sexta-feira, 29 de junho de 2018

Lançamento de Videoclipe - Florence + The Machine (Big God)

A expectativa é grande para o novo álbum da banda Florence + The Machine, intitulado High as Hope - e que está disponível a partir de hoje (inclusive nas plataformas de streaming). Quarto registro de inéditas, o sucessor de How Big, How Blue, How Beautiful (2015) tem rendido uma série de singles para divulgação, entre eles Big God, que foi lançado na última semana. Com a participação de Jamie XX e Kamasi Washington, a faixa tem tom minimalista, assim como é o videoclipe - que mostra a vocalista dançando em um cenário com fundo preto, cercada por bailarinas, em trabalhado assinado pelo diretor Autumn De Wilde e coreografado pelo dançarino Akram Khan. Como se fosse uma elegia, a canção não nega uma certa melancolia, ainda que amparada por uma marcante percussão tribal. Vale clicar e conferir!

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Artigo - Entrando Numa Roubada com as Notas da Netflix

Não sei vocês mas, muitas vezes, quando estou zapeando despretensiosamente pela Netflix na intenção de escolher um filme qualquer para assistir, acabo me guiando pelas notas dos usuários do serviço. Maior quantidade de estrelas? Conclusão óbvia = filme bom de se ver. Afinal de contas, a voz do povo é a voz de Deus, certo? Talvez. Ou no caso da plataforma mais famosa de oferta de filmes, nem sempre. O caso é que as reações das pessoas que utilizam a Netflix na hora de avaliar as películas são meio curiosas - e, evidentemente, tem muito a ver com as suas visões de mundo, bagagem cultural, valores, etc, do que qualquer outra coisa. Às vezes tem até a ver com o dia. O humor. O cansaço. Ou não. Natural, afinal de contas, o que é duas estrelas pra mim pode ser cinco pra você. Ou o contrário. Vai saber. Mesmo diretores odiados pela crítica - caso do americano Michael Bay - são capazes de honrosas três estrelas e meia em pérolas como o "clássico moderno" Transformers - O Lado Oculto da Lua. As pessoas gostam e é isso que vale.

Só que o caso é que por causa disso, levar em conta as notas dadas aos filmes pelos usuários da Netflix é, muitas vezes, entrar em roubadas homéricas. Ontem resolvi assistir a um filme chamado O Plano Imperfeito (Set It Up). Lançado na semana passada, aparecia no serviço com valiosas cinco estrelas. A despeito da capinha de comédia romântica açucarada - e comédia romântica açucarada, todos sabemos, pode ser uma boa oportunidade para um filme agradável, leve e divertido, desde que as personagens nos importem - a sinopse sobre dois assistentes de escritório, um rapaz e uma moça, exauridos pelas rotinas estafantes de trabalho, tentando fazer com que os seus chefes de apaixonem (entre si), com o objetivo de tornar as suas vidas mais leves, menos pesadas, menos angustiantes, parecia ser um belo atrativo. Na minha cabeça pensei que o filme seria uma baita oportunidade para uma ferrenha crítica social a esses jovens yuppies modernos, preocupados apenas com as suas carreiras e que frequentam cursos estilo Master Mind como se ser um workaholic os transformasse em uma entidade superior no mundo dos negócios. Ledo engano. Aliás, ledíssimo engano.



A obra é um amontoado de clichês ambulantes, com personagens machistas, preconceituosos, unidimensionais e pouco complexos - fora o roteiro estapafúrdio e (talvez) os piores, mais constrangedores e mais inverossímeis diálogos do ano - com direito até a pasmem, conversas sobre a chefe de um deles (no caso a talentosa Lucy Liu) ser mal humorada porque não transa. Fora o fato de que, para Hollywood, parece ser incrivelmente impossível conciliar carreira e relacionamento - já que é um ou outro. E não estamos falando de um filme dos anos 80 e sim de uma obra da revigorante (cof, cof) Netflix e sua postura progressista e aberta. Só que não. A dupla de protagonistas de O Plano Imperfeito - vividos por Zoey Deutch e Glen Powell - tem o carisma de um muro recém construído e que ainda está com o concreto secando. E você fica ali do lado esperando isso acontecer. Terrível.

Mas então por que cinco estrelas vindas dos usuários da Netflix? Não sei, talvez as pessoas gostem desses filmes sobre pessoas e suas carreiras em escritórios luxuosos, tecnológicos e cheios de gente bonita e bem vestida. Talvez acreditem que aquilo seja de fato um sonho a ser almejado pela maioria e que trabalhar até às 22h30 somente porque se é "obrigado a sair depois do chefe" (como comenta um deles em outro diálogo) seja motivo de orgulho. Talvez as pessoas simpatizaram com as personagens. Sério, quem viu comédias românticas refrescantes como 500 Dias Com Ela consegue simpatizar com aquela dupla? Se vocês viram, me digam. Sobre as estrelas na Netflix já fui surpreendido positivamente MUITAS vezes - um dos casos mais recentes o Toc Toc e as suas quatro estrelas e meia. Ainda assim, fica o alerta. Nem sempre a avaliação dos usuários é garantia de bom filme - e eu tenho aprendido isso a duras penas. Afinal de contas cada pessoa é uma pessoa (ah vá?) - e se não há unanimidade em muitos lugares, não será no cinema que ela ocorrerá. De minha parte, terminada a sessão de O Plano Imperfeito joguei a minha solene UMA ESTRELA sobre ele, na esperança de contribuir para a excelência de qualidade do sistema. Indo dormir em paz depois disso.

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Novidades em DVD - Um Lugar Silencioso (A Quiet Place)

De John Krasinski. Com Emily Blunt, John Krasinsi, Millicent Simmonds, Noah Jupe e Cade Edward. Suspense / Ficção científica, EUA, 2017, 89 minutos.

Existe um provérbio chinês que lembra que "Deus deu ao homem dois ouvidos e uma boca para que ele ouça duas vezes mais do que fala" - e esse chavão é levado quase ao pé da letra no arrepiante (e surpreendente) Um Lugar Silencioso (A Quiet Place). A trama se passa em algum local dos Estados Unidos no ano de 2020 - como revelam antigos recortes de jornais espalhados pela casa de campo dos protagonistas. Sem muita explicação, a humanidade está sendo perseguida e atacada por algum tipo de entidade alienígena que tem a sua percepção "ativada" por meio do som. Ou seja, fazer qualquer tipo de barulho é despertar o perigo que se esconde nas densas florestas e nas plantações de milho que rodeiam a fazenda em que Lee (John Krasinski) e Evelyn (Emily Blunt) moram com os filhos Regan (Millicent Simmonds, uma verdadeira joia juvenil da atuação), Marcus (Noah Jupe) e Beau (Cade Edward).

