quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

25 Melhores Discos Internacionais de 2018 (+15 Menções Honrosas)

Sim, já está todo o mundo sabendo que não houve unanimidade entre a crítica na hora de selecionar os melhores discos internacionais do ano. Ficou tudo meio pulverizado, com artistas que figuraram nos primeiros lugares em certas relações, sendo completamente ignorados em outras. Para nós do Picanha foi um ano bom, musicalmente (sim, porque de resto não foi, como todos sabemos). Bandas que gostamos, como Arctic Monkeys, Spiritualized, MGMT e Beach House retornaram com grandes lançamentos. Já entre as estreias, nomes como Snail Mail, Tirzah e Miya Folick fizeram a nossa alegria com registros consistentes e adequados para os tempos em que vivemos (e quem tiver a paciência de ouvir as músicas acompanhando as letras terá boas surpresas). Ah, e foi um ano de grandes discos delas - de Robyn a Ariana Grande, passando pela sempre ótima Mitski. É só dar uma espiada na lista para perceber quantas cantoras/compositoras/vocalistas estão presentes. Bom, chega de conversa, eis a nossa lista de 25 Melhores Discos Internacionais de 2018 (+15 Menções Honrosas).

Menções honrosas:

40) Lykke Li (so sad so sexy)
39) Courtney Barnett (Tell Me How You Really Feel)
38) Pusha-T (Daytona)
37) Amen Dunes (Freedom)
36) Jorja Smith (Lost and Found)
35) U.S. Girls (In a Poem Unlimited)
34) Kali Uchis (Isolation)
33) Yves Tumor (Safe In the Hands Of Love)
32) Vince Staples (FM!)
31) SOPHIE (OIL OF EVERY PEARL'S UN-INSIDE)
30) Blood Orange (Negro Swan)
29) Julia Holter (Aviary)
28) Parquet Courts (Wide Awake!)
27) Noname (Room 25)
26) The 1975 (A Brief Inquiry Into Online Relationships)


25) Arctic Monkeys (Tranquility Base Hotel + Casino): é muito provável que há dez anos atrás um disco "conceitual" fosse tratado como uma ideia absurda por Alex Turner e companhia. Ainda mais depois do sucesso estrondoso de crítica e de público que foi o trabalho anterior, AM (2013). Só que quando o tempo passa, a gente muda. Evolui. Amadurece. E se sente mais a vontade para criar. Four Out Of Five pode até ser aquele hitzão à moda antiga dos Monekys, mas há espalhado pelo disco, e em seu rico catálogo de variações rítmicas, um clima meio futurista, de ficção científica classuda e meio oitentista, guiada por canções que funcionam como divagações verborrágicas e atormentadas na mesma medida. Não, não é um trabalho fácil e quem se arriscar a escutar o disco com as letras a tiracolo encontrará, aqui e ali, uma espécie de crítica generalizada a uma espécie de mal estar da modernidade, com seus excessos consumistas, diferenças sociais, burocracia nas grandes corporações e romances falidos. É a diferente. E a gente adorou.

24) Manic Street Preachers (Resistance Is Futile): a despeito do niilismo do título (e até da capa), o álbum serve, novamente, como veículo para novas divagações político/filosóficas/sociais sobre o mundo que vivemos. Não é por acaso que a abertura, com People Give In, já inicia com uma série de versos pessimistas - People get tired / People get old / People get forgotten / People get sold - e que, de alguma forma, funcionarão como um guia para as reflexões que serão espalhadas pelo álbum. A sonoridade surge tensa, urgente, melancólica, até explodir no refrão roqueiro com direito e ooo ôs e um indelével otimismo. O expediente se repete em outras músicas. Sequels of Forgotten wars tem título quase autoexplicativo. Já Hold Me Like a Heaven é quase um manifesto por busca de conforto em meio a uma rotina de desgaste em que o grito já não é suficiente. Mestres no papel de difusores de boas ideias em um mundo tão cheio de intolerância, os galeses também não ignoram os hits - como atestam International Blue e Distant Colous. Discaço!

23) Soccer Mommy (Soccer Mommy): o disco de estreia do projeto de Sophie Allison pode até ser pequeno no tamanho - são apenas 10 músicas e 34 minutos de duração -, mas é grande no seu detalhamento. Com uma capacidade única de expôr as suas vísceras em letras absurdamente sinceras sobre dramas juvenis nunca insignificantes, a artista canta como se estivesse conversando conosco. Uma conversa franca, aberta, madura - mesmo para alguém de apenas 20 anos - sobre o fortalecimento que vem da angústia. "Sem dor, sem ganho", diz aquele velho refrão, e o Soccer Mommy, com o seu estilinho pop-noventista/softcore parece saber disso como ninguém. Eu quero ser como a sua última garota /Ela é o sol em seu mundo frio / E eu sou apenas uma flor moribunda narra a artista de forma debochada e autocomiserativa em Last Girl, enquanto uma cama instrumental cheia de idas e vindas acontece. Difícil resistir.

22) Tirzah (Devotion): Devotion é aquele disco que vai te conquistando aos poucos. Que vai te absorvendo a cada nova audição. E que cresce conforme vamos sendo envolvidos não apenas pelo vocal hipnótico e sussurrado da cantora britânica, mas também pelos efeitos nunca óbvios, pelas quebras de andamento, pela condução propositalmente enigmática, numa mescla de eletrônica, R&B, soul e pop. Ainda assim, o eventual hermetismo dessa ótima estréia jamais representa uma apreciação truncada, difícil. Em cada curva do registro somos surpreendidos por versos perfumados por algum dedilhado de violão discreto, um sintetizador econômico ou um toque suave ao piano. Os refrões ao mesmo tempo esquisitos e descomplicados (sim, acredite) de canções como Do You Know, Devotion e Gladly fazem o contraponto perfeito para os versos sentimentais, que jamais soam óbvios. Pra quem sempre achou que a FKA Twigs talvez pudesse ser mais comercial, talvez aqui esteja a resposta.

21) Florence + The Machine (High As Hope): aguardados pelos fãs como se fossem verdadeiros objetos de culto, os trabalhos de Florence Welch e companhia jamais decepcionam. Do começo mais hermético com Lungs (2009) até a consolidação com How Big, How Blue, How Beautiful (2015), cada registro tem como guia o timbre potente da vocalista, que mergulha o ouvinte em um cancioneiro rebuscado, que vai no limite do rock épico e do pop enigmático, cabalístico. O álbum, ainda que absolutamente homogêneo, alterna momentos de grande lirismo e sutileza (como na inaugural June ou em South London Forever), com outros mais espessos (caso de Patricia ou Hunger). O mesmo vale para os arranjos, que podem trocar entre a economia e a consistência em questão de segundos (muitas vezes dentro de uma mesma música). E ainda há as letras, que mantém o clima ritualístico na abordagem do amor - Eu ainda prefiro você / Você sempre será meu fantasma favorito, canta no hit Big God (que tem um videoclipe maravilhoso). Impossível não gostar.

