quinta-feira, 31 de março de 2016

Lado B Classe A - Girls (Album)

Where did it start?
We used to be friends
Now when I run into you, I pretend I don't see you
I know that you hate me

I've tried to be tough
I've tried to be mean
I don't want to be like this
And I hope that you listen
All I'm trying to say is


(Laura - Girls)

Quantas audições de uma música ou de um disco são necessárias para que o material te envolva, te capture, te apreenda? Uma? Duas? Dez? É provável que dependa. Dependa da sonoridade, da letra, do refrão. Do momento que estamos vivendo. Se estamos tristes ou alegres. De nossa bagagem cultural e de nossas experiências prévias, sem esquecer de como elas nos afetam. Especialmente quando determinadas áreas de nosso cérebro são tocadas por este ou daquele acorde. Uma canção fácil, extremamente fácil - daquelas que você, eu e todo mundo possamos cantar junto - não necessariamente pode significar algo bom. O mesmo vale para as músicas mais herméticas, rebuscadas, concretas, que podem vir a exigir do ouvinte mais ansioso uma série de exaustivas audições. Que somente muito tempo depois lhe possibilitarão reconhecer as virtudes de determinado artista, bem como seus objetivos por trás de cada obra. Se é que essas virtudes ou objetivos realmente existiram.

A banda californiana Girls nos faz pensar muito sobre isso. E a facilidade com que a dupla - formada por Christopher Owens e Chet "JR" White - consegue alcançar os subterrâneos da nossa memória, com a sua sonoridade em muitos casos ensolarada, harmoniosa, nostálgica, é daqueles casos que merecem estudo. Ouvir um registro como Album (2009), motivo desde Lado B Classe A, é ter a impressão de, o tempo todo, já ter ouvido aquilo antes. Talvez fossem os Beach Boys. Ou mesmo Buddy Holly, Elvis Costello, ou Morrissey. Ou algo que a gente ouviu na época do colégio voltando de carro pra casa, meio desatento. Ou nas madrugadas de insônia, ainda que com poucas preocupações do mundo real. O caso é que já nos deparamos com isso, mas sem nunca ter nos deparado. Uma mágica que fará qualquer ouvinte sorrir - já na primeira audição - a cada pequena peça sonora que se descortina, numa espécie de saudade sabe-se lá de quê (ou de quem) ou mesmo de uma ausência sentida sobre algum lugar em que nunca estivemos, em um verão que não vivemos ou no litoral em que nunca ficamos. Ou será que já ficamos?


É essa capacidade magnética, que torna o Girls uma banda tão impressionante. E, numa espécie de curioso paradoxo, uma dupla com ares refrescantes, inovadores. Daquelas em que se torna praticamente impossível não expressar o amor. Sim, Album pode, por um lado, parecer um registro de alma fácil, daqueles que lhe conduzirão sem percalços por seus caminhos adocicados e curvas perfumadas por um colorido à chiclete de tutti frutti, recheado de woo hoos, sha la las e palminhas. Mas isso de maneira alguma significará estarmos diante de um disco óbvio, cansativo ou repetitivo. Confesso a vocês: desde que descobri a banda, não fico uma semana sem ouvir algum dos seus dois trabalhos - o sucessor de Album, intitulado Father, Son and Holy Ghost (2011), registro que, para muitos veículos é capaz até de ser MELHOR do que o primeiro. Serve, inclusive, para me acalmar, em meio a correrria ou a rotina.

Mas o caso é que, a despeito do magnetismo inicial, o trabalho nunca diminui seu impacto, uma vez que, a cada audição, somos capazes de reconhecer elementos que, antes, não havíamos nos dado por conta. E que, se por um lado complexificam e dão outros contornos a experiência, por outro nos tornam ainda mais íntimos dessa verdadeira expressão artísitca. Laura, segunda canção do disco, é capaz de fazer com que muitos postulantes a músico pensem "Meu Deus, como que nunca pensei em algo assim antes". É uma música direta, simples, com refrão absolutamente grudento, como devem ser, em muitos casos as mais sinceras canções de amor. Quem já viu um pedido de desculpas tão honesto como esse? E por mais melancólica que a letra aparente ser, a sonoridade jamais perde o seu caráter garageiro, de emanações doces e singelas. Escutar com a letra ao lado é sorrir. E cantar junto - como se este fosse um Jota Quest estrangeiro pedindo pra ser descoberto.



Ainda assim, é preciso que se diga que o registro é essencialmente heterogêneo, ainda que jamais se afaste daquele que parece ser o seu fio condutor. Há espaço para a balada romântica com ênfase na percussão bem pontuada (Ghost Mouth), há powerpop com pitadas de rockabilly no sentido mais clássico do termo (Lust for Life), há o final da tarde entrsitecido na beira da praia solitária (Summertime) e há até espaço para o rock'n roll no estilo clássico sessentista (Big Bad Mean Motherfucker). Sem contar o tour de force Hellhole Ratrace, que, com seus quase sete minutos de guitarra e dramaticidade, não deveria fazer feito em nenhuma lista de melhores músicas dos anos 2000. Tudo bem pontuado pela voz de barítono de Owens e seu estilo nerd lacrimoso. No Pitchfork, Album recebeu uma justa nota 9,1 em reconhecimento ao seu potencial devastador no quesito "música de qualidade" - avaliação superada após pela própria banda com Father, Son and Holy Ghost, que recebeu um impressionante 9,3. Já aqui no Picanha, bom, o texto apaixonado acho que deixa claro: é uma das favoritas da casa. A dupla infelizmente, não existe mais. Mas o legado deixado, tal qual um Big Star de nossa geração, este está para sempre no coração dos fãs de boa música. É um registro fundamental.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Disco da Semana - Pete Yorn (Arrangingtime)

Se tem um cara que eu invejo no mundo da música é o Pete Yorn. Além de ser um cara dos mais bacanas, tocar, compor e cantar bem, ele foi responsável por um dos melhores discos do início do milênio, o musicforthemorningafter, de 2001. Dotado de uma habilidade única para criar canções de amor arrebatadoras (Just Another, do supracitado álbum, e Thinking of You, do Back and Fourth, de 2009, são algumas das favoritas deste humilde narrador) no seu estilo pop-rock-agridoce-radiofônico, o cantor não parou por aí: Yorn conseguiu a proeza de gravar um disco INTEIRO junto da maravilhosa atriz (e cantora) Scarlett Johansson, o bonito Break Up (2009) - que, por sinal, conta com a regravação de I Am the Cosmos (do Chris Bell, ex-Big Star), uma das canções mais dolorosamente lindas já feitas. Como se não bastasse o artista ainda gravou um álbum com o projeto The Olms, cujos pés fincados no Folk/Country a lá Wilco nos presenteou com mais um belo registro em 2013.

O recém lançado Arrangingtime é o oitavo álbum de sua carreira (contando o disco ao vivo Live in New Jersey, de 2014) e o primeiro após o roqueiro PY, de 2010. Aos 41 anos, o cantor e compositor lança talvez o seu disco mais bem produzido até o momento, retomando as canções cantaroláveis e prontas para tocar no rádio mas em uma atmosfera um pouco mais melancólica e luxuosa. Com seu notável vocal contido e sussurrado, Yorn demonstra um amadurecimento tanto lírico quanto instrumental ao priorizar diferentes texturas sônicas. De novidade aqui temos a presença de batidas eletrônicas em diversas faixas, mas sem modificar totalmente o som tão característico para quem já está habituado à obra do músico - algo que a banda The Wallflowers fez com o disco Red Letter Days, por exemplo. Se há ausência de hits memoráveis aqui, temos uma obra homogênea pronta a ser apreciada nesta chegada de estação cujas folhas caem e o frio lentamente se estabelece.


Do início com Summer Was a Day já podemos perceber a mudança de sonoridade já comentada, com seus teclados e nuances acompanhando o melodioso violão, o que não é problema obviamente pois logo somos apresentados a um dos mais belos refrões do ano até aqui. Lost Weekend mostra que o artista andou ouvindo o duo The Big Pink, talvez a faixa com mais apelo às batidas eletrônicas em sua levada e que vai surpreender os fãs. As faixas seguintes, Halifax e In Your Head, fazem lembrar algumas canções do início da carreira, principalmente o refrão fácil e cantarolável. She Was Weird com seus efeitinhos eletrônicos é um dos destaques do álbum, enquanto I'm Not the One acalenta o ouvinte com seu pop/rock suave. A seguinte, Shopping Mall, é a mais melancólica: levada por uma eletrônica lenta e um teclado sutil, rasga versos como "everyone is a shopping mall (...) I can't give you anything you already have", na mais dolorosa faixa do disco. Roses é levada ao violão, com aquele pegada mais folk, ainda em tom melancólico. Screaming at the Setting Sun tem a maior pinta de hit roqueiro, com "solinho" e tudo mais, chegando no momento certo pra empolgar o ouvinte após momentos mais densos. Walking Up é mais uma linda e apaixonada balada pronta a emocionar o ouvinte mais atento, enquanto Tomorrow e seu teor mais pop e pra cima dá a deixa para a derradeira This Fire, que encerra a obra de forma digna em uma nota bela mas ressentida pela perda.