A trama não poderia ser mais simples e por mais que o filme se passe inteiramente no mesmo cenário, ele possui uma série de qualidades capazes de transformar o projeto em um produto superior se comparado a outros do gênero. Para começar, o roteiro não se ocupa em explicar de onde surgem as criaturas agressivas e repulsivas que estão atacando a humanidade - e não deixa de ser divertido de, agora em DVD, poder pausar a projeção para ver o que está escrito nos já citados recortes de jornais que estão colocados em uma parede no porão da casa em que a família mora (a maioria deles com alertas para a população, para que esta não faça barulho) e que poderiam fornecer algum tipo de explicação para o caso. Ao contrário, a trama já inicia no dia 89 no que parece ser a Terra pós-apocalipse com a família toda andando na ponta dos pés em uma espécie de farmácia, buscando medicamentos em meio ao cenário devastado.



É nesse tipo de cenário - meio Walking Dead - que perceberemos a natureza dos perigos que rondam a família, que procura caminhar sobre a areia, como forma de reduzir a amplitude do som produzido em meio aos matagais percorridos por todos. Assim, não demorará para que percebamos a importância do silêncio e de como qualquer descuido poderá ser inevitavelmente fatal. Assim, acompanhamos a rotina da família, que vive em harmonia, a despeito de uma tragédia ocorrida e que é apresentada no começo do filme. E, aqui, destaca-se mais uma virtude - o fato de simpatizarmos com as personagens que estamos vendo (carinhosas, amorosas, amistosas), o que, em uma obra de um gênero que se preocupa apenas com o sangue e com o descarte de corpos, se torna um belo diferencial. Queremos todos vivos, compreendendo o problema, escapando dele e, se possível, resolvendo-o. O que não será fácil e certamente garantirá momentos de muita tensão.

Em uma obra que se ocupa tanto do silêncio, a edição de som quase beira a perfeição ao fazer com que redobremos a atenção na busca por qualquer ruído "a mais" que pudesse representar algum tipo de perigo. Não é por acaso que chegam a ser motivos de alívio poder ouvir, em determinadas sequências, o barulho de uma cachoeira ou mesmo a canção Harvest Moon, de Neil Young, saída dos fones do ouvido de Evelyn. Por que em geral o que se escuta são apenas sussurros ou diálogos realizados na língua de sinais - e que já eram empregados pela família por conta da deficiência real de Regan (aliás, a construção do som ao redor dela também rende outros tantos momentos fabulosos da película). Assim como com o som, o desenho de produção é rico ao mostrar objetos com revestimentos que os tornam mais macios ou mesmo o uso da luz não apenas como objeto decorativo para a propriedade, mas também para denotar perigo.


Famoso pela série The Office e acostumado ao humor John Krasinski, que também dirige o longa, brilha ao construir a sua obra a partir de uma premissa tão simples - e talvez o fato de ser casado na vida real com Blunt, tenha reforçado à empatia junto ao público. "Eu havia acabado de ter a minha segunda filha com Emily e pensei que esse poderia ser o maior horror que alguém poderia passar: o medo de perder a família, de que algo pudesse acontecer com seus filhos", revelou em entrevista a Revista Preview. Não apenas como filme de terror, mas como uma verdadeira metáfora para o amadurecimento, o filme ainda possui uma das melhores sequências do ano - toda ela ocorrendo dentro de um silo secador de grãos. Uma cena de arrepiar e que mostra que o diretor iniciante tem talento para mais.

Nota: 8,0

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Tesouros Cinéfilos - Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country For Old Men)

De: Joel e Ethan Coen. Com Javier Barden, Josh Brolin, Tommy Lee Jones e Woody Harrelson. Suspense / Drama, EUA, 2007, 122 minutos.

Um roteiro intrincado, cheio de diálogos engenhosos e um dos vilões mais inesquecíveis do cinema recente. Esta foi a receita infalível para o vencedor do Oscar Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country For Old Men), melhor filme dos Irmãos Coen desde Fargo (1996). Baseada no livro de Cormac McCarthy, a obra tem um certo desencanto que surge já nos primeiros minutos da projeção, quando uma narração em off - no caso, proferida pelo veterano xerife Tom Bell (Tommy Lee Jones) - cita as mudanças na sociedade e uma certa onda de intolerância (e de violência) que parece se ampliar nos tempos atuais. "Os crimes que vemos hoje são difíceis de compreender. Não é que eu tenho medo disso. [...] Mas eu não estou disposto a me arriscar à toa, sair por aí e encontrar alguma coisa que eu não compreendo", argumenta um cansado xerife, enquanto paisagens áridas surgem na tela - quase como uma metáfora para a dureza desses tempos.

A análise de Bell acaba sendo o preâmbulo perfeito para aquilo que veremos já em uma das próximas sequências, no caso um sujeito de cabelo estranho enforcando a sangue frio um agente penitenciário - numa das tantas grandes cenas da película. O sujeito em questão é Anton Chigurh (Javier Barden), assassino de aluguel com severos problemas psicológicos, que utiliza um compressor de ar para dar cabo de seus crimes. Chigurh é enviado para o local em que um crime envolvendo traficantes da região ocorreu, para pegar uma mala contendo dois milhões de dólares. Só que ele chega tarde ao local e é surpreendido pelo fato de o dinheiro já ter sido levado por um certo Llewelyn Moss (Josh Brolin), que realizava uma caçada próxima à cena do crime, o que fez com que ele a encontrasse por obra do acaso. Aliás, acasos e coincidências em geral não chegam a ser surpresa nas obras de Joen e Ethan Coen.



O que se inicia a partir daí é um verdadeiro jogo de "gato e rato", com Llewelyn sendo implacavelmente perseguido por Chigurh e com ambos sendo perseguidos pelo xerife Bell que, na realidade, tenta alertar Llewelyn para a enrascada em que está se metendo. No rastro de Chigurh, um verdadeiro banho de sangue envolvendo aqueles que cruzam o seu caminho - só se livrando de sua excêntrica arma aqueles que se salvam após participarem de um sádico jogo de "cara e coroa". Sim, é um filme altamente violento, mas que não deixa de ter um senso de humor singular - seja no sotaque dos texanos (a obra se passa no começo dos anos 80), seja no cabelo à moda playmobil da personagem de Barden ou até mesmo em sequências exóticas, como aquela que envolve um grupo de mariachis acordando Moss, após este atravessar a fronteira.