20) Let's Eat Grandma (I'm All Ears): o tipo de senso de humor delirante, eventualmente paranoico que vemos não apenas nas letras, mas na sonoridade da dupla Jenny Hollingworth e Rosa Walton, já começa pelo nome da banda. "É uma brincadeira com o uso das vírgulas", explicaram elas em tom divertido na época do lançamento do exuberante I, Gemini (2016), quando tinham apenas 16 anos. No caso, elas alertavam para a completa alteração de sentido da frase, caso esta ganhasse o acento após a palavra eat. Aquele tipo de piada sombria que percebemos como uma espécie de extensão do tipo de material que elas apresentam - e não por acaso há uma pesada canção chamada Donnie Darko (um tour de force de mais de 10 minutos). Conseguindo ser despretensiosamente pop e experimentalmente sinistro ao mesmo tempo - como atesta o hit It's Not Just Me, o álbum da dupla pode soar anárquico, surrealista, controverso, onírico. O adjetivo dá pra escolher a vontade.

19) Rosalía (El Mal Querer): quem aguardava algo realmente NOVO no mundo da música neste ano, pode apostar com folgas nesta cantora espanhola. Misturando flamenco com música pop, um tantinho de folk e mais uma pitada de R&B, a artista aposta na iconoclastia - que já começa pela capa - para construir um trabalho conceitual, que forma um verdadeiro painel dos relacionamentos (especialmente os tóxicos). Adotando, nas canções, subtítulos como "casamento", "ciúmes" e "claustro", as várias fases do amor são pontuadas por ritmos que remetem ao folclore e ao regionalismo, envernizados por tintas multiculturais - bem ao estilo do que o globalismo acena. Um belo exemplo disso está em Pienso En Tu Mirá, terceira canção do disco, que mescla experimentalismo pop (nas camadas eletrônicas e até no vocal da artista), com o flamenco clássico, num exemplo estonteante de hibridismo. Que venha mais.

18) Dirty Projectors (Lamp Lit Prose): depois de derrapar feio com o registro anterior - o deprimido disco homônimo lançado no ano passado -, a banda comandada por Dave Longstreth voltou a ser aquele coletivo esquisitão de freak folk que a gente tanto ama e que já nos entregou obras-primas como o inesquecível Swing Lo Magelan (2012). Misturando rock alternativo, música eletrônica e hip hop, o registro adota um tom otimista (o que pode ser comprovado pela batucada festiva de I Feel Energy e pelos efeitos luminares e excêntricos que surgem o tempo todo em Break-Thru), ainda que não ignore o contexto político/social da atualidade. O céu escureceu / A terra se transformou em inferno, anuncia já na abertura, com Right Now para, logo em seguida, adotar um clima mais otimista  (Alguns disseram que uma luz brilhou / Onde a escuridão habitava). É na dualidade de ideias, nas idas e vindas de andamento e em outras trucagens, que se estabelece a narrativa dessa banda tão distinta e cheia de personalidade.

17) Ariana Grande (Sweetener): Você, você ama o jeito que eu te mexo / Você ama o jeito que eu te toco / Meu amado, no fim das contas / Você acreditará que Deus é uma mulher. A autoconfiança vista na letra da sinuosa e envolvente faixa God Is a Woman é um belo indicativo de que a garotinha desengonçada que víamos em séries como Sam & Cat definitivamente cresceu. E lançou um belo álbum, consolidando uma carreira em franca evolução e que posiciona a artista como um dos grandes nomes da música pop neste 2018. Utilizando como peça central a sua potente voz, Grande parece transformar Sweetener em um material mais homogêneo que os anteriores - e também mais rico e mais complexo no que diz respeito as emoções vividas na pós-adolescência. O disco - riquíssimo em camadas e texturas eletrônicas (cortesia de Pharell Williams) - equilibra momentos mais otimistas (sucessfull), com outros mais enfumaçados (como no hit no tears left to cry), de maneira irretocável.

16) Troye Sivan (Bloom): figuras como este sul-africano naturalizado australiano fazem um bem danado para a humanidade - especialmente em um mundo tão cheio de preconceitos e de intolerância como este que vivemos. Gay assumido, Sivan é youtuber, ator (estará no aguardado filme Boy Erased do diretor Joel Edgerton) e ainda lança discos inacreditavelmente belos como este Bloom - seu segundo da ainda curta carreira. Perfumado por sorridentes sintetizadores oitentistas, o registro equilibra calor, delicadeza, força, ternura e outros adjetivos em medidas variadas. As famílias de bem provavelmente se horrorizariam com letras pessoais como a da faixa-título, que versa sobre um jovem que se aproxima de homens mais velhos (Sim, eu floresço / Eu floresço só para você). Mas as metáforas certamente "suavizam" as ideias expressas, restando para nós, mortais, ue não convivemos o ódio diário, apenas curtir gemas pop como Seventeen, My My My! e Dance To This.

15) Iceage (Beyondless): a cada disco que lança, a banda dinamarquesa de post-punk parece mais disposta a se aproximar do grande público. Do completo hermetismo com o obscuro primeiro registro New Brigade (2011), até o recente Plowing Into The Field Of Love (2014), o diálogo com uma estética levemente mais limpa e menos soturna/gótica, transforma a audição do registro em uma "tarefa" não menos do que prazerosa. Sim, ainda são muitas as canções em que o vocalista Elias Bender Rønnenfelt parece enterrar as suas cordas vocais em meio as guitarras barulhentas, ao baixo robusto e a bateria potente. Mas, lá no meio, canções como Pain Killer (que poderia ter sido lançada pelo Cloud Nothings, se a banda de Dylan Baldi não tivesse feito o caminho inverso) e Catch It (que parece algo lançado pelo Afghan Whigs, fase Gentlemen) nos lembram por quê o Iceage é tão querido pelo seu público - que os segue como estes fossem objeto de culto.