Sempre gosto de frisar que o arrebatamento ou não pela música depende muito do contexto, e neste caso não é diferente. Nem digo que Arrangingtime seja a melhor obra do músico até aqui (o título permanece com seu álbum de estréia) ou que a mesma vá mudar alguma percepção sobre a arte no ouvinte. Mas que tenhamos um disco belamente produzido, com composições caprichadas, atmosférico e com uma beleza subjacente a todas as canções, já faz com que o mesmo seja recomendado sem restrições. Sem grandes firulas ou virtuosismos, Pete Yorn conseguiu dar um passo além em sua discografia sem deixar de reverenciá-la, mesmo em um tom um pouco mais baixo e melancólico, algo que só alguém maduro e com algumas cicatrizes em vida poderia criar.

Nota: 7,8.

terça-feira, 29 de março de 2016

Novidades em DVD - No Coração do Mar (In the Heart Of the Sea)

De: Ron Howard. Com Chris Hemsworth, Benjamin Walker, Cillian Murphy, Ben Whishaw e Brendan Gleeson. Aventura / Fantasia, EUA, 2015, 122 minutos.

Quem acompanha de perto o trabalho do diretor Ron Howard sabe que, em sua produtiva carreira, ele equilibra uma série de altos e baixos. Se por um lado, o americano é capaz de verdadeiras obras-primas modernas como Uma Mente Brilhante (2001) e Frost/Nixon (2008), por outro, poderá conceber verdadeiras bombas dignas de um Framboesa de Ouro, casos de O Grinch (2000) e da lamentável versão para O Código Da Vinci (2006) - o livro já não é grande coisa, é preciso que se diga. Ainda assim, não se pode negar o seu esforço em fazer o cinemão no formato em que Hollywood foi sendo construída (e se consolidou), com grandes públicos lotando cinemas com o único objetivo de se divertir. Não à toa, mesmo filmes de Howard considerados menores - caso do ótimo Rush - No Limite da Emoção (2013) -, sempre são um indicativo de que o seu prestígio permanece em alta.

O que lhe dá por exemplo, a "moral" necessária para realizar um filme que toma por base a história por trás do livro Moby Dick - não aquele escrito por Hermann Melville em 1850 e sim, outra, contada por Nathaniel Philbrick anos mais tarde. E que se inspira justamente em um incidente real que foi utilizado por Melville para construir a sua obra: o naufrágio do baleeiro Essex, ocorrido em 1820. Na história de No Coração do Mar (In the Heart Of the Sea) o citado baleeiro parte para o alto mar em busca de óleo de baleia - produto de grande valor de mercado na época. O navio é liderado pela nada experiente - e absolutamente arrogante - capitão George Pollard (Walker), que tem no intrépido Owen Chase (Hemsworth), o seu primeiro imediato. Não é preciso nem 15 minutos de filme para saber que a maior embate da trama não será exatamente a do homem contra a natureza: e sim aquela que envolve a antipatia entre esses dois sujeitos.


Pollard, fruto da meritocracia - coisa de 200 anos atrás, algo impensável nos dias de hoje, né? - é totalmente inseguro em sua função, estando ali apenas por ser filho de um fidalgo de sobrenome imponente. Chase, que deveria ser o verdadeiro capitão pelo seu empenho e dedicação em uma tarefa que não apenas executa com maestria, mas também com humildade e habilidade, oferece o contraponto ao "patrão" da embarcação. Que tentará lhe sabotar de todas as formas, já que Chase, na avaliação de Pollard, por ser um simples filho de camponês, sequer deveria estar ali passando tarefas aos demais tripulantes. A trégua entre ambos apenas ocorrerá quando a expedição sofrer um ataque de um enorme cachalote de mais de 30 metros de comprimento - o que poderá colocar a vida de toda a tripulação em risco.

Se não chega a ser uma história exatamente inovadora no que se refere aos arcos dramáticos, por outro a sessão, num curioso paradoxo, se tornará justamente "saborosa" por aquilo que ela tem de mais simples. E isso não significa que os seus subtextos ou personagens secundários sejam insignificantes, ou que o roteiro seja simplista. Fora o fato de que o elenco é absolutamente carismático - além de Hemsworth e Walker, completam a escalação Cillian Murphy (que andava meio sumido), Ben Whishaw (que vive Melville) e Brendan Gleeson (que conta a história ao autor). E se o filme tem alguns problemas, estes estão relacionados a uma certa indefinição em relação a "agenda ambientalista" e também a estética meio irreal, especialmente nos planos abertos (sensação ampliada pela fotografia de um colorido meio excessivo). Mas nada que comprometa o filme, que ainda se constitui em indicação certeira pra quem é fã da Sessão da Tarde.

Nota: 7,0


Lançamento de Videoclipe - Neon Indian (Techno Clique)

O Neon Indian, banda de Alan Palomo, lançou um dos dos melhores discos de 2015, o oitentista VEGA INTL. Night School - que figurou na nossa tradicional lista de melhores do ano. Como forma de divulgar o registro - ideal para quem gosta daquele clima de pista de dança retrô - Palomo divulgou, no final da semana passada, um vídeo para a canção Techno Clique, dirigido por Derrick Beckles. No clipe, o vocalista interpreta uma espécie de DJ que está tocando em uma festa de aniversário. Tudo vai bem até o momento em que o aniversariante se engasga com um pedaço de carne, momento em que os paramédicos são chamados. Detalhe: a festa não para em nenhum momento, mesmo com o socorro em andamento. Com ares psicodélicos, o clipe diverte e combina direitinho com a canção que tem uma batida absolutamente hipnotizante. Vale conferir!


segunda-feira, 28 de março de 2016

Cine Baú - Era Uma Vez em Tóquio (Tokyo Monogatari)

De Yasujirô Ozu. Com Chishu Ryu, Setsuko Hara, Kuniko Miyake e Sô Yamamura. Drama, Japão, 1953, 130 minutos.

Poucos filmes conseguiram ser tão sutis - mas sem deixar de lado o impacto provocado - em sua abordagem a respeito do cotidiano atribulado e corrido de uma grande metrópole como no caso de Era Uma Vez em Tóquio (Tokyo Monogatari), obra-prima do diretor japonês Yasujirô Ozu. Só que a rotina em altíssima velocidade, no caso da contemplativa abordagem de Ozu, não está relacionada aos signos a que estamos acostumados - sejam eles os carros engarrafados, a cidade iluminada ou a tecnologia onipresente, algo visto em trabalhos recentes, como Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola. Para o diretor é o núcleo familiar, somado ao comportamento dos sujeitos vistos em tela que darão o tom da narrativa que, se por um lado jamais acelera plenamente, por outro, mostra como o dia a dia das pessoas pode ser quase mecânico ou robótico (pra não dizer torpe).

A trama é conduzida por um casal de idosos aposentados, que resolve sair de sua pacata vida no interior do Japão para visitar os filhos, que moram e trabalham em Tóquio. A chegada inicialmente festiva, logo é substituída por um leve sentimento de indiferença por parte dos filhos, que não conseguem adequar às suas atarefadas rotinas à presença dos pais. Um dos filhos é médico e até mesmo em finais de semana recebe visitas de moradores locais para que sejam realizados atendimentos fora de horário. Para a outra filha, que atua como cabeleireira na casa em que mora, a organização relacionada ao trabalho parece estar relacionada às 24 horas de seu dia. Apenas a nora que era casada com um outro filho, falecido durante a guerra, parece ter tempo para os dois, que, na maior parte de seus dias, apenas aguardam o passar das horas em meio a correria dos demais, enquanto abanam de maneira fastidiosa os seus leques.



Quem acompanha a obra de Ozu sabe que as relações familiares e as diferenças entre as gerações são temas muito presentes em seus trabalhos - algo que também pode ser visto nos igualmente belos Ervas Flutuantes (1959) e A Rotina tem Seu Encanto (1962). O ambiente doméstico, ainda que nunca claustrofóbico, também costuma ser construído por Ozu a partir de planos pouco convencionais, com a câmera fixa, posicionada a cerca de um metro do chão - com o espectador funcionando como se fosse um discreto observador da rotina de cada um dos personagens. Da mesma forma, a câmera posicionada de frente para os atores nas cenas em que ocorrem diálogos, também não deixa de ser um surpreendente recurso técnico, que distancia Ozu do estilo absolutamente tradicional encontrado em outras gramáticas fílmicas - especialmente as de Hollywood. O que por si só, já seria motivo suficiente para que este filme fosse apreciado.

