quarta-feira, 30 de março de 2022

Cinema - A Pior Pessoa do Mundo (Verdens Verste Manneske)

De: Joachim Trier. Com Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie e Herbert Nordrum. Drama / Comédia romântica, Noruega / Suécia / França / Dinamarca, 2021, 128 minutos.

Acho que um dos aspectos mais interessantes de A Pior Pessoa do Mundo (Verdens Verste Manneske) - o indicado da Noruega ao Oscar - é a forma como nos identificamos com a protagonista. Julie (Renate Reinsve) é, afinal, aquela pessoa caótica, indecisa, imatura e cheia de incertezas a respeito do futuro - como costumam ser os jovens que ainda não chegaram aos trinta. Quem nunca, né? O filme do diretor Joachim Trier já inicia com a jovem divagando sobre qual profissão ela gostaria de seguir, saltando da medicina, passando pela psicologia - ela se interessa muito mais pela "alma do que pelo corpo" -, até chegar a fotografia. Nos relacionamentos, a desordem é semelhante: ela vai de um casinho para outro e mesmo quando conhece o quadrinista Aksel (Anders Danielsen Lie), que parece a opção ideal por ser um sujeito racional - talvez por ser quinze anos mais velho -, ela não hesita em, ali adiante, dispensá-lo.

Essa fragmentação dos relacionamentos, que o pensador Zygmunt Bauman chamaria de "modernidade líquida" - que nada mais é do que a "crescente convicção de que a mudança é a única coisa permanente, ao passo que a incerteza é a única certeza" -, parece ser o que rege parte da narrativa. Dividido em doze capítulos que contam com títulos meio autoexplicativos como "sexo oral na era #metoo", "o circulo narcisista de Julie", "trapaça" e "momento ruim", o filme nos conduz em uma espiral de incertezas em que, qualquer que seja a decisão, será inevitável o arrependimento. Quando conhece Aksel, por exemplo, Julie se encanta, admira seu trabalho, sua personalidade. Os diálogos entre os dois são leves como o amor deve ser. Mas o artista gráfico sonha em ser pai e as pressões familiares pesam, são cíclicas, com a protagonista tendo de reciclar suas desculpas o que, invariavelmente, os levará à exaustão. 


Pode ser bobo e imaturo não persistir? Pode. Mas para Trier, o que acompanhamos são apenas humanos. Humanos, aliás, demasiadamente humanos. Com suas falhas, medos, anseios. Todos, afinal querem a felicidade. Almejam ela. Em meio a grandes e pequenos acontecimentos. Mas Bauman mesmo já dizia que nesses tempos líquidos - e perdão por citar um autor tão batido, mas é que o tema pede - "nos mantemos no amor enquanto ele nos traz satisfação, para depois procurar um outro que nos gere ainda mais satisfação". Duro. Com uma sinceridade dolorosa. Mas honesto. Julie acredita não estar plenamente feliz com Aksel e se encanta, em uma dessas noites aleatórias, por Elvind (Herbert Nordrum). Que a corteja, diz o que ela quer, a deseja. Esse episódio martela na cabeça de Julie. E poderá ser o estopim para uma futura traição ao primeiro sinal de marasmo com Aksel. Julie, lembremos, tem menos de trinta. Quer tudo ao mesmo tempo. Medicina e fotografia. Aksel e Elvind.

Costurada por meio de instantes leves - como na discussão familiar sobre mansplaining e menstruação -, com outros mais comoventes (a parte em que Julie anuncia a Aksel que o está abandonando é desoladora), a obra flui com um naturalismo impressionante, sendo sempre possível acreditar na verdade daquilo que acompanhamos. A vida, afinal, é altos e baixos, conquistas e perdas, quedas e recomeços e todos ali parecem saber disso. Especialmente quando a nostalgia bate na hora de olhar pra trás. Tecnicamente elegante, o filme se aproveita se planos sequência e ângulos de câmera não tão óbvios, que culminam em uma linda sequência em que o mundo para (como se pudéssemos efetivamente pará-lo, né?), para a consolidação dos desejos que estão escondidos. Metafórico, inesperado, meio torto, o filme nunca é óbvio: os desvios de rota são constantes. E talvez seja por isso que o encanto é permanente. Não fosse Drive My Car e talvez esse fosse o Filme Internacional do ano no Oscar. Que merecia, merecia.

Nota: 9,0


terça-feira, 29 de março de 2022

Curta Um Curta - The Long Goodbye

"Eles sempre perguntam a você: de onde você é? [...] / A pergunta parece simples, mas a resposta é meio longa / eu poderia dizer a eles Wembley, mas eu não creio que seja isso que eles querem". Em meio a ascensão de grupos extremistas de direita que propagam ódio, xenofobia e preconceitos de todos os tipos, a sequência final do poderoso curta The Long Goodbye - o grande vencedor em sua categoria no Oscar desse ano - ganha ainda mais força. Produzido por Riz Ahmed - astro de Hollywood de ascendência paquistanesa -, o filme narra, em pouco mais de dez minutos, um dia normal da família de Riz, o protagonista. 

Em meio a prosaicas discussões cotidianas envolvendo questões domésticas, a rotina com os filhos e outros acontecimentos, a televisão ligada exibe uma marcha de extremistas que avança. Avança até chegar à casa de Riz, com resultados simplesmente devastadores. A mudança brusca que envolve os instantes lúdicos dentro de casa para o desespero com a iminência da morte motivada pela intolerância racial é assombrosa. O barulho, a gritaria, o caos, a incapacidade de diálogo. Tudo reverbera como uma verdadeira metáfora do mundo, nos dias de hoje. Difícil permanecer igual depois de assistir a essa experiência que, no mínimo, nos faz refletir.

Novidades em Streaming - Deserto Particular

De: Aly Muritiba. Com Antonio Saboia, Pedro Fasanaro, Laila Garin e Zezita Matos. Drama, Brasil / Portugal, 2021, 120 minutos.

Pessoas solitárias, cheias de segredos, que estão a procura de seu lugar no mundo - e do amor. É um ambiente de permanente tensão aquele que encontramos no ótimo Deserto Particular, de Aly Muritiba, que está disponível na HBO Max. No filme os personagens parecem isolados, com certa dificuldade de comunicação (e até de aceitação). Carregando o fardo de, aparentemente, ter cometido um ato de violência em seu destacamento, o policial Daniel (Antonio Saboia) aguarda julgamento, enquanto tenta se reerguer em um bico como segurança de boate. Ao mesmo tempo em que cuida da saúde do pai que sofre de demência, o homem mantém contato pela internet com a misteriosa Sara (Pedro Fasanaro) que, sem muita explicação, deixa de responder as mensagens do protagonista. Desesperado em meio a uma existência ordinária, Daniel, que á natural de Curitiba, abandona a família - ele deixa o pai aos cuidados improvisados de sua irmã -, e parte para o Nordeste para tentar encontrar a moça. Ele não sabe onde ela mora. Só tem seu nome. Algumas mensagens trocadas. Um ou outro áudio. Um nude. É uma tentativa desconsolada de preencher um vazio. Sem que haja certeza de nada.

Ao cabo, trata-se de uma obra que aproxima e afasta, que encontra e aparta. E que reflete à perfeição os tempos que vivemos - em que muitos se consolam, convenientemente, com desconhecidos que estão do outro lado da tela do celular ou nas redes sociais. Como policial, Daniel é o estereótipo do "homem de bem" que cuida de seu pai em uma casa simples - e que é repleta de imagens sacras, de santos. Quando sua irmã revela estar com uma namorada nova, o protagonista fica claramente incomodado. E é dessa maneira bastante sutil que Muritiba vai nos dando pistas do que pode ter acontecido. Daniel está para ser julgado. Uma agressão a um jovem? E o que motivaria o gesso em seu braço? E por quê ele resolve, involuntariamente, fugir de onde está? Sara é uma desculpa? Ou é nela que ele projeta a possível felicidade em meio a esse caos? Nesse sentido, o protagonista, uma figura silenciosa, observadora, tateia pelo deserto. Sem muita certeza de alcançará o oásis. 


Por outro lado, Sara, uma jovem trans é, na realidade, Robson, empregado de uma empresa que transporta frutas e hortaliças. Morando com a avó (Zezita matos), Robson vive o seu idílio nas noites da cidade de Sobradinho onde, às escondidas, se converte na jovem. E é justamente por isso que quando Daniel chega ao município baiano, ninguém parece conhecer Sara. Ela é uma não pessoa em meio a um mundo de preconceitos e intolerância. E a expectativa gerada pelo possível encontro se amplia conforme a narrativa avança e o espectador se familiariza com a natureza dos dois protagonistas - figuras de personalidade oposta, mas muito próximas na constante busca pela sensação de pertencimento. "Eu queria fazer um filme de tolerância, por isso há esses dois personagens tão distintos e, ao mesmo tempo, fundamentais para que o espectador goste tanto de ambos que torça, no final, para não dar nada errado", afirmou Muritiba ao site Cinema Com Rapadura.

