Não são poucas as vezes em que me pergunto quais as circunstâncias geradoras de sentimentos como o ódio, o preconceito ou a intolerância. Onde é, afinal, que brota tanta raiva - especialmente entre os jovens (essa "nova" e tão assustadora juventude reacionária)? Onde nascem esses meninos e meninas tão bem vestidos e alimentados, tão eloquentes e participantes ativos da vida social que não suportam um negro, um pobre, um viciado, um índio, um deficiente, um homossexual ou um agricultor entre aqueles que estão no seu convívio? De onde vem toda essa hostilidade, essa aversão e essa repulsa que andam a passos galopantes nas redes sociais lotadas de pessoas que parecem até mesmo se orgulhar de seu comportamento discriminatório? Será na mesa de domingo, ao lado do avô de descendência germânica que não hesita em proferir uma piada misógina ou racista? Será na igreja? Na sala de aula? Ou em outras instituições, entre elas a própria família?
O dramaturgo alemão Bertolt Brecht já dizia que a "cadela do fascismo está sempre no cio" e, é possível afirmar que, mesmo no mais sutil dos tons, a obra-prima moderna A Fita Branca (Das Weiße Band) fala exatamente sobre isso. Indiretamente, sem esfregar na cara de ninguém, ela aborda a origem desse mal. Origem esta que pode estar relacionada a uma educação excessivamente formal e religiosa, que reprime a sexualidade ou qualquer outro tipo de comportamento que fuja do padrão imposto pelos guardiões da moral e dos bons costumes. A trama nos desloca para um vilarejo do norte da Alemanha no ano de 1913. No local vivem crianças, adolescentes e suas famílias - com estas últimas as educando com a pesada mão da repressão e na permanente busca da "inocência e da pureza" como virtudes únicas a serem perseguidas.
Ocorre que, em um certo dia acontece um estranho (e cruel) acidente com o médico local (Rainer Bock), cujo cavalo tropeça em um afiado arame que fora esticado entre duas árvores. Além de desconhecerem os autores da armadilha - que resulta em um cavalo sacrificado e no médico hospitalizado por mais de dois meses com um braço quebrado - os moradores passam a conviver com outros estranhos eventos. Em um deles o filho do Barão local desaparece, sendo encontrado preso e ferido. Uma mulher morre em um acidente de trabalho de difícil explicação. Um incêndio inicia. E uma criança com deficiência tem seus olhos arrancados de forma cruel. Quem estaria por trás de tanta atrocidade? De onde viria esse mal-estar e essa violência que se espalham como se fossem uma grande onda de terror nesta pequena comunidade?
Haneke, como é de praxe em sua filmografia, não oferece soluções fáceis. Mas a partir da narração em off do professor local (Christian Friedel) - e não chega a surpreender o fato de, justamente um educador, ser a voz mais lúcida do filme - é possível montar um pequeno quebra-cabeças histórico, capaz de transformar as oprimidas crianças da película nos futuros monstros que gestariam o holocausto e o nazismo como um todo. É a violência gerando violência e se perpetuando de geração em geração, com nenhum sentimento de culpa ou qualquer tipo de empatia pelo próximo. Uma equação simples demais, mas que ecoa até os dias de hoje, com crianças crescendo em lares frios, nada amorosos e até violentos e que irão reproduzir, no futuro, estes mesmos comportamentos. Sim, o diretor é tradicionalmente pessimista. E, com A Fita Branca, ele parece atingir o grau máximo de niilismo.
Fotografado em um requintado preto e branco pelo diretor de fotografia Christian Berger, a obra, vencedora da Palma de Ouro em Cannes em 2010, tem clima bergmaniano não apenas pela ausência da paleta colorida s e pelo hábil uso do som diegético (que permite ouvir corredeiras, as folhas das árvores ou o barulho de insetos), mas também pelo ceticismo com que encara instituições conservadoras e retrógradas, como a Igreja. E não é por acaso que personagens como o pastor local (Burghart Klaubner) surgem como se fossem os grandes vilões da história - sempre dispostos a utilizar a violência como medida disciplinatória, por menor que tenha sido a transgressão cometida pelas crianças. Nunca fácil, a obra de Haneke pode chocar pela violência excessiva e até mesmo gráfica. Mas dado o ódio que reina contra as minorias - seja nas redes sociais, seja nas reuniões das "famílias de bem" - o austríaco acerta em cheio em sua triste abordagem de um passado que segue tão atual.