É preciso que se diga ainda que, por mais melancólico que seja o roteiro, ele jamais cai no melodrama barato ou na pieguice - algo que talvez pudesse ocorrer no cinema americano, especialmente a partir da mão pesada de algum diretor afeito a exibicionismos mais lacrimosos. No caso de Ozu ocorre o contrário, com o casal de idosos apresentando um otimismo adorável em todos os momentos, estando muito mais preocupados com a felicidade dos filhos - ainda que isso envolva a sua própria "invisibilidade" - do que com a deles mesmos, num exercício de altruísmo capaz de emocionar sem forçação de barra, da forma mais orgânica possível. Algo ampliado pela interpretação absolutamente naturalista de todo o elenco. Para nós, ocidentais, muitas vezes Ozu acaba ficando em segundo plano, já que costumamos dar preferência para o cinema mais "global" de outros diretores japoneses, como Akira Kurosawa. Mas quem se aventurar pela obra de Ozu - presente em dezenas de listas de melhores de todos os tempos - encontrará um filme ao mesmo tempo doce e sincero sobre como costumamos lidar com as pessoas mais velhas. E sobre como deveríamos lidar. Fundamental é pouco.



segunda-feira, 21 de março de 2016

Encontro com a Professora - Roman Polanski e a Trilogia do Apartamento

Se estes apartamentos falassem

Roman Polanski é um dos diretores mais versáteis do cinema, razão por que consegue criar obras realmente inovadoras entre uma produção e outra. É curioso, por exemplo, identificar que o mesmo diretor de A dança dos vampiros (1967), dirigiu Chinatown (1974) e Tess (1979). O oscarizado O pianista (2001) também é outro marco, agora bem ao gosto hollywoodiano. Mas o que interessa neste post é “a trilogia do apartamento”, outra ótima contribuição desse enfant terrible, nascido na França, de ascendência polonesa, e que hoje vive entre o exílio e premiações sem fim.


Take one: 1965 – Repulsa ao sexo (Repulsion): neste filme, o primeiro em inglês, a belíssima Carol Ledux (Catherine Deneuve) vive uma situação irreconciliável: ao mesmo tempo em que é desejada e perseguida pelos homens, sente-se profundamente reprimida em relação ao sexo. De fato, a simples ideia de um envolvimento nesse nível a deixa em pânico. Quando sua irmã sai de férias com o namorado, Carol se encerra no apartamento. Aos poucos, a paranoia se instala e ela não distingue mais a realidade das alucinações, todas relacionadas a estupro e morte, que é o modo como ela vê o sexo.


Take two: 1968 – O bebê de Rosemary (Rosemary´s baby): este é o primeiro filme de Polanski nos Estados Unidos. É preciso, em primeiro lugar, que se fuja da ideia mais óbvia sobre o filme, isto é, de ser uma obra sobre a chegada do anticristo. Por outro lado, lembremos que o boom de filmes sobre o demônio ocorre a partir dos anos de 1970, com o excelente O exorcista (1973) e o convincente A profecia (1976), além de muitos outros que jogam com o medo mais entranhado do imaginário cristão. Nessa linha, Polanski é um precursor da leva. Sua proposta, no entanto, se vale, sobretudo, do medo da maternidade, uma metáfora sobre o futuro. Um casal muito jovem (interpretado por Mia Farrow e Nick Cassavetes) encontra o apartamento dos sonhos que, contudo, não sabem se podem custear. As realizações estão todas no embrião: o marido que quer ser ator, a esposa que quer ser perfeita, uma criança que está para nascer e, na base de tudo, eles devem decidir até onde irão para conseguir o que querem.


Take three: 1976 – O inquilino (The tenant): quase dez anos se passam desde o último “apartamento” personificado de Polanski. Trelkolvsky (Roman Polanski) é um polonês que vive na França. Ao mudar-se para um novo apartamento, descobre que a inquilina anterior, uma jovem muito bonita (Isabelle Adjani) havia se suicidado, jogando-se da janela. Entre descobertas assustadoras, pouco a pouco, ele se torna obsecado pela história da moça. Do mesmo modo, começa a desconfiar dos vizinhos, afundando na paranoia – talvez – de que ele seja a próxima vítima. A solidão atroz do personagem revela o mesmo demônio que existe nos demais filmes da trilogia, fazendo com que o medo atropele a razão, enquanto o homem vive em uma caixa chamada apartamento, rodeado por olhos estranhos.


A trilogia do apartamento: difícil saber qual das três histórias causa mais tensão. A princípio, parece óbvio que seja O bebê de Rosemary pelo fatídico encontro com o mal em forma de demônio. Mas alguém enlouquecendo diante da percepção da própria sexualidade ou diante do convívio com uma morte misteriosa e violenta não é algo para se ignorar. O fato é que a loucura paira entre paredes cada vez mais escuras do lugar que querem chamar de “lar”. Em um ambiente urbano, a solidão e o medo, prenhes em todos os personagens, esperam seu momento para nascer. Parece-me, assim, que Rosemary´s baby, o mais comercial da trilogia, sintetiza, guardadas as proporções devidas, a trilogia, colocando o indivíduo diante da pressão de encarar um desafio que lhe parece intransponível. O que pode significar, afinal, uma criança sobre a qual a mãe se debruça e hesita entre abraçar ou usar uma faca?

quinta-feira, 17 de março de 2016

Na Espera - O Lar das Crianças Peculiares (Filme)

O aguardado próximo filme do diretor Tim Burton teve, nessa semana, o seu primeiro trailer divulgado pela Fox Film do Brasil! A obra, intitulada O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children) e prevista para estrear no dia 29 de setembro desse ano, conta a história de um jovem de nome Jake (Asa Butterfield) que, após uma tragédia familiar, vai parar em uma ilha isolada no País de Gales, em busca de informações sobre o passado do seu avô. Ao investigar as ruínas do orfanato que dá o título original a película, ele encontra um fantástico abrigo para crianças sobrenaturais decidindo, então, fazer de tudo para proteger um grupo de órfãos de terríveis seres chamados de hollows.


Assim como em outras obras de Burton, o trailer nos dá a entender que estaremos, novamente, diante de um verdadeiro exemplar da filmografia do americano - ainda que este não conte com Johnny Depp, parceiro habitual. O estilo em alguns momentos é soturno - como em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999) e A Noiva Cadáver (2004), mas sem deixar de lado a paleta mais colorida de filmes como em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas (2003) ou a nova versão de Alice no País das Maravilhas (2010). Ainda que a película aparente ser claramente voltada a abocanhar o nicho das fantasias infantojuvenis que ocupam boa parte das salas na atualidade - casos de séries como Jogos Vorazes ou Divergente - nunca é demais lembrar que se trata de um Tim Burton. O que garante, minimamente, a curiosidade até e estreia!


quarta-feira, 16 de março de 2016

Cinema - Boa Noite, Mamãe (Ich Seh Ich Seh)

De: Veronika Franz e Severin Fiala. Com Susanne Wuest, Lukas Scwarz e Elias Scwarz. Suspense psicológico / Drama, Áustria, 2014, 100 minutos.

Pra se ter uma ideia do tipo de terror a que será submetido o espectador na sessão do austríaco Boa Noite, Mamãe (Ich Seh Ich Seh), em uma das primeiras cenas do filme, dois meninos aparecem caminhando sobre uma terra erodida usando crocs. Pensem, bem: CROCS! Mas, passado o trauma dessa cena verdadeiramente perturbadora - peço perdão pela brincadeira infame, mas não resisti - o que acompanharemos a partir dali será muito menos um filme de sustos fáceis e reviravoltas forçadas e muito mais uma obra de suspense contemplativo, de ritmo lento, bem ao estilo do cinema europeu, capaz de formar uma saudável mistura de Susanne Bier com Michael Haneke - o que, por si só, vamos combinar, consiste-se em uma excelente credencial. (e se você viu o trailer poderá se surpreender com a ausência de cortes rápidos, trilha corpulenta, sobressaltos ocasionais e outros clichês do gênero no decorrer da projeção)

Na trama somos apresentados a dois gêmeos de nove anos - Lucas e Elias - que recebem a mãe (Wuest) de volta, que estava afastada há alguns dias da residência rural da família para a realização de uma série de cirurgias plásticas. O problema é que o retorno da progenitora - com o rosto todo enfaixado, formando um conjunto quase monstruoso - também é acompanhado, aparentemente, de uma certa mudança não apenas física, mas comportamental por parte dela. O problema, nesse contexto, é que os meninos passam a desconfiar de que aquela não se trata efetivamente de sua mãe - algo reforçado pela dificuldade dela em reconhecer o seu "personagem" em um simples jogo doméstico, os excêntricos métodos de repreensão aos garotos ou mesmo pelas sutis alterações em seu rosto, como a ausência de uma marca de nascimento.


Veronika Franz e Severin Fiala, a dupla de realizadores, constroem o seu suspense a partir do ponto de vista dos meninos - e de suas andanças em meio a plantações de milho, casas abandonadas, cômodos velhos e brincadeiras tolas. Tudo é conduzido de maneira a tornar o clima absolutamente sufocante conforme as dúvidas vão se tornando muito maiores do que qualquer certeza - ainda que isso implique em um roteiro elaborado sem nenhuma pressa e disposto a utilizar a sutileza como ponto principal de seu argumento. E mesmo a simples presença de um gato abandonado, o curioso criadouro de insetos nojentos ou as estratégias utilizadas pelos meninos para desvendar o mistério - como a colocação de um rádio comunicador no quarto da mãe - pouco ajudam em relação ao destino que tomará a narrativa. E que renderá uma boa surpresa para aqueles que não desvendarem qualquer segredo previamente - algo que ocorreu com este desligadíssimo jornalista que vos escreve, diga-se.