E talvez isso explique um certo otimismo com que a obra é conduzida. A gente torce para que essas duas pessoas tão distintas possam estabelecer um vínculo que as proteja e alguma forma, do mundo ao redor. Há uma bela passagem em que Daniel confronta Sara ao descobrir seu "segredo", dizendo que a jovem teria mentido pra ele. Ao que Sara lembra o homem de que "quem está mentindo pra ele é ele mesmo". Especialmente ao tentar fugir do que ele é. Como policial, como homem supostamente hétero e, invariavelmente, temente à Deus. E essa familiaridade que ao mesmo tempo distancia é justamente o que gera a beleza do terço final - quando Daniel percebe que, talvez, a única fuga que lhe acolha será para os braços de Sara. É um filme bonito, elegante, que não tem pressa em acontecer. E que mostra que o amor pode ser definido por outras variáveis. Premiado no Festival de Veneza, Deserto Particular era o nosso filme no Oscar desse ano. Talvez tivesse chegado lá se a campanha não fosse tão desastrosa. Porque beleza e consistência não faltaram

Nota: 9,0


segunda-feira, 28 de março de 2022

10 Considerações Sobre a Cerimônia do Oscar 2022

1) Era pra ser o Oscar da retomada, do pós-pandemia, da celebração. Mas, hoje, é apenas a premiação em que o Will Smith desceu o braço no Chris Rock - uma reação patética, diante de milhões de pessoas ao redor do mundo, que apenas o fez se rebaixar ao nível grosseiro da piada feita pelo "comediante" (ele brincou com a Jada Pinket Smith sobre ela, por estar careca, ter sido escalada para o segundo Até o Limite da Honra, aquele filme dos anos 90 com a Demi Moore). Sim, a Jada sofre de alopecia, uma doença que a obriga a raspar os cabelos e a piada, como já disse, foi grosseira, sem graça, babaca. Mas isso não autoriza alguém a descer o sarrafo no outro. Eu, ao menos, não concordo com isso. É o meu código de ética nesse caso. Havia muitas outras formas de recriminar o Chris Rock pela ofensa. Talvez um bom processo por assédio moral seria um bom começo. Agredir? Bom, não estamos na Idade Média onde a barbárie é a ordem do dia.

2) Aliás, Smith ganhou um Oscar - injusto por sinal, mas a Academia ama uma boa história de superação embalada em lágrimas, como no caso de King Richard - e, na hora de subir no palco, o ator fez um enrolado discurso sobre defesa da família, da honra e tudo o mais. Chorou e chorou muito. Mas dava pra perceber de longe que o choro não era pela conquista da estatueta. E sim de vergonha pelo que ele acabara de fazer instantes antes. E esse, a meu ver, é o maior atestado do equívoco que, de cabeça quente, ele protagonizou. Resto uma nota de repúdio da própria Academia. E um constrangido pedido de desculpas de Smith a seus membros. Ainda vai render bastante, certamente.



3) No mais foi um Oscar de poucas surpresas. As prévias já nos davam o tom de quem venceria as categorias de atuação - além de Smith, Jessica Chastain (Atriz por Os Olhos de Tammy Faye), Troy Kotsur (Ator Coadjuvante por No Ritmo do Coração) e Ariana DeBose (Atriz Coadjuvante por Amor, Sublime Amor, aliás, a primeira afro-latina a vencer). Aliás, muitos se surpreenderam com a vitória de No Ritmo do Coração na principal estatueta da noite, mas quem acompanhou as prévias de perto sabia que a calorosa obra da diretora Sian Hader poderia desbancar Ataque dos Cães.

4) Ainda sobre No Ritmo do Coração, o filme fez história ao conceder a Troy Kotsur a primeira estatueta dourada a um ator surdo. O filme venceu também o prêmio de Roteiro Adaptado. E, no fim, com todas essas conquistas, a obra se tornou a grande vencedora da noite.

5) Ataque dos Cães teve como prêmio de consolação a vitória de sua diretora Jane Campion - algo que celebrei bastante. Ela foi apenas a terceira mulher na história a faturar essa estatueta (as outras foram Kathryn Bigelow por Guerra ao Terror e Chloe Zhao por Nomadland). Um feito.

6) Duna passou o rodo nas categorias técnicas - como era de se imaginar - e embolsou seis estatuetas douradas (Efeitos Visuais, Fotografia, Som, Trilha Sonora, Edição e Desenho de Produção). Achei justo porque a refilmagem é ótima TAMBÉM por causa de todo o aparato técnico envolvido.



7) Drive My Car, Encanto e Summer of Soul confirmaram o favoritismo nas categorias Filme em Língua Estrangeira, Animação e Documentário, mais um indicativo de uma noite de poucas surpresas - ao menos nas premiações.

8) No mais foi uma noite enxuta, com boa fluidez, sem excessos e ótima apresentação do trio formado por Wanda Sykes, Regina Hall e Amy Schumer (e a piada de abertura, sobre elas terem sido contratadas pelo fato de ser mais barato chamar três mulheres do que um homem já dava o tom do que viria na noite).

9) Talvez uma das partes mais bacanas da premiação tenha sido a homenagem a clássicos como O Poderoso Chefão, Pulp Fiction e à franquia 007, entre outros - com direito a presença no palco dos astros envolvidos nestas obras. O mesmo valendo para a entrega do prêmio máximo da noite, com Liza Minelli no palco, ciceroneada por Lady Gaga. Valeu bastante.

10 Mas, vem cá, e o tapão do Will Smith hein?

sábado, 26 de março de 2022

Oscar 2022 - Apostas

E eis que depois de muita espera finalmente chegou o final de semana do Oscar 2022 – ele rola amanhã de noite! Nesse ano conseguimos assistir a grande maioria dos filmes, com exceção de alguns da categoria de curtas, o que nos permite uma projeção sobre quem a gente imagina que vá ganhar em cada categoria (e quem a gente gostaria que ganhasse). Boa leitura e boa sorte nas suas apostas!

 
FILME
Na categoria máxima do cinema pode haver uma surpresa – uma boa surpresa, por sinal -, tem se fortalecido nas últimas semanas, já que No Ritmo do Coração andou faturando prêmios prévios como os dos sindicatos dos produtores (PGA), dos atores (SAG) e dos roteiristas (WGA), além do Bafta na categoria Roteiro Adaptado. Antes disso, parecia meio consolidada a ideia de que a principal estatueta da noite iria para Ataque dos Cães, especialmente pelas vitórias no Bafta e no Critics Choice. Belfast até corre por fora, mas qualquer coisa diferente disso é zebra.

Quem gostaria que ganhasse: Ataque dos Cães (mas não ficarei triste se No Ritmo do Coração vencer)
Quem ganha: No Ritmo do Coração


DIRETOR
Aqui parece meio difícil de o prêmio fugir da Jane Campion pelo primoroso trabalho em Ataque dos Cães – e a expectativa de vitória aumentou depois da conquista no sindicato dos diretores. Já Steven Spielberg corre por fora pela sua ótima recriação de Amor, Sublime Amor, que elevou o clássico de Robert Wise a outro patamar. Mas quase dá pra cravar que essa vai de barbada pra Campion, que deve se tornar a terceira diretora da história a faturar o carecão (as outras foram Chloe Zhao por Nomadland e Kathryn Bigelow por Guerra ao Terror).

Quem ganha: Jane Campion, por Ataque dos Cães
Quem gostaria que ganhasse: Jane Campion

 
ATOR
Parece que é chegada a hora de Will Smith vencer o seu primeiro Oscar, ainda que o seu trabalho em King Richard não chegue a ser exatamente uma unanimidade. A vitória no Bafta e no SAG deu gás ao favoritismo, que já era alto. Benedict Cumberbatch corre por fora, mas com poucas chances, sejamos honestos.

Quem ganha: Will Smith, por King Richard
Quem gostaria que ganhasse: Benedict Cumberbatch, por Ataque dos Cães


ATRIZ

No SAG e no Critcs Choice a grande vencedora foi Jessica Chastain, pelo trabalho no curioso Os Olhos de Tammy Faye, o que lhe deixa um passo na dianteira das demais. Particularmente adoraria ver a estatueta nas mãos de Olivia Colman ou de Penelope Cruz por A Filha Perdida e Mães Paralelas respectivamente. Mas a única que parece capaz de tirar de Chastain o prêmio é Kristen Stewart. E verdade seja dita, sua atuação em Spencer é assombrosa!

Quem ganha: Jessica Chastain, por Os Olhos de Tammy Faye
Quem gostaria que ganhasse: Olivia Colman, por A Filha Perdida


ATOR COADJUVANTE
Nas prévias, Troy Kotsur desponta como o favorito, depois das vitórias no SAG, no Bafta e no Critics Choice, por seu esforço comovente e divertido em No Ritmo do Coração – e vale lembrar que se trata de um ator efetivamente surdo. Talvez em outro ano Kodi-Smit McPhee vencesse por Ataque dos Cães, até porque sua caracterização é um dos destaque da obra de Campion. Mas deve dar mesmo Kotsur.
 
Quem ganha: Troy Kotsur, por No Ritmo do Coração
Quem gostaria que ganhasse: Troy Kotsur, na real será espetacular vê-lo vencer

 
ATRIZ COADJUVANTE
Aqui tem uma barbada pro bolão: Ariana DeBose, que ganhou o Bafta, o SAG e o Critics Choice por sua interpretação completa, fervilhante e divertida em Amor, Sublime Amor. Kirsten Dunst até poderia ameaçar esse favoritismo em Ataque dos Cães, mas na reta final já chega sem muita força.
 
Quem ganha: Ariana DeBose, por Amor, Sublime Amor
Quem gostaria que ganhasse: Ariana DeBose

 
ROTEIRO ORIGINAL
Paul Thomas Anderson venceu o Bafta por Licorice Pizza, Kenneth Branagh conquistou o Critics Choice por Belfast e Adam McKay faturou o WGA, o prêmio do Sindicato por Não Olhe Para Cima. Na hora de votar você arremessa os três pra cima e o que cair primeiro ganha.
 