É uma obra-prima absolutamente saborosa sobre a "violência gratuita" dos tempos modernos e a incapacidade das autoridades - cansadas, exauridas - de lidar com elas. Não há vencedores e perdedores em nenhum lado. Llewelyn é ganancioso ao acreditar que pode mudar de vida ao encontrar uma mala cheia de dinheiro, perdida em um cenário desértico e desolador em meio a uma operação de tráfico que deu errado. Chigurh busca concluir a sua missão a todo o custo. E todos os que rodeiam ambos poderão ser, mais cedo ou mais tarde, vítimas de suas ações. Com grandes interpretações - não por acaso Barden recebeu o Oscar na categoria Melhor Ator, além dos Coen terem levado a estatueta por Direção e Roteiro - a película é, também, filmografia básica para quem gosta de um bom faroeste moderno.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Foi um Disco Que Passou Em Minha Vida - Chico Buarque de Hollanda (Construção)

Não é difícil para este jornalista que vos escreve essas linhas tortas falar sobre o disco Construção, do MESTRE (sim, tudo em maiúscula) Chico Buarque de Hollanda: o registro foi meu objeto de estudo, quando da realização do trabalho de conclusão de curso na faculdade de Jornalismo, aqui na Univates. Sendo assim, ele é simplesmente o álbum que eu mais escutei na vida. Disparado. E o mais incrível é que, mesmo tendo ouvido essa obra-prima do nosso cancioneiro umas boas dezenas de vezes quando me meti a estudá-la, o causo é que ela nunca me cansa. E, diga-se de passagem, em tempos de Golpe, de desesperança e de desalento, esse álbum, lançado em 1971, nunca foi tão atual. Afinal de contas, a persona aquela que "sobe na construção como se fosse máquina" e "come feijão com arroz com se fosse um príncipe" poderia ser eu, você e cada um de nós que, no fim do dia, ainda mantém a esperança por dias melhores.

Chico lançou Construção no auge da Ditadura Militar, quando tinha acabado de retornar do exílio. Encontrou, no início dos anos 70, um Brasil mergulhado em uma crise política e econômica sem precedentes, o que parece ter ampliado ainda mais a importância do registro - que captura bem o zeitgeist daqueles tempos. Com o disco, Chico procurou fugir do óbvio, usando uma série de metáforas em suas canções - o que lhe permitiu, em muitos casos, driblar a censura. Uma espécie de artesanato refinado e original, que transformou canções como Cotidiano, Deus Lhe Pague, Samba de Orly e até a engenhosa e romântica Valsinha em verdadeiros hinos de resistência, de um povo que não queria se calar. Como exemplo, Chico sempre usou o carnaval como uma figura que simbolizava a esperança ou a libertação - como em Vai Passar ou Tô Me Guardando Pra Quando o Carnaval Chegar. Em Construção essas figuras atingem o seu grau máximo de complexidade.



É um disco fácil de ouvir - são pouco mais de 30 minutos - e quase simples no que diz respeito ao instrumental, que equilibra o samba (Samba de Orly), a música romântica (Valsinha), a bossa nova (Olha Maria) e o pop (Cotidiano) em medidas iguais. Já as letras são complexas, dolorosas, urgentes. Deus Lhe Pague ilustra de maneira quase explícita a miséria, a depressão e a falta de perspectivas para uma população obrigada a conviver com migalhas - Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir / Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir. Tudo isso em meio ao clima de tensão crescente, capaz de gerar uma espécie de catarse em seus instantes finais. Já Cordão é mais contundente no que diz respeito ao papel do artista durante a ditadura militar, embora a primeira impressão sobre a letra seja a de estarmos diante de um eu lírico romântico - Ninguém / Ninguém vai me acorrentar / Enquanto eu puder sorrir / Enquanto eu puder cantar. Por outro lado, Samba de Orly (feita em parceria com Tom Jobim e Vinícius de Moraes) tem clima festivo e recomendações para quem está retornando do exílio - Vai meu irmão / Pega esse avião / Vocês tem razão de correr assim / Desse fio mas beija / O meu Rio de Janeiro / Antes que um aventureiro lance mão.

Ainda assim, em meio a tantas canções importantes (algumas até mesmo se tornaram hits comerciais e são até hoje tocadas nas rádios), nada causou mais impacto neste trabalho do que a faixa-título. Com sua estrutura repleta de jogos de palavras que formam um verdadeiro quebra-cabeças de sentidos, Construção utiliza as idas e vindas, as trocas e o intercâmbio entre vocábulos para ampliar a sensação de estranhamento e de quebra de lógica - quase em um jogo matemático que muito tem a ver com a "mecanização do indivíduo", condição apontada pela letra. O embaralhamento, a presença inesperada de antíteses - paredes flácidas, pacotes bêbados -, a adoção de proparoxítonas e a balbúrdia provocada por barulhos de buzinas, de pessoas e de tráfego, tudo parece contribuir para a denúncia da situação de abandono vivida pelo trabalhador, preso em meio a ações automáticas, rotineiras. É a clausura diária traduzida em uma letra dura, fria, impactante e mais atual do que nunca.


Após Construção, Chico teve outros bons lançamentos, como foi o caso de Meus Caros Amigos (1976) - que teve diversos clássicos, como O Que Será?, Olhos nos Olhos, Mulheres de Atenas e Vai Trabalhar Vagabundo, além de Meu Caro Amigo. Só que é provável que nenhum outro registro tenha tido, até hoje, o impacto provocado por Construção. Divisor de água, o trabalho representa para muitos críticos a "perda de inocência" do artista, que deixa de ver "a banda passar" para se preocupar com temas mais importantes, relevantes e caros para a sociedade. Uma forma de alcançar a maturidade e o profissionalismo, inegavelmente. Não é por acaso que o registro é figurinha fácil em listas de melhores. Em eleição feita pela Rolling Stone, apareceu em terceiro lugar entre os mais relevantes discos nacionais da história. No livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, também tem lugar garantido. É um trabalho inesquecível e fundamental também para nós, aqui do Picanha.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Curta Um Curta - História Natural