Ao rechear a história com pistas que podem indicar o que efetivamente aconteceu com aquela família - o quadro da mãe que insiste em aparecer borrado em uma das paredes da mansão, a fotografia que já não existe mais no álbum de retratos, os sonhos macabros de um dos meninos, a insistência da progenitora em ignorar um dos filhos, negando-se inclusive a dar comida a ele -, os diretores realizam não apenas um ótimo suspense, mas também um muito bem intrincado drama familiar. E que se tornará ainda mais dramático no terço final, quando algumas atitudes drásticas dos garotos, com o objetivo de arrancar a "verdade" de sua mãe, poderão modificar o destino de todos para sempre. Para quem procura um suspense de qualidade, em meio a um segmento poluído por filmes de gosto duvidoso e por produções quase sempre óbvias, Boa Noite, Mamãe, se apresenta como um verdadeiro respiro para o gênero. Ainda que, em muitos momentos, a história lhe deixe sem ar.

Nota: 8,0


Lançamento de Videoclipe - Chairlift (Crying In Public)

Até o momento o ano de 2016 ainda pode ser considerado relativamente discreto em relação a grandes lançamentos da indústria fonográfica - e, aqui e ali, alguns registros começam a chamar a atenção da imprensa, aparecendo com boas chances de figurar entre os melhores do ano. Um bom exemplo disso é o terceiro trabalho do duo norte-americano Chairlift, lançado em janeiro e intitulado Moth. Com seu estilo soft pop oitentista, extremamente bem arranjado e limpo, o disco tem arrancado elogios da crítica especializada. Como forma de divulgar o registro, a banda lançou na semana passada um clipe para Crying In Public, para nós aqui do Picanha a melhor canção do álbum. Dirigido por Allie Avital, o vídeo mescla dois tipos de cenas distintas: em uma delas a dupla está em estúdio. Na outra, a vocalista Caroline Polachek, como bem indica a melancólica letra, aparece chorando em vários cantos da cidade. Vale a pena o clique!


terça-feira, 15 de março de 2016

Espaço do Leitor - Encontros e Desencontros (por Tammy Moraes)

Já fazia algum tempo que o Espaço do Leitor - um de nossos quadros preferidos aqui do Picanha - não dava as caras. E, a convite da nossa produção (este jornalista que vos tecla, no caso) a querida amiga, parceira, leitora e estudante de jornalismo Tammy Moraes - que faz um belíssimo trabalho no diário A Hora, aqui em Lajeado - resolveu escrever sobre um de seus filmes preferidos, no caso o arrebatador Encontros e Desencontros (Lost In Translation). Com vocês o imperdível - e apaixonado e sincero - texto da Tammy sobre a bela obra, que também é uma das favoritas aqui da casa!

Encontros e Desencontros (Lost In Translation)

De: Sofia Copolla. Com Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovani Ribisi e Anna Faris. Comédia dramática / Romance, EUA / Japão, 2004, 102 minutos. 


Conheci Sofia Coppola muito por acaso. Foi em meados de 2005, depois de uma habitual ida à locadora. Na ocasião, ao colocar o disco no aparelho de DVD, pela primeira e única vez o menu brilhando na tela não correspondia ao nome da capa. Estranhei mas resolvi dar uma chance. Tratava-se de um tal Encontros e Desencontros. Apesar de eu não passar de uma criança à época, a identificação com o filme foi imediata. Em poucos minutos, soube que seria um de meus favoritos.

Conta a história de dois americanos no Japão, que se conhecem no hotel onde estão hospedados. Muito solitários na ocasião, acabam criando relação baseada na companhia, onde conversar e simplesmente estar junto é o mais importante. O que mais me chamou a atenção de início foi a sensibilidade de condução da história. Somente anos mais tarde eu viria a descobrir que Sofia consegue transpassar isso a todos os seus filmes, independentemente da história. Também só depois soube que o nome original do longa é Lost in Translation, ou algo tipo "perdidos na tradução”, o que faz muito mais sentido pois os personagens se viram como podem sem falar japonês.



O roteiro tem premissa simples e a história é conduzida cheia de silêncios e melancolia em meio aos ares urbanos de Tóquio. Tudo para retratar o vazio existencial pelos quais os personagens passavam, mesmo em fases muito diferentes da vida. Scarlett Johansson e Bill Murray, que interpretam os protagonistas, estão em total sintonia, tanto entre si quanto com a premissa do filme. A fala mansa e os gestos comedidos traduzem muito disso.

Confesso que ao ver o filme pela primeira vez, fui conquistada pela imparidade. Com o passar dos anos, cada vez mais entendia pelo que os personagens passavam: a solidão, sensação de estar “emperrado”, vontade de mudar velhos hábitos e se conectar verdadeiramente com as pessoas. Não há nada como uma obra que ganhe novo significado toda vez que contemplada. É a magia do cinema em sua mais pura forma.

Quanto mais você sabe quem é e o que quer, menos deixa as coisas te chatearem. – Bob Harris (personagem de Bill Murray)

segunda-feira, 14 de março de 2016

Pra Ouvir - Tiago Iorc

Gente demaaais
Com tempo demaaais
Falando demaaais
Alto demais
Vamos atrááás de um pooouco de paz

(Alexandria - Tiago Iorc)

Devo confessar a vocês o fato de que, até o anúncio da apresentação do cantor Tiago Iorc na Univates - o evento ocorre no próximo dia 24 de março, a partir das 20h -, pouco tinha ouvido do artista. Aqui e ali até tinha encontrado, em minhas andanças pelas FMs locais, um ou outro de seus hits - casos de Coisa Linda ou Amei Te Ver. Mas, ainda assim, parar para ouvir mesmo, as GANHA, nunca tinha feito. O fato é que sempre que lia ou ouvia falar a respeito de Iorc, de arrasto vinham observações sobre a sua obra, feita quase que totalmente em inglês. Ok, o compositor morou durante cinco anos na Inglaterra, o que talvez explicasse essa preferência. Mas o fato é que não costumo gostar muito de artistas brasileiros que cantam na língua dos nascidos na terra da Rainha. Sim, é um tipo de preconceito de minha parte, talvez. Mas não simpatizo.

O anúncio de que seu registro mais recente, lançado no ano passado e intitulado Troco Likes, era praticamente todo em português - a exceção de um bonus track -, pouco mudou a minha percepção. E, agora, enquanto escrevo esse texto, ao mesmo tempo em que cantarolo em loop quase infinito o refrão de Alexandria - canção que inaugura o trabalho -, é que percebo o quanto perdi de tempo, ao ignorar um dos mais graciosos, sinceros, diretos e, ao mesmo tempo, sofisticados álbuns do ano que passou. Sim, como se estivesse num tipo de redenção particular, estou correndo atrás e escutando MUITO - com o ingresso comprado e tudo para prestigiar o show. A animação fez com que eu me motivasse a escutar também o disco anterior, intitulado Zeski. E não é que ali descobri também um trabalho muito bem acabado do ponto de visto de produção e que de quebra já ensaia uma aproximação com as canções em português? São esses os dois discos que integram o nosso Pra Ouvir de hoje - quadro em que sempre falamos de algum artista nacional, dando um pitaco em suas principais obras.



Bom, voltando ao que falávamos: quando a gente vê uma letra como a de Mil Razões - Posso lhe dar mais mil razões pra te querer / Coisas que eu já nem sei o nome / Posso compor mais cem canções de amor / Pra quê? Se quando eu canto você some - ficamos nos perguntando: por quê foi que rolou essa demora pra cantar em português? Os versos construídos por Iorc na nossa língua são descomplicados, acessíveis e românticos na medida certa - sem soarem excessivamente piegas ou mesmo ultrapassados - e ideais para serem acompanhados pelas melodias construídas, na maioria dos casos, com uma base simples de voz e violão. Talvez isso explique a verdadeira comoção que tomou as redes sociais, quando do anúncio da apresentação do artista em nossa região - e o comportamento absolutamente afável do artista (e que seu estende aos videoclipes e a sua participação na internet) parece contribuir para esse clima otimista.

Em entrevistas, o artista explicou que, para ele, os versos inglês eram gerados de maneira muito mais natural - o que transformava o seu soft rock em um produto ideal para o consumo do público mundo afora. A ótima recepção das últimas canções de Zeski fez com que essa perspectiva fosse alterada. "Existiu essa vontade de fazer algo que as pessoas pudessem cantar, que entendessem de forma mais direta. Achei que foi super válido (encerrar o disco Zeski com músicas em português), porque me cutucou mais para trabalhar composições na nossa língua", afirmou ao site Papel Pop na época da divulgação de Troco Likes. Bom, para quem escuta o registro mais recente do artista, a impressão é de que o álbum poderia ter outro nome, igualmente alinhado ao que se lê por aí, nos facebooks da vida: manda mais que tá poco!


Zeski (2013): interessante ouvir o trabalho anterior de Tiago Iorc em relação a Troco Likes não apenas como um exercício de curiosidade, mas também para perceber o que movia o artista, seu modelo de trabalho, suas influências. O primeiro ponto que chama a atenção é a facilidade e a naturalidade com que ele canta em inglês - o que faz com que cada canção nunca soe absolutamente forçada, desconexa ou confusa. Ao contrário, composições como What Would You Say não fariam feio - com seu clima à Simply Red - em alguma rádio light mais atenta as novidades. O mesmo vale para a simpaticíssima Life Of My Love, com seu refrão pegajoso até dizer chega! A música mais suave, as baladas, o violão dedilhado em pressa e a percussão cadenciada e nunca excessiva são uma marca do trabalho que poucas vezes acelera, formando, nesse sentido, um conjunto absolutamente coeso em sua lógica de existência. Algo capaz de tornar até meio deslocadas (quem diria!) as canções em português - especialmente o cover desnecessário de Tempo Perdido da Legião Urbana. Ainda assim, se foi a música de Renato Russo também uma das responsáveis pela aproximação com os versos cantados em nossa língua, bom, nos resta saudá-la por seu importante papel.