Quem ganha: Belfast
Quem gostaria que ganhasse: A Pior Pessoa do Mundo

 
ROTEIRO ADAPTADO
Nessa categoria só dá No Ritmo do Coração. Aliás, ter vencido o WGA, o Critics Choice e o Bafta é algo que lhe credencia fortemente para a premiação máxima da noite. Um belo indicativo. Quem corre por fora é justamente Ataque dos Cães, que tá na briga pelos principais prêmios da noite.
 
Quem ganha: No Ritmo do Coração
Quem gostaria que ganhasse:  Drive My Car

 

 
FILME EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
No Critics e no Bafta foi o japonês Drive My Car que saltou na frente e o fato de ele ter sido indicado também em outras categorias – inclusive Melhor Filme – é a maior credencial. A categoria tem ótimos filmes, aliás, vale conferir qualquer um deles. Mas qualquer coisa diferente de Drive My Car será uma pequena zebrinha.
 
Quem ganha: Drive My Car (Japão)
Quem gostaria que ganhasse:  A Pior Pessoa do Mundo (Noruega)

 
ANIMAÇÃO
Por mais que Encanto seja o mais badalado – ele ganhou o Bafta e o PGA -, as vitórias no Critics Choice e, especialmente no Annie Awards, credenciam A Família Mitchell e A Revolta das Máquinas à, no mínimo, emparelhar a disputa. Já Flee, primeiro filme na história a receber indicações à Animação, Filme em Língua Estrangeira e Documentário recebeu o Annie de Melhor Animação Independente. É um bom prêmio de consolação.
 
Quem ganha: A Família Mitchell e A Revolta das Máquinas
Quem gostaria que ganhasse:  Raya e o Último Dragão

 
DOCUMENTÁRIO
Por mais que Summer of Soul (...ou Quando a Revolução Não Pôde ser Televisionada) tenha faturado muitas premiações prévias, o contundente Attica foi o vitorioso no DGA – mais precisamente seu diretor Stanley Nelson. De qualquer forma a obra de Questlove, que comoveu às plateias com sua mistura de música, crítica social e história deve vencer nessa categoria.
 
Quem ganha: Summer of Soul (...ou Quando a Revolução Não Pôde ser Televisionada)
Quem gostaria que ganhasse: Summer of Soul (...ou Quando a Revolução Não Pôde ser Televisionada)

 
EDIÇÃO
O prêmio dos editores é dividido nas categorias drama e comédia e a vitória ficou, respectivamente, com King Richard e tick, tick...BOOM! Já o Critics deu a vitória a Amor, Sublime Amor, mas a obra de Spielberg sequer foi indicada ao Oscar nessa categoria. Particularmente, acho o trabalho em Duna fantástico e acho que só na hora saberemos de fato quem ganha porque eu já não sei mais nada!
 
Quem ganha: tick, tick...BOOM!
Quem gostaria que ganhasse: Duna

 
FOTOGRAFIA
Greig  Fraser ganhou várias premiações prévias – como o Camerimage e o Bafta – e, assim, Duna salta na frente nessa categoria (e justiça seja feita, o trabalho técnico no filme de Denis Villeneuve é primoroso). Eu ia gostar se Beco do pesadelo ganhasse, porque gosto dessa mistura sombria e onírica que Guillermo Del Toro aplica em suas obras quase como uma marca. Mas talvez o único que possa tirar a estatueta de Duna é A Tragédia de Macbeth.
 
Quem ganha: Duna
Quem gostaria que ganhasse: O Beco do Pesadelo

 
EFEITOS VISUAIS
Acho que aqui até seria sacanagem não premiar Duna - e a vitória no Visual Effects Society, no Bafta e no Critics Choice o torna o favoritaço. Free Guy corre por fora mas as chances são mínimas.
 
Quem ganha: Duna
Quem gostaria que ganhasse: Duna

 
SOM
A impressão que dá é que a engenharia de som de Duna tem mais força justamente pelo estilo de filme, que depende bastante desse tipo de efeito – e, convenhamos, novamente este é um dos destaque do filme de Denis Villeneuve. O novo 007 – Sem Tempo Para Morrer é o único capaz de tirar a estatueta de Duna. E vai que tire?
 
Quem ganha: Duna
Quem gostaria que ganhasse: Duna

 
CANÇÃO ORIGINAL
É provável que o apelo de Billie Eilish tenha peso 2 na hora de decidir, o que deixa 007 – Sem Tempo Para Morrer em ligeira vantagem. Ainda mais com a conquista do prêmio da Sociedade dos Compositores. Mas não se pode negar: Encanto tem encantado plateias – perdão, não resisti – e muito dessa paixão se deve ás canções (entre elas Dos Oruguitas).
 
Quem ganha: 007 – Sem Tempo Para Morrer
Quem gostaria que ganhasse: King Richard

 

TRILHA SONORA
Hans Zimmer por Duna contra Jonny Greenwood por Ataque dos Cães. Taí uma disputa que promete, de dois trabalhos bastante distintos, mas impecáveis em suas propostas.
 
Quem ganha: Ataque dos Cães
Quem gostaria que ganhasse: Ataque dos Cães

 
DESENHO DE PRODUÇÃO
No Art Directors Guild O Beco do Pesadelo levou o prêmio de Melhor Direção de Arte em Filme de Época enquanto Duna faturou a distinção na categoria Fantasia. A Tragédia de Macbeth corre por fora.

Quem ganha: Duna
Quem gostaria que ganhasse: Amor, Sublime Amor

 
FIGURINO
Aqui, Cruella e Duna saltam na frente pelas vitórias no Costume Designers Guild nas categorias Filme de Época e Fantasia. Só que Cruella também venceu o Bafta e o Critics Choice e isso deve decretar a sua vitória.

Quem ganha: Cruella
Quem gostaria que ganhasse: O Beco do Pesadelo


CABELO E MAQUIAGEM
No Bafta e no Critics Choice deu Os Olhos de Tammy Faye. Já Um Príncipe em Nova York 2 andou faturando alguns prêmios como o do sindicato. Deve ficar entre os dois.

Quem ganha: Os Olhos de Tammy Faye
Quem gostaria que ganhasse: Os Olhos de Tammy Faye
 
 
DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM
Na categoria que costuma desempatar os bolões do Oscar é difícil cravar quem vence. A Netflix com a aquisição de Onde Eu Moro, Three Songs of Benazir e Audible entra forte em matéria de campanha. Mas o queridinho da temporada talvez seja o ótimo The Queen of Basketball. A torcida, claro, vai pra Onde Eu Moro, que tem entre seus diretores o brasileiro Pedro Kos.

Quem ganha: The Queen of Basketball
Quem gostaria que ganhasse: Onde Eu Moro


CURTA DE ANIMAÇÃO
Nessa categoria só assisti ao singelo A Sabiá Sabiazinha que, dada a forte campanha da Netflix pinta como a favorita. Mas já vi tantos elogios à Affairs of the Art e La Bestia que não vejo a hora de conferir.

Quem ganha: A Sabiá Sabiazinha
Quem gostaria que ganhasse: La Bestia (não vi e já gostei)


CURTA-METRAGEM
Aqui, falha minha: não assisti NENHUM. É chute total.

Quem ganha: The Long Goodbye
Quem gostaria que ganhasse: On My Mind

Boa premiação pra todos!

quinta-feira, 24 de março de 2022

Novidades em Streaming - Amor, Sublime Amor (West Side Story)

De: Steven Spielberg. Com Ansel Elgort, Ariana DeBose, David Álvarez, Rachel Zegler e Mike Faist. Drama / Romance / Musical, EUA, 2021, 156 minutos.

Quem assistiu e gosta da versão clássica de Amor, Sublime Amor (West Side Story) talvez considere meio desnecessária essa refilmagem produzida por Steven Spielberg. Mas, ao mesmo tempo em que a essência da história permanece a mesma, não deixa de ser curioso perceber como, neste caso, uma nova adaptação faz muito bem. Sim, eu tendo a ser meio ranzinza quando o assunto é a falta de originalidade de alguns roteiros, afinal, será que precisa? Precisa um novo Homem Aranha todo santo ano? Mas aqui a desconfiança vai pro saco já na primeira e grandiosa tomada aérea do bairro de Upper West Side, em um plano sequência de uma Nova York meio em ruínas, que passa por um processo de gentrificação. É nesse local que duas gangues, os Jets, o grupo dos branquelos liderados por Riff (Mike Faist), e os Sharks, os porto-riquenhos comandados por Bernardo (David Álvarez), disputam o território, sendo incapazes de conviver de forma pacífica

E tudo piora quando, durante um baile, os dois grupos se encontram e organizam uma briga de rua que promete decidir o futuro de todos. Ao mesmo tempo em que Tony (Ansel Elgort) e Maria (Rachel Zegler), que estão em lados opostos nessa disputa, se apaixonam. Sim, extraída dos palcos da Broadway no final dos anos 50, Amor, Sublime Amor é a história shakespereana por excelência - e, não por acaso, foi inspirada em Romeu e Julieta. Tecnicamente soberbo, o filme parece consertar alguns pontos do clássico de Robert Wise que, nos dias de hoje, poderiam soar meio datados. Na obra dos anos 60, por exemplo, parece haver uma menos disposição para o debate sobre xenofobia e a possibilidade de convivência pacífica entre povos diferentes - e a presença de Rita Moreno, que interpretou a Anita no original, funciona como uma espécie de esteio que conecta esses lados opostos (especialmente por não recair na mera nostalgia).

