quarta-feira, 22 de abril de 2020

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Adam (Marrocos)

De: Maryam Touzani. Com Nisrin Erradi, Lubna Azabal, Hasna Tamtaoui e Aziz Hattab. Drama, Marrocos, 2019, 98 minutos.

Um mulher grávida vaga pelas ruas de uma pequena cidade marroquina em busca de trabalho e de um lugar para dormir. Ouve vários nãos. Quando ouve algum sim para o trabalho ele vem seguido de um não para o pernoite. Após algum tempo consegue abrigo na casa de uma mulher taciturna, que possui uma filha e que tem uma espécie de padaria em casa. Não vai demorar muito para que percebamos que Adam (Adam) é um filme sobre sororidade. Sobre mulheres ajudando mulheres a seguir em frente, a superar obstáculos ou mesmo traumas do passado. É claro que não será um processo fácil, especialmente em uma sociedade machista. E talvez isso explique a resistência inicial de Abla (Lubna Azabal) em receber em sua moradia a jovem grávida Samia (Nisrin Erradi). Uma jovem grávida e sozinha, sem um marido, em uma sociedade fechada, conservadora, patriarcal, é uma pária. Alguém que vive a margem e que possui uma reputação manchada, indigna. E será preciso superar esses preconceitos meio generalizados para seguir em frente.

Trata-se de uma obra delicada e soberbamente conduzida pela diretora estreante Maryam Touzani. É uma película de silêncios, que flui sem pressa e que se utiliza de pequenos eventos cotidianos como recurso narrativo para que a história se desenrole. Como exemplo, Abla parece ser experiente em panificação, mas não tem muito saco para a elaborada produção do rziza - espécie de guloseima típica de lá. Em certo dia Samia surpreende Abla com a elaboração de uma fornada de rziza que se torna um sucesso no mercado. Uma pequena ocorrência que aproximará as duas, que lhes permitirá conhecer um pouco mais uma da outra - de suas histórias, suas angústias e seus desejos. Samia foi abandonada após engravidar - assim como acontece com muitas mulheres mundo afora. Já o drama de Abla é ter perdido o seu marido, no passado. Sozinhas - não que precisem de um marido, como lembra uma delas em determinada altura -, precisarão enfrentar a aspereza do mundo. E, juntas, será melhor.


É claro que não teríamos um filme se não houvesse conflito - e as personalidades distintas da dupla de protagonistas resultarão em pequenas animosidades. Não será de pronto que uma perceberá a importância da outra em sua vida, mas esse "desabrochar" se dará de maneira elegante, classuda. Vale observar, por exemplo, o uso das cores nos figurinos - especialmente no de Abla. Se inicialmente utilizava vestidos de tons opacos, pálidos, sem vida, lá pelas tantas arriscará algum tom mais forte, que denunciará uma clara alteração de seu estado de espírito - com direito, inclusive, a uma piada a respeito da adoção da cor azul! O uso de maquiagem e de outros acessórios tipicamente femininos, como tiaras, será o complemento para personalidades em evolução e que estão deixando, definitivamente, o passado doloroso para trás - e não será por acaso que uma cena em que a dupla escuta a cantora marroquina Warda será tão exemplar do sepultamento de eventos ocorridos anteriormente. É preciso seguir em frente, afinal.

Simpático ao utilizar as ruas movimentadas e cheias de vida do Marrocos - seus vendedores ambulantes, artistas de rua, cantores e outros -, como uma forma de nos apresentar um contexto que "respira" à sua maneira, o filme não se furtará em nos mostrar as dificuldades de uma maternidade não desejada e os conflitos decorridos de um evento do tipo - o que também será simbólico de um tipo de acontecimento bem comum em nossa sociedade: a da mãe que, inevitavelmente, criará um filho sozinho (e a gente até perdoa as alusões bíblicas qe, a meu ver, não ajudam muito). Exibido na mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes, Adam foi o filme enviado pelo Marrocos, na última edição do Oscar, para concorrer na categoria Filme em Língua Estrangeira. Não se classificou para a final. Mas serviu para que lançássemos o nosso olhar para um cinema que foge dos padrões hollywoodianos - e que tem MUITO a dizer. Vale conferir.

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