Troco Likes (2015): em uma época em que a ordem do dia, especialmente na internet, parece ser destilar ódio - em muitos casos relacionados a ideologias difusas - um disco que fala de maneira tão sincera e desavergonhada sobre o amor, parece ser um verdadeiro alento. O coração dispara / Tropeça, quase para / Me encaixo no teu cheiro / E ali me deixo inteiro canta Iorc na onipresente Amei te Ver, que, assim como no caso de Coisa Linda - Coisa Linda / Vou pronde você estar / Não precisa nem chamar - talvez sejam as mais representativas daquilo que é o cerne de um registro que, se por um lado dialoga fortemente com a simplicidade, por outro não deixa de lado a eventual reflexão acerca do tempo em que vivemos. E, nesse sentido, poucas canções conseguem ser mais reveladoras do que a ótima Sol Que Faltava: Onde foi, onde foi / A última vez que você se deixou / Livre sem se retocar / Sem se Instagramear, pergunta o artista como um verdadeiro observador do cotidiano, no que diz respeito a inexplicável vontade humana em ver e ser visto na atualidade. E tudo isso em meio a uma produção limpa e com arranjos de cordas totalmente ensolarados e assobiáveis, funcionando como um belo complemento para cada instante desse precioso trabalho.

Pra quem não ouviu ainda, só resta de dizer que vale muito a pena!

As informações sobre a apresentação podem ser encontradas aqui, no site da Univates.

E que venha o show! =D

sexta-feira, 11 de março de 2016

Pérolas do Netflix - Drive

De: Nicolas Winding Refn. Com: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Oscar Isaac e Albert Brooks. Drama, Thriller. Estados Unidos, 2011, 100 minutos.

There's something inside you
It's hard to explain...

Existem filmes cuja atmosfera contribui muito mais para contar a sua história do que propriamente o roteiro e/ou diálogos. Na obra máxima do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn (Bronson, Guerreiro Silencioso, Só Deus Perdoa), Drive, este conceito é levado ao pé da letra. Baseado no livro de James Sallis e adaptado por Hossein Amini, o filme - vencedor da Palma de Ouro em Cannes de melhor direção - conta a história de um homem misterioso e taciturno (Gosling), cujo nome e passado não sabemos e que passa seus dias entre o isolamento em seu apartamento e os afazeres profissionais. Exímio motorista, além de trabalhar na oficina da figura paternal Shannon (Cranston, de Breaking fuckin' Bad), ganha uns extras como dublê em cenas de ação envolvendo acidentes automobilísticos, além de servir como piloto para criminosos que necessitam fugir dos locais de crime.

Dono de uma ética particular, o anti-herói não se envolve diretamente na execução dos assaltos, sendo responsável por deixar os bandidos no local do crime e, no tempo máximo de 5 minutos, tirá-los dali a salvos da polícia - como a cena introdutória se apressa em demonstrar, numa perfeita explicação do modus operandi de nosso protagonista (bem como seu talento para escapar das situações mais perigosas). Dotado de uma frieza quase insuportável, o personagem (interpretado de forma minimalista por Gosling) parece fugir de algo que não sabemos - e nunca saberemos exatamente o quê é - mas que vê seu mundo ganhar cores até então inéditas ao se deparar com a vizinha Irene (Mulligan, numa dosagem encantadora de doçura e inocência) e o amável filho Benicio, cujo pai Standard (Isaac) encontra-se prestes a retornar da prisão. É previsível notar que o mesmo afeto despertado por essa família na figura apática de nosso protagonista trará consequências inevitáveis para o seu futuro, ainda mais quando Standard retorna e se vê pressionado pela máfia a realizar um crime como forma de pagamento de uma dívida antiga - e que contará com a ajuda de seu mais novo "amigo", no intuito de salvar sua esposa e filho que vêm sendo ameaçados.


Abusando dos silêncios, dos diálogos quase monossilábicos, das expressões faciais, e de uma trilha sonora saída aparentemente direto dos anos 80 (contribuindo para a aura neon do filme, que possui um magnífico design de produção), Refn faz aqui sua obra mais acessível - muito embora a ultraviolência tão constante na filmografia deste se faça presente de forma pontual e impactante - o que não significa que esta seja uma obra de fácil assimilação, pelo contrário: ao subverter o gênero "filme de ação", gerindo o ritmo da obra de forma quase contemplativa, o diretor estimula o envolvimento emocional do espectador, sendo fundamental para que nos importemos com aqueles personagens em um primeiro momento tão pouco atrativos. Vale ressaltar o brilhante trabalho de cinematografia realizado por Newton Thomas Sigel, que consegue em diversos momentos utilizar apenas um plano sem um único diálogo para sugerir uma série de simbolismos e sentimentos.

Contando com inusitados toques de humor nos diálogos entre os mafiosos Bernie (Brooks) e Nino, é a tristeza e melancolia que imperam nesta magnífica (e estilosa) obra. Ao retratar um homem que aprendeu a evitar qualquer envolvimento emocional como forma de sobrevivência, é no mínimo irônico concluir que, ao se deixar levar pelo amor despertado por Irene e o menino Benicio, revelando um instinto protetor até então insuspeito, este será ao mesmo tempo sua salvação e ruína (quem nunca?). E que esse turbilhão de emoções absurdamente internalizado venha a se manifestar de forma tão violenta e literalmente visceral é o que torna este personagem tão fascinante e trágico: sem conseguir fugir de sua natureza autodestrutiva mesmo tentando fazer o que é certo - algo que o embate final demonstra de forma sublime, sutil, e incrivelmente triste - é na imagem de uma estrada longa, escura e solitária que vivenciamos um drama demasiadamente humano, pois no fim das contas estamos sempre sozinhos - mesmo que em alguns pontos do caminho 'pequenos milagres' confiram algum sentido à nossa vazia existência.


quarta-feira, 9 de março de 2016

Pérolas do Netflix - O Pântano (La Ciénaga)

De: Lucrecia Martel. Com Graciela Borges, Mercedes Morán, Sylvia Bayle e Martín Adjemián. Comédia dramática. França / Argentina / Espanha, 2001, 95 minutos.

Latidos. Estampidos. Zumbidos. Barulhos de vidro quebrando, metais batendo, trovões, carros arrancando. A algazarra das ruas, a música cantarolada por um vizinho, o grito das crianças. Assim como no nacional O Som ao Redor (2012), em O Pântano (La Ciénaga) o som diegético - aquele que integra a narrativa de forma naturalista, fluída - é parte importante da composição. Não à toa, na primeira cena da película, ao apresentar os personagens que fazem parte da curiosa - e recheada de significados - trama, a diretora argentina Lucrecia Martel, em sua estreia, utiliza o som enfadonho de cadeiras sendo arrastadas a beira de uma piscina. Repetidamente e durante minutos. Esse movimento simples (e ainda assim fatigante) já será suficiente para que o espectador seja imerso quase como que "num soco" para dentro de uma trama que se mostrará sufocante, claustrofóbica, incômoda.

É calor e a umidade é intensa no norte da Argentina, na localidade de La Ciénaga, na região de Salta, quase na divisa com a Bolívia. A sensação de torpor que envolve os protagonistas, quase sempre suados em cada frame, parece quase palpável - algo que se amplia com a fotografia e com o desenho de produção que reforçam a podridão dos moveis, as paredes velhas, a decoração antiquada, os metais enferrujados. A narrativa envolve duas famílias que se revezam em uma rotina de mesquinharias. Uma delas é liderada por Mecha (Graciela Borges, absolutamente magnífica), mulher de cerca de 50 anos que possui quatro filhos, e que passa quase todo o tempo de projeção na cama, bêbada e reclamando da vida e de um pequeno acidente doméstico em que se envolveu. A outra envolve Tali (Mercedes Morán), prima de Mecha, que também possui quatro filhos, um marido machista e uma vida simplória.



O dia a dia das famílias envolve preocupações prosaicas como os dentes de um dos filhos que estão nascendo meio tortos, a compra do material escolar, as ligações interurbanas que devem ser curtas pra não ser caras, o carnaval que está chegando e as inexplicáveis aparições da Virgem Maria junto a uma caixa da água e que tem sido vastamente exploradas pela mídia local. Como forma de passar o tempo, nesse verão escaldante, a alternativa é frequentar a piscina na casa de Mecha, um espaço sujo, fétido, composto por um caldo verde e que, ainda assim, é utilizada pelas crianças, já que o conserto da bomba da água e do filtro são sempre adiados. É um filme em que parece haver a certeza de que algo muito sério está para acontecer, conforme os pequenos conflitos entre as famílias avançam em meio a esse contexto de banalidade e leniência relacionada a vida cotidiana.