Já Ariana DeBose entrega uma Anita muito mais empoderada - sim, eu sei que a palavra anda meio batida - no que diz respeito à comportamentos e atitudes, e confesso que é simplesmente apaixonante vê-la em cena, pelo equilíbrio perfeito que ela alcança entre a entrega física e de personalidade (e a indicação ao Oscar na categoria Atriz Coadjuvante, nesse sentido, não é por acaso). Ainda sobre a premiação máxima do cinema - que ocorre no próximo domingo (27/03) -, a obra foi nominada também nas categorias Filme, Direção, Fotografia, Figurino, Desenho de Produção e Som. E se há algum motivo real para conferir essa refilmagem este certamente envolve o aparato tecnológico, que transforma Amor, Sublime Amor em uma experiência artística imersiva, colorida e musical, mas sem deixar de lado os aspectos mais sombrios de sua história (e o equilíbrio de cores e tons entre os instantes mais divertidos, mais alegres e aqueles mais soturnos também é um dos tantos méritos).

Um bom exemplo das pequenas inovações trazidas por Spielberg estão nos cenários - como no caso do depósito de sal, que serve como base para a disputa central, e que deixa o episódio mais claro, mais limpo, aos olhos dos espectadores. O mesmo vale para as coreografias empolgantes e executadas à perfeição, que são complementadas pelas canções que integram-se à narrativa de forma orgânica - e eu adoro a forma como músicas como America, I Feel Pretty e Gee, Officer Krupke parecem ter outras tintas na refilmagem. Discutindo de passagem temas como sororidade, violência doméstica e preconceito racial, o filme se aproveita de seu recorte narrativo para passar uma mensagem bastante clara em um contexto de polarização: e só esse fato já justificaria a existência de uma obra como essa. Feita pelo Spielberg, então, um dos maiores diretores de cinema vivos, é a cereja do bolo. Veja. Pra ontem. Mesmo que você não tenha assistido o do Wise. Na real, nem será necessário.

Nota: 9,0

terça-feira, 22 de março de 2022

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Um Homem Que Grita (Chade)

De: Mahamet-Saleh Haroun. Com Youssouf Djaoro, Diouc Koma e Djénéba Kone. Drama, Chade / Bélgica / França, 2010, 95 minutos.

Um dos países mais pobres do mundo - com 80% da população vivendo na miséria - e que, ainda por cima, é assolado por constantes conflitos civis internos: essa é a República do Chade, que serve de pano de fundo para o melancólico Um Homem Que Grita (Un Homme Qui Crie), filme vencedor do Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2010 e que pode ser conferido na plataforma Mubi. Na trama acompanhamos o microcosmo de um hotel de luxo que está sendo adquirido por investidores chineses. A chegada dos orientais fará com que Adam (Youssouf Djaoro), um senhor de sessenta anos, perca o emprego como gerente da piscina do hotel para o próprio filho, Abdel (Diouc Koma). Ao veterano resta aceitar uma recolocação como porteiro da hospedagem - um posto menor para quem, por tantos anos, se dedicou ao seu ofício e que tem em seu currículo uma série de campeonatos nacionais de natação.

E como se perder o posto de trabalho para o próprio filho já não fosse dolorido o suficiente, Adam passa a ser cobrado por representantes governistas para que possa contribuir financeiramente com a guerra, que busca coibir às ações de rebeldes que atacam à Pátria. Sem dinheiro, resta ao homem enviar o próprio filho para a batalha, como espécie de "moeda de troca". O que talvez também lhe permita reaver a posição perdida no hotel. Mas o que é o trabalho perto da vida daqueles que a gente ama? Dirigido com elegância por Mahamet-Saleh Haroun, Um Homem Que Grita é conduzido a partir de sutilezas que mostram como o ambiente (e a saúde) familiar pode ser diretamente influenciado pelo contexto político e social de uma nação. Integrante da classe média chadiana, Adam toma decisões questionáveis como forma de livrar a família de outras punições. Mas a que preço?


Direto, naturalista, sem espaço para firulas, o filme transforma a árida e quente capital N'Djamena em um cenário desalentador em que o hotel se converte em um espaço idílico, de respiro (e não é por acaso o desespero de um outro empregado, no caso um cozinheiro, quando este se vê diante da demissão iminente). E ainda que a obra aborde o absurdo da guerra e a sua influência na população, o filme também é sobre a insegurança do trabalho em empresas privadas, sobre os efeitos da colonização em países pobres e até mesmo sobre a efemeridade do tempo (o que talvez explique a persistência de Abdel em fotografar as coisas, em capturar instantes). As questões relacionadas à masculinidade também aparecem de forma sutil - como no caso da primeira sequência, em que Adam é derrotado por Abdel em uma prosaica competição que pretende ver quem permanece mais tempo embaixo da água.

Contemplativo, o filme aposta no silêncio até mesmo nos momentos mais movimentados, adotando também ângulos de câmera pouco convencionais, mas que são recheados de significados - e aqui vale destacar a longa e comovente sequência em que Abdel é levado na marra por agentes do governo, enquanto o pai (que é também o responsável por enviar o filho para o conflito) chora no quarto. Com boas surpresas, a obra também passa raspando por temas religiosos, por vida e morte, por fins e recomeços, pela capacidade de persistir e de encontrar alento nas coisas simples. As escolhas são difíceis, as decisões são moralmente ambíguas. Mas todos que ali acompanhamos são humanos, cheios de falhas, de defeitos, de frustrações e, principalmente, de arrependimentos. Emocionante é pouco.


Pitaquinho Musical - Luneta Mágica (No Paiz das Amazonas)

Um mergulho em uma sonoridade que evoca o contraste entre o ancestral e o contemporâneo, o bucólico e o urbano, o antigo e o tecnológico. Resumir a experiência de ouvir No Paiz das Amazonas, o terceiro trabalho da banda manauara Luneta Mágica é trafegar num universo em que contradições se aproximam, em que as diferenças parecem somar, em que a distância é logo ali. Se afastando do pop mais comercial entregue no disco No Meu Peito - nosso quarto melhor álbum na lista de melhores nacionais de 2015 -, o coletivo se reaproxima do experimentalismo psicodélico que marcaria a estreia, com o esplêndido Amanhã Vai Ser o Melhor Dia da Sua Vida (2012). Diferente de tudo o que já foi feito pelo grupo, o registro imprime "uma visão conceitual, partindo de referências da própria floresta amazônica, que vão ao encontro de sons que ecoam pelo mundo inteiro", como resumiu a banda no material de divulgação. O resultado é uma espécie de caos organizado que conecta passado, presente e futuro de uma forma nunca óbvia, mas sempre instigante, provocativa (inclusive no que diz respeito às letras), como comprovam as faixas Águas Poluídas, Conduzido (haux, haux), Tuiuiú e Além das Fronteiras. Vale descobrir!


segunda-feira, 21 de março de 2022

Novidades em Streaming - Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye)

De: Michael Showalter. Com Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones e Vincent D'Onofrio. Drama, EUA, 2021, 126 minutos.

Em uma das tantas passagens marcantes de Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye), a Tammy Faye do título (Jessica Chastain, em papel que talvez lhe dê o Oscar) entrevista, em seu programa de TV, um paciente com AIDS. Na realidade um ex-ministro cristão, gay, em uma discussão bastante franca sobre homossexualidade, sobre sair do armário, sobre a doença e sobre como os cristãos de verdade deveriam amar a todos. Abraçar as minorias. Orar por elas. Ter compaixão. Dizer que se importam. Tammy encerra o segmento bastante emocionada, enquanto nos bastidores do The PTL Club - uma espécie de programa de notícias evangélicas, que misturava entretenimento cristão com valores familiares caseiros -, o bicho pegava, com os donos do canal irritadíssimos com a ousadia de Tammy. Discutir um tema tabu como a compaixão pela comunidade LGBT, em canal voltado às famílias conservadoras dos Estados Unidos, e visto por milhões de pessoas nos agora distantes anos 80? Um absurdo!

Ocorre que Tammy Faye não era uma figura óbvia, como se esperaria no meio evangélico. Ousada, progressista - ao menos naquele contexto -, acreditava no valor sentimental e educativo das histórias que levava ao ar. Sem pudor, era capaz de discutir implantes penianos com a mesma naturalidade com que debatia temas relacionados à Igreja e à pregação. Só que essa liberdade teve, de alguma forma, um preço. Que foi pago não apenas com a perseguição dos grandes chefões do canal de TV onde a protagonista pregava mas também a seu ex-marido, o pastor Jim Bakker (Andrew Garfield), que utilizou a sua capacidade argumentativa e de persuasão para atrair milhares de fiéis que depositaram - aliás, literalmente "depositaram" -, a sua confiança no casal. O resultado? Os lucros obtidos com falsas doações para a Igreja sob promessa de salvação, foram utilizados para a manutenção de uma vida de pompa e de luxos, com o casal sendo acusado de crimes sexuais, corrupção, fraudes contábeis e outros.


