quarta-feira, 20 de março de 2019

Tesouros Cinéfilos - Crash: No Limite (Crash)

De: Paul Haggis. Com Sandra Bullock, Don Chaedle, Matt Dilon, Jennifer Esposito, Brendan Fraser, Thandie Newton e Terrence Howard. Drama, EUA, 2004, 115 minutos.

Acho que o que mais "assusta" quando assistimos ao filme Crash: No Limite (Crash) é o tipo de exame de consciência que a obra do diretor Paul Haggis nos propõe: moldados pelo sistema que nos envolve, não seríamos TODOS preconceituosos em alguma medida? Mesmo na crença de sermos ilibados seres superiores, capazes de respeitar as diferenças, estaríamos realmente livres de comportamentos discriminatórios? Não sei dizer. E acho que o que costuma causar estranhamento nessa verdadeira obra-prima moderna - que tirou o Oscar das mãos de O Segredo de Brokeback Mountain (2004), na cerimônia de 2005 - é justamente isso: é vermos em cena é um agrupamento de pessoas complexas, que reagirão ao seu meio a partir de experiências puramente pessoais. Um dia bom ou um dia ruim não são desculpa para comportamentos agressivos à moral e aos bons costumes, mas eles não influenciam as nossas ações?

Já não fomos escrotos com o garçom do restaurante porque tínhamos brigado com a namorada? Ou respondemos de forma ríspida àquele colega de trabalho boa praça porque estávamos com problemas familiares? Sim, o ser humano não é uma equação simples em que as pessoas seriam divididas arbitrariamente em boas ou más, sem exceção. Fosse assim não haveria pedófilos na Igreja. Ou votantes do Bolsonaro que participam de projetos sociais (espero que eles existam). Ninguém é ruim o tempo inteiro. Ou bom, como imaginam os maniqueístas filmes da Hollywood dos anos 90. Ou vocês são? Nunca houve um dia de fúria? De descontrole? Em Crash não torcemos por nenhum dos personagens, porque o mesmo sujeito que é um boçal racista em uma das mais repugnantes sequências do cinema moderno, será o envolvido em uma ação bem sucedida para salvar a vida de uma pessoa, após um grave acidente de carro. Também agimos por instinto, afinal.


Bom, a intenção aqui não é fazer um tratado sobre o comportamento humano a partir de uma obra cinematográfica, mas costumo considerar Crash um BAITA filme justamente pelo fato de ele evocar esse tipo de discussão. Sim, eventualmente há alguma forçação de barra, mas o caso é que o impulso pode fazer com que as pessoas tenham as mais variadas reações. Quantas notícias já não vimos por aí, de pessoas que, motivadas por sabe-se lá que sentimento, cometeram crimes para depois se arrepender? Nesse sentido e, voltando ao filme, como não se emocionar com o toque quase divino imprimido à cena em que um homem raivoso quase mata acidentalmente uma garotinha, por achar que o pai desta estava por trás de uma ocorrência policial envolvendo o seu estabelecimento comercial? Com que tipo de culpa esse homem não viveria, se houvesse nesse episódio uma vítima fatal? Armas são a maior MERDA desse mundo e o filme de Paul Haggis nos faz lembrar o tempo todo disso (como na cena em que um policial em "violenta emoção" mata um homem negro por achar que este estava sacando um revólver).

O cartaz do filme tinha uma frase embutida e que amplifica esse tipo de discussão: "até que ponto VOCÊ se conhece?" A obra foi produzida na esteira do 11 de setembro, com americanos traumatizados, impacientes na compreensão do outro e com dificuldades para tolerar as diferenças étnicas, sociais raciais (e vamos combinar que a construção de um MURO nos Estados Unidos, nos dias de hoje, não ajuda muito). Na película há a esposa rica de um promotor, uma dupla de assaltantes, um policial caucasiano veterano de guerra, um policial novato, um chaveiro latino, um detetive negro e seu irmão traficante, um diretor de cinema e sua esposa, um imigrante iraniano e sua filha... um episódio trágico envolvendo um desses núcleos aproximará os habitantes desse microcosmo. Não apenas as histórias se cruzarão: seus traumas, dores, imperfeições, frustrações colocarão todos no limite (assim como diz o subtítulo em português).



Ainda que o elenco de estrelas seja um atrativo a parte - nomes como Sandra Bullock, Matt Dilon e Don Cheadle são alguns dos que se sobressaem - a força da obra está mesmo em sua história e na análise que nós também fazemos sobre o nosso comportamento. É como se estivéssemos, afinal, em um divã. Ou diante de um espelho. Com excelente edição - o filme salta de uma história para outra de forma fluída, ágil - a película ainda utiliza a sua trilha sonora e, especialmente, a fotografia eventualmente granulada, empalidecida e sombria, como um atestado geral do estado de espírito daqueles que assistimos nessa bela narrativa. Ou mesmo de nosso tempo. Em um mundo que está bem longe de ter superado as questões de preconceitos raciais - ao contrário, a eleição de figuras como Trump e Bolsonaro ainda parecem legitimar o discurso de ódio - um filme como Crash segue dolorosamente atual. É simplesmente imperdível.

terça-feira, 19 de março de 2019

Tesouros Cinéfilos - Boy Erased: Uma Verdade Anulada (Boy Erased)

De Joel Edgerton. Com Lucas Hedges, Nicole Kidman, Russel Crowe, Joel Edgerton, Flea e Troye Sivan. Drama, EUA, 2019, 114 minutos.