14) Snail Mail (Lush): poucas estreias foram tão celebradas neste ano, quanto o projeto da guitarrista e cantora Lindsey Jordan. Sim, o clima é meio retrô-nostálgico, como se misturássemos alguma banda de shoegaze dos anos 90 (digamos o Superchunk) com outra mais barulhenta dos anos 2000 (talvez o Best Coast). Não é novo, mas tem personalidade. E sinceridade. E limpeza em meio a "aspereza". E naturalidade na hora de cantar sobre alegrias e dissabores existentes em cada relacionamento. Só que se engana quem pensa que se trata apenas de chororô adolescente: Jordan utiliza seus sofisticados versos como uma espécie de catarse. Um grito de liberdade em meio a um mundo em que não há compreensão e em que estamos sempre insatisfeitos, esperando por dias melhores. Eu espero que o amor que você busca / Engula você completamente, comenta despretensiosamente a artista em Heat Wave. Trata-se de uma garota de 19 anos. Acredite: com mais maturidade do que eu e você.

13) Spiritualized (And Nothing Hurt): valeu a pena esperar seis anos por um novo disco da banda capitaneada por Jason Pierce - aliás, é apenas o oitavo álbum de estúdio em mais de 30 anos de carreira. Neste, não há muitas diferenças em relação aquilo que foi testado em materiais anteriores - especialmente no clássico Ladies and Gentlemen We Aree Floating In Space (1997). O rock espacial, que mistura cordas eclesiásticas, "cenários" etéreos e uma psicodelia multicolorida, segue intocável. De difícil definição, cada trabalho parece tirado de algum Filme B de ficção científica, capaz de equilibrar os efeitos eletrônicos oníricos com a balbúrdia trovejante do jazz. Hey baby, está tudo certo / Você pode vir para a minha casa hoje a noite / Eu vou lhe dar a direção, parece convidar Pierce na gospel Here It Comes (The Road) Let's Go. É só o começo de uma viagem por canções cheias de romantismo e de curvas pegajosas, casos de A Perfect Miracle, I'm Your Man e The Morning After.

12) Cardi B (Invasion Of Privacy): quando Bodak Yellow foi apresentada ao mundo, ainda no ano passado, Cardi B ganhou (ainda mais) rapidamente os holofotes. A música, um rap denso (e tenso), cheio de camadas, de efeitos sinuosos e de flows sofisticados tinha todos os elementos que forjam uma canção do estilo. E ainda tinha a letra, autoconfiante, provocante, lasciva, cheia de contrastes entre um antes (de pobreza e de dificuldades) e um agora (em que se existe e se tem voz). Tudo com uma performance rica, em que sapatos de salto são metáforas perfeitas para armas sanguinárias na noite em que a violência, o oportunismo e a covardia reinam. Pra sorte, Cardi B não se transformou em uma artista de apenas um hit, já que Invasion Of Privacy amplia as suas ideias, fazendo com que a palavra "empoderamento" pareça tirada do dicionário do Jardim de Infância. Cardi mistura a petulância de MIA com a selvageria sexy de Nicky Minaj, numa explosão de sentimentos difícil de definir.

11)  MGMT (Little Dark Age): é preciso que se diga que, desde Oracular Spetacular (2007) que não havia um registro tão empolgante quanto este quinto disco dos americanos. "Nos sentimos invisíveis por alguns anos, mas foi positivo para esse novo momento nosso" chegou a dizer o tecladista Ben Goldwasser ao site Tenho Mais Discos Que Amigos. A sensação de sumiço vai embora em um álbum bem menos experimental e que aposta nos hits psicodélicos e no caldeirão sonoro, capaz de misturar pop oitentista, música africana, rock e eletrônica. She Works Out To Much tem refrão grudento e boas doses de ironia sobre a vaidade em tempos de redes sociais (Não me leve a mal / Eu nunca consigo acompanhar / Cansado de dar like em suas selfies). O expediente se repete em TSLAMP sobre a prática de perdermos tempo de vida olhando a tela do celular (Gods descend to take me home / And find me staring at my phone). E há ainda a inacreditável Me and Michael, uma das melhores músicas do ano.

10) Father John Misty (God's Favorite Customer): a gente sabe que hoje em dia não é prática comum escutar um álbum inteiro, ainda mais com as letras a tiracolo. Mas no caso do cantor e compositor americano vale muito a pena esse "esforço" já que, vale ressaltar: poucos artistas serão tão cínicos e corrosivos na hora de analisar a mesquinhez humana em meio a um mundo tecnológico, frio e hedonista. Menos hermético que o registro anterior - o elogiadíssimo Pure Comedy - este quarto trabalho ainda se apresenta mais palatável. Sim, a verborragia está toda lá - há muito da vida do artista nas letras -, bem como a crítica a sociedade de consumo, a políticos, a instituições e a lideranças religiosas. Sim, enquanto ouvimos o nostálgico folk de ares setentistas de Josh Tilman e canções que não fariam feio nas rádios mais descoladas, caso de Disappointing Diamonds Are The Rarest Of Them All, é possível assobiar e bater o pé novamente.

9) Beach House (7): é uma experiência absolutamente indefinível escutar qualquer disco da dupla Victoria Legrand e Alex Scally - e lá já se vão sete registros. Paisagens sonoras etéreas, que se misturam com evocativas viagens espaciais em um cenário de indefinições, complexo, inconclusivo. Mergulhar nas canções da dupla - uma das experiências mais saborosas e magnéticas da música atual, diga-se de passagem -, é trafegar no limite entre a nostalgia e a excitação. "Passamos muito tempo criando montanhas criativas do nada", disse jocosamente Scally ao Pitchfork. Em geral o álbum parece ainda mais denso (e levemente roqueiro) que os anteriores - bastando comparar músicas de uma leveza mística de álbuns passados, como Space Song e Myth, com outras deste disco, como as robustamente sonoras Drunk In LA e Lemon Glow. O efeito na mente - colorido, sensorial, cheio de justaposições e contrastes - continua o mesmo de sempre.

8) Robyn (Honey): a facilidade com que Robyn versa sobre relacionamentos, suas alegrias e tristezas, chega a assombrar. Enquanto corre solta a (econômica) base eletrônica que nos remete imediatamente aos anos 90, a artista reclama o espaço vazio que ficou no travesseiro ao lado após um rompimento (na inaugural Missing U), fala de canções que nos fazem lembrar alguém (Because It's In The Music) e pede desculpas naquele tipo de amor que vale a pena tentar (Baby Forgive Me). Sim, o clima é bem mais introspectivo do que em registros como o dançante Body Talk - lançado num agora dista 2010 -, com o sentimentalismo funcionando como uma espécie de "eixo central" da obra. Sem pressa, apresentando cada canção a conta-gotas, como uma peça isolada que formará um conjunto homogêneo, Robyn nos entrega um dos mais festejados trabalhos do ano.