Por baixo do manto de um discurso que pregava a prosperidade, a aceitação e o amor, o casal se aproveitou de construções megalomaníacas - como o Heritage USA, uma espécie de Disneylândia cristã localizada na Carolina do Sul -, para desviar verbas milionárias. Outras acusações, como um suposto estupro envolvendo Jim e uma secretária de sua Igreja vieram à tona, causando escândalo na imprensa e levando o pastor à prisão. Uma vida controversa, que pouco dialoga com aquilo que se vê na Bíblia. E que mostram que o charlatanismo religioso, que abusa da fé de um público bastante cativo, não é exclusividade do Brasil. Costurada por uma série de saltos no tempo, a obra do diretor Michael Showalter (do ótimo Doentes de Amor, de 2017) volta ao passado para nos mostrar como Jim e Tammy se conheceram (no seio das comunidades conservadoras do Sul dos Estados Unidos) e como se daria sua evolução até chegarem à TV e construírem seu império.

Ao cabo, trata-se de uma excelente cinebiografia, em que personalidades cheias de nuances colidem, em meio a um projeto ambicioso de poder, que culminaria na apresentação de um talk show em horário nobre. Retratada como uma figura oxigenada e disposta a confrontar o machismo, a misoginia e o contexto patriarcal em que vivia, Tammy também é vista como uma persona submissa que, para a manutenção de excentricidades milionárias, não hesitaria a viver uma vida dupla - na frente das telas era capaz de se converter em uma pessoa fragilizada, que precisava da ajuda de sua audiência. E, inegavelmente, Jessica Chastain entrega um grande trabalho, de ampla complexidade, estando quase irreconhecível por baixo da pesada maquiagem, que era uma marca registrada da exótica Tammy original. Sim, pode haver furos e até uma certa romantização do segmento. Mas trata-se de uma experiência envolvente, uma história pouco conhecida por aqui e que merece ser descoberta. Especialmente pelo paralelo que se pode estabelecer.
 
Nota: 8,0


sexta-feira, 18 de março de 2022

Novidades em Streaming - Luca (Luca)

De: Enrico Casarosa. Com Jacob Tremblay, Emma Berman, Jack Dylan Grazer e Sacha Baron Cohen. Animação / Aventura, EUA, 2021, 95 minutos.

Lançada pela Pixar, a animação Luca (Luca) é um bom exemplo de como menos pode ser mais. Ou de como uma ideia bastante simples pode render uma experiência formidável. Em geral é possível afirmar que os trabalhos do estúdio seguem um certo padrão no que diz respeito às suas mensagens de aceitação, de respeito às diferenças ou de persistência diante das dificuldades. Mas o que vale, em muitos casos, é o caminho que percorremos ao lado dos personagens que acompanhamos. Se eles forem carismáticos, se nos arrancarem algumas risadas e se nos fizerem derrubar algumas lágrimas já é meio caminho andado. Aqui tudo isso acontece e com sobras: o protagonista (voz de Jacob Tremblay de O Quarto de Jack e Extraordinário) é uma espécie de monstro marinho que vive com a sua preocupada família abaixo da superfície da água. Só que ele sonha com mais do que a rotina ordinária que está submetido e, num episódio meio ao acaso, acaba por saber que existe todo um mundo fora da água.

Numa alegoria que remete ao Mito da Caverna, de Platão, Luca descobre que, fora das águas, ele muda de aparência: sai a figura meio réptil, meio peixe, entra o humano. Ao encostar novamente na água, ele retoma as características monstruosas. E lidar com esse contraste será justamente um dos desafios, já que, em terra firme, o protagonista descobre que os moradores de um pequeno povoado da Riviera Italiana, onde se passa a trama, estão caçando os monstros marinhos, que recebem o apelido de underdogs (um tipo de gíria para excluídos ou desajustados). Só que ao fazer amizade com um outro monstro marinho de nome Alberto (Jack Dylan Grazer), Luca percebe a oportunidade de explorar o mundo - o que a dupla poderá fazer a bordo de uma vespa (sim, a moto é uma espécie de premiação para um campeonato de triatlo que rolará no local). Na Riviera eles se aliam à Giulia (Emma Berman), uma nativa que não sabe que seus novos amigos são monstros marinhos. E, bom, não é preciso ser nenhum adivinho pra saber que essas circunstâncias darão todo o sabor ao filme.

Aliás, um "sabor" quase palpável já que, como a narrativa se desenrola em terras italianas, não são poucas às referências à cultura do povo - sua língua, costumes, gastronomia, arquitetura, paisagens -, o que rende boas piadas e instantes genuinamente engraçados (e eu, particularmente, gosto da forma como é retratado o pai de Giulia, aquele típico gringão taciturno e de bom coração, que faz miséria na cozinha e no preparo dos mais variados tipos de massas). Intercalando uma rotina que envolve o retorno para o ambiente marítimo - para que seus pais não fiquem preocupados -, com a existência do lado de fora, Luca e Alberto começam a treinar para o campeonato, ao mesmo tempo em que se esforçam para não serem desmascarados em meio aos humanos. A chegada de um tio psicólogo para tentar demover Luca de viver na superfície - um excêntrico ser abissal vivido por Sacha Baron Cohen - também é um bom momento da trama.

Um dos cinco indicados ao Oscar de Animação, o filme é daqueles que não apresenta um vilão mais palpável - ainda que Ercole (Saverio Raimundo) se esforce nesse sentido. O desafio aqui consiste em superar as diferenças, os preconceitos ou a intolerância entre povos - e em tempos de guerra é simplesmente impossível não se emocionar com o terço final. A mensagem é óbvia e, se for preciso, esfrega-se ela na cara de quem assiste. No mais, Luca é divertido, direto e tem aquele traço típico das animações da Pixar, não fazendo um grande esforço para ser mais do que é. Para os pequenos será um achado. Para os adultos uma oportunidade de voltar o olhar para os temas ambientais, sobre espécies em extinção e sobre a necessidade urgente de preservar a natureza. Sim, essa intenção subjacente pode não ser tão clara assim. Mas a alegoria também nos lembra de que o ser humano não está sozinho nesse planeta. Independentemente do ecossistema que ele está e de quem o habite. Vale a reflexão.

Nota: 8,5

Curta Um Curta - Onde Eu Moro (Lead Me Home)

Um lado bem menos glamouroso dos Estados Unidos é o que acompanhamos no comovente curta em documentário Onde Eu Moro (Lead Me Home) - um dos indicados ao Oscar em sua categoria, e que está disponível na Netflix. Na Terra do Tio Sam são mais de 500 mil pessoas que não possuem um teto pra chamar de seu e o que esse filme dirigido por Jon Shenk e Pedro Kos (que é brasileiro) faz é mostrar um pouco da triste realidade que acompanha os moradores de rua. É uma obra desalentadora, que envolve um severo problema de saúde pública, que parece bem longe de ter alguma solução. 


Em cidades como Los Angeles e Seattle o contraste entre as áreas mais nobres e as precárias habitações de quem depende do Estado, dos poucos abrigos e da boa vontade de quem não está em vulnerabilidade, é gritante. Os motivos que tornam alguém um habitante das ruas também assombram - e a gente tende a achar que a maioria são pessoas que tem problemas com álcool e drogas. Mas não. Há desempregados, pessoas com deficiência, transgêneros, ex-presidiários e outros, que convivem diariamente com o preconceito e com o descaso da sociedade que, em muitos casos, ignora o fato de ali estar um ser humano. É uma produção tecnicamente bem feita e que, ao fim, deixa uma sensação de que poderia ter avançado mais no debate.

quinta-feira, 17 de março de 2022

Novidades em Streaming - Spencer (Spencer)

De: Pablo Larraín. Com Kristen Stewart, Sally Hawkins, Timothy Spall e Jack Farthing. Drama, EUA, 2021, 116 minutos.

Existe uma sequência de Spencer (Spencer) que é bastante didática na hora de mostrar o tipo de conflito vivido pela princesa Diana (Kristen Stewart) junto à Família Real britânica. É uma cena prosaica. Mas repleta de significados. Nela um grupo de empregados assiste a uma aparição pública de Diana às vésperas do Natal. Só que para surpresa de um dos encarregados, a princesa não está com o vestido que havia sido designado para aquele evento. Por conta própria, sua alteza opta pelo traje que deveria ser usado no dia 26 de dezembro. É o suficiente para que uma crise se estabeleça, com Charles (Jack Farthing) a interrogando sobre o ocorrido - o que desencadeará uma grande discussão em que outras feridas serão expostas. Era mal o começo dos anos 90 e Diana já se sentia presa em um casamento de fachada em que, a despeito do luxo, da fartura, da pompa e da elegância, reinavam também rumores de traições, de conspirações e de mentiras, com Diana se sentindo a cada dia mais isolada em meio aos amplos espaços da casa Sandringham.

E isolamento aqui acaba por ser uma espécie de palavra-chave na jornada que acompanhamos e que evidenciará a hipocrisia da aristocracia inglesa. Circulando pelos cômodos e pelos jardins dos castelos reais, Diana conversará aqui e ali com empregados - especialmente com a camareira Maggie (Sally Hahwins), uma espécie de confidente. Em cada conversa a jovem princesa demonstrará sua insatisfação com uma vida vazia, oca, recheada por convenções sociais enfastiantes e por uma rotina de poucas novidades (ainda que de voluptuosa riqueza). Filantropa e atenta a causas sociais, Lady Di se tornaria uma personalidade influente nos anos 90 - e seu comportamento levemente iconoclasta, provocativo, dá conta justamente de sua espontaneidade, de sua vontade de viver, de querer mais. Algo evidenciado não apenas pela relação amável com os filhos William (Jack Nielen) e Harry (Freddie Spry), mas também pelas sucessivas "quebras de protocolo" que ela se permite.