Parece inacreditável que, em pleno século 21, ainda existam clínicas para "restauração sexual" - aquelas mesmas, que prometem a cura gay - espalhadas pelo mundo. Bom, somente nos Estados Unidos elas estão presentes em 36 estados, afetando a vida de centenas de milhares de gays, lésbicas, transexuais, entre outros. No Brasil não é diferente e não são poucos os vídeos da atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves prometendo a conversão de jovens "doentes" ou que são classificados como "aberrações". Sim, as pessoas se preocupam demais com a sexualidade - pra não dizer o cu - dos outros. Nesse sentido, preferências sexuais são um trauma não do passado, mas da atualidade e não é por acaso que figuras muitas vezes ligadas à Igreja Evangélica, prometem alguma solução mágica (como se gostar de homem ou de mulher fosse um mero "problema psicológico").

Bom, o filme Boy Erased: Uma Verdade Anulada (Boy Erased) trata, magistralmente, sobre este tema. Aliás, o filme foi proibido aqui no Brasil, sob a desculpa de problemas envolvendo "custos de campanha e estimativas de bilheteria". Então, você já sabe: qualquer coisa proibida nesse Brasil absurdamente conservador, preconceituoso, reacionário, retrógrado e intolerante é ainda melhor. Ainda  mais em um País em que o principal líder da nação não tem nenhum pudor em afirmar que preferiria que seu filho "morresse em um acidente do que aparecesse com um bigodudo por aí". Bom, s pai vivido por Russell Crowe é o pastor da Igreja Batista Marshall Eamons. Ao lado da esposa Nancy (Nicole Kidman) ele não quer a morte do filho Jared (Lucas Hedges) - que parece ter perdido o caminho da fé, ficando meio "afeminado" - colocando-o no instituto Amor Em Ação, que promete a cura por meio de um programa de reorientação sexual.


Não é preciso ser nenhum adivinho pra saber que a negação daquilo que Jared é em sua essência será um problema - especialmente quando a terapia se mostrar absurdamente ortodoxa, com direito a temas de casa que devem descrever o "catálogo de pecados" dos familiares e outras atividades comportamentais que buscam transformar aqueles meninos em homens que estarão prontinhos para constituir família (assim como Deus mandou). Sim, não dará certo. Jared é gay e terá sua sexualidade oprimida por pais nada compreensíveis (e que acham que podem decidir sobre o corpo do filho) e por uma Igreja que serve apenas para apontar dedos para pecadores ocasionais. A bomba-relógio prestes a explodir será ampliada por um passado que envolve outros abusos, como um traumático episódio de estupro ocorrido na faculdade em que o rapaz estudava.

A temática não é nada fácil, mas Joel Edgerton (em sua segunda incursão na direção, após o surpreendente O Presente, de 2015) a conduz tomando partido, mas sem exagerar no panfletarismo. O assunto é delicado e uma eventual mão pesada, que diluísse a sutileza da abordagem, poderia colocar tudo a perder - e não deixa de ser absolutamente comovente ver os "avanços" feitos na clínica sendo tratados como possibilidades reais de transformação. O próprio Edgerton, que interpreta um dos professores dessa espécie de internato, surge inicialmente como um sujeito compreensivo e de voz calma mas que vai, aos poucos, se tornando a caricatura de um sistema que oprime jovens que não estejam adequados àquilo que prega a religião. A fluidez narrativa, nesse sentido, é um dos grandes trunfos: tudo é apresentado sem pressa, ainda que o ranço diante daquilo que assistimos seja inevitável.


Com elenco afiadíssimo e com grande química - há participações especiais dos músicos Flea (como um veterano ex-drogado/pervertido que se converteu) e Troye Sivan (como um dos colegas de Jared) - é praticamente inexplicável o fato de um filme tão relevante, com interpretações tão convincentes, ter sido esnobado nas premiações (especialmente diante da "abertura" vista na Academia nos últimos anos). Bom, esse fato não apaga a importância da obra que nada mais é do que uma reverência a nossa capacidade de escolher. Não é por acaso que a simples imagem de Jared colocando o braço para fora da janela, com o carro em movimento, é tão libertadora: trata-se da metáfora perfeita para uma vida que, dali para a frente, será pontuada apenas pelas suas decisões. Jared é um adulto afinal. E sobre o seu corpo, cabe a ele decidir.