7) Mitski (Be The Cowboy): tudo que Puberty 2 (2016) - o incensado registro anterior - tinha de enfumaçado, distorcido e alternativo, este mais recente trabalho tem de limpo, claro, seguro. Em comum entre os dois trabalhos, apenas a sinceridade na hora de falar de amor da forma mais confessional possível e a plena capacidade de traduzir em palavras os sentimentos mais diversos. Ando nos meus saltos altos / Toda alta e poderosa / E você diz: Olá / E eu perco canta Mitski em Lonesome Love, canção que emana vulnerabilidade por todos os poros. O expediente se repete em outras, como no hit Nobody (Meu Deus, eu sou tão solitária / Então eu abro a janela / Para ouvir os sons das pessoas). Em meio a uma batida eletrônica aqui, outra guitarra certeira acolá, o piano da artista flana, fazendo com que a cantora fique completamente despida de qualquer vaidade. Um registro rápido, dolorido e gostoso. Como o amor.

6) Tracyanne and Danny (Tracyanne and Danny): existe uma carga emocional, nostálgica, que é difícil de definir na sonoridade dessa dupla - que lança o seu primeiro registro. Tracyanne Campbell não é exatamente uma novidade (ela fazia parte da ótima banda Camera Obscura) e ao lado de Danny Coughlan apresenta uma coleção de gemas do folk, que dialoga com um pop orquestral ensolarado (à moda dos anos 50) e com o rock alternativo de artistas primaveris e épicos como Jens Lekman. Há um certo clima empoeirado, em que o cheiro de naftalina da lugar a arranjos perfumadamente jazzísticos, ora sutis (Jacqueline), ora expansivos (It Can't Be Love Unless It Hurts). Nós estamos passando pelo nevoeiro / Estamos vivendo em uma doce liberdade, canta a dupla na suave Alabama. É exatamente este o sentimento que nos invade ao escutar esse imperdível registro.

5) Janelle Monáe (Dirty Computer): uma das artistas mais completas da atualidade, a americana entrega o seu melhor e mais comercial registro com Dirty Computer. Do diálogo com os anos 90 (Crazy, Sexy, Life) à homenagem declarada ao mentor Prince (Make Me Feel), há em cada curva do trabalho um verdadeiro passeio por ritmos distintos como hip hop, soul e R&B. O clima em geral é festivo, mas a cantora - negra e recém-declarada pansexual - não foge dos temas espinhosos. A faixa-titulo, por exemplo, usa a metáfora do "computador feio, defeituoso" para falar de pessoas que vivem à margem da sociedade. Já o empoderamento feminino vem no formato de Django Jane (Nós vamos começar uma revolução de bucetas). Pynk é sobre liberdade sexual e tolerância. Ufanismo e patriotismo surgem no hino Americans (uma das melhores canções do ano). Participações de Grimes, Pharrel Williams, Zoë Kravitz e Brian Wilson dão conta da diversidade e conferem um charme a mais a esse imperdível trabalho.

4) The Internet (Hive Mind): caloroso, sexy, quente, o quarto disco dos americanos é um amálgama sonoro que mistura R&B, soul, funk e outros ritmos de forma fluída, bem estruturada. É aquele álbum cheio de groove, de batidas suaves e de arranjos refinados pra ouvir no sofá de casa, quando a gente tá cheio de segundas intenções a respeito da visita que está para bater a porta. Há um certo clima "anos 90" meio nostálgico na coisa toda, mas a banda esbanja personalidade em hits grudentos como La Di Da, Stay The Night e It Gets Better (With Time), que jamais soam ultrapassados ou como se fossem um produto desconectado de seu tempo. A voz de Syd - em alguns momentos mais delicada (Look What You Started) em outros mais furiosa (Come Over) - perfuma o registro com tonalidades primaveris, tornando o sussurro a matéria-prima para ecoar angústias, frustrações e anseios amorosos.

3) Miya Folick (Premonitions): como uma forma de tornar os acontecimentos mundanos em algo mais substancial, Folick apelidou a sua música de "pop doméstico". Mas nesse pop das coisas do dia a dia, relevantes a nossa maneira, impactantes em nossas entranhas, não há nada de comum. Em sua estreia, a artista usa a sua voz potente como a âncora perfeita para a formação de verdadeiros hinos catárticos embalados em um clima incandescente, vivo. A paisagem é grandiosa em cada curva de ricos sintetizadores, batidas, efeitos, barulhinhos e violões bem tocados. Mas a poética de Miya não é nada plástica, como poderia sugerir a estética de suas melodias. No caldeirão de ideias, um sincero e dolorido pedido de desculpas (Thingamajig), que não faria feio em um álbum da Sharon Van Etten, uma música sobre amar a si próprio acima de qualquer coisa (Cost Your Love) e a canção motivacional por excelência (Stock Image que, com seu refrão grudento, é impossível parar de ouvir).

2) Mutual Benefit (Thunder Follows The Light): se fosse possível definir a música feita por Jordan Lee com o Mutual Benefit em apenas um adjetivo este seria "aconchegante". É uma coleção de canções capaz de aquecer o coração em meio ao inverno gelado, já que as melodias e a voz doce do artista sugerem bondade, paciência, esperança. Mas há uma diferença que neste para os outros registros: o mundo não tá fácil pra ninguém e isto é traduzido pelas letras ao mesmo tempo reconfortantes, mas significativas. Crises climáticas, derrocada do espírito democrático, a brutalidade e a violência do Estado, por trás da cândura do folk suave da banda, um alerta permanente para os tempos sombrios que vivemos (nos Estados Unidos, representados pela figura onipresente de Donald Trump). Come To Pass, por exemplo, é a doçura por excelência. Mas até a ternura tem limites em cenários que beiram o apocalipse (In hopes that the smoke will clear the air / A cure for something that isn't there).

1) Kacey Musgraves (Golden Hour): é um álbum simplesmente irresistível, envolvente, gostoso de ouvir, o terceiro trabalho de Kacey Musgraves. E, é preciso ressaltar a ousadia da texana: se no registro anterior (o ótimo Pageant Material) predominava um country eventualmente estereotipado - ainda que legitimamente saboroso - agora a artista parece disposta a flertar diretamente com uma música mais radiofônica, o que provavelmente significará a porta de entrada para que um público ainda maior a conheça. Ainda assim, é preciso que se diga, um material acessível ou comercial jamais significa previsibilidade. Ao contrário, ao imprimir o seu vocal limpo, melodioso e afinado, aliado aos arranjos eletrônicos e coloridos que emanam de cada uma das treze canções, a cantora transforma Golden Hour em um verdadeiro "caldeirão da música moderna". Um registro cheio de personalidade, ensolarado, aconchegante e que tem em canções como Butterfly, Space Cowboy e Lonely Weekend, a sua força. Inegavelmente o número 1 com justiça.