Aliás, o filme já inicia com um desses momentos que mostram o contraste entre as formalidades da vida palaciana e o pouco rigor de Diana. Enquanto o Palácio de Buckinham se prepara para um luxuoso jantar - a operação, com direito a aparato militar e ingredientes condicionados em imensos e higiênicos contêineres, quase lembra os procedimentos adotados em uma guerra -, a princesa circula livremente de carro pela propriedade, alegando estar perdida. É a desculpa para que ela se aproxime de sua antiga residência em Norfolk para "roubar" a roupa de um espantalho - a peça teria pertencido a seu pai, o conde Spencer. É a partir desse episódio que compreenderemos, com a adoção de uma série acontecimentos envoltos em simbolismos - alias, algo típico nas obras do diretor Pablo Larraín, como no caso do recente Ema (2019) - que Diana está insatisfeita. Aliás, o sentido figurado é tanto, que a protagonista lê um livro sobre Ana Bolena, rainha decapitada pelo próprio marido, no caso o Rei Henrique VIII, que a acusava de traição (sendo que era ele o traidor).

Essas pequenas alegorias dão força à narrativa da mulher de modos mais simples, que se vê perdida em um universo que parece cada vez mais distante de sua realidade. Sendo esse contexto das metáforas reforçado pelo uso de tons mais quentes ou vibrantes em sequências mais tensas - como na cena do jantar, em que Diana se "alimenta" de forma inadequada, ou no momento em que Charles a desafia diante de uma ampla mesa de bilhar com um vigoroso tecido vermelho. A riqueza de detalhes, aliás, impressiona, seja nos amplos cenários externos ou mesmo nos claustrofóbicos cômodos palacianos. Já a celebrada interpretação de Stewart - que lhe rendeu a aguardada primeira indicação ao Oscar - é naturalista, sem excessos, equilibrando a vulnerabilidade e a força, a desesperança e a atitude (e aqui menciono, novamente, a cena do jantar, em que o silêncio desesperador do olhar de Stewart fala mais do que qualquer palavra). É uma obra completa, cheia de nuances e que se consolida como uma das melhores desse começo de temporada.

Nota: 9,0


terça-feira, 15 de março de 2022

Lasquinha do Bernardo - A Dicotomia do Futebol e da Educação

Todo brasileiro é especialista em futebol e/ou educação. Adoramos sofrer e chorar pelo nosso time, paramos o país durante a Copa do Mundo e, lógico, nos tornamos autoridades (in)certificadas quando o assunto é arbitragem. Basta abrir sua rede social favorita e lá estão os comentários mais embasados envolvendo técnica e performance, divergências conceituais, teses homéricas sobre times reativos, linhas altas e baixas e sobre a capacidade do extrema esquerda em quebrar linhas e propor alternativas ao ataque em profundidade. Além disso, nutrimos um ódio fervoroso contra qualquer treinador que não enxergue a obviedade natural da titularidade dos nossos onze iniciais. Mas, apesar do interesse e fervor, o brasileiro médio é apenas um teórico-amador das quatro linhas. 

Já, na educação, os papéis se invertem muito por conta dos nossos anos de experiência prático-profissionais. Afinal, vivemos boa parte da infância e adolescência em uma sala de aula. Os noventa e poucos minutos diários do fã mais convicto de futebol não fazem frente às quatro ou cinco horas diárias dos alunos. É um fato, há milhares de frequentadores profissionais de aulas aposentados com grande conhecimento de causa. Apesar da antítese (pouquíssimos foram/são atletas e quase todos foram/são alunos), uma semelhança aproxima os dois universos: a falácia da dicotomia. No jogo, se perdeu, é ruim. Se ganhou, é bom. Somos sempre nós contra eles. Na escola, nota baixa, é burro. Notas altas, ótimo aluno. O vice deveria ter se esforçado mais. O aluno que não entendeu o conteúdo precisa estudar mais. Tão simples, fácil e prático quanto chutar uma bola. 

 

 

É justamente por sermos parte deste universo dualista/lugar-comum de alta performance, que o filme Entre os Muros da Escola (Entre Les Murs), vencedor da Palma de Ouro em 2008, adaptação do livro homônimo de François Bégaudeau, escritor e protagonista, encaixa tão bem. São raras as obras que retratam a sala de aula de maneira tão honesta e realista. Deixando de lado toda a romantização dos professores, que passam longe dos “guerreiros inspiradores” da maioria das representações à la Sociedade dos Poetas Mortos (1990), o filme francês apresenta personagens radicalmente verossímeis em situações corriqueiras das escolas: adolescentes gritando, dormindo, desinteressados e professores cansados, estressados e no limite da paciência. É o anticlichê dos filmes sobre educação e, por isso, beira ao documentário e não à ficção. Absolutamente naturalista, a narrativa se apresenta através de uma câmera que observa os alunos e professores no seu habitat natural, com todos os seus conflitos éticos e sociais, como racismo, desigualdade e imigração, e com as famosas discussões inflamadas sobre regras e disciplina entre alunos e professores. É de desconforto o sentimento que aflora à medida em que aquele retrato fiel vai se desenhando dentro de um ambiente escolar efervescente. Passando longe do senso comum, a obra é, antes, um choque de realidade, ninguém está certo ou errado, todos ali estão apenas sobrevivendo. 

E este peso da realidade que é apresentado no filme acaba sempre se impondo no mundo concreto da educação e também no futebol. Inclusive na cena final (não é spoiler!), em que os professores e alunos disputam uma partida. Entre os Muros da Escola é necessário porque reflete justamente a natural obviedade dos documentários: não há heróis ou vilões, somos todos selvagens, adultos ou adolescentes, animalizados pelas nossas paixões. Na vida sempre buscamos soluções simples, demite-se o treinador e o professor, afasta-se o aluno e o jogador. Ou deixa-se tudo como está, ou muda-se tudo, completamente. Amadores ou profissionais, teóricos ou práticos, ainda carregamos uma semelhança ainda mais clara e cristalina: torcemos muito para que dê tudo certo. 


segunda-feira, 14 de março de 2022

Pitaquinho Musical - Terno Rei (Gêmeos)

O final de tarde na cidade, os dias cinzas de outono, a escadaria do colégio, a mistura de sensações que nos invade em meio a divagações cotidianas. Definir a música feita pelos paulistas do Terno Rei é colocar uma série de referências no liquidificador, para extrair de lá uma sonoridade cheia de personalidade, de vigor. No limite entre a urgência dos tempos atuais e a nostalgia oitentista, o coletivo percorre cenários palpáveis, eventualmente melancólicos, em que dilemas afetivos e existenciais colidem com uma estética vibrante, pop e quase juvenil. Em seu mais recente trabalho, intitulado Gêmeos, esse tipo de expediente pode ser percebido já no saboroso single Dias de Juventude - com sua melodia curvilínea e letra que não faria feio na abertura daquele seriado adolescente que, agora, parece deslocado no tempo (Eu quero te lembrar / Dos dias da juventude / Da noite legal, viagem sem fim / Da boca no ouvido e a cabeça na Lua). Outras canções como Sorte Ainda, Brutal e Olha Só reforçam esse conceito, representando ainda um avanço em relação aos primeiros e enfumaçados álbuns (caso de Essa Noite Bateu Como Um Sonho). Não por acaso deverá ser figurinha fácil nas listas de melhores do ano.


Cinema - Belfast (Belfast)

De: Kenneth Branagh. Com Jude Hill, Caitriona Balfe, Judi Dench, Ciarán Hinds e Jamie Dornan. Drama, Reino Unido, 2021, 97 minutos.

Não sei se é possível considerar como uma espécie de subgênero os filmes que apresentam componentes mais lúdicos, mas que tem como pano de fundo algum assunto sério, relevante. De cabeça é possível lembrar de alguns, como A Vida É Bela (1999), Caiu do Céu (2005), O Labirinto do Fauno (2006) e o recente Jojo Rabbit (2020) que tratavam de guerras, questões econômicas e transformações sociais e culturais a partir de um olhar mais "recreativo". Com Belfast (Belfast) esse tipo de expediente se repete. Com tintas autobiográficas, o diretor Kenneth Branagh (do recente Assassinato no Expresso do Oriente) nos apresenta ao pequeno Buddy (Jude Hill), que cresce em meio às tensões entre católicos e protestantes e que teriam a capital da Irlanda do Norte como centro dessas disputas. Sem compreender direito a lógicas por trás dessa guerra, Buddy enfrenta os próprios dilemas, como a primeira paixão antes da adolescência, o esforço em ser um bom aluno e as dúvidas e incertezas quanto ao futuro.

De forma semelhante às obras citadas no primeiro parágrafo, aqui a inocência infantil não leva nem cinco minutos para começar a ser deturpada: enquanto Buddy brinca na rua, a sua mãe (Caitriona Balfe) o chama para o almoço. A câmera flana entre os transeuntes, o cotidiano normal de qualquer pequena cidade acontece em meio às rotinas, as conversas, o trabalho. Só que tudo muda quando um grupo de protestantes, em marcha, passa a atacar a todos por ali. Correria, tentativas de se proteger, explosões, gritos, confusão, caos. A disputa que assistimos como pano de fundo é uma combinação de fatores étnicos, políticos, econômicos, religiosos e sociais que surgiram ainda na Idade Média e que se estenderia até quase os dias atuais. Aliás, transformada em pagodinho que anima a festa de final de ano da imobiliária chique da pequena cidade, a música Sunday Bloody Sunday, do U2, versa justamente sobre o Domingo Sangrento, triste episódio em que tropas britânicas assassinariam católicos que realizavam um protesto em 1972.


