ao mesmo tempo no filme (o que numa obra dos irmãos Ben e Joshua Safdie, que dirigiram o caótico e urgente Bom Comportamento, não surpreende). Howard está sempre no centro de tudo e Adam Sandler, com um cavanhaque mequetrefe, óculos esquisitos, próteses dentárias e sem nenhum maneirismo, aparece em praticamente todas as cenas. Ele é uma figura complexa, e por mais que esteja o tempo inteiro fazendo escolhas erradas, a gente acaba torcendo pelo embusteiro, que emana um excêntrico carisma. Em sua loja, e como parte de uma conjunção que visa apenas a trapaça, também "trabalham" Demany (Lakeith Stanfield) e Julia (Julia Fox), que se empenham em levar ao estabelecimento figuras que possam realizar grandes aquisições (como é o caso de Garnett). Aliás, sobre a Opala, Garnett, impedido de comprá-la, a pega emprestada. E, bom, é aí que a coisa desanda de vez.


Com ecos de O Pagamento Final (1993) e de obras iniciais do cineasta Guy Pearce, o filme traz a velha e conhecida mensagem de que o crime não compensa. E nem a ambição, já que sempre que Howard se aproxima de resolver de uma vez por todas os seus problemas, ele acha que ainda pode persistir um pouco mais, o que faz com que ele se afunde em uma espiral de desastres, que lhe faz perder dinheiro, saúde, família, trabalho. Aliás, a anarquia e a confusão que é a vida do sujeito, transparece o tempo todo também na parte técnica da película, seja em cortes e enquadramentos bruscos, secos, seja na trilha sonora onipresente e angustiante ou seja na claustrofobia provocada pela lojinha do protagonista, tão pequena que o tempo todo as pessoas que estão lá dentro parecem espremidas em um pandemônio de vozes, de gritos e de intenções. É a algazarra em forma de filme. E que funciona muito bem, por sinal!

Aliás, a algazarra é tanta que lá pelas tantas a gente quase se perde entre credores (são mais de um), potenciais compradores, empregados, família e todo o resto. A vida de Howard é confusa e ele não aprece muito interessado em sanar essa confusão. Pródiga em utilizar o humor para escancarar o absurdo da existência do protagonista - como no caso da impagável sequência que envolve o cantor The Weeknd interpretando a si mesmo, ou mesmo a cena em que capangas prendem Howard de forma constrangedora em um porta malas -, a obra não procura passar pano para a malandragem como um estilo de vida, algo comprovado pela sequência final. Mas, no mais, trata-se de um filme divertido, escapista, eventualmente surreal (como nas cenas que mesclam vísceras e gemas de joias) e que ainda mostra que Adam Sandler, com um bom papel em mãos, pode ser, sim, um bom ator.

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