E aí, faltou algo nessa lista? Comentem, dizendo quais os melhores para vocês!

E se vocês gostaram desse post, não deixem também de conferir as nossas relação de anos anteriores, de 2017, 2016 e 2015.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

25 Melhores Discos Nacionais de 2018 (+15 Menções Honrosas)

Se há um consolo para essa onda autoritária/conservadora/fascista que assola não apenas o Brasil, mas o mundo, é que ela certamente fará aflorar de todos os recantos de nossa terra artistas dispostos a dar voz às minorias, aos excluídos ou as pessoas em vulnerabilidade social. A música nunca foi tão democrática - e acessível - como nos dias de hoje e, tal qual faziam Chico Buarque, Caetano Veloso e outros na época da Ditadura Militar, os tempos atuais são matéria-prima fértil para que artistas diversos, como Violins, Baco Exú do Blues, Teto Preto e Josyara expressem suas angústias, fazendo de cada disco um grito furioso de resistência e de oposição a tudo aquilo que estamos assistindo. Vale o mesmo para veteranos, como Elza Soares, que aqui no Picanha abocanha o nosso primeiro lugar com louvor, com o seu imperdível Deus É Mulher (que é provocativo e iconoclasta já no título). É claro que meio ao caos que vivemos também há espaço para a diversão descomplicada - e não por acaso discos como o dos gaúchos da Dingo Bells ficaram bem posicionados na nossa relação. Bom, deixemos a conversa fiada de lado: eis a nossa lista de 25 Melhores Discos Nacionais de 2018, com mais 15 menções honrosas! Boa leitura!

Menções honrosas:

40) Autoramas (Libido)
39) Mulamba (Mulamba)
38) E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante (Fundação)
37) Lupe de Lupe (Vocação)
36) Cora (El Rapto)
35) Karol Conká (Ambulante)
34) Bemti (Era Dois)
33) Gui Amabis (Miopia)
32) Kiai (Além)
31) Maurício Pereira (Outono No Sudeste)
30) Malu Maria (Diamantes na Pista)
29) Séculos Apaixonados (Suspenso Graças ao Princípio da Insignificância)
28) Ava Rocha (Trança)
27) Tuyo (Pra Curar)
26) Craca e Dani Nega (O Desmanche)


25) Duca Leindecker (Baixar Armas): não bastasse o talento natural para a composição de grandiosas e agridoces canções, o vocalista da vanda gaúcha Cidadão Quem ainda transforma este seu registro - o segundo em carreira solo - em um verdadeiro documento de seu tempo. Uma coleção de canções que parece, em cada curva milimetricamente ensolarada (sensação ampliada pelo instrumental de alma primaveril), clamar por mais paz, amor, compaixão - especialmente em um mundo tão cheio de ódio e intolerância como este que vivemos. É um disco de essência romântica, mas recheado de frase ambíguas que, ainda assim, são de rápida identificação do ouvinte. Vem me encontrar que eu quero amar você / Vale lembrar que a minha bomba / Tá aqui no peito é o meu coração canta Duca na singela e certeira Impacto das Bombas, que explicita com clareza essa forma de tratar temas tão distintos. Um álbum cheio de inteligência e que mostra Duca em grande forma.


24) Laura Lavieri (Desastre Solar): num comparativo entre a parceira musical de Marcelo Jeneci e a estreia em carreira solo de Laura Lavieri, é possível constatar a existências de duas artistas distintas. Do recorte anterior sai a intérprete amorosa e primaveril (de canções hoje já clássicas como Pra Sonhar e Felicidade) e entra em seu lugar a cantora engajada, imperativa e feminista e com algo mais a dizer. "Eu precisava fazer um disco para me curar", afirmou a artista em entrevista ao site Esquina da Cultura. No processo de cura, um disco solar (como o próprio nome atesta), rico em camadas, mas invariavelmente acessível. No registro há espaço para exorcizar demônios (como em Respeito e Tira a Mão), mas também há a indicação para caminhos mais esperançosos - como no pop comercial com ares de Jovem Guarda, Estrada do Sol (Pela estrada do sol / Pelas ondas do mar / Aos caminhos que me deixem / Sempre perto de você).


23) Bolerinho (Bolerinho): misture uma dose de regionalismo, com outro tanto de eletrônica moderna. Some uma pitada de música brega dos anos 80 com cantigas de roda brasileiras. Embrulhe tudo em generosas camadas compostas por letras divertidas, irônicas e debochadas sobre relacionamentos e está feita a receita infalível do trio formado há cerca de 10 anos na Unicamp, em São Paulo. Com letras feministas sobre sexualidade, questões de gênero e morte, o coletivo realiza uma das mais surpreendentes estreias desse ano. Do compositor clássico Grieg (Sônia) a islandesa Björk (Alumiada), passando ainda por canções circenses (Amor Verdade), o registro bebe em fontes diversas promovendo idas e vindas no tempo, com quebras de estrutura e outras trucagens que conferem personalidade ao projeto, fazendo com que o ouvinte sempre encontre algo diferente a cada nova audição. Difícil resistir.


22) Catavento (Ansiedade na Cidade): na onda (neo)psicodélica que atinge o mundo da música - encabeçada por bandas como Tame Impala e Washed Out - seria muito fácil cair na armadilha do lugar comum ou da previsibilidade. Mas, definitivamente, não é o que acontece com os gaúchos de Caxias do Sul. Em seu terceiro registro, a banda esbanja personalidade com uma sonoridade cheia de guitarras distorcidas, efeitos eletrônicos surpreendentes, vocais propositalmente arrastados e ambientações etéreas que, por vezes, se assemelham a delírios oníricos multicoloridos, sempre criativos e nunca óbvios. Com uma série de divagações eventualmente angustiadas sobre o sujeito e sua relação com o meio em que vive, o coletivo encontra ainda espaço para a abordagem de temas políticos (Paraíso do Terceiro Mundo), religiosos (Deus Online) e, inevitavelmente, regionalistas (na ótima Lagartia).


21) Cambriana (Manaus VidaLoka): denso, eventualmente hermético, mas de essência amplamente criativa, o segundo registro da Cambriana dá continuidade aos experimentos sonoros testados há seis anos, no divertido House Of Tolerance - e que tiveram sequencia no EP Worker (2013). Na época, a cena goiana ainda era relativamente embrionária - o Violins já era realidade, mas o Carne Doce e o Boogarins ainda davam os primeiros passos - mas o conjunto multi-instrumental já dava indícios dos caminhos que seriam percorridos pelos artistas de lá. Equilibrando MPB, shoegaze, art rock e música regionalista, além de ritmos africanos e latinos, entre outros, o coletivo é capaz de ir do caos a tranquilidade em poucos segundos. As letras (em inglês) são um primor e versam sobre temas variados, como mal estar na modernidade (no tour de force Manaus) e sexo oral (na nada sutil Lucifer).