E por mais inexplicável que essa guerra, como muitas outras, seja, Branagh está pouco interessado em explicar ao espectador as motivações de parte a parte e sim em nos mostrar como se tenta sobreviver em uma zona de conflito. Barricadas, guardas, toques de recolher e o medo cotidiano passam a fazer parte da rotina de Buddy e de sua família - que, a despeito de serem protestantes, também são ameaçados, já que residem em região de católicos. Nas celebrações o clima é de terrorismo - há uma sequência tensa e divertida envolvendo um exaltado pastor que demoniza o lado contrário (e que finaliza o sermão pedindo dinheiro). O dia a dia é afetado como um todo e o Buddy encontra no convívio com os amorosos avós (vividos de forma carinhosa por Judi Dench e Ciarán Hinds) um ponto de apoio. Já o pai do menino (Jamie Dornan) sonha com um futuro em algum outro local: menos perigoso, menos tenso. E a mensagem, ao cabo, não deixa de ser até meio óbvia: é preciso (ou necessário) respeitar as diferenças. A guerra, afinal, não leva a nada.

Executado de forma soberba no que diz respeito à parte técnica - a fotografia em preto e branco ajuda a condicionar o nosso olhar para o começo dos anos 70 (que nem é tão distante assim, mas parece), ao mesmo tempo em que as músicas de Van Morrison costuram a narrativa -, a obra também alterna momentos mais afetuosos, com outros de maior impacto. E muitos desses instantes podem ser encontrados em uma mesma sequência, caso do momento em que o avô de Buddy explica ao pequeno que este sempre saberá onde encontra-lo, caso algum dia deixem a Irlanda do Norte. É trágico mas bonito, duro, funcionando ainda como uma ode à persistência. Uma história de amadurecimento, que culmina em uma linda sequência em que os protagonistas cantam Everlasting Love, música de Buzz Cason e Mac Gayden, que ficaria famosa na voz de Bono Vox. E que ainda premia o espectador com uma série de citações culturais - particularmente gosto da sequência em que os jovens assistem a O Homem Que Matou o Facínora (1972). Com sete indicações ao Oscar - incluindo Melhor Filme - Belfast entra na cota dos filmes com pegada independente, que fazem boa carreira em festivais. E que costumam agradar o público pelo seu indefectível otimismo, apesar de tudo.

Nota: 8,0

quinta-feira, 10 de março de 2022

Na Espera - Não! Não Olhe! (Filme)

Quem acompanha a carreira do diretor Jordan Peele - de Corra! (2017) e Nós (2019) - sabe que cada novo projeto é aguardado pelo público com grande expectativa. E não teria como ser diferente com Não! Não Olhe! (Nope), novo filme do realizador, que teve seu trailer divulgado recentemente (durante o Superbowl, aliás). Com estreia prevista para o dia 22 de julho de 2022, a obra marca o reencontro de Peele com Daniel Kaluuya (que recentemente venceu o Oscar por Judas e o Messias Negro) e, novamente, deverá discutir temas como racismo estrutural e preconceitos em uma trama misteriosa, que parte de um evento misterioso no céu - e que é classificado pelo personagem de Kaluuya como um "milagre ruim".

 


Ainda sobre o trailer, ele é instigante ao propor uma colagem de imagens que parece desconexa, mas que provoca uma série de sensações no espectador - condição ampliada pelos curiosos ângulos de câmera, pela trilha sonora envolvente, pelo isolamento dos envolvidos e pela mescla de humor e tensão sugerida pela narrativa. Nem precisamos dizer que a expectativa é alta para o projeto que tem ainda no elenco Keke Palmer, Steven Yeun, Barbie Ferreira e Michael Wincott. Deve vir coisa boa por aí!

quarta-feira, 9 de março de 2022

Novidades em Streaming - A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth)

De: Joel Coen. Com Denzel Washington, Frances McDormand, Brendan Gleeson e Kathryn Hunter. Drama, EUA, 2021, 105 minutos.

De Orson Welles, passando por Akira Kurosawa até chegar em Roman Polanski: somente no cinema foram mais de 20 adaptações da clássica peça Macbeth, escrita no começo do século XV pelo dramaturgo William Shakespeare. Isso sem contar as centenas de vezes que a obra foi levada aos palcos por companhias de teatro mundo afora. Ou revisitada de outras maneiras, em musicais, especiais, reinterpretações ou paródias. Mas então por quê, em pleno ano de 2021, filmar mais uma vez a clássica história do ambicioso general que dá nome a obra? Há ainda o que contar? Ângulos a explorar? Atualizações a se fazer? Bom, como esta é uma das mais conhecidas tragédias de Shakespeare - é a mais curta e, admito, a única que li -, penso que nunca é demais a ideia de apresentá-la para novos públicos. Ainda mais com a direção de Joel Coen - pela primeira vez na vida sem a companhia do inseparável irmão Ethan, com quem produziu verdadeiras obras-primas modernas como Fargo (1996) e Onde Os Fracos Não Têm Vez (2007).

Só que quem imaginava encontrar nesta versão intitulada A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth) algo que trouxesse a assinatura dos irmãos - o que envolveria uma boa dose de excentricidade, um senso de humor cínico e um apelo ao inusitado -, talvez se decepcione um tanto. Já quem for para a sessão sem maiores expectativas, querendo apenas o "teatro em estado bruto", se deparará com uma adaptação elegante, tecnicamente soberba e que aposta em soluções narrativas que conferem personalidade ao projeto. Afinal todos sabem que uma das marcas desse texto de Shakespeare é um certo rebuscamento no linguajar - e a transcrição literal da peça pode confundir e até afastar espectadores. Mas com algumas (poucas) liberdades criativas Joel ajusta esta questões soando, em alguns momentos, até excessivamente expositivo. O que jamais se constitui como algo problemático dado o hermetismo natural do enredo, que mistura guerra, criaturas místicas, dramas familiares, traições, cadáveres, punhais, sangue e lágrimas.

Um bom exemplo deste expediente está na ótima sequência em que o general Macbeth (Denzel Washington), movido pela ganância, tem a impressão de enxergar um punhal alinhado a uma porta que está no fundo de um amplo e bastante geométrico corredor em seu castelo - e que é resultado de uma curiosa ilusão de ótica que o leva a confundir a estrutura da fechadura com uma arma. Toda essa cena serve para evidenciar as intenções do protagonista que, incitado por Lady Macbeth (Frances McDormand), resolve levar à cabo o seu plano de assassinar o Rei Duncan (Brendan Gleeson) da Escócia. Pior, montando o cenário de forma que seja possível incriminar os criados do monarca, que estão em sua companhia e que tinham participado de uma bebedeira na noite anterior. O escândalo é revelado no dia seguinte, o que faz com que outros nobres, como Lennox (Miles Anderson) e Macduff (Corey Hawkins), e o filho de Duncan, Malcolm (Harry Melling) fujam de Inverness, já que desconfiam das atitudes do ambicioso anfitrião.

E, bom, tudo isso nos é apresentado com artifícios técnicos que ampliam a sensação de tensão, caso da requintada fotografia em preto e branco e do desenho de produção que recria castelos, estradas, charnecas e outras estruturas, optando por uma ambientação eventualmente fantástica, numa espécie de flerte com o cinema de Ingmar Bergman e com o expressionismo alemão - e, não por acaso, Bruno Delbonnel e Stefan Decbant foram lembrados entre os indicados ao Oscar desse ano (assim como Washington, que concorre na categoria Ator). Classuda, cheia de contrastes envolvendo luzes e sombras, com uma montagem que possibilita a rápida compreensão dos saltos temporais e mesmo de suas rimas (sonoras e visuais), a obra centra a sua força no poderoso texto que, pouco mexido, permite que os atores centrais brilhem - e a forma como Macbeth mergulha em suas alucinações, no limite entre o pesadelo sombrio e a realidade lúgubre e abstrata, é um espetáculo a parte, que certamente honra a tradição desse tipo de adaptação. Aliás, sobre interpretação, vale ainda uma menção à Kathryn Hunter, que faz uma entrega física impressionante no papel das feiticeiras (e talvez não fosse surpresa uma lembrança como Coadjuvante no Oscar). No mais, o filme tá disponível na Apple TV+. Vale conferir.

Nota: 8,0

 

segunda-feira, 7 de março de 2022

Novidades em Streaming - Madalena

De: Madiano Marcheti. Com Chloe Milan, Natália Mazarim, Rafael De Bona e Pamela Yulle. Drama, Brasil, 2019, 85 minutos.

Vocês já devem ter ouvido falar que o Brasil é o País que mais mata pessoas trans no mundo. É assim há 13 anos - e esse deveria ser o tipo de "título" a nos envergonhar. Só que no Brasil de Bolsonaro, que só em 2021 registrou 140 assassinato do tipo, há também uma carência de informações, que converte a transfobia em um crime invisível. O que dificulta a elaboração de políticas públicas que possam, ao menos, amenizar a questão. Muitas ocorrências não são reportadas. Há uma ausência completa de dados e, em uma nação que legitima o ódio, o preconceito e a intolerância, há ainda a reafirmação do padrão heteronormativo - o que parece contribuir ainda mais para o sentimento de apagamento das minorias. O descaso, afinal, é generalizado. E é exatamente sobre isso que trata o ótimo Madalena, de Madiano Marcheti - uma das recentes estreias da Netflix.