O absolutamente HILÁRIO História Natural é o exemplo vivo de que um fiapo de narrativa pode render um grande filme. Aliás, esse premiado curta gaúcho, dirigido por Tomás Crues, se consiste em dos mais engraçados projetos já concebidos em nossas terras! Na improvável trama, quatro guris se recordam, em meio a uma partida de um jogo de tabuleiro, dos trejeitos do tio de um deles, que costuma responder cada frase dirigida a ele com o peculiar bordão "natural, natural". Decididos a ir ao encontro do tio, eles transformam uma viagem a litoral na oportunidade de ouvir o homem falar o chavão. Só que os dias passam e ele NÃO FALA - a despeito das provocações de cada um deles. Aos poucos, a jornada que era pra ser prazerosa se torna tensa, pela ansiedade gerada pela situação. Repleta de diálogos no melhor do gauchês, essa pequena joia faz rir do início ao fim e ainda reserva para uma ótima surpresa para a sua conclusão. Premiado como o curta gaúcho do ano no festival realizado pela RBS em 2007, História Natural se torna NATURALMENTE inesquecível para todos aqueles que já o assistiram. Vale clicar e conferir!

Cinemúsica - Vanilla Sky

Quem acompanha a carreira do diretor Cameron Crowe, sabe a importância que a música tem em seus projetos. E isso não é por acaso, já que o autor iniciou a carreira no jornalismo com apenas 15 anos de idade, escrevendo artigos para publicações como a Rolling Stone - mais tarde ele integraria a equipe de redatores do periódico, assinando matérias sobre a vida e a carreira de artistas diversos, como, Neil Young, Bob Dylan, Eric Clapton e David Bowie. E, de alguma forma, essa "iniciação" no universo musical pôde ser conferida no autobiográfico Quase Famosos (2000), obra, vejam só, sobre um jovem de apenas 15 anos, aspirante a repórter musical, que é incumbido de acompanhar uma banda (no caso a fictícia Stillwater), em turnê. Bom, dá pra perceber que o americano manja de música - mais ou menos como aquele seu amigo que sabe de todas as bandas mais hypadas no momento.

Bom, mas o nosso assunto não é o Quase Famosos - ainda que a obra também mereça figurar no nosso Cinemúsica. Vanilla Sky é o filme seguinte de Crowe. Protagonizado por Tom Cruise, é inspirado na película espanhola Preso na Escuridão (Abre los Ojos), concebida por Alejandro Amenábar, em 1997. A trama se passa em Nova York e é narrada por David Aames (personagem de Cruise) um bon vivant que herdou do pai uma grande editora de revistas. Assim, a vida boa cheia de festas luxuosas, mulheres lindas, figurinos exuberantes e viagens internacionais, faz parte da rotina. Só que uma série de flashbacks mostram Aames na atualidade, sendo investigado por um crime e com o rosto coberto por uma máscara de borracha - sendo que não demora para que percebamos que o recurso serve para encobrir um rosto desfigurado, por conta de um acidente cometido por Julie (Cameron Diaz), em um acesso de loucura motivado por ciúmes.



Bom, esse é apenas um resumo e quem já assistiu o filme lembrará que as idas e vindas no roteiro servirão para apresentar os fatos como ocorreram (e também qual a misteriosa explicação para as aparições de Aames com o rosto reconstruído, tempos depois do acidente). Na verdade o filme costuma dividir opiniões - a crítica não simpatizou muito com o clima excessivamente hollywoodiano, na época do lançamento. Já o público, movido pelo elenco cheio de estrelas - além de Cruise e Diaz, Penélope Cruz, Kurt Russel, Jason Lee, e Tilda Swinton dão as caras-, parece ter tolerado melhor a mirabolante trama. Já quem gosta de boa música, encontrará aqui e ali sequências embaladas por nomes diversos, como, Radiohead, Sigur Rós, REM, Paul McCartney - que fez canção exclusiva pra obra -, Chamical Brothers, Jeff Buckley e Bob Dylan (aliás, a capa do disco Freewheelin' aparece em uma das mais tocantes sequências da película, já no terço final). Um verdadeiro prato cheio!

Em meio a sequências como a de abertura, ao som de Everything In It's Right Place do Radiohead (que com sua excêntrica letra funciona como uma espécie de preâmbulo para uma vida como a do protagonista, que mistura realidade e ficção) ou aquela pós acidente ao som de Sweetness Follows, do REM, há outras, como a absurdamente dramática (e engraçada) cena em que um Cruise já acidentado, canta One Of Us, da Joan Osbourne, em uma maca. É nesse clima meio nonsense, com uma trilha sonora cosmopolita e urbana - que equilibra canções pop, rock e eletrônicas na medida certa - que Crowe transforma o seu filme em um verdadeiro almanaque do cancioneiro de todos os tempos. No fim das contas, falar de Vanilla Sky, na realidade, é lembrar de um filme que não era tão bom quanto a sua trilha sonora, que permanece sendo o seu grande mérito.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Lado B Classe A - Muse (Black Holes and Revelations)

É muito provável que poucas bandas sejam tão "ame ou odeie" como o Muse. Quem gosta, costuma destacar o virtuosismo do grupo, o seu esforço em soar grandiloquente e pop ao mesmo tempo, sem esquecer do clima retrô/futurista que rege as composições. Quem não gosta, acha Matthew Bellamy um vocalista exagerado e a banda cheia de afetações, com sintetizadores excessivos (e repetitivos) e aquele clima rock de arena farofa capaz de irritar qualquer ouvinte do novo milênio. Para o bem ou para o mal, é um grupo que costuma chamar a atenção - sendo cada novo lançamento aguardado para ser louvado e atacado em igual medida. Aqui no Picanha nosso sentimento é curiosamente misto, já que não morremos de amores pelo quarteto. Mas há bons álbuns, casos de Origin Of Simmetry (2001) e Absolution (2003). Só que o disco que, até hoje, permanece inabalado no coração dos fãs, é o irretocável Black Holes and Revelations, de 2006.

Poucas vezes na história os ingleses parecem ter alcançado tamanha uniformidade em um registro - ainda que cada composição funcione surpreendentemente de maneira isolada. Com aparente consciência daquilo que representa em termos de personalidade no universo musical, Bellamy e companhia parecem se deleitar ao flertar com os mais variados estilos - da eletrônica "alienígena" ao pop radiofônico, passando ainda pelo rock progressivo. Canções como Starlight, por exemplo, não fariam feio em algum registro que compilasse as melhores canções dos anos 80 - ainda que o refrão (aliás, são dois refrões) represente o tipo de "explosão" típica que acompanharia o grupo por toda a carreira. Já Supermassive Black Hole, cantada por Bellamy em falsete, mais parece extraída de algum registro perdido do Prince, ainda no milênio passado (e não poderia haver melhor elogio do que esse, vamos combinar).



