Você certamente já viu essa história mais de uma vez no cinema ou na literatura: alguém morre em um determinado cenário e todos aqueles que estavam naquele ambiente passam a ser suspeitos em um eventual crime. De Assassinato no Expresso do Oriente de Agatha Christie ao divertido filme 8 Mulheres (2002), de François Ozon, foram muitos os suspenses que brincaram com a capacidade investigativa de seu público, espalhando pistas, oferecendo improváveis reviravoltas e possíveis culpados que mais adiante serão descartados (ou não). Aliás, não é por acaso aquela antiga expressão que diz que o "culpado é sempre o mordomo", o que já estabelece no nosso imaginário o eventual cenário de alguma grande mansão, frequentada por um grupo excêntrico de possíveis figuras ambiciosas ou talvez de novos ricos, cheios de motivações escusas para surpreender a todos com algum tipo de golpe meio inesperado. Alguém morre. De surpresa. E o culpado não tardará a aparecer.
Esse tipo de narrativa - tão convencional quanto divertida -, é replicada no ótimo Entre Facas e Segredos (Knives Out), do diretor Rian Johnson.(Star Wars: Os Últimos Jedi). Johnson reuniu um elenco estelar para contar a história por trás do misterioso assassinato do escritor de novelas policiais Harlan Thrombey (Christopher Plummer), justamente na madrugada em que ele comemorou o seu aniversário de 85 anos. Isso significa que praticamente toda a família de Harlan - filhos, noras, genros e netos, a governanta e até uma enfermeira que ajudava a ministrar seus medicamentos -, passam a ser suspeitos no caso. A cada entrevista feita pelo detetive Benoit Blanc (Daniel Craig, em aparição hilária), as potenciais motivações de cada um vão se descortinando na tela - assim como uma série de segredos que envolvem adultério, insatisfação com a forma com que são gerenciados os negócios da família ou mesmo o testamento escrito pelo velho, que poderá ter deixado alguém de fora.
Cheio de idas e vindas no tempo, o filme será contado com uma série de bem montados flashbacks, que vão dando pistas do que pode ter acontecido na noite em que Harlan morre. Ana de Armas, que interpreta a enfermeira Marta Cabrera, tem papel central na narrativa, uma vez que é a última pessoa a estar no quarto do escritor, antes de seu corpo ser descoberto com um corte no pescoço (tudo leva a crer que ele se suicidou). Isto despertará a ira dos filhos do anfitrião, especialmente de Linda (Jamie Lee Curtis) e de Walter (Michael Shannon), sendo que este último teve uma pequena discussão com Harlan na mesma noite. Outros parentes, como o genro Richard (o divertido Don Johnson) e a nora Joni (Toni Colette) também surgem na trama com alguma "pendenga" envolvendo o morto. O que significa que, bom... tudo pode acontecer e, como já dissemos, quase todos que estavam na casa são suspeitos.
Ainda que tenha algumas metáforas visuais meio óbvias - a da "estátua de facas" chega a ser quase ostensiva -, a obra é pura leveza na alternância entre momentos de humor, de drama e de suspense. Óbvio, como em qualquer trama do tipo, há um verdadeiro festival de reviravoltas, ainda que nenhuma delas seja necessariamente ofensiva ao espectador (achei elas, inclusive, bem plausíveis, ainda que, aqui e ali, haja uma ou outra coincidência um pouco mais exagerada). A idosa que faz a mãe de Harlan (!) se torna uma espécie de alívio cômico - e o mais divertido é que a atriz K. Callan é seis anos mais NOVA que Plummer -, ao passo que Chris Evans surge pela primeira vez em um papel mais ambíguo, quase vilanesco - no caso como um neto que pode ter as suas motivações para algo escuso. Tudo para tornar a narrativa, que passa de raspão por um outro tema político e necessário na Era Trump (xenofobia, imigração, neonazismo), ainda mais frenética (ainda que nunca complexa). Um grande passatempo, que vale ser conferido.
Nota: 8,0
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