20) Duda Beat (Sinto Muito): é um sentimento gostoso aquele que nos invade ao escutar o primeiro trabalho da pernambucana Eduarda Bittencourt. Com uma coleção de canções cheias de versos românticos e totalmente confessionais, a artista se diferencia de outras de sua geração pela plena capacidade de saber "rir de si mesma". Sem nunca tratar o registro como uma peça autopiedosa ou excessivamente melancólica, Duda transforma o álbum em um verdadeiro deleite em que frases como Eu nunca senti / Desapego por ninguém / Com você experimentei (da regionalista Bixinho) escorrem com uma naturalidade divertida, esperta e eventualmente sacana. Com uma eletrônica expansiva e primaveril, a cantora equilibra doçura, fragilidade, frescor e acidez em igual medida. Um disco que, inevitavelmente, a gente nunca cansa de ouvir.


19) Rubel (Casas): não há nesse segundo registro do carioca uma canção que se sobressaia como ocorreu com o megahit Quando Bate Aquela Saudade - que integrava Pearl, o seu disco de estreia. Mas há grandes canções, com letras mais robustas e melodias ricas (e experimentais), que formam um conjunto tão homogêneo que às vezes nem percebemos onde está a separação que leva de uma para outra música. O carioca parece estar mais maduro na forma de compor, ainda que o texto de apresentação em sua página do Facebook ainda mantenha aquele clima juvenil, como se o artista fosse um adolescente ávido por mostrar aquilo que fez com tanta dedicação, para o maior número de pessoas - "quero retribuir o amor e o carinho que tenho recebido com mais música [...] me reunir com amigos do peito e fazer a mágica acontecer", ressalta, reforçando a intenção de continuar contanto histórias, impulsionando amores, entregas, bads e amizades.


18) Gal Costa (A Pele do Futuro): impressionante a capacidade da baiana de se reinventar e de permanecer absolutamente relevante no atual cenário da música brasileira - processo vivido também por outros artistas, como Chico Buarque e Caetano Veloso. Em seu trigésimo disco de estúdio, os versos elegantes, naturalmente carregados de romantismo, são amparados pelo vocal sempre limpo, que serve de base para um riquíssimo arcabouço sonoro. Se a nostalgia e o regionalismo são a matéria-prima para as imperdíveis SublimeMinha Mãe, por outro lado o álbum ganha movimento (e tesão) em momentos mais ensolarados, como no caso das primaveris Abre-Alas do Verão e Cuidando de Longe. Participações de Silva, César Lacerda, Emicida, Guilherme Arantes, Marília Mendonça, Gilberto Gil e Tim Bernardes (d'O Terno), dão conta da pluralidade do registro, que vai no limite entre a sensibilidade e a fúria sem nunca passar despercebido.


17) Negra Li (Raízes): é absolutamente irresistível o pop estilo "anos 90" do mais recente trabalho entregue pela paulistana - aliás, um mais do que bem-vindo retorno após um pequeno hiato de seis anos. Trafegando com naturalidade pelo hip hop, pelo soul, pelo rap e pela música eletrônica, a ex-RZO apresenta um álbum classudo, moderno, mas que não ignora o contexto em que a artista está inserida. "Este trabalho vem com uma mensagem muito mais forte e mais ativa. Por todo o momento vivido nestes últimos anos, senti a necessidade de usar a minha voz para falar novamente de tudo o que vivemos, nós que somos da periferia, nós que somos negros, nós que somos mulheres", afirmou em entrevista ao site Eufonia Brasileira. Não por acaso canções como a faixa-título (Minha dor é de cativeiro / A sua é de cotovelo) são aquele socão na cara da sociedade hipócrita. Mas há também espaço para a celebração da vida, como atesta a inesquecível Eclipse Lunar (Por que eu sou a lua / Você é meu sol / Hoje vai rolar / Um eclipse lunar).


16) André Abujamra (Omindá): na língua Yoruba a junção das palavras omin (água) e da (alma) enchem de sentido o quarto trabalho solo do ex-integrante do Karnak, que transforma o álbum em uma grande celebração da diversidade e da comunhão pela arte. O elemento "água" está em toda a parte - nas letras, nos nomes das músicas, nas referências espirituais - e serve como a metáfora perfeita para estabelecer conexões em um universo tão individualizado, frio e tecnológico. Não por acaso, "A união das almas do mundo pela água" é o subtítulo do registro que levou 11 anos para ser concebido e que explora um rico universo cultural, em um clima quase elegíaco, místico. Para a construção de canções que já nascem clássicas - como Lagrimar e Barulhinho - a participação de músicos de 11 países diferentes (de Japão a Bulgária, passando por Mali e República Tcheca). Em entrevistas, Abujamra tem dito, sobre o resultado, que já pode morrer feliz. A boa música agradece.


15) Cordel do Fogo Encantado (Viagem ao Coração do Sol): ainda que jamais repita o espírito antropofágico, cru e selvagem de seu primeiro registro - num já agora distante 2001 - há que se celebrar o retorno do coletivo pernambucano, após um hiato de 12 anos desde Transfiguração (2006). Ainda assim, é inegável o processo de amadurecimento vivido pelo grupo comandado por José Paes de Lira. Está tudo lá: a percussão tribal, a complexidade dos arranjos, os corais de vozes, o clima teatral, as temáticas bucólicas/folclóricas. Mas tudo embalado em uma produção caprichada, limpa, com canções que oscilam entre momentos mais expansivos (Liberdade, a Filha do Vento), com outros mais intimistas (No Compasso da Mãe Natureza ou o Amor, a Pureza e a Verdade). Natureza, misticismo, regionalismo... o Cordel é um caldeirão cheio de personalidade, daqueles difíceis de definir de forma simples. E que te pega e não te deixa mais.


14) Josyara (Mansa Fúria): parece um paradoxo, mas a legitimação de uma aberração política como Jair Bolsonaro no cargo de presidente, me faz ter a esperança de que surjam, Pais afora, milhares de artistas como Josyara. Que representarão a perseverança, o ânimo e a resistência - assim como ocorreu nos anos de Ditadura Militar. Com seu brasileirismo inebriante e essencialmente aconchegante o segundo trabalho da baiana cresce a cada audição. E na mansidão da voz absolutamente limpa da artista, na calmaria dos versos, na polidez dos argumentos, está a fúria nada contida, a zanga necessária, o grito, o lamento. A sexualidade latente em Rota de Colisão, o bucolismo de Apreciação ou mesmo o espírito questionador de Engenho da Dor, tudo parece convergir para um mesmo "riacho" de emanações etéreas, eventualmente psicodélicas e invariavelmente provocativas. Por um mundo com mais Josyaras e menos "mitos".