Na simplicidade do roteiro parece haver um algo a mais que Martel - que mais tarde filmaria o também ótimo A Menina Santa (2004) - faz questão de deixar para as entrelinhas. No ano de lançamento da obra, a sua Argentina natal passava por uma de suas piores crises econômicas da história, com taxas de desemprego alarmantes, congelamento de salários, inflação na lua e déficits fiscais nunca antes vistos. Muitos protestos aconteceram - e medidas foram tomadas - até o País voltar para os eixos. Em sua alegoria, Martel analisa os seus personagens e o cenário como uma espécie de microcosmo para o sentimento vivido por toda a população argentina naquele tempo - uma condição de impotência diante daquilo que impõe o meio. E a inclusão de temas polêmicos como o temor a Deus, o incesto e a violência contra os animais parece reforçar a crítica a uma população que também tem culpa pela situação que envolve o País ainda que, aqui e ali, considere-se dona de retidão moral imperturbável.



Nesse sentido, um filme cheio de personagens sujos - física e moralmente -, que abusam da mediocridade (e do álcool) e que estão acomodados em suas rotinas pouco imaginativas e insignificantes, nada mais é do que o recorte de um País que, como um todo, vivia um estado de ebriedade, convivendo entre si como se estivessem em uma espécie de mistura de O Discreto Charme da Burguesia (1972) de Buñuel, com Feios, Sujos e Malvados (1976) de Scola. Praticamente escondido entre as centenas de filmes da plataforma de streaming Netflix, essa obra robusta em seus sentidos metafóricos e que venceu o prêmio para diretores estreantes no Festival de Berlim de 2001, merece ser (re) descoberta. É uma verdadeira pérola do cinema dos nossos hermanos.

terça-feira, 8 de março de 2016

Cinema - Um Homem Entre Gigantes (Concussion)

De: Peter Landesman. Com Will Smith, Alec Baldwin, David Morse, Albert Brooks e David Morse. Drama, EUA / Austrália / Reino Unido, 2015, 123 minutos.

Antes de ter início a temporada de premiações, foi levantada a possibilidade de Um Homem Entre Gigantes (Concussion), figurar entre os indicados. Especialmente o astro Will Smith, que protagoniza a obra - e há quem acredite que o tão famoso boicote ao Oscar, encabeçado pelo ator, tenha a ver com o fato de este ter sido completamente ignorado pela Academia, bem como o filme. Smith capricha no sotaque africano - com direito a inglês "macarrônico" e tudo - para viver o médico nigeriano Bennet Omalu, que, radicado em Pittsburgh, atua um tanto quando deslocado em relação as suas tantas formações, como médico legista. Com métodos excessivamente excêntricos, Dr. Omalu trata cada um dos mortos com quem "trabalha" com grande solenidade, com direito a conversas, modos suaves e muito respeito.

Ocorre que um caso em especial chama a atenção do médico: quando ele recebe em sua mesa para a realização da autópsia o ex-jogador de futebol americano, Mike Webster (Morse, em boa atuação), um dos grandes ídolos da cidade. Webster vivia como indigente e, ainda que não estivesse nem perto dos 50 anos, comete suicídio após anos de abusos de drogas e de problemas mentais como alucinações e esquizofrenia. Dr. Omalu acha curioso o fato de nada aparecer nos exames que faz, até descobrir um certo padrão envolvendo atletas da NFL: os casos de ex-jogadores com um conjunto de sintomas relacionados a danos cerebrais aumentam gradativamente. Assim como as mortes, conforme ele amplia a sua pesquisa. O que faz com que ele conclua que os anos de pancadas na cabeça, fruto da brutalidade dos treinamentos e das disputas relacionadas ao esporte, podem literalmente ter "chacoalhado" o cérebro dos jogadores.




A trama é baseada em fatos reais e o embate entre um homem, trabalhando praticamente de forma solitária, contra uma grande instituição - a Liga de Futebol Americano - que movimenta trilhões de dólares em solo americano, é algo que merece ser saudado. Mas que merecia uma obra com um pouco mais de estofo, já que o "dedo" que é colocado nessa ferida é apenas o mindinho. Ainda que a boa edição contribua para mostrar o quão alarmante é a situação, com direito a imagens de arquivo e dados impactantes - como aqueles que dão conta de que 28% dos atletas têm ou terão algum problema mental em suas vidas - o filme nunca se aprofunda nos efeitos causados por essa verdadeira tragédia não apenas nas famílias, mas na sociedade como um todo. E, pior: o futebol americano, ao invés de questionado, parece sair do filme, curiosamente, ainda mais reverenciado como entretenimento número um dos americanos. As vidas devastadas diante desse cenário? Pouco são mostradas e, certamente, poderiam gerar subtramas e arcos dramáticos muitíssimo mais interessantes do que o inexplicável par romântico de Smith, interpretado pela (quase) desconhecida Gugu Mbatha-Raw.

Também incomoda um certo maniqueísmo visto na obra de Peter Landesman. Dr. Omalu, por exemplo: conversa com cadáveres, tem 15 diplomas, não vê TV, não bebe, não fuma, vai na missa, sonha em casar e ter filhos. Em resumo: tem SEMPRE um comportamento absolutamente adequado ao que prega a moral e os bons costumes. O seu único "desvio" é a exigência em ser chamado de doutor - especialmente pelos desafetos - o que poderia sugerir alguma arrogância. No mais, é quase como uma reencarnação de Cristo na terra, de tão bondoso. A falta de complexidade dos demais personagens também não contribui para uma construção mais digna. Os cartolas da NFL, por exemplo, parecem todos possuir caráter duvidoso, nunca se mostrando interessados em uma solução mais humana para o caso, dando a impressão de que só o dinheiro, o poder e a fama interessam. O mesmo vale para os políticos e para os médicos da Liga, sendo a exceção aquele interpretado por um deslocado Alec Baldwin. E a imprensa, que deveria estar em cima do caso, e que contribuiria certamente para a formação de uma história mais verossímil? Quase não dá as caras.




Will Smith talvez esperasse ser indicado por sua interpretação em Um Homem Entre Gigantes e, é preciso que se diga, ele se empenha ao máximo para entregar uma caracterização adequada ao que manda o roteiro, sendo um pouco mais sutil na dramaticidade do que em outras ocasiões - ainda que não abra mão da testa franzida O TEMPO TODO pra denotar melancolia. Só que o filme é apenas mediano. As regras e os métodos aplicados na NFL se modificaram, em meados dos anos 2000, fruto do trabalho intenso do Dr. Omalu e de muitas sessões e disputas em tribunais e em salas oficiais. Só que o impacto daquilo que foi alcançado e do que representou esse processo na vida dos envolvidos, acaba minimizado por uma direção rasa e que não avança para outros pontos que pudessem tornar a abordagem mais rica. Fica a impressão de que, nas mãos de um grande diretor, Um Homem Entre Gigantes, pudesse SIM, estar entre os favoritos do Oscar. O que não ocorreu, diga-se, com certa justiça.

Nota: 5,5

segunda-feira, 7 de março de 2016

Cine Baú - Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cockoo's Nest)

É muito provável que a maioria das pessoas desconheça o fato de o diretor tcheco Milon Forman ter perdido os pais no campo de concentração nazista de Auschwitz, durante a Segunda Guerra Mundial. Não chega a ser coincidência, portanto, o fato de o trauma vivido por um Forman ainda jovem ressurgir tão seguidamente, em sua filmografia, no formato de alegorias que dão conta do homem em conflito com o sistema vigente, com a sociedade conservadora ou mesmo em embate com o que estabelece o status quo. Mozart, por exemplo, era um homem a frente de seu tempo que teve dificuldade de se enquadrar ao período em que viveu, como pode ser visto no soberbo Amadeus (1984). E o que dizer do comediante Andy Kaufman, considerado um desajustado pela maioria, e que teve sua história contada no melancólico O Mundo de Andy (1999)? Os exemplos são muitos e remetem inclusive ao início de sua carreira, como no caso do autoexplicativo Pedro, O Negro (1963).

O mesmo expediente é utilizado por Forman no clássico Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cockoo's Nest) - adaptado do livro de Ken Kesey. O microcosmo criado pelo diretor envolve o ambiente fechado de uma instituição para doentes mentais, onde os internos se mantêm enclausurados sob o comando da enfermeira-chefe Ratched (Louise Fletcher). A metódica rotina e as normas impostas pela instituição não se alteram até a chegada de um novo paciente, Randle McMurphy (Jack Nicholson, em um de seus melhores papeis da carreira). Randle é acusado de estupro de menor e chega ao local após simular um quadro de insanidade na prisão em que estava. Conforme os dias avançarem e o novato perceber as condições a que estão impostas os doentes que, nas aparências, vivem uma rotina normal - mas que sequer estão autorizados a assistir a uma partida de beisebol pela TV - é que Randle passará a questionar o conformismo estabelecido pela situação. E isto da maneira mais anárquica possível!




São inesquecíveis, por exemplo, as cenas em que Randle consegue escapar do sanatório levando a tiracolo um grupo de internos para fazer uma pescaria em alto-mar, ou mesmo a sequência em que é realizada uma festa de arromba em uma madrugada - com a conivência do funcionário do turno - com direito, inclusive, a perda da virgindade de um dos jovens pacientes. O personagem de Nicholson inegavelmente tem caráter duvidoso, como é possível perceber durante toda a projeção em suas pequenas artimanhas. Mas o que ele constata, em momentos de lucidez, é que os pacientes apenas precisam ser estimulados de outras maneiras, já que, em muitos casos, a dita loucura, não passa de uma espécie de desajuste social, que poderia ser corrigido de outras formas. E, nesse sentido, a cena em que o personagem Chief consegue fazer uma cesta em um prosaico jogo de basquete, quase é capaz de arrancar uma lágrima do olho do espectador mais coração mole, por representar um significativo avanço.