O apagamento de pessoas trans é, ao cabo, o assunto da enigmática experiência proposta pelo diretor. Nesse sentido, pouco se sabe sobre a Madalena do título (vivida por Chloe Milan em aparição discreta). Aqui e ali recebe-se pistas que indicam que ela pode ter morrido. Não apenas isso, ter sido assassinada de forma violenta. O cenário é uma pequena cidade do Centro Oeste, cercada por grandes fazendas de plantio de soja. Esse contexto tão brasileiro que envolve o agro pop que que se alia ao padrão hétero, branco, de latifúndios e de caríssimos maquinários agrícolas - que traduz à perfeição o "cidadão de bem" da região, que parece apenas interessado em viver a sua vidinha de festinhas topzeras de final de semana, passeios de caminhonetão e uso de drogas com a broderagem. A morte de Madalena funciona como uma espécie de assombração a rondar a região. E a todos que ali estão.

Nesse sentido, Marcheti faz um exercício de estilo e de contrastes que nos deixa o tempo todo em estado de suspensão. Há algo no ar que sugere o tempo todo uma certa quebra de lógica, que vai no limite entre o deserto verde que bordeja o asfalto (ou a estrada de chão) a parte central da cidade. Em meio a aplicação de agrotóxicos por monumentais implementos - ou mesmo com drones -, há a mata, o rio e o vento que insiste em soprar. E que pode até deixar a tragédia fora do quadro, ainda que ela soe onipresente. Como espectadores não sabemos também como lidar. O assassinato de uma trans que ressurge como um espectro é evidenciado pela música insistente de Tetê Espíndola que toca repetidamente num rádio "abandonado" em uma casa, ou mesmo pela surpresa de um jovem agricultor que se depara com algo inesperado em meio à lavoura. O filme escavoca sensações e nos deixa desconfortáveis. O apagamento, afinal, é esfregado na nossa cara. Morreu alguém. Ninguém viu. Ninguém vê. Alguém verá?

Em entrevista à Rádio França Internacional (com partes reproduzidas no Observatório G) Marcheti explicou que o filme "questiona como nós, como sociedade, permitimos que isso aconteça, e isso continua acontecendo. Então, o espectador fica em uma posição desconfortável porque não sabe o que houve com Madalena e fica imaginando hipóteses para as quais não vai ter as respostas. Tudo isso nos leva a refletir sobre o nosso papel diante os crimes de transfobia no Brasil". Com tintas autobiográficas, a obra também reflete sobre lugares e sobre a tentativa de se encaixar quando não se é parte do padrão. E sobre como o desaparecimento de uma figura que vive à margem pouco alterará na rotina da comunidade. A sensação é de desamparo. De quebra de lógica, de instabilidade. As pessoas trans, afinal, vivem em média 35 anos no Brasil. Mas o diretor evita o panfleto pelo panfleto. O que resulta em uma obra complexa, reflexiva e que rende bastante em uma mesa de discussão.

Nota: 8,0

sexta-feira, 4 de março de 2022

Pitaquinho Musical - Stereophonics (Oochya!)

Pode parecer meio esquisito a gente estar em pleno março de 2022 falando de uma coisa tão "noventista" como um disco novo do Stereophonics. E confesso que quando os britânicos divulgaram a lista de faixas e o tempo de duração de Oochya! - quinze canções distribuídas em 65 minutos -, confesso que torci o nariz. Mas aí eu resolvi fazer aquilo que costumo fazer nesses casos, que é ir saboreando aos poucos, meio que pelas beiradas - porque vamos combinar que foram muitas as vezes em que Kelly Jones e companhia nos ganharam dessa maneira. Um single aqui, outro ali, Maybe Tomorrow e Dakota tocando incessantemente nas rádios, em algum ponto meio perdido do começo do milênio e, bum, cá estamos. Doze álbuns depois, 25 anos de carreira, uma coleção de hits e tudo o mais. Sim, vocês já adivinharam que o grupo não reinventou a roda do rock, mas aqui estão aquelas canções que se mesclam entre a balada e o rock de arena, direto, com um punhado de refrãos grudentos, que já nos fazem pensar "ok, até que isso ficou legal". Sim, uma versão não tão inchada do trabalho faria um bem danado, ainda mais pelo fato de canções como Don't Know What Ya Got, Seen That Look Before, Every Dog Has Its Day, Do Ya Feel My Love e Forever serem tão bonitas. Mas, na média, dá pra apreciar tudo numa boa. Deixa como trilha sonora de fundo, no ambiente de trabalho se for o caso. Não haverá arrependimento.



Cine Baú - O Poderoso Chefão (The Godfather)

De: Francis Ford Coppola. Com Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Diane Keaton e Robert Duvall. Drama / Policial, EUA, 1972, 177 minutos.

Acho que é possível afirmar, sem muita chance de erro, que é mais ou menos lá por meia hora de O Poderoso Chefão (The Godfather) que a mitologia da Família Corlone, bem como o modo como operam seus "negócios", se estabelece. Don Vito (Marlon Brando) está insatisfeito com o fato de o cineasta Jack Woltz (John Marley) ter negado um papel de destaque a seu apadrinhado Johnny Fontane (Al Martino). Para tentar solucionar a questão, o chefão envia à Los Angeles o seu "filho"/advogado Tom Hagen (Robert Duvall). O jantar é pacífico, amistoso. Jack e Tom andam pela propriedade, conversam, com o segundo tentando dissuadir o primeiro a voltar atrás em sua decisão. Sem sucesso. A noite cai, o dia amanhece. O tom é plácido, os grilos cantam em meio a calmaria do pátio. Os movimentos de câmera sugerem tranquilidade, enquanto no quarto Jack está dormindo. Só que algo o desperta. Algo que ele não consegue distinguir com precisão. Ele está banhado em sangue. Ao puxar as cobertas, a revelação: a cabeça do seu valioso cavalo Khartum, ali jaz. É uma sequência assombrosa, apavorante, magnética. Assim como são os gritos do cineasta. Johnny, a gente nem precisa dizer, obtém o papel. E, nós, espectadores, temos um filme. Um clássico. Uma verdadeira ópera cinematográfica.

Aliás, qualquer expressão que se utilize pra definir a obra-prima de Francis Ford Coppola - construída a partir do livro de Mario Puzo -, não será suficiente. A propósito, o que ainda não foi dito sobre o filme que completa 50 anos agora em 2022? Trata-se ao cabo da experiência cinematográfica completa que nos apresenta aos Corleone como um organismo sólido, que procura marcar território enquanto preserva e perpetua seu nome, sua identidade. Toda a sequência inicial, com Vito utilizando o casamento de sua filha Connie (Taila Shire) para solucionar uma série de pequenas questões em seu escritório, dá conta de como colidem esses universos. Por sinal o patriarca quase nem consegue aproveitar a festa em si, já que há uma verdadeira fila de pessoas que lhe aguardam algum conselho, algum favor, sempre concedido a partir de um código de ética próprio, que vai no limite entre o respeito, a honra, a religião e a própria família. Um tipo de troca em que, em tese, todos ganham. Padrinho e apadrinhados.

Só que a coisa começa a desandar quando Don Vito recebe um representante do tráfico de drogas local - um mercado promissor, em expansão. Diferentemente das outras cinco famílias de mafiosos com quem realiza suas negociações, o protagonista não está interessado em levar adiante esse tipo de comércio (os negócios ligados aos jogos de azar sempre foram o seu campo de atuação). O que significa também reduzir a influência política e policial que poderia facilitar a chegada dos narcóticos á cidade. É a deixa para que Corleone seja traído em uma emboscada - aliás, a cena é inesquecível, com o chefão sendo alvejado por tiros enquanto compra frutas e verduras na feira. Bom, não demora para que uma sequência de atentados, executadas de parte a parte, transforme a vida dos mafiosos em um jogo permanente de vingança. A coisa vai mal e fica ainda pior quando Sonny (James Caan), um dos filhos, é executado. É a deixa para que Michael Corleone (Al Pacino), um veterano de guerra, retorne ao convívio da família, na intenção de colocar a casa em ordem.

Com um sem fim de cenas icônicas - além da já citada do "cavalo", há aquela em que o capanga Luca Brasi (Lenny Montana) é morto em um restaurante que serve peixes (com o comunicado do assassinato sendo feito de forma excêntrica e até divertida), além da bela sequência final, com uma rima visual arrebatadora envolvendo o batismo não apenas do sobrinho de Michael, mas dele mesmo -, tudo é executado de forma elegante, com uma fotografia cinza amarelada (daquelas típicas dos anos 70), uma trilha sonora memorável e uma composição de quadros nunca óbvia. Até os figurinos, se alternando entre o sóbrio e o colorido - algo que pode ser percebido especificamente em Kay Adams (Diane Keaton) - são cheios de simbolismos, bem como os diálogos ambíguos ("farei uma proposta que ele não pode recusar") e o roteiro bem costurado. Complexo, monumental, iconoclástico, o filme receberia um sem fim de prêmios, entre eles o Oscar de Melhor Filme em 1973. Além de figurar em dezenas de listas de melhores, a obra inaugural pavimentaria o caminho para O Poderoso Chefão 2 (1974) e 3 (1991), que converteriam esta em uma das maiores trilogias da história do cinema.