segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Novidades no Now/VOD - Era Uma Vez Um Sonho (Hillbilly Elegy)

De: Ron Howard. Com Glenn Close, Amy Adams, Gabriel Basso e Owen Asztalos. Drama, EUA, 2020, 116 minutos.

Acho que se houvesse uma competição para escolher os personagens mais xaropes e unidimensionais da história do cinema, muito provavelmente o elenco de Era Uma Vez Um Sonho (Hillbilly Elegy) estaria entre os finalistas. Sério, que amontoado de pessoas mesquinhas, individualistas, repulsivas. E esse, pra mim, é o primeiro grande problema do filme mais recente do diretor Ron Howard: o fato de nós, espectadores, não nos sentirmos conectados a ninguém. Não torcemos para ninguém. Sentimos apenas indiferença. Aliás, lá pelas tantas eu só queria que o suplício acabasse de uma vez, porque, ô troço chato! Pra começar a obra comete o equívoco de romantizar o núcleo familiar disfuncional como uma espécie de mal necessário para uma vida de superações, ou para que alcancemos os nossos objetivos - numa espécie de autoajuda mal aplicada, toda torta. Algo tipo "sim, você vai ter uma infância e uma adolescência miseráveis, com parentes patéticos, mas, mesmo com eles fazendo de tudo para atrapalha-lo, você vai chegar lá. E ainda carregará um pouquinho de cada um deles na sua essência". Não!

Vejam bem, o meu problema não está na família disfuncional em si. Eu já assisti muitas obras com aquela parentada doida, que faz a minha parecer normal - de comédias leves como Pequena Miss Sunshine (2006), até películas mais dramáticas, como o ótimo Beleza Americana (1999). Aliás, eu gosto desse subgênero. E muito! Pra mim o que desarranja a ideia é o fato de, lá pelas tantas, a personagem Mamaw (Glenn Close, que não seria exagero dizer que está cotada AO MESMO TEMPO pro Oscar e pro Framboesa de Ouro pela sua atuação), se saindo com um "a família é a única coisa que importa", sendo direcionado a um desiludido J.D. Vance (Gabriel Basso). E o filme tenta nos fazer acreditar fielmente nisso enquanto assistimos as piores vó (a já citada Close) e mãe (papel de Amy Adams) da história, em cena. Uma avó ranzinza que não sabe transmitir nenhum tipo de sentimento amistoso - que dirá algum afeto - e uma mãe viciada em heroína que parece sempre no limite do colapso. Família é tudo o que importa?

E como cereja do bolo da deturpação completa de qualquer espírito mais humanitário que a obra pudesse ter - que fosse a gente compreender mais aquela mãe usuária de drogas e os motivos que a levaram a isso ou mesmo as violências múltiplas sofridas pela avó no passado -, o filme ainda se apresenta como uma espécie de combo do empreendedorismo coach somado com kitsch em que, num mundo como o que estamos, só os fortes sobrevivem. Em uma das primeiras cenas, J.D. aparece sofrendo bullying de um grupo de valentões que tentam afoga-lo. A parentada aparece e a lição é aprendida: PORRADA na gurizada da vizinhança porque é só na porrada - levando, recebendo -, que a gente se fortalece. E quando J.D, precisa retornar de Yale para cuidar de sua mãe junkie na véspera de uma importante entrevista que lhe dará um importante emprego - sim, acredite, o arco dramático é basicamente esse -, ele se deparará novamente com esse contexto maniqueísta em que todos os caipiras são apenas, isso... caipiras. Não há complexidade aqui, com a distância entre a metrópole e o interior sendo medida pela capacidade do protagonista utilizar os garfos com eficiência em um jantar chique.

Sério, é tanta coisa errada ao mesmo tempo que quase não sobra tempo pra falar da ridícula trilha sonora do Hans Zimmer - completamente desalinhada, mais parecendo sobra de estúdio de algum filme que viria a passar na Sessão da Tarde -, e