Analisada a partir desse contexto, é possível dizer que Forman realiza uma obra absolutamente equilibrada do ponto de vista dramático, nunca apelando para o melodrama barato, ou mesmo exagerando, em contraponto, nas cenas mais divertidas - que são muitas, é preciso que se diga! Ao mesmo tempo, não deixa de ser fascinante observar detalhadamente a interação dos coadjuvantes em tela - e há rumores de que o diretor teria se utilizado de verdadeiros doentes mentais em seu trabalho -, merecendo destaque a aparição de astros como Danny DeVito e Christopher Lloyd ainda jovens (e insanos!) e em início de carreira. Em um ano recheado de grandes filmes (e grandes atuações), como nos casos de Um Dia de Cão, Barry Lyndon e Tubarão, só pra citar alguns, esse verdadeiro clássico moderno conseguiu a proeza histórica de faturar as cinco principais categorias do Oscar - Filme, Diretor, Ator, Atriz e Roteiro Adaptado - algo que só havia ocorrido anteriormente em 1934, com Aconteceu Naquela Noite e que voltaria a acontecer, posteriormente, com o ótimo O Silêncio dos Inocentes (1991). O justo vigésimo lugar na lista de 100 Melhores do American Film Institute (AFI), publicada em 1998, também não deixa de ser uma bela credencial. Se você ainda não assistiu, faça um favor a si mesmo e assista. É um filmaço.

domingo, 6 de março de 2016

Disco da Semana: Nada Surf (You Know Who You Are)

O Nada Surf é uma simpática banda de pop rock norte-americana, cuja carreira decolou em 1996 com o hit Popular, com clipe rodando as MTV's do mundo todo. Sempre na ativa desde então, o grupo capitaneado por Matthew Caws vem lançando álbuns que tiveram discreto alcance entre o público, e o mesmo deverá acontecer com o oitavo disco de sua carreira - o recém lançado You Know Who You Are. Longe de ser um "arrasa quarteirão", Caws e companhia continuam fazendo aquilo que de melhor vem desenvolvendo até o momento: canções curtas, simples e diretas, com ênfase às melodias e de uma melancolia contida aos moldes de outras bandas como Teenage Fanclub (uma das favoritas aqui da casa, por sinal).

Baixando um pouco o volume das guitarras desta vez, temos o vocal doce (ao estilo de Alex Chilton, vocalista do Big Star) de Caws embalado por violões e guitarras limpas em uma atmosfera um pouco mais triste (porém nunca dramática) quando comparada às de outrora. Óbvio que o amadurecimento e a fase pessoal do artista contribuíram para o clima: o mesmo relatou em entrevista que as canções surgiram em formato acústico dentro de sua casa para "não atrapalhar o vizinho", cuja fina parede os separava. A sensação que temos ao ouvir a obra é a mesma da chegada da meia estação que se aproxima, aquele clima frio que nos leva à introspecção porém com momentos ensolarados.


Com apenas 10 canções, You Know Who You Are começa entregando o tom com Cold to See Clear, que narra as dificuldades de se manter com os "pés o chão" em momentos de tristeza e falta de rumo: o frio como catalizador para se enxergar as coisas de maneira mais clara, e o consolo que temos de poder sonhar ao ouvir canções no rádio para obtermos conforto quando a vida até então não nos supre essa necessidade. A linda e discreta Believe You're Mine versa sobre a possibilidade de um novo amor, mesmo de forma muitas vezes frustrada e sonhadora, porém real ao tirar o narrador de sua zona de conforto mesmo que idealizada. Friend Hospital encara a tristeza de forma mais direta, bem como as perdas a que todos temos que enfrentar, e o apoio dos amigos como sendo de natureza fundamental para estes momentos. A sequência com New Bird vem mais agitada, lembrando um pouco algumas canções mais antigas do grupo, enquanto a ensolarada Out of the Dark traz em sua letra esperançosa um sopro de candura para o ouvinte, com seus metais e backing vocals em talvez um dos melhores momentos do disco.

A segunda metade do álbum segue no mesmo clima, confortando o ouvinte com suas frases de guitarra e melodias angelicais. Da popíssima Rushing à acústica Animal e a guitarreira faixa-título, os minutos fluem de forma orgânica e uniforme. As derradeiras canções, a apaixonada Gold Sounds e o encerramento com Victory's Yours encerram o disco em uma nota positiva, deixando uma sensação de "e aí, já acabou?". Longe de soar como um disco conceitual, vemos aqui um punhado de canções que funcionam isoladamente, mas formando um conjunto em que todas se complementam e quando você vê já vai estar apertando o repeat para ouvir de novo. Sempre digo que música depende muito do contexto em que tomamos contato e posso afirmar que, mesmo sem grandes pirotecnias e inovações, o Nada Surf conseguiu criar um ótimo companheiro para fins de tarde e noites de solidão - o que já é uma grande coisa em dias tão nebulosos, não é mesmo? Bonito, muito bonito.

Nota: 7,0.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Lançamento de Videoclipe - Jaloo (Last Dance)

O músico paraense Jaloo lançou um dos discos mais legais do ano passado - intitulado #1 - e que, não à toa, figurou na nossa lista de 25 Melhores de 2015 - em uma honrosa oitava posição. Após lançar um vídeo para a canção A Cidade, agora é a vez da melancólica Last Dance receber clipe, dirigido pelo próprio artista - em parceria com o fotógrafo Junior Franch, responsável pela arte da capa do registro. Ao site Papel Pop, o artista - que faz uma mistura saborosa de música oitentista, tecnobrega e canção regionalista - afirmou que o clipe simboliza a morte. "É um transporte da capa do disco para o movimento, mostrando alguém que já viveu bastante, como se o personagem do disco tivesse vivido uma vida inteira e estivesse muito cansado, precisando descansar", explicou. Bora clicar?


Cinemúsica - Magnólia

One is the loneliest number that you'll ever do
Two can be as bad as one
It's the loneliest number since the number one (...)

One is the loneliest number, much much worse than two

One is the number divided by two

Li em algum lugar que viver é acumular tristezas. Ou que somos aquilo que perdemos.
As perdas tem o poder de definir-nos como pessoas, moldando nossas defesas frente ao mundo - são os muros reais ou metafóricos que construímos de modo a nos preservar como espécie frente a nossos pares, tão falhos quanto nossas atrapalhadas existências.

Difícil saber por quais situações o diretor Paul Thomas Anderson (responsável por Boogie Nights e Sangue Negro, dentre outros) passou para compor a obra-prima moderna Magnólia, em 1999, com apenas 29 anos de idade. Responsável pelo roteiro e direção do filme, Anderson inspirou-se nas canções da cantora e amiga Aimee Mann e na obra de Robert Altmann (influência confessa) para criar a sua tese através de histórias múltiplas de personagens que se chocam em momentos limites de suas vidas, em uma noite chuvosa na busca de redenção e afeto. E o resultado não poderia ser mais sublime ou tocante - tal qual uma chuva de canivetes (ou de sapos) rasgando a pele de quem atrever a se aventurar nas mais de 3 horas de duração da obra.

Parafraseando Beto Cupertino (Violins), Anderson inventou a própria missa para louvar o acaso e o absurdo humanos, ao iniciar narrando casos "estranhos", de coincidências que não, não podem ser somente "mais uma daquelas coisas" - algo que me fez remeter a um caso recente em mais um exemplo daquelas ironias inimagináveis (e trágicas) cujo roteiro de ficção algum seria capaz de criar.

A forma com que a música é utilizada aqui é bastante ilustrativa, com a melancolia e beleza das canções comentando pontos-chave da trama, a começar pela abertura pós-prólogo narrado em off com a evocativa canção One. Além disso, como esquecer da cena em que o antigo quiz kid Donnie Smith (interpretado de forma tocante e tragicômica por William H. Macy) adentra um bar sob a trilha de Goodbye Stranger, do Supertramp, e todo o clima da cena e suas expressões faciais revelam as verdadeiras motivações de seu personagem (sua paixão e, principalmente, expondo o motivo para o mesmo decidir colocar aparelho nos dentes mesmo sem precisar)? Como o mesmo revela: "eu tenho muito amor para dar, só não sei onde colocar as coisas" em um momento de vulnerabilidade pela qual (quase) todos já passamos alguma vez na vida.


Ao sequenciar de forma sufocante temas como traição, culpa, doenças (físicas e psíquicas), traumas, arrependimentos, relações familiares, amorosas e de trabalho, somos levados a uma espiral de emoções e sentimentos cujo sofrimento parece impossível escapar - e é justamente neste momento que o toque de midas do diretor se faz presente: e se em determinado momento uma epifania coletiva acontecesse? Eis que então surge a linda canção Wise Up, com sua letra ("isto não irá acabar / enquanto você não se tocar") entoada em coro pelo elenco, funcionando quase como um purgatório para as almas atormentadas, antecipando a catarse que há de vir.