Outra canção que chama a atenção é Knights Of Cydonia - que mais parece saída de um daqueles antigos jogos de RPG e que determina o momento exato em que os aventureiros encontram o seu maior vilão - e a sonoridade, que lembra uma espécie de cavalaria se aproximando do espaço sideral, contribui para esse clima. Já Invincible talvez seja uma das mais doces e belas baladas já feitas pela banda - e talvez uma das únicas. Afeito desde sempre aos temas políticos, o Muse utiliza o registro também como um veículo para a crítica social a sistemas opressores e como comentário para uma sociedade tecnológica, fria, individualista e vigiada pelos governos - tipo de estratagema que se ampliaria até a chegada de Drones (2015), mais recente trabalho. Map Of The Problematique fala de maneira escancarada sobre o sentimento de isolamento (A solidão vai acabar / Quando essa solidão vai acabar?). Já Exo-Politics versa sobre teorias da conspiração, em meio a uma sociedade que permanece alienada e letárgica diante de tudo (Enquanto conspirações se espalham / Você irá fechar ou abrir sua mente / Ou permanecer hipnotizado?).

Ainda relativamente longe da pretensão que transformaria a banda quase em uma caricatura dela mesma, anos mais tarde, Black Holes and Revelations ainda é o tipo de disco que envelhece bem e é capaz de traduzir - talvez numa espécie de combo com o multipremiado (e já citado) Absolution (2003) - qual a verdadeira personalidade do grupo. Se aqui e ali, é possível perceber influências de artistas distintos como Queen, Depeche Mode, Radiohead ou o já citado Prince, isto também parece se dar pelo fato de Bellamy. o baixista Chris Wostenholme e o baterista Dominic Howard estarem menos preocupados com o hype. Espontâneo e excêntrico na mesma medida, dançante e cheio de guitarras enérgicas que nos fazem ir do velho oeste ao apocalipse em um piscar de olhos, o registro recebeu uma infinidade de críticas positivas - o semanário New Musical Express deu nota 9 (de 10) e a revista Q o avaliou com cinco estrelas. Já aqui no Picanha, não poderia ser diferente, já que o trabalho é um verdadeiro Lado B Classe A.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Trem da Vida (Romênia)

De: Radu Mihaileanu. Com Lionel Abelanski, Agathe de La Fontaine, Michel Muller e Clément Harari. Comédia / Drama, Romênia / Bélgica / França / Israel / Holanda, 1998, 103 minutos.

Talvez o fato de Trem da Vida (Train de Vie) ter sido lançado apenas um ano depois de A Vida É Bela (1997) tenha ofuscado um pouco o brilho dessa pequena joia do cinema romeno - afinal de contas, dois filmes "seguidos" que apostassem no bom humor ou no clima farsesco na abordagem da Segunda Guerra Mundial, talvez pudesse ser considerado um certo exagero. Mas o fato é que um dos grandes trunfos da obra do diretor Radu Mihaileanu está justamente em sua imprevisibilidade. No espírito anárquico, quase juvenil. No humor excêntrico, nunca óbvio e quase surrealista. O tipo de reinterpretação iconoclasta de um evento tão marcante, que talvez só tivesse sido alcançada anteriormente pela trupe do Monty Phyton. Há rumores de que Roberto Benigni havia sido convidado para dirigir o filme e que este o teria inspirado para a sua grande obra-prima. Vai saber.

A trama nos transporta para a Europa Oriental, no ano de 1941. É lá que a população judaica de uma pequena aldeia fica assombrada com a notícia de que os nazistas estão a caminho e que o povoado será o próximo a ser atacado por eles. A ideia para um engenhoso plano de fuga, surge da mente de Shlomo (Lionel Abelanski), considerado o louco do vilarejo. Ele propõe ao Conselho de Sábios que a comunidade simule uma falsa deportação, com parte dos judeus do local interpretando os "papeis" de nazistas. Dentro de um trem - o tal "trem da vida" do título - os falsos alemães conduziriam os demais integrantes da vila para a Palestina, como se estes fossem "prisioneiros". A ideia, por mais estapafúrdia que seja é levada adiante e mobilizará toda a população local, que deverá não apenas aprender a língua de Goethe, mas também costurar roupas idênticas àquelas usadas pelos nazistas, além de reformar um velho trem para que este fique exatamente como aqueles utilizados pelos integrantes do Reich.



Sim, é um filme nonsense e é pra ser nonsense - daqueles em que, reconhecidamente, temos de entrar no clima da história para que possamos curti-la. O que não é difícil, já que o filme possui um elenco tão entrosado que as piadas fluem quase como se fossem pequenas esquetes que poderiam integrar os melhores programas de humor da atualidade. Por exemplo, como não rir do sujeito que acredita que a Segunda Guerra possa ter começado pelo fato de as pessoas debocharem do sotaque (e do jeito) de os alemães falarem? E a impagável cena em que chega a comunidade o maquinista "contratado" junto ao setor de transportes, que acaba carregado nos braços, após apresentar um livro chamado "Como Dirigir Uma Locomotiva"? E o que dizer da sequência em que o enxadrista da comunidade é consultado para que ele seja capaz de determinar os próximos movimentos dos alemães?

Esses são alguns exemplos de piadas - são outras tantas - que poderiam parecer bobas em um roteiro mal conduzido, mas que acabam sendo absolutamente surpreendentes e divertidas dentro do contexto do filme. Ainda assim, na película não prevalece apenas o humor juvenil, havendo ainda, em seu subtexto, uma severa crítica social as dificuldades que temos de aceitar pessoas com ideias diferentes das nossas. Em certa cena, Esther (Agathe de La Fontaine) reclama do fato de o seu futuro pretendente ser nazista - um falso nazista - e comunista ao mesmo tempo (duas coisas terríveis, de acordo com a personagem e, evidentemente, discrepantes). Aliás, a existência de uma dissidência comunista entre os judeus, provoca um curioso fenômeno, que faz com que os falsos nazistas passem a se comportar de maneira mais autoritária, quase como se fossem, de fato, os alemães de verdade. (situação que faz com que, inevitavelmente, nos lembremos de obras como A Revolução dos Bichos, de George Orwell).