13) Silva (Brasileiro): sutil, carinhoso, sem exageros. Partindo das beiradas para chegar no centro, assim como fazemos quando deixamos a melhor parte da nossa refeição para o final. Assim é o mais recente trabalho do capixaba, um registro que se apresenta como uma extensão quase natural do material apresentado nas recentes edições de Silva Canta Marisa em estúdio (2016) e Ao Vivo (2017). Ainda assim, é preciso que se diga, Silva se apropria de tudo aquilo que existe de melhor na MPB (e também na bossa nova, do samba e de outras vertentes), mas sem deixar de imprimir a sua personalidade a cada uma das composições. “Acho que o disco reflete a forma como eu me enxergo no mundo, e também a maneira como hoje me enxergo brasileiro", explicou o artista no material de divulgação. Fica Tudo Bem, Duas da Tarde. A Cor É Rosa, Prova dos Nove, Milhões de Vozes... são tantas grandes canções que é impossível parar de ouvir.


12) Djonga (O Menino Que Queria Ser Deus): a ferocidade do rapper mineiro não está apenas nos versos autobiográficos, no flow urgente e nas batidas secas, urbanas, caóticas. Está também na percepção de um mundo de contrastes, capaz de ser a matéria-prima perfeita para uma poética que se esparrama de forma raivosa, rápida. Se de um lado a sobrevivência em mundo tão racista é o mote (como na inaugural Atípico), de outro a superação das adversidades e a autoestima dos que convivem com a exclusão (como em Junho de 94) é o tema. Sexo, religião, histórias diversas sobre preconceito e um amontoado de referências - de Sgt. Peppers, dos Beatles, passando pelo Show de Truman, até chegar no Repórter Esso - tudo, nesse segundo registro, parece formar um amálgama fidedigno da vida nunca fácil em comunidade e da busca por espaço por meio da arte, em meio a uma sociedade em que reina a hipocrisia. Ah, e ainda há a singela homenagem ao filho Jorge, em Canção Pro Meu Filho. Discaço.


11) Anelis Assumpção (Taurina): talvez seja mera coincidência o fato de a paulistana utilizar tantas metáforas "gastronômicas" nesse disco tão brasileiro, tão rico em elementos e tão pessoal, mas o caso é que ouvi-lo se torna uma experiência ainda mais saborosa (com o perdão do trocadilho) também por causa disso. É claro que Caroço (Me diz por que tô sem comer / Meu jejum hoje é você), Pastel de Vento (Caminho do meio / Pastel sem recheio) e Receita Rápida (Açúcar branco ou mascavo / Quem come se delicia) parecem formar a trinca perfeita ao se juntar como pequenos fragmentos capazes de espelhar um tipo de romantismo de fácil identificação do ouvinte. Mas, é preciso que se diga, há mais do que isso em cada curva do trabalho. A voz limpa de Anelis desnuda a alma em versos sinuosos, delicados e nunca sutis que vão do regionalismo (Mergulho Interior) ao debate político (Segunda a Sexta), com um magnetismo surpreendente.


10) Teto Preto (Pedra Preta): funcionando como uma extensão da famosa festa Mamba Negra e guiado por uma eletrônica ao mesmo tempo elegante e robusta, o registro inaugural dos paulistanos é uma porrada urgente que serve tanto para os inferninhos do underground quanto para aquele momento em que estamos sozinhos, em casa, com o fone de ouvido a tiracolo e acompanhados de uma boa taça de vinho. A voz furiosa da vocalista Laura Diaz ecoa resistência em meio uma estética esfumaçada, multicultural e vibrante. Canções potentes e representativas como Gasolina Aditivada (Eu não acreditava em sonhos, em mais nada / Apenas a carne me ardia) e Bate Mais (Quero toda a vingança que nos cabe / A vitória dos feridos, a orgia da semântica, o desacato à semiótica) dão o tom, num disco denso que bate de frente com o conservadorismo, com os delírios das "famílias de bem" e com a ignorância política.

9) Maria Beraldo (Cavala): discussões sobre liberdade sexual e sobre respeito às diferenças costumam também ser uma forma de resistência - e no caso do trabalho de estreia da cantora, compositora e clarinetista paulistana, a temática é matéria-prima para uma série de digressões absolutamente confessionais, ainda que nunca excessivamente panfletárias. Mãe, gosto muito dos homens, sim / De vê-los invadindo meu sonho assim / Mas no frio do anoitecer quem me fez delirar foi uma mulher canta Beraldo em Amor Verdade - uma narrativa sincera, que se descortina quase em formato de carta, enquanto emanações etéreas crescem no limite da tensão e da delicadeza. Há outros grandes momentos - como a recriação celestial e eletrônica de Eu Te Amo, de Chico Buarque e Tom Jobima, além da divertida Gatas Sapatas e da curiosa e sincera Tenso (que nos remete imediatamente a St. Vincent). O disco é enxuto - são apenas 10 músicas distribuídas em 24 minutos. Mas o impacto causado é grande.


8) Mahmundi (Para Dias Ruins): se comparado com o homônimo trabalho lançado em 2016 - curiosamente o nosso sexto colocado naquele ano - a impressão que se tem de Para Dias Ruins é o de que sai a festa, o clima primaveril de final de tarde e as batidas dançantes e entra no lugar uma atmosfera mais intimista, de romance, com uma levada levemente mais doce e introspectiva. Talvez reflexo da maturidade, mas o caso é que o novo registro de Marcela Valle apenas a confirma como uma das mais interessantes artistas da atualidade. Com personalidade, abre seu coração com letras íntimas de qualquer ouvinte - A gente quer um tempo pro amor / E depois, no mundo lá fora / A gente retorna onde parou canta em Tempo Pra Amar - traduzindo à perfeição a sensação que nos invade quando a paixão vem. Aquela mesma que transforma em festa o nosso coração. Mas sem perder o tesão (como atesta Vibra, uma das melhores canções do ano).


7) Carne Doce (Tônus): de espírito intimista, o terceiro trabalho dos goianos é rico em detalhes, em encaixes bem pensados, em curvas etéreas e nunca óbvias e em versos sussurrados que parecem se grudar a porção instrumental. É portanto um trabalho amplo e maduro que, ainda que menos "feminista" que o anterior, jamais deve ser ouvido de forma displicente. Eventualmente melancólico, invariavelmente provocativo e de essência extremamente poética, o disco parece trafegar num limite entre a música alternativa mais íntima (com batidas, guitarras e sintetizadores econômicos) - como em Besta e Brincadeira -, com outros mais expansivos - como em Tônus. "Esse é um sentimento que também reflete a nossa postura de não jogar com sentimentos óbvios, imediatos", resumiu o guitarrista Macloys Aquino em entrevista à Revista Isto É. Ah, e ainda existe uma canção que se chama Golpista, o que, por si só, já é um mérito.