Curta Um Curta - Demônia: Melodrama em Três Atos

Dirigido por Cainan Baladez e Fernanda Chicolet, Demônia: Melodrama em Três Atos é um curta metragem absurdamente engraçado! Misturando drama familiar, programas de televisão sensacionalistas e redes sociais, o filme conta a história da jovem grávida e extremamente evangélica Myriam (Fernanda Chicolet), que descobre que um de seus melhores amigos tem um caso com... o seu marido! É claro que esta é a oportunidade para chamar a imprensa, armar um barraco e colocar tudo em pratos limpos, com direito a lavação de roupa suja em público e uma infinidade de frases de efeito. Impossível esquecer Myriam dizendo a frase "faz o serviço em mim" para os policiais que acompanham a "desinteligência" que ocorria entre cidadãos ou clamando pela vizinha para esta testemunhar diante da pouca vergonha ocorrida com o marido. Tudo em nome de Jesus, claro. Simplesmente imperdível!

segunda-feira, 18 de março de 2019

Pérolas da Netflix - Mais Uma Chance (Private Life)

De: Tamara Jenkins. Com Paul Giamatti, Kathryn Hahn, Kayli Carter, Molly Shannon e John Carroll Lynch. Drama, EUA, 2018, 127 minutos.

Querer engravidar e não poder é certamente o drama de milhares de casais mundo afora e o ótimo Mais Uma Chance (Private Life) trata deste tema com inteligência, bom humor e sensibilidade. Na trama Paul Giamatti e Kathryn Hahn vivem o casal Richard e Rachel que, na faixa dos quarenta e alguma coisa se esforçam para poder gerar um filho. Ligados as artes - ele é um produtor teatral, ela é uma escritora - sempre protelaram a ideia. Aliás, como muitas pessoas, desejavam primeiro ter uma casa, um carro, um cachorro, concluir projetos, ter estabilidade financeira... mas o tempo passou e a "idade limite" bateu na porta, bem como a dificuldade de engravidar. Após algumas tentativas frustradas de fertilização in vitro ou até de entrada em um sistema de adoção, o casal investe na busca de uma doadora de óvulos, como uma alternativa. Mas como fazer a escolha correta?

Inevitavelmente o desgaste gerado por essa situação - que exige grandes investimentos emocionais e financeiros - surge em doses cavalares a cada aparição melancólica de Richard e Rachel em cena (e quem já conheceu casais nessa situação, desejando MUITO terem filhos sem poder, sabe o quão devastador pode ser esta condição para o relacionamento). O "surgimento" da sobrinha Sadie (Kayli Carter), que vem morar com o casal em Nova York para estudar, renovará as esperanças dos protagonistas: bastante ligada a Richard e Rachel (que sempre lhe apoiaram), Sadie poderá ser a tão sonhada doadora. É uma jovem bonita, divertida, inteligente e que também é postulante a escritora. Mas como fazer a sua conservadora família - especialmente a mãe Cynthia (Molly Shannon) -, aceitar numa boa esta ideia?


A obra da diretora Tamara Jenkins (do excelente A Família Savage, de 2008), alternará momentos mais leves, com outros mais pesados, deixando o filme no limite entre o humor e o drama. Se em certa cena, Rachel questiona a real necessidade de se gerar um filho em um mundo em que há ascensão de grupos neofascistas (ou superpopulação), em outra ver o casal ser enganado por uma jovem que pretendia ser barriga de aluguel destes é não menos do que doloroso. Habilidosa na adoção de rimas visuais e metáforas, Jenkins não hesitará em compor sequências que tornam tudo ainda mais comovente, como no momento em que Richard e Rachel discutem algumas decisões no meio da rua, no mesmo instante em que passam por eles um grupo de crianças. O que também nos fará refletir sobre as reais "necessidades" de um casal para que este encontre a tão sonhada felicidade.

Nesse sentido, a película é absurdamente verossimilhante. Mesmo com comentários sociais divertidos e referências culturais - a cena em que Rachel cita a série The Handmaid's Tale é uma das melhores - a obra trata o tema de forma solene, sem apelar para piadas bobas ou maneirismos que diminuam a importância daquilo que assistimos. Não por acaso, a reação desesperada de Richard, após um episódio frustrante no consultório médico é totalmente crível - aliás, não poderia ser mais prazeroso assistir Giamatti e Hahn em cena, sempre competentes e dedicados em suas caracterizações (ainda que elas trafeguem no limite entre o excesso e a sutileza, nunca suas interpretações são caricatas, o que é comprovado pela maravilhosa sequência em que pedem ajuda a sobrinha). Ainda que eventualmente arrastado, o filme é cheio de méritos e joga luz sobre um tema pouco explorado pelo cinema, o que por si só já torna esse exemplar digno de atenção.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Lançamento de Videoclipe - Vampire Weekend (Sunflower)

A expectativa pelo novo álbum do Vampire Weekend, intitulado Father Of The Bride não poderia ser maior! O registro, que sucede o espetacular Modern Vampires Of The City (2013), deve ser lançado no dia 03 de maio e, para compensar o hiato de seis anos, Ezra Koenig e companhia prometem um trabalho duplo, de 19 faixas e cerca de uma hora de duração. A divulgação vem sendo feita aos poucos - com faixas como Harmony Hall e 2021 já liberadas para audição. Mais recentemente, Sunflower - realizada em parceria com Steve Lacy (do The Internet) - se tornou a escolhida para se tornar clipe. Dirigido pelo ator Jonah Hill, o vídeo conta com participação do comediante Jerry Seinfeld e mostra Lacy e Koenig em um passeio por Nova York. Tudo embalado por aquela sonoridade redondinha do coletivo!



