Não sei se foi a ingenuidade em excesso, a historinha de ficção científica relativamente previsível, ou os arcos dramáticos dispensáveis - em especial aquele que dá conta do "núcleo adolescente" mais xarope desde a finada Dawson's Creek - mas, dado o hype criado nas redes sociais (e em todo o lugar), devo dizer que, ao terminar a primeira temporada da nova série da Netflix, Stranger Things, não pude deixar de ser tomado por certo sentimento de decepção. Não quero aqui soar presunçoso ou excessivamente crítico pelo simples prazer de ser "do contra", mas o fato é que eu esperava mais. Aliás, acho que esperava muito mais - e aqui quem vos escreve é um declarado fã dessa "modinha cultural" (vamos chamar assim) de promover a nostalgia como sentimento máximo, na hora da construção de novos produtos, sejam eles músicas, filmes, ou séries. E, enquanto assistia, juro que aguardava aquele momento ou instante em que tudo viraria de cabeça pra baixo - com o perdão do trocadilho - para que pudesse dizer, nem que fosse mentalmente, um "ahhh, agora sim, tudo se explica!". Mas não rolou, já que o que acompanhei foi apenas um bom entretenimento.
Em fóruns e comunidades internet afora parece que, no que diz respeito a recepção do público, tem ocorrido um fenômeno: pessoas de trinta e muitos anos, ou quarenta e alguma coisa tem avaliado a atração concebida pelos irmãos Matt e Ross Duffer apenas como razoável. Ao passo que adolescentes e jovens de vinte e poucos anos têm curtido MUITO, o que não deixa de se constituir em certo paradoxo uma vez que, justamente quem viveu os anos 80 - a série se passa em 1983 - não tem se emocionado tanto. É o famoso caso da nostalgia por aquilo que não fomos contemporâneos. Mais ou menos o que tentam explicar os personagens da sensacional comédia Meia Noite em Paris, de Woody Allen, que passam a película inteira debatendo o contexto cultural - e político/ideológico - do passado, como um modelo ideal a não ser mais alcançado na atualidade. Assim, passamos o tempo inteiro pensando "bah, que massa que era ou devia ser aquela época. E aqui estamos nós, nesse presente sem graça." Ou vai ver estamos ficando velhos mesmo. E chatos. Sei lá também.
A trama da série se passa em uma pacata cidadezinha do interior dos Estados Unidos, onde um garotinho desaparece misteriosamente, deixando a sua mãe (Ryder, em papel meio histriônico), em desespero. Enquanto tenta desvendar o mistério, com o auxílio de um policial que parece guardar traumas do passado (Harbour), os outros três amigos do jovem também tentam encontrá-lo, buscando pistas próximas ao local em que ele sumiu, que possam levar a solução do caso. A única pista que encontrarão será uma menina de comportamento estranho, perdida no meio do mato, que poderá ser a chave para que a verdade venha a tona. É a partir desse momento que tem início uma versão "moderna" de ET - O Extraterrestre, com a garota, que parece ter alguns poderes especiais, vivendo escondida do restante do mundo. (e são tantas as sequências que fazem lembrar o filme de Spielberg - a hora em que Onze se "fantasia de menina", a fuga de bicicletas -, que, em alguns momentos, Stranger Things quase parece uma refilmagem)
Mas ET não é a única referência da série, sendo possível encontrar, aqui e ali, citações a produtos culturais diversos, como os filmes Conta Comigo, Os Herois Não Tem Idade, O Enigma do Outro Mundo e Alien - O Oitavo Passageiro, além das obras do David Cronenberg, séries como Anos Incríveis, e até mesmo a jogos de videogames modernos, como Silent Hill - esta a meu ver uma das mais gritantes (e impactantes) influências. Em especial nas cenas que envolvem uma espécie de portal para um "submundo correlato de terror" - ainda que o game fosse ser desenvolvido somente nos anos 90. E, mesmo sendo as referências explícitas a outras obras uma das partes mais legais da série, devo dizer que muitas inserções davam a sensação de terem sido forçadamente incluídas, deixando o processo um tanto mais artificial - e, confesso que, para minha decepção, a sequência com a música Heroes, do David Bowie, me pareceu ter sido desenhada pelos roteiristas não como um processo orgânico e, sim, como algo com o único objetivo de induzir a comoção por efeito da "mão pesada". (e se não for isso, me digam) Fora o fato de a trilha sonora, ainda que obviamente boa, parecer estar deslocada em algumas cenas, não combinando com o áudio com aquilo que se vê.