[SPOILER] Próximo de completar 20 anos de seu lançamento, O Trem da Vida segue sendo não apenas um divertido "filme de guerra", que tira sarro de todos os sistemas e modelos totalitários juntos, mas também um ousado manifesto sobre o poder da imaginação - e não é por acaso que, até hoje, a cena final da obra se constitui em uma das mais desalentadoras e melancólicas da história do cinema. O tipo de sequência muito semelhante aquela que assistimos na conclusão do já citado A Vida É Bela - quando a morte do protagonista nos dá o choque de realidade necessário para que percebamos que, na guerra, não há espaço para a fantasia. E que os nazistas fictícios e estúpidos, que aparecem como imagens difusas na cabeça de Shlomo, nada mais são do que fruto de sua mente. Simplesmente inesquecível.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Tesouros Cinéfilos - O Show de Truman (The Truman Show)

De: Peter Weir. Com Jim Carrey, Laura Linney, Natasha, McElhone, Ed Harris e Paul Giamatti. Comédia dramática / Ficção científica, EUA, 1998, 107 minutos.

Poucas vezes a nossa capacidade quase infinita para o culto a (sub)celebridades descartáveis - ou não - foi tão bem retratada quanto no clássico moderno O Show de Truman (The Truman Show). Pouco antes da febre chamada Big Brother tomar conta das televisões mundo afora, a obra do diretor Peter Weir (A Testemunha), anteciparia a onda de reality shows que tentariam a todo o custo atrair a atenção do telespectador do novo milênio - tão curioso pelo excêntrico, pelo diferente e pela vida alheia, claro. Hoje em dia existe reality show pra tudo - pra se tornar o melhor chef, pra ser a melhor drag queen, o melhor cantor. No caso da obra de Weir, o protagonista Truman Burbank (Jim Carrey) também está em um programa desse tipo. Mas sem ter consciência disso já que, desde o seu nascimento, ele é monitorado durante as 24 horas por dia por cinco mil câmeras, com a sua existência resumida a uma rotina repetitiva, em uma espécie de cidade fictícia que fica em uma ilha.

Astro principal do reality sobre a sua própria vida, Truman é acompanhado há quase 30 anos por espectadores de todo o mundo, já que o programa é transmitido durante as 24 horas do dia. Para manter a audiência, além das ações rotineiras - como a ida ao trabalho ou o contato com vizinhos e conhecidos nas ruas (todos atores figurantes) - o diretor da atração Christof (Ed Harris) insere, aqui e ali, fatos marcantes, como o festejado casamento ou a traumática morte do pai de Truman (o que explica a aversão do sujeito a água, já que o homem morre afogado quando o barco em que utilizam é atingido por uma forte tempestade). Tudo de mentirinha, claro. Assim como são de mentira os programas de rádio, as notícias que são publicadas nos jornais, o clima, os acontecimentos do trabalho e até as ruas, que mais parecem saídas de alguma maquete de feira de ciências.



Só que aos poucos Truman passará a desconfiar de sua condição, já que nunca será dada a ele a oportunidade de sair da ilha, havendo sempre um motivo que o impeça (um ônibus quebrado, um vazamento radioativo ou alguma reação motivada pelos seus traumas). O seu sonho de ir a Fiji para um eventual encontro com a paixão juvenil Sylvia (Natasha McElhone) também será barrado de todas as formas. E a desconfiança do protagonista só aumentará quando a equipe de produção de Christof cometer alguns lapsos, como na cena em que um holofote cai sobre o cenário ou na sequência em que um backstage é revelado. Isso sem contar o inexplicável reaparecimento do pai de Truman, anos depois de ele ser dado como morto. E será ligando todos esses pontos, que Truman será capaz de reconhecer o tipo de jogo sórdido em que está envolvido.

Equilibrando comédia e humor na medida certa, O Show de Truman trazia, à época, um Jim Carrey pela primeira vez menos engraçado e caricatural - e até mais comovente (sendo praticamente impossível não se emocionar em suas cenas mais redentoras, cheias de metáforas sobre o necessário questionamento a respeito do status quo e também do sistema a que, nós mesmos, estamos presos). Da mesma forma, Laura Linney como a esposa Meryl, entrega uma ótima caracterização. De forma metalinguística, entrega um "papel" de amplo profissionalismo, sendo especialmente divertido ver ela sugerindo uma série de produtos ao marido, com o único objetivo de fazer merchandising. Já Ed Harris, como o vilão onisciente e onipresente, parece ter plena consciência do fato de que o show por ele projetado pode ter, sim, data para terminar. Um tipo de comportamento que o torna um sujeito mais complexo. E menos maniqueísta.


Quase 20 anos após o seu lançamento, O Show de Truman segue sendo uma obra absolutamente saborosa de ser assistida e chega a surpreender o fato de que, em um mundo tão tecnológico (como o que a própria película critica), ela mesma tenha envelhecido tão bem. O filme nunca parece datado ou excessivamente nostálgico. Ao contrário, traz um subtexto tão possível, que não surpreenderia, mesmo nos dias de hoje, o anúncio de um programa que repetisse o formato proposto pela equipe de Christof. Vai saber. Seria mais um reality em meio a tantos. [SPOILER] Nesse sentido, é possível dizer que a cena final, em que uma dupla de espectadores conversa sobre o que "estaria passando em um outro canal" assim que o programa de Truman finalmente termina, nada mais é do que um resumo de nosso comportamento enquanto consumidores, diante da telinha. Essa caixinha mágica que nos faz rir, chorar e se emocionar. E ficar presos, por meses, as vezes anos, a uma mesma atração.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Tesouros Cinéfilos - Adeus, Lênin! (Goodbye, Lênin!)

De: Wolfgang Becker. Com Daniel Brühl, Katrin Sab, Chulpan Khamatova e Florian Lukas. Comédia / Drama, Alemanha, 2003, 121 minutos.

Passados quase quinze anos de seu lançamento, o clássico moderno Adeus, Lênin! (Goodbye, Lênin!) costuma ser muito mais lembrado pelo contexto político - a trama se passa nos dias em que Berlim estava dividida entre os lados ocidental e oriental - do que como uma obra singela sobre a relação entre mãe e filho. A história retorna para o ano de 1989, durante a Guerra Fria, para nos apresentar à senhora Kerner (Katrin Sab). Diplomata e ativista política pelo Partido Comunista ela tem um ataque cardíaco e entra em coma, após presenciar o seu filho Alex (Daniel Brühl) em uma passeata a favor do regime capitalista. Nos meses em que fica desacordada, ocorre a queda do muro que separava a capital alemã, o que representa uma profunda mudança no lado oriental. Só que quando a senhora Kerner acorda do coma, o médico alerta Alexander para os riscos que emoções extremas possam representar para a matriarca. Mas como "esconder" dela os acontecimentos?