Pérolas da Netflix - Paddleton (Paddleton)

De: Alexandre Lehmann. Com Mark Duplass, Ray Romano e Marguerite Moreau. Comédia dramática, EUA, 2019, 89 minutos.

Há um novo nicho em Hollywood em que há filmes bons, como 50% (2011), e outros nem tanto, caso de Tá Rindo do Quê? (2009): o das comédias dramáticas em que uma das personagens convive com alguma severa doença (muito provavelmente o câncer). Paddleton (Paddleton) é mais um desses exemplares. E trata a doença sem o aspecto romanticamente solene de outras obras (ainda que não a ignore, claro). Na trama, Mark Duplass e Ray Romano vivem Michael e Andy, dois vizinhos que se têm como melhores amigos. Quando o primeiro é diagnosticado com um câncer terminal no estômago, faz um pedido ao segundo: ajudá-lo a morrer antes que a doença se torne profundamente devastadora, com tratamento cheios de efeitos colaterais dilacerantes, entre outros. Sim, ele quer ajuda para morrer. E um filme que trata com naturalidade o tema da eutanásia já é digno de nota.

Em geral Paddleton é um filme gostoso de ver, mas não inesquecível. Faz lembrar aqueles exemplares autorais do cinema alternativo que, eventualmente, concorrem no Festival de Sundance e que se ocupam muito mais com o naturalismo e a verossimilhança do que com explosões e efeitos especiais. E nesse ponto a obra do diretor Alexandre Lehmann (do belo Blue Jay, de 2016) acerta em cheio. Por se tratar de uma película sobre amizade coloca Michael e Andy praticamente o tempo todo juntos na tela, seja jogando o excêntrico jogo do título original, seja assistindo antigos filmes de kung fu na TV, ou ainda fazendo charadas um com ou outro (como na divertida e decisiva parte em que Andy pergunta ao amigo quantos variedades de animais Moisés levou para a arca no conhecido episódio bíblico).


E há ainda os diálogos, eventualmente ambíguos que, confesso, me fizeram pensar sobre o fato de que talvez uma tragédia ainda maior do que a morte (se é que ela é possível), talvez seja a de viver a vida negando aquilo que se é em essência. Ambos são homens solitários, de meia idade (talvez já próximos dos 50 anos), mas pouco se sabe sobre os seus passados - sendo a única referência a isto o momento em que Michael revela a Andy que já foi casado. "Sim, durante um ano e meio", explica. O mundo é povoado por pessoas com suas manias, eventualmente excêntricas, solitárias ou não, e que estão buscando a felicidade. Em uma das grandes cenas dessa pequena película, ambos os amigos revelam o seu amor um ao outro: sem piadas homofóbicas, encarando a sequência com seriedade e deixando margem para inferências a respeito de opções sexuais, mas sem traumas.

Equilibrando sequências nonsense, como aquela em que a dupla discute se tomaria a própria urina ou não, caso ficassem perdidos no meio do nada, sem gasolina, com outras mais tensas, como aquela em que Michael acha que Andy está morto, a película tem estrutura simples, passa rapidinha e nos faz ficar pensando, ao final, sobre o poder da amizade e a importância de estarmos ao lado daqueles que, de fato, amamos. Vendida como comédia, é o tipo da obra que te fará muito mais chorar, do que sorrir. No jogo de paddleton "da vida", muito provavelmente será necessário rebater a bolinha uma boa dezena de vezes para finalmente encontrar o local certo e pontuar. Assim, será com os amigos verdadeiros, que certamente permanecerão após muitas raquetadas em vão em direção a parede.

terça-feira, 12 de março de 2019

Pérolas da Netflix - O Menino Que Descobriu o Vento (The Boy Who Harnessed The Wind)

De: Chiwetel Ejiofor. Com Chiwetel Ejiofor, Maxwell Simba e Aïssa Maïga. Drama, EUA / Malawi / França / Reino Unido, 2019, 113 minutos.