6) Luiza Lian (Azul Moderno): o casamento entre religiosidade e música pop é não menos do que perfeito neste terceiro registro da paulistana. Ampliando as ideias experimentadas no visual, igualmente belo e mais "furioso" Oyá Tempo (2017), a artista entrega uma obra delicada, etérea e sensorial, capaz de atingir em cheio o coração de quem ouve. Melodioso que só ele, o disco, produzido por Charles Tixier e Tim Bernardes (d'O Terno) é riquíssimo em referenciais regionalistas e místicos, sem nunca se transformar em um material hermético - pelo contrário, os refrões adocicados de Iarinhas (uma das candidatas a música do ano) e Mil Mulheres são daqueles pra cantarolar sorrindo. "A realidade é multidimensional, por isso procurei armar uma teia entre espiritualidade, virtualidade, pensamento e natureza" afirmou em entrevista para o site Hypeness. Um verdadeiro deleite.

5) Violins (A Era do Vacilo): se em 2007 o grupo capitaneado por Beto Cupertino já havia mostrado sua força ao abordar temas mais caros e pesados ao ouvinte no já clássico Tribunal Surdo, não é exatamente uma surpresa que nesta irretocável obra alguns assuntos em comum voltem a aparecer. A diferença crucial é como estes são abordados esteticamente: se naquele a aura era suja e distorcida com o vocal enterrado na mixagem, neste a produção é mais límpida e, embora as guitarras continuem presentes, a voz aparece com maior destaque, assim como as melodias - o que nos remete ao ótimo Direito de Ser Nada (2011), talvez o álbum mais pop do grupo. Em apenas 10 breves canções todas as qualidades apreciadas pelos fãs da banda estão presentes: refrões, quebras de andamento, pequenos truques eletrônicos que colorem as canções (cortesia do tecladista Pedro Saddi), e as letras sempre competentes de Cupertino. Um registro fundamental.


4) Rashid (Crise): não bastasse a capacidade para a construção de versos que se encaixam de forma única, orgânica e fluída, o paulista parece, a cada novo registro, ainda mais disposto a se aproximar do grande público. Da criativa batalha de hip hop consigo mesmo na autocrítica Primeira Diss ao choque de realidade por trás de Estereótipo, todo o conjunto do registro é formado por flows e batidas capazes de agradar até os neófitos do estilo. Com um discurso que diz muito a respeito dos tempos que vivemos - de preconceito, de ódio e de intolerância - o artista se posiciona como uma voz que está ao lado daqueles que sofrem, na periferia, com todos os tipos de violência no dia a dia. Sim, há otimismo (Sem Sorte) e até espaço para o romance (na candidata a hit Bilhete 2.0). Mas a crítica feroz, a rima reta e o questionamento são, em geral, as marcas deste forte registro.


3) Dingo Bells (Todo Mundo Vai Mudar): se manter relevante em meio a um cenário musical tão amplo, democrático e plural como este que vivemos nos dias de hoje não deixa de ser um desafio para as bandas modernas. Em um mundo tão intolerante as pessoas querem, sim, se divertir, mas também parecem desejar que seus artistas preferidos se posicionem, se engajem em algo, enfim, tenham algo com mais "conteúdo" pra dizer, que não seja o simples blábláblá sobre o amor que ocorre desde sempre. Nesse sentido, poucos coletivos são tão completos como os gaúchos que, neste ano, chegaram ao seu segundo (e festejado) registro. Sem abandonar a já percebida complexidade nas divagações sobre um cotidiano capaz de ser o de cada um nós - algo já visto no imperdível Maravilhas da Vida Moderna -, o presente trabalho parece ampliar ainda mais o sentimento de urgência, de evolução permanente e de inconstância. Nesse sentido, é impossível não sorrir ao escutar gemas como Tudo Trocado, Sinta-se em Casa e a faixa título. Experimente sem medo de errar.


2) Baco Exú do Blues (Bluesman): na poesia feroz de Baco, ser um bluesman é ser o inverso do que os outros pensam, é ser contra a corrente. É ser, metaforicamente, o oposto de uma imagem submissa. "Tudo que quando era preto era o demônio / E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues", define o rapper baiano na faixa que abre o seu magistral segundo trabalho. A partir de então temos um verdadeiro manifesto em formato de álbum - uma metralhadora de ritmos (africanos, latinos, regionalistas, religiosos), de citações (de Kany West à Jay Z) e de versos que direcionam o ouvinte para uma reflexão a respeito de temas universais, mas que estão centralizados na discussão do racismo. "Eu sou negro e isso sempre existiu para mim. Só que agora as pessoas vão começar a sentir com mais força, então espero que meu discurso nutra essas pessoas que são iguais a mim. Bluesman é um movimento. Foi tudo feito para a luta. É um álbum de guerrilha", explicou em entrevista ao Diário de Pernambuco. Baco perverte a lógica e se aproxima ainda mais de seu público. A gente agradece.

1) Elza Soares (Deus É Mulher): do alto de seus 88 anos de idade, a artista mais parece uma espécie de suntuosa divindade vinda de algum lugar que não sabemos qual com o objetivo de, com a sua música, trazer um pouco de alento para tempos tão cheios de ódio, de preconceitos e de intolerância como os que vivemos. Uma voz amplamente necessária, atual e capaz de fazer ecoar o grito dos oprimidos e de todos aqueles que lutam por uma sociedade mais justa e mais igualitária para todos. Sim, é música política, engajada, desconstruída e com posicionamento. E ainda feita com elegância - escancarando, mas sem esquecer da sutileza, com raiva mas com igual compaixão. É muito provável que o trabalho - recheado de grandes canções como Exú Nas Escolas, Língua Solta e Banho (naturalmente a melhor música do ano) - permaneça para sempre na memória daqueles que apreciam a arte não apenas como entretenimento, mas como peça disruptiva, capaz de provocar, de fazer questionar o status quo e que represente ainda o espírito de nossos tempos. Uma obra-prima imprescindível. Rica. Necessária.

E aí, gostaram da lista? Ou ficou disco de fora? Comentem!

E, se vocês gostaram, não deixem de conferir também as nossas relações de Melhores Nacionais de 2015, 2016 e 2017. Vale a pena recordar!