A trama é engenhosa e exige de Alex uma sofisticada logística para que ele possa recriar a Berlim Oriental no entorno da mãe, após a queda do muro - o que envolve desde os tipos de móveis e o papel de parede utilizado na casa da família, até a marca de pepino que ela irá consumir. Os programas de televisão, antes exibidos pela TV estatal também serão recriados com o apoio de Denis (Florian Lukas), que sonha em trabalhar atrás das câmeras. E será justamente a farsa alimentada com o apoio de todos da família - a matriarca não pode nem sonhar com o fato de que, após a queda do muro, a filha (Chulpan Khamatova) já começa a trabalhar uma uma filial do Burger King - que renderá uma série de momentos divertidos, como no caso da sequência em que assistimos a um grande banner da Coca Cola ser desenrolado em um prédio vizinho enquanto a senhora Kerner observa incrédula a ocorrência.



É um filme, no fim das contas, sobre o esforço de um filho em dar uma sobrevida para a já calejada mãe - e de seu esforço em manter as crenças da matriarca inabaladas, ainda que de maneira ficcional. Sem tomar partido em relação aquilo que seria melhor para o mundo - capitalismo ou socialismo - o diretor Wolfgang Becker torna o modelo exibido por Alex e seu amigo como uma espécie de ideal do modelo sonhado pelo lado Oriental, capaz de pensar na sociedade como um ente mais justo, igualitário e capaz de respeitar os modelos políticos diferentes (como no caso da fictícia sequência em que o lado oriental recebe refugiados vindos do outro lado da cidade). Já o capitalismo surge como uma novidade oxigenada, capaz de transformar os jovens alemães em uma massa de yuppies alienados, apenas preocupados com o trabalho e com o dinheiro (enquanto os idealistas convivem com o desemprego).

Mas o que se sobressai mesmo é a sequência final [SPOILER] em que a senhora Kerner, ao perceber todo o esforço do filho para manter vivo um mundo que já não mais existia (ao menos na Alemanha), olha para ele com ternura, sem jamais revelar o fato de que ela já tinha conhecimento da farsa. Nesse momento se vão embora as diferenças políticas, de pensamento, de visões de mundo - ainda que, é preciso que se diga, Alex pareça participar do protesto do começo do filme sem qualquer tipo de consciência política, tendo a intenção de apenas se aproximar de uma jovem, comendo uma maçã de maneira despretensiosa. Ao tornar um tema tão pesado como a queda do Muro de Berlim em uma obra leve, divertida, singela, tocante, Becker transforma Adeus, Lênin! em um dos filmes mais queridos pela geração que chegou a fase adulta no começo dos anos 2000.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Músicas Gêmeas - Chuck Berry x The Beach Boys

Mais um daqueles "causos" absolutamente divertidos de Músicas Gêmeas e, devo admitir que já me aconteceu de começar a ouvir Sweet Little Sixteen do Chuck Berry no rádio e me dar conta alguns instantes depois de que se tratava na verdade de Surfin USA dos Beach Boys. O instrumental de ambas é tão parecido que é quase impossível notar a diferença logo de saída (ou estou exagerando?). Bom, polêmicas a parte, as canções são tão semelhantes que o vocalista dos Beach Boys Brian Wilson se viu obrigado a creditar Berry no compacto lançado pelo grupo em 1963, após a ameaça de uma ação judicial - afinal de contas a música era muito conhecida. Em tempo, a canção de Chuck Berry, foi lançada há exatos 60 anos (em 1958).



Disco da Semana - Silva (Brasileiro)

Ainda que a opção pela MPB em seu estado mais puro possa representar uma escolha bastante cômoda na carreira do capixaba Silva, parece ser inegável a sua capacidade não apenas de se reinventar - ainda que em um gênero tão consolidado - mas também de se adaptar bem a qualquer estilo. Se nos dois primeiros registros - Claridão (2012) e Vista Pro Mar (2014) - parecia ser inescapável uma empolgação juvenil que se manifestava por meio de sintetizadores ensolarados e versos primaveris (tão saborosos quanto o final de tarde entre amigos na beira da praia), a partir de Júpiter (2015), o que se convencionou com a adoção de uma eletrônica mais intimista foi o velho refrão que diz que "menos é mais". Silva passou a ser mais direto nos versos sobre o amor - tão caros a qualquer um de nós. E, como numa espécie de contraponto, passou a uma abordagem mais discreta, quase tímida - o que aumentou ainda mais o amor dos fãs por ele.

Agora, com Brasileiro, o artista parece prosseguir com esta proposta - a de tocar o coração do ouvinte, mas com sutileza, com carinho, sem exagero. Partindo das beiradas para chegar no centro, assim como fazemos quando deixamos a melhor parte da nossa refeição para o final. Nesse sentido, o registro se apresenta como uma extensão quase natural do material apresentado nas recentes edições de Silva Canta Marisa (2016) e Silva Canta Marisa Ao Vivo (2017). Ainda assim, é preciso que se diga, Silva se apropria de tudo aquilo que existe de melhor na MPB (e também na bossa nova, do samba e de outras vertentes), mas sem deixar de imprimir a sua personalidade a cada uma das composições. “Acho que o disco reflete a forma como eu me enxergo no mundo, e também a maneira como hoje me enxergo brasileiro, profundamente ancorado na esperança do que surgirá de bom de todo esse caos em que vivemos", explica o artista no material de divulgação, como forma de justificar tanto "brasileirismo" em um só trabalho.