Mas absolutamente NADA é mais irregular (pra não dizer lamentável) do que o já citado núcleo adolescente. Na intenção de reforçar estereótipos que, hoje em dia, já estão (quase) em desuso ou mesmo superados - a bonitinha CDF e estudiosa que se apaixona pelo bonitão atlético e babaca, o bonitão atlético e babaca que é mais babaca ainda do que imaginávamos, o amigo babaca do babaca, o esquisitão que sofre bullying e gosta de fotografia, a amiga nerd e gordinha e por aí vai -, a série não consegue homenagear um período, ou mesmo filmes consagrados como Clube dos Cinco, soando apenas artificial e verdadeiramente irritante. Os exageros nos comportamentos recheados de clichês de todo esse grupo tornam as suas aparições não apenas dispensáveis, mas anacrônicas em todos os aspectos, uma vez que elas não são sequer divertidas - além de pouco contribuírem, como um todo, para o arco dramático central. E, pra piorar tudo, a escolha totalmente equivocada da atriz Natalia Dyer, capaz de fazer durante oito episódios uma única expressão - a da testa franzida e preocupada -, como uma das protagonistas, confere a este segmento um ar de quase tortura, tamanho o aspecto caricato das concepções.
Num contraponto, é louvável o esforço do núcleo infantil em entregar boas interpretações - o jovem que vive o Dustin (Gaten Matarazzo), é um verdadeiro achado. O mesmo valendo para os demais meninos. As exigências da personagem de Millie Brown (Onze) faz com que relevemos pequenas imperfeições - e não se pode negar que, com seus olhos grandes e expressivos, ela compõe uma boa e enigmática figura. Entre os adultos, Ryder exagera um pouco na dose, ainda que consiga emocionar em alguns momentos - e eu particularmente gosto da cena à Interestellar, da conversa com o filho que se encontra "dentro da parede". As conversas à Poltergeist - O Fenômeno, por meio do sistema de luz, podem ser meio surreais, mas até que encaixam no contexto (ainda que não representem algo inovador). David Harbour, como o xerife da pequena cidade, também está bem - ainda que os roteiristas esqueçam, depois da primeira cena, de seu vício compulsivo em cigarros, já que ele simplesmente não aparece mais fumando. E, Matthew Modine? Bom, ele parece estar lá muito mais pelos seus papeis dos anos 80 - faz parte do revival - do que por alguma qualidade secreta no que diz respeito a interpretação.
Tocando de raspão no tema da Guerra Fria - a simbologia da ameaça comunista em um país em que crianças compravam armas de fogo como se fossem barras de chocolate - e na falha completa do American Way Of Life - os pais de um dos guris beiram o patético da paixão republicana que poderá ser revivida agora por Donald Trump -, a série como um todo deixa um sentimento de que, se tivesse tido alguns de seus núcleos enxugados, não forçasse a barra na inclusão das referências e construísse ainda alguns personagens mais complexos (e menos idiotas), talvez o resultado final fosse mais interessante. E mesmo a resolução do último episódio, em que tudo se encaixa de forma tranquila demais e até "meio sem querer" forma um conjunto um tanto anticlimático - ainda que a morte de Onze compense, minimamente, este sentimento. Dito isso tudo, conclui-se de que não é ruim, tem boa direção de arte (os objetos de cena são interessantes e realistas), fotografia granulada que remonta ao período e figurinos ótimos mas, no fim das contas, é apenas ok. Em um mundo em que temos tantas ótimas séries para nos ocupar, ou mesmo filmes como Super 8 (2011), de JJ Abrams - que de certa forma já contemplou o que se vê em Stranger Things -, uma série que busca o passado como fonte de inspiração, mas abre mão de aspectos que poderiam torná-la um tanto mais inovadora, soa apenas como um revival ultrapassado ou uma mera homenagem pro forma. Mas essa é apenas a opinião desse jornalista que vos escreve. E, opinião, oras, o mundo está cheio delas.
Nota: 6,8