segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Cinema - Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day In the Neighborhood)

De: Marielle Heller. Com Matthew Rhys, Tom Hanks, Susan Kelechi Watson e Chris Cooper. Drama, EUA, 2019, 109 minutos.

Um filme gentil sobre um personagem gentil: é simplesmente isso que Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day In the Neighborhood) é. E não teria como ser diferente em uma obra que traz a figura real de Fred Rogers (Tom Hanks, em papel que lhe uma indicação ao Oscar na categoria Ator Coadjuvante), um antigo apresentador de TV que ficou no ar por mais de 30 anos com um programa educativo voltado ao público infantil, em que ensinava com voz amena e modos contidos a importância de valores como generosidade, empatia e respeito às diferenças. Fred Rogers era praticamente um santo vivo na terra e conseguiu o milagre de ter uma forte audiência com seu programa meio brega, povoado por animais de pelúcia, reis e rainhas, maquetes coloridas, objetos cênicos simplíssimos e trilha sonora com temas edificantes. Tudo exibido pelo canal PBS - que seria tipo a TV Cultura dos Estados Unidos. Se aqui no Brasil Fred era pouco conhecido, na Terra do Tio Sam ele era uma verdadeira lenda.

E esse sentimento é ampliado pela entrega comovente de Tom Hanks ao papel. Já na sequência inicial, que mostra o preâmbulo de um dos mais de 1.700 programas feitos por Rogers, o espectador já compreende o tom adotado pelo show. Com uma serenidade enternecedora - sensação ampliada pelo tom de voz plácido e monocórdico -, o apresentador mostra um painel de fotos que servirá para abordagem do "tema do dia": o perdão. Em uma das fotos aparece o jornalista Lloyd Vogel (Matthew Rhys) que, na realidade, é o protagonista. Empregado da Revista Esquire, Vogel sempre foi famoso pelo seu cinismo e por investigar a fundo a vida de seus biografados. Meio à contragosto vai ao encontro de Rogers, para escrever um pequeno artigo de 400 palavras sobre o apresentador numa espécie de especial do periódico. Bom, não teríamos um filme se os seguidos encontros entre a dupla não transformassem a vida de ambos - especialmente de Vogel, que tem uma relação difícil com o pai (Chris Cooper), ao passo que tenta ela mesmo equilibrar as "funções" de trabalhador e pai.


É um filme que se estabelece sem nenhuma pressa, com um tipo de fluidez narrativa que pode irritar alguns desavisados, justamente pelo excesso de lentidão - ainda que esse padrão vise a fazer uma espécie de ponte entre o modelo adotado por Rogers em seu programa e o seu comportamento na vida real. Não por acaso, não são poucas as sequências em que Vogel "tenta" fazer a sua entrevista, mas acaba abandonando a ideia pelo simples fato de não conseguir arrancar nenhuma resposta controversa ou nada aparentemente mais relevante de seu biografado. Aliás, não levará muito tempo para que o jornalista perceba as mudanças em sua perspectiva, que ocorrerão a partir de cada entrevista ou contato com Rogers. E não deixa de ser tocante constatar essas pequenas evoluções comportamentais em pequenos gestos e ações do dia a dia, como no instante e que Vogel simplesmente pede a sua esposa Andrea (Susan Kelechi Watson) para que sentem em meio a uma caminhada, com a intenção de discutir com mais calma um assunto importante.

Alguns críticos têm falado que uma pessoa tão perfeita assim não existiria e que o filme peca por não acrescentar mais camadas à figura de Rogers, o que poderia ser feito com a adição de suas fraquezas, inseguranças ou ambiguidades (ainda que uma cena ao piano, quase ao final, de conta disso de uma forma bastante inovadora). Utilizando os próprios cenários do programa de TV de Rogers para fazer a transição entre cenas de uma forma criativa e lúdica, Um Lindo Dia na Vizinhança é aquele filme do "bem", que aposta numa fotografia em tons pasteis que flerta com o kitsch e que só não tem uma trilha sonora mais brega porque lá pelas tantas aparece a música The Promise da Tracy Chapman. E há o roteiro cheio de suavidades, como no instante em que Rogers e Vogel conversam em um restaurante, com o apresentador sugerindo um exercício ao jornalista - em uma das mais belas sequências cinematográficas do ano. Singelo, agridoce, lúdico e eventualmente onírico, o filme da diretora Marielle Heller (Poderia Me Perdoar?) serve como o complemento perfeito para o ótimo documentário Won't You Be My Neighborhood - esta sim uma obra que vai um pouco mais a fundo na carreira de Rogers.

Nota: 8,0

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