Talvez não seja por acaso o fato de o primeiro single, a grudentíssima Fica Tudo Bem, contar com a participação da cantora Anitta, afinal de contas nada mais brasileiro e contemporâneo do que a fusão entre artistas de vertentes tão distintas como o pop, o funk e a eletrônica. Como ocorre na maior parte do registro, a canção de versos delicados, mergulha descaradamente no romantismo confessional provocando a identificação imediata do ouvinte - Amigo, amar alguém a fundo / É coisa séria de querer (de querer) / Cuide de quem te quer e cuide de você (Cuide de você). O expediente se repete em muitas outras canções, casos de A Cor É Rosa (E sempre que eu pensar no meu bem / Vou colorir o dia), Ela Voa (Quem tentar entender o amor / Corre o risco de enlouquecer / O amor não tem solução, é só viver, é só viver) ou Duas da Tarde (Vem cá / Pra fora da cama / São duas da tarde / Vou ali ver o mar). Tudo emoldurado por um clima agradável, de romance febril (e gostoso), daqueles que a gente deseja que nunca termine.

Ainda que, declaradamente, o cantor não tivesse a ambição de transformar o registro em um painel político, assim como fazem tantos outros artistas, a discussão acaba sempre surgindo, aqui e ali, como no caso da inaugural Nada Será Mais Como Era Antes (que tem um poema de Gonçalves Dias como base para a letra) ou Milhões de Vozes (que não deixa de demonstrar certo desalento com a ignorância que se desnuda todos os dias, especialmente nas redes sociais). Ainda assim, entre batidas eletrônicas minimalistas, percussão bem pontuada, corais de vozes, lalaiás e outros efeitos, Silva quer mesmo é falar de amor. E o faz dialogando com nomes tão distintos como Caetano Veloso (Let Me Say), Chico Buarque (Prova dos Nove) e João Gilberto (Duas Tarde). Ouvi dizer / Que é lugar bem bom pra se morar / Quem mora lá / Não quer nem viajar, encerra Silva na derradeira Brasil, Brasil. Nesse País tão bonito cantado pelo capixaba, de fato, não há vontade de sair.

Nota: 8,8

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Grandes Filmes Nacionais - São Paulo Sociedade Anônima

De: Luís Sérgio Person. Com Walmor Chagas, Eva Wilma, Darlene Glória, Ana Esmeralda e Otelo Zeloni. Drama, Brasil, 1965, 106 minutos.

Existe uma cena emblemática do filme São Paulo Sociedade Anônima e que dá conta da completa alienação política/social/cultural com que convivia parte da população brasileira nos anos que antecederam o Golpe Militar no País - a obra do diretor Luís Sérgio Person se passa entre os anos de 1957 e 1961. Nela, o protagonista Carlos (Walmor Chagas) está em um carro com alguns amigos e familiares, que o convidam para cantar alguma música de que goste. A única que ele consegue se lembrar, na ocasião, é o Hino à Bandeira. "Salve o lindo pendão da esperança...", inicia o sujeito, para surpresa de todos. Bom, qualquer semelhança com essa massa burra, ignorante e estúpida que pede o retorno dos militares nos dias de hoje - a tal da intervenção - numa espécie de ufanismo que beira o delírio, não é mera coincidência. E isso que estamos falando de uma obra com mais de cinquenta anos.

Carlos é o tipo de sujeito niilista e hedonista para o qual só existe uma linguagem: a do capital. Experimentando o período de aceleração econômica vivido pelo País - os "50 anos em cinco" do Governo Juscelino Kubitschek - o homem leva uma vida simplória, ainda que confortável do ponto de visto financeiro (ele é gerente em uma indústria da área automobilística). Vagando pela cidade, parece experimentar uma certa descrença generalizada em tudo, enquanto divaga consigo mesmo sobre os seus relacionamentos fracassados e a rotina estável de sujeito de classe média (ainda que cheia de insatisfações). A propósito disso, costuma despejar as suas frustrações, sendo violento, agressivo, machista, justamente nas mulheres que lhe dispensam alguma atenção - entre elas a esposa Luciana (Eva Wilma) e a amante Ana (Darlene Glória). Aliás, não é por acaso que talvez Carlos seja um dos protagonistas mais desprezíveis da história do cinema nacional.



Person filma a cidade, bem como seus contrastes e contradições, como se ela própria fosse uma personagem viva, orgânica. Se por um lado os yuppies brasileiros são mostrados como sujeitos apressados que andam pelas ruas com suas pastas, ternos bem cortados e gravatas, por outro não são poucas as cenas com operários trabalhando pelo crescimento da metrópole. Mas todos eles amparados pela grande cidade, com seus arranha-céus, trânsito urgente, balbúrdia. Os próprios ângulos de câmera escolhidos pelo diretor em muitos momentos geram um efeito meio hitchcockiano, claustrofóbico, como se as andanças de Carlos pela urbe fossem uma metáfora perfeita para definir um sujeito enclausurado e incapaz de escapar de uma rotina repetitiva, cartesiana e de pouca novidade. Aliás, claramente o protagonista talvez não quisesse esse estilo de vida - uma espécie de modelo importado do american way of life. Mas está grudado nele. De forma inescapável.

Servindo ainda como o preâmbulo perfeito para o sentimento de euforia vivido pela população brasileira nos anos que antecederam o Golpe Militar - são muitas as sequências em que a Classe Média é apresentada como um grupo de pessoas capaz de encontrar prazer nas coisas mais "simples" da vida (mas aquelas que o dinheiro compra, como uma viagem ou um passeio de lancha), São Paulo Sociedade Anônima segue sendo muito atual. Como se fosse um verdadeiro documento sobre a importância da consciência política e da educação para o fortalecimento das ideias que regem uma população, a obra foi escolhida, pela sua relevância, como a sétima colocada em uma lista com os 100 Melhores Filmes Nacionais publicada em 2016 pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine). Person realizaria em sua curta carreira alguns outros filmes. Mas poucos com a importância de São Paulo Sociedade Anônima.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Lançamento de Videoclipe - Father John Misty (Please Don't Die)

Um dos aguardados lançamentos do dia é o novo álbum do Father John Misty, intitulado God's Favorite Customer. Após figurar na nossa lista de 25 Melhores Discos Internacionais do ano passado - na oitava colocação, pelo disco Pure Comedy - o americano tem tudo para, novamente, aparecer nas relações de melhores em 2018. Apostando, como sempre, no folk e no pop verborrágico que são a marca registrada de sua carreira, o artista entrega uma nova leva de canções repletas de letras existencialistas com comentários sociais sarcásticos sobre a condição humana. E, como forma de divulgar o trabalho, o cantor disponibilizou nessa semana um videoclipe para a canção Please Don't Die. Dirigido por Chris Hopewell (que já trabalhou com o Radiohead em Burn The Witch), o vídeo em stop motion mostra o músico confrontando a morte após uma ida ao submundo. Vale clicar e conferir!