Uma ode a importância do estudo. Ou um elogio a busca permanente por conhecimento. Talvez essas duas pequenas sentenças possam resumir, ao menos em partes, a ideia central que se aplica ao emocionante O Menino Que Descobriu o Vento (The Boy Who Harnessed The Wind) - filme sensação da Netflix no momento. A obra dirigida por Chiwetel Ejiofor - ator que vimos nos ótimos Filhos da Esperança (2006) e 12 Anos de Escravidão (2013) - e que faz a sua premiada estreia atrás das câmeras é também uma história sobre pessoas em situação limite, tentando superar dificuldades em meio a pobreza, a fome e ao abandono completo dos governantes. Bom, não é preciso ser nenhum adivinho para saber que a sessão será melhor apreciada se houver a tiracolo uma CAIXA de lenços de papel - fato comprovado já pelo trailer edificante.

Baseada em fatos reais, a trama retorna para o ano de 2001, para mostrar o dia a dia de uma família de agricultores no Malawi (país pobre da África Oriental). Em meio a expectativa pelas safras de tabaco e de grãos, Trywell (Ejiofor) e Agnes (Aïssa Maïga) estão empolgados com o fato de o filho, o jovem William (Maxwell Simba) estar indo para a escola. A solenidade do momento pode ser vista na reação de todos da família, quando o menino de 12 anos veste o garboso uniforme do educandário, com direito a gravata e tudo. "Parece um médico da cidade" brinca a irmã Annie (Lily Banda). Sim, estudar faz a diferença e o capital do conhecimento pode ser o caminho que auxiliará os jovens (e a família) a sair da miséria. E Ejiofor é hábil ao fazer o espectador lembrar disso a cada pouco, conforme a película avança e os esforços de cada um aparecem.


O caso é que William tem aptidão para a parte eletrônica. Usando peças antigas e outros objetos retirados de um antigo ferro-velho próximo à aldeia em que moram, faz instalações elétricas na casa e conserta rádios para os vizinhos. Mas Platão já dizia que "a necessidade é a mãe de toda a invenção" e será após uma frustração da safra de tabaco (resultado de uma política de Governo minguada e da ambição de donos de terras vizinhas em que florestas funcionavam como barreira natural para enchentes), que o garoto encasquetará que poderá construir uma espécie de moinho artesanal, capaz de movimentar uma bomba da água que distribuirá melhor o recurso na lavoura. Especialmente na lavoura de milho porque, como se a desgraça pouca não fosse bobagem, a safra do grão também passa por problemas - estes, no caso, decorrentes da seca.

É claro que nem tudo será fácil: William precisa estudar, mas os pais têm dificuldades financeiras que o impedem de pagar a escola nos meses seguintes. A situação se agrava com o fracasso da colheita, cabendo ao jovem achar brechas, por meio de estratégias questionáveis, para chegar a biblioteca do colégio e assim, ler os livros que lhe aprimorarão os conhecimentos. Sim, tudo é muito dramático, tocante e desalentador. Há um componente religioso e político por trás, que torna a história universal, dando-lhe (ainda) mais envergadura. Nesse sentido, Ejiofor enxerga o todo, o contexto. Até mesmo porque pobreza também tem a ver com oportunidades - e se elas não forem minimamente equilibradas, algumas poucas pessoas terão melhores condições de vida e outras muitas sofrerão com as migalhas. E sem haver um sistema de ensino público no local, a situação se torna alarmante.



Com um elenco absurdamente entrosado, uma fotografia amarelada (que amplia a sensação de sufocamento) e com um desenvolvimento narrativo extremamente organizado, O Menino Que Descobriu O Vento é filme para toda a família, nos fazendo torcer o tempo todo para que a solução desejada por aqueles que vemos em tela, seja finalmente concretizada. Ejiofor desenvolve a trama em etapas, de forma didática, jogando com as emoções do espectador, que sentirá pena, raiva, frustração, dor, alegria e empatia pelas personagens. Paulo Freire - o maior educador da história do Brasil - já dizia: "se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". Em um contexto político como o nosso, em que professores são atacados e recursos (já tão escassos) para a educação são questionados sob as desculpas mais estapafúrdias (como aquela que alega haver "doutrinação ideológica" em sala de aula), uma película que fala da importância do conhecimento é um sopro tão forte quando aquele que move as engenhocas construídas pelo pequeno William. É imperdível.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Cinema - Todos Já Sabem (Todos Lo Saben)

De: Asghar Farhadi. Com Javier Barden, Penélope Cruz e Ricardo Darín. Suspense / Drama, Espanha / França / Itália, 2018, 133 minutos.

É muito provável que somente diretores com credenciais como as de um Asghar Farhadi tenham cacife pra reunir um elenco de nomes como Javier Barden, Penélope Cruz e Ricardo Darín no mesmo filme. O iraniano faturou DUAS VEZES o Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira nos últimos anos - pelos formidáveis A Separação (2012) e O Apartamento (2017) - e agora retorna com um projeto em língua espanhola, o que também dá conta de sua versatilidade. Não é o seu melhor filme, mas ainda assim, Todos Já Sabem (Todos Lo Saben) é uma obra acima da média. Aliás, bem acima da média. A trama é daquelas meio batidas, mas que sempre "diverte": a da reunião familiar em que um episódio extremo fará com que verdades, mágoas e segredos do passado sejam topicamente revelados ao espectador, num clima de tensão crescente, quase sufocante.