Servindo como ponto de equilíbrio aos demais, os personagens do policial Jim (vivido de forma sutil e sensível por John C. Reily) e do enfermeiro Phil (Phillip Seymour Hoffmann - in memorian) representam a razão - este último em especial é o único a perceber a realidade absurda do evento derradeiro que precede o último ato, enquanto que o primeiro continua sofrendo a humilhação de ter perdido seu instrumento de trabalho (o revólver) em uma emboscada, o que acaba por revelar um aspecto vulnerável de sua personalidade até então não demonstrado.

E eis que no epílogo Anderson resolve fechar a sua ópera de maneira sensível, sutil e simples. Como diz um personagem em certo ponto da narrativa: foi uma história sem um fim, sem uma moral, sem clímax. Ao reconhecer isto, o diretor constrói uma rima belíssima e rica em significados ao colocar frente à câmera a personagem Claudia (a bela Melora Walters), cuja vida repleta de abusos desencadeou seu vício em drogas e uma loucura latente, culminando em sua internação após uma tentativa de suicídio por overdose, e seu pretendente (o agora novamente confiante Jim) que, de costas para a câmera, desencadeia um monólogo tocante em sua simplicidade e entrega frente àquela que, talvez, represente tudo o que vimos até aquele momento: uma pessoa de alma dilacerada e repleta de cicatrizes, com medo de ferir e ser ferida e, por isso mesmo, um "quase" desperdício de vida e beleza. E se digo "quase", é devido à surpreendente capacidade humana em insistir na busca de afeto e amor, mesmo frente às adversidades e justamente ao confiar naqueles que são os mais capazes de nos ferir e, paradoxalmente, nos salvar.


E que este sentimento venha representado atado em uma camisa de força, na eterna luta loucura x razão, é a prova de que Paul Thomas Anderson compreendeu, de forma surpreendentemente precoce, aquilo que nos move. E eu tenho certeza que, no olhar e sorriso final de Claudia para a câmera, temos o criador desta magnífica obra piscando para o espectador ciente de ter passado o seu recado... 





quarta-feira, 2 de março de 2016

Disco da Semana - Elton John (Wonderful Crazy Night)

Poucos artistas parecem ter tanto prazer naquilo que fazem em suas vidas como o cantor e compositor Elton John. Há exatos três anos tive a oportunidade de assistir a uma apresentação do ídolo no Estádio do Zequinha, em Porto Alegre. Era um show comemorativo aos 40 anos de lançamento de Rocket Man. QUARENTA ANOS. Não foi apenas uma aula de boa música, com Elton, como um verdadeiro gentleman, entregando para os fãs a nata da nata de suas melhores composições da carreira. Foi um verdadeiro tratado sobre gentileza com o público. De cortesia. De distinção. De delicadeza. De elegância. Enfim, de nobreza, apenas como um verdadeiro SIR (com todas as letras maiúsculas) poderia se portar diante de cerca de 20 mil pessoas que ali estavam para lhe ver. Todos os adjetivos, lhes digo, sempre serão poucos para definir o que é um show do Elton John.

O astro não apenas toca e canta, com a sua potente voz. Ele interage com o público. O afaga entre uma música e outra. Abre os braços. Aponta sorridente para este ou aquele sujeito que ele identifica na plateia, provavelmente emocionado por aquilo que está presenciando. Manda beijos, sempre que possível. Salta, pula, como um guri. Isso sem falar a pontualidade. O show, lembro bem, estava marcado para às 21h. Após um pequeno atraso de sete minutos, ele estava entoando as notas de Bitch is Back. Em nenhum momento das cerca de duas horas e meia de exibição e quase 25 músicas executadas ele pareceu cansado, de saco cheio ou louco pra ir pra casa. Pensa num cara a fim de fazer um troço! Era o Elton John naquela noite. O Dave Grohl também tem esse estilo. E esse respeito ao público deveria constar nas aulas da "escola de artistas" - se elas existissem. Você vai tocar às 22h num bar? Oras, comece a tocar as 22h nesse bar e honre as 50 pessoas que estão ali para lhe ver. É o mínimo.



Impressionante como a motivação do "véinho" - ele vai completar 69 anos no dia 25 de março (e não poderia haver idade mais sugestiva para a ilustrar o tesão que ele ainda sente por aquilo que faz) - também se estende aos seus mais recentes registros. E mais ainda ao recém lançado e absolutamente divertido e roqueiro Wonderful Crazy Night - 32º álbum da carreira. Se em alguns discos mais recentes como Songs From the West Coast e The Diving Board, Elton parecia navegar em águas mais tranquilas, a exemplo de álbuns mais voltados para as baladas, como Ice On Fire, Sleeping With the Past e The One, em Wonderful Crazy Night, o que parece valer é o bom e velho rock and roll, com pitadas de blues, country e jazz. Se não chega a ser um retorno a clássicos como Tumbleweed Conection, Honky Chateau e Don't Shoot Me I'm Only The Piano Player (o meu favorito), é possível dizer, sem risco de errar, que o tom festivo, ensolarado, urgente, com o piano rasgando cada composição, o deixa muito próximo de qualquer um desses petardos fonográficos.

O clima de balada retrô-cool fica ainda mais claro quando escutamos canções como Guilty Pleasure, Looking Up e a faixa título. Não à toa, essas canções não fariam feio ao lado de outras como Crocodile Rock, Saturday Night (Alright for Fighting), I'm Still Standing, Honky Cat, Philadelphia Freedom e Sad Songs (Say So Much), em uma eventual setlist mais "agitada" do artista. E a própria capa do registro, absolutamente colorida, vibrante e festiva parece convidar o ouvinte a ter uma espécie de "noite louca e maravilhosa". Sim, sei que vocês devem estar pensando "o Tiago é fã e como fã tá erguendo o ídolo". Mas não é só uma questão de 10 novas composições alegres e animadas - sem esquecer das boas baladas de sempre. É música bem executada, com produção caprichada - de T. Bone Burnett em sua terceira colaboração seguida -, vocal limpo e uma certa elegância kitsch (se é que essa dicotomia é possível), que sempre lhe acompanhou. Ou, se vocês preferirem é simplesmente gostar de boa música. E quem não gosta?

Nota: 8,3

terça-feira, 1 de março de 2016

10 Frases Impagáveis de Frank Underwood em House Of Cards

A quarta temporada de House Of Cards estreia na próxima sexta-feira (04/03) e nós, do Picanha, somos só expectativa para saber quais serão os próximos passos do protagonista Frank Underwood (Kevin Spacey), um dos nossos maus-caracteres preferidos! Enquanto a série - disponível na plataforma de streaming Netflix - não recomeça, a gente recorda nesse especial, 10 Frases Impagáveis do personagem que tanto amamos odiar!



#1 É muito mais refrescante trabalhar com alguém que sela um cavalo presenteado do que com alguém que examina a sua boca.

#2 São necessários apenas 10 segundos para esmagar as ambições de alguém. E, eu, preciso manter as minhas.

#3 Todo o gatinho cresce e se torna um gato. No começo parecem inofensivos, quietos, tomando leite no pires... Mas quando suas garras ficam longas o bastante, eles tiram sangue, às vezes da mão que os alimenta. E para quem está subindo ao topo da cadeia alimentar, não pode haver misericórdia.

#4 Toda terça-feira encontro-me com o Presidente da Câmara e com o Secretário Geral para discutir a agenda da semana. "Discutir", provavelmente é a palavra errada. Eles falam, enquanto eu fico calado, imaginando como seriam as suas caras fritas em uma frigideira.

#5 Em Gaffney, tínhamos a nossa própria forma de democracia: cumprimente com a mão direita, segure uma pedra com a mão esquerda.



#6 A estrada para o poder é coberta por hipocrisia e baixas. Nunca por remorsos.

#7 A única coisa mais satisfatória do que convencer alguém a fazer o que eu quero é não conseguir convencê-lo de propósito. É como uma placa de "Não Entre", que implora para que você entre ali.

#8 Nenhum escritor de respeito pode resistir a uma boa história. Assim como nenhum político pode resistir a fazer promessas que não pode cumprir.

#9 Sempre odiei a necessidade de sono. Assim como a morte, ele é capaz de derrubar até os homens mais poderosos.

#10 Freddie acredita que se uma geladeira cai de uma minivan em plena rodovia, enquanto ele está dirigindo, o natural é desviar do obstáculo. No meu caso, é a geladeira que deve sair do meu caminho.

Lançamento de Videoclipe - Chvrches (Clearest Blue)

Os escoceses do Chvrches lançaram um dos melhores discos de 2015, o efervescente, colorido e comercial Every Open Eye - que, não à toa, figurou na nossa lista de melhores trabalhos do ano passado. Fico aqui imaginando a dificuldade do grupo comandado pela graciosa Lauren Mayberry na hora de escolher qual das grudentas e radiofônicas canções vai ser selecionada para se tornar o single da vez. Após as ótimas Empty Threat e Leave a Trace agora foi a vez de Clearest Blue - com sua pegada com um pé no Erasure - ganhar vídeo de divulgação. O clipe, dirigido por Warren Fu, parece se passar em duas linhas temporais diferentes, com a vocalista aparecendo tanto em uma realidade alternativa, como em uma balada cool. Aumenta o volume, coloca o fone, que esta vale a pena ouvir no máximo! É só clicar!