O "episódio extremo" é o desaparecimento súbito da filha de Laura (Penélope Cruz), durante a festa de casamento de sua irmã Ana (Inma Cuesta). Ninguém parece saber de nada e só o que os participantes lembram é do fato de que a moça bebeu bastante, antes de subir para o quarto da casa de campo alugada pela família para, logo depois, sumir. Como ocorre nesse tipo de trama, todos se tornam suspeitos - especialmente Paco (Javier Barden), antigo namorado de Laura, que se mantém próximo da família da ex, por questões "comerciais". Paco é viticultor e, na época que namorava Laura, comprou uma grande faixa de terras do sogro Antonio (Ramon Barea), aparentemente a preço de banana. Nesse sentido, questões relacionadas à propriedade privada e a ambição da classe média, podem estar por trás do sequestro da jovem. Podem, mas sem certeza de nada.


A trama parece meio novelesca (ou rocambolesca) e até é. Mas a narrativa se desenrola de forma fluída, com a família indo da euforia da "festa de casamento" para a devastação emocional motivada por um crime, em questão de segundos. A montagem é dinâmica, com pequenos saltos de um personagem para o outro, fazendo com que o espectador esteja atento a qualquer detalhe que possa denunciar o que de fato possa ter ocorrido. E as pequenas reviravoltas, com suspeitos inesperados e personagens secundários relevantes (como a de um policial aposentado disposto a ajudar), tornam tudo mais interessante. É o roteiro de suspense por excelência, com o espectador "preso" até o final, identificando ainda nas metáforas (como na do pássaro que não consegue sair de dentro do prédio da Igreja), uma estratégia interessante para discutir o componentes como o religioso, que é bastante presente.

E há ainda o trio de protagonistas que possui uma química incandescente. Penélope, especialmente, se despe das vaidades que envolviam papeis anteriores, para aparecer sem maquiagem, com cabelo desgrenhado e olhos marejados quase o tempo todo, em seu autoflagelo de mãe desatenta que vê a filha lhe "escapar" debaixo de seu nariz. Já Darin aparece mais na segunda metade, quando vêm da Argentina ao encontro de todos que estão na Espanha, transbordando vulnerabilidade e insegurança apenas com o olhar. Barden é aquele cara prático e firme nas suas decisões, transmitindo alguma ambiguidade em sua composição. E é simplesmente fantástico assistir aos três em cena, muitas vezes juntos, em papeis de grande carga emocional. Pena que a película de Farhadi sofra do mesmo mal de 90% das tramas de suspense: a dificuldade de fechar a história de forma satisfatória. É o único "pecadito" de um filme muito bom.

Nota: 8,0

quinta-feira, 7 de março de 2019

Grandes Cenas do Cinema - Uma Babá Quase Perfeita (Mrs. Doubtfire)

Filme: Uma Babá Quase Perfeita
Cena: Entre dois jantares

Poucos filmes são tão unanimemente apaixonantes quanto Uma Babá Quase Perfeita (Mrs. Doubtfire) - obra do diretor Chris Columbus (Esqueceram de Mim) que fez gerações inteiras rirem e chorarem, com as peripécias de um pai de família (vivido com incrível ternura por Robin Williams) que tenta se reaproximar dos filhos da maneira mais inusitada possível, após um traumático divórcio. A gota da água para a separação ocorre após a festa de aniversário de um dos filhos, quando Daniel (Williams), ator recém demitido, aproveita a tarde livre para trasnformar a casa dos Hillard em uma zona, irritando profundamente a pragmática esposa Miranda (Sally Field). Como está sem emprego e sem residência fixa é impedido pelo pessoal da assistência social de ver os três filhos de forma regular - como ocorre em processos de guarda compartilhada.

Só que quando ele descobre que Miranda está procurando uma nova babá, Daniel vê a oportunidade de se reaproximar da família, na pele da senhora Doubtfire, a idosa de voz doce do título original, que cativa a todos. Bom, a história do filme todo o mundo já está careca de saber: há o irmão gay de Daniel que lhe ajuda no processo de transformação e um simpático antigo namorado de Miranda, de nome Stu (Pierce Brosnam), que reaparece com intenções de reatar o relacionamento com a antiga namorada. Em meio a tudo isso estará Daniel que, na pele da senhora Doubtfire, procurará manter segredo sobre sua nova "identidade", o que gerará cenas hilárias, como aquela em que uma assistente social lhe visita em seu novo apartamento ou aquela em que o filho Chris (Matthew Lawrence), flagra a idosa urinando de pé!


Mas a meu ver nenhuma cena é mais inesquecível do que a do restaurante. Nela, Daniel se vê em uma sinuca de bico, já que deve participar de dois jantares ao mesmo tempo: um na pele de Daniel, em que encontrará um produtor de TV disposto a lhe oferecer um programa e em outro com Stu e os Hillard em que estará vestido de senhora Doubtfire, agora integrante inseparável da família. É claro que, conforme a noite avançar e uma ou outra taça de vinho for "saboreada", as coisas sairão um pouco do controle - culminando em uma cena engraçada e trágica ao mesmo tempo e que envolve Stu sendo salvo pela babá. É uma sequência que impressiona, que nos diverte e emociona e que é exemplar do talento de Robin Williams na composição de figuras tão distintas (sendo inevitável pensar em como ele "nos deixou" cedo).



Filme que envelhece muitíssimo bem, Uma Babá Quase Perfeita ainda surpreende ao deixar de lado um esperado "final feliz" - que era tão comum em obras otimistas dos anos 90. Na relação de Miranda e Daniel não há espaço para voltar atrás nas decisões - ambos constatam que são melhores pessoas sem a convivência juntos e o principal de tudo: não deixarão de amar os filhos mesmo estando separados. Leve, ligeiramente iconoclasta e surpreendentemente divertido, o filme permanece, 25 anos depois de lançado, no coração de qualquer cinéfilo que cresceu nos anos 90. Suas importantes lições sobre vida após o divórcio dos pais e sobre a valorização da busca pela felicidade também permanecem atuais.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Cinema - Calmaria (Serenity)

De: Steven Knight. Com Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Diane Lane, Djimon Hounsou e Jason Clarke. Suspense / Drama, EUA, 2018, 107 minutos.

É simplesmente inacreditável que atores oscarizados como o Matthew McConaughey e a Anne Hathaway tenham topado participar de um filme tão sem pé nem cabeça como esse recém lançado Calmaria (Serenity). Eu só posso acreditar em um polpudo cachê, ou na crença de que o diretor Steven Knight pudesse repetir o relativo sucesso alcançado com Locke (2013), seu vigoroso projeto anterior. Mas aqui absolutamente NADA funciona e a obra chega a irritar pela péssima execução de uma ideia que talvez não fosse tão estapafúrdia, caso não ofendesse tanto a inteligência do espectador. Na trama McConaughey é Baker Dill, um pescador de uma pequena ilha litorânea (de nome Plymouth) que ganha a vida com seu ofício, mas também conduzindo turistas em alto-mar para que estes possam viver a experiência de pescar grandes peixes em uma pequena embarcação.

Em seu íntimo pretende pescar - ao lado do parceiro de empreitadas Duke (Djimon Hounsou) - um atum de proporções gigantescas, que os moradores locais garantem existir apenas na cabeça de Baker. Mas tudo vai mudar quando chegar à ilha a antiga esposa de Baker, Karen (Anne Hathaway), que lhe fará uma proposta pra lá de indecente: dar cabo de seu atual marido, o misógino Frank (Jason Clarke), levando-o para o alto-mar e simulando um acidente com ataque de tubarões e afogamento. Karen pretende pagar um polpudo valor para que o ex realize o seu projeto, com a desculpa de sofrer maus tratos e toda a sorte de violências físicas e psicológicas - que se estendem ao filho do casal. É tudo meio rocambolesco, com trilha sonora forçada, suspense esquisito, interpretações cheias de caras e bocas dos atores (especialmente Hathaway) e reviravoltas inacreditavelmente toscas.


É um filme que poderia ser uma comédia, mas que se leva muito a sério para isso. E que piora MUITO quando uma revelação envolvendo o filho de Baker e Karen transforma Calmaria em uma episódio torto de Black Mirror. E se, como suspense, a obra já não funcionava, como uma espécie de ficção científica metafísica, que discute os limites da tecnologia e da inteligência artificial (sim, pasme), a película cairá ainda mais se tornando uma maçaroca confusa e arrastada na mesma proporção em seu terço final. E tudo isso com um agravante: a gente não tem simpatia por NENHUMA das personagens que vemos em tela. E algumas delas são totalmente mal-aproveitadas, como é o caso da sempre elegante Diane Lane, que surge no filme como uma espécie de "amiga para momentos íntimos",, de Baker, mas sem muita lógica de definição.

Com várias falhas em seu andamento - cheio de irregularidades, como se tudo ocorresse aos tropicões - o filme ainda peca por não aprofundar absolutamente nenhum dos debates a que se propõe (não por acaso uma discussão mais ampla sobre violência doméstica, por exemplo, certamente oxigenaria a obra). O mesmo vale para o aspecto mais enigmático de sua temática, que o tempo todo parece raso e nunca verossímil ou complexo. Tendo como um de seus únicos méritos os cenários e as paisagens, com belas tomadas aéreas das águas e da ilha em si, Calmaria é a prova de que nunca é bom tentar abraçar tudo ao mesmo tempo. Ao pretender fazer ao mesmo tempo um drama, um suspense, um noir policial e uma ficção científica, Knight chega bem perto de fazer uma patética comédia. Mas o caso é que é necessário fazer rir para ser comédia. E a única risada que a gente dá assistindo a esse desastre é de constrangimento.

Nota: 2,5

Novidades em Streaming - Weezer (Black Album)

Acredite se puder: o Weezer já está no décimo terceiro disco na carreira! Após lançar no começo do ano o inexpressivo Teal Album (um disquinho meio palha de covers que ninguém deu muita bola), Rivers Cuomo e companhia retornam com Black Album, registro com 10 canções originais que já está disponível nas plataformas de streaming. Volta às origens? Um novo Pinkerton pra chamar de seu? Nada. Aliás, podemos parar com essa paranoia de achar que o Weezer tenha que lançar um grande álbum que representará uma reviravolta inacreditável em sua carreira. Não, não irá acontecer. E se a gente relaxar em relação isso, conseguirá curtir mais um punhado de canções juvenis, com aquele charme nerd/garageiro que é a marca registrada da banda, com umas pitadinhas eletrônicas aqui e um tecladinho mais maroto acolá - cortesia do produtor Dave Sitek, que já trabalhou com o Yeah Yeah Yeahs, entre outras bandas massa. Lá nos anos 90, o João Gordo, no seu indefectível programa Piores Clipes do Mundo já dizia: quem não gosta de Weezer, bom sujeito não é. Pra nós do Picanha essa sentença continua valendo!



terça-feira, 5 de março de 2019

Cinema - Querido Menino (Beautiful Boy)

De Felix Van Groeningen. Com Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney e Amy Ryan. Drama, EUA, 2019, 121 minutos.

O uso de drogas é um severo problema de saúde pública nos Estados Unidos - não por acaso a overdose é a maior causa de morte de jovens com menos de 50 anos no País. É algo que, em muitos casos, não se sabe exatamente de onde vem. Ou o que desencadeia esse quadro tão desalentador. Família disfuncional? Pais separados ou ausentes? Jovens que sofrem bullying? Não necessariamente, como nos mostra a história do jovem Nic Sheff (Timothée Chalamet), narrada no ótimo Querido Menino (Beautiful Boy). Nic é um menino da classe média como qualquer outro: amado pelos pais, tem boas notas na escola, pratica esportes, gosta de música, literatura e artes em geral. Mas se tornará usuário de drogas - inicialmente maconha, mais tarde metanfetamina -, se tornando dependente químico e, consequentemente, alterando a rotina de todos.

A sua volta, em todos os momentos, estará o devotado pai David (Steve Carell). Jornalista conceituado, vive com a segunda esposa e os dois filhos mais novos, enquanto tenta compreender o que ocorre com o filho mais velho. O lar sempre foi amoroso e David se angustiará na tentativa de identificar as suas (eventuais) falhas como pai, ao passo que tenta acolher o filho a cada nova recaída, após exaustivas passagens por clínicas de reabilitação. É uma obra comovente, dura em muitos aspectos, mas absurdamente realista em sua abordagem. Não por acaso, o diretor Felix Van Groeningen (do excelente Alabama Monroe) não busca identificar a origem do problema. Isso apenas acontece, como acontece em muitos lares e, importando mesmo para todos os que sofrem desse mal, a tentativa de amenizá-lo (na impossibilidade de solucioná-lo).


Ainda que seja baseado em fatos reais, o filme não demoniza ninguém - nem o usuário, nem os pais, nem a madrasta ou os irmãos. Seria uma muleta muito fácil (e irritantemente óbvia) a existência de um pai alcoólatra e ausente ou de uma madrasta que maltratasse Nic. Mas não. Todos estão empenhados em entregar a sua melhor versão para o jovem, com boas doses de compaixão e empatia, mesmo naqueles momentos mais desesperadores. E assistir David tentando de todas as formas "consertar" um filho que só lhe procura para pedir dinheiro em meio a severas recaídas, é algo não menos do que comovente. Sensação ampliada pelos seguidos flashbacks que mostram a simbiótica relação entre os dois, com David emanando amor por todos os seus poros. Ou mesmo nas sequências em que o pai pesquisa na internet os efeitos das drogas utilizadas pelo filho, ainda que seu olhar angustiado seja de incerteza.

Nesse sentido, Carell entrega uma interpretação não menos do que soberba - o que torna inexplicável a sua ausência na temporada de premiações. Já Chalamet tem se especializado, após Me Chame Pelo Seu Nome (2018), em papeis difíceis e de grande exigência física e emocional (e é simplesmente arrebatador assisti-lo como um zumbi catatônico em meio aos efeitos das drogas mais pesadas). Sem apelar para soluções mais fáceis, a obra ainda utiliza "graciosas" metáforas como forma de exemplificar aquilo a que estamos assistindo (sendo uma das melhores a sequência em que o pai "perde" o filho em meio as ondas do mar em uma tarde de surfe). Com trilha sonora cheia de grandes bandas - de Nirvana, passando por Neil Young e David Bowie, até chegar no Massive Attack - Querido Menino se consolida como um dos grandes filmes de 2019, abordando um assunto difícil de forma inteligente e sem ataques levianos. Vale cada minuto.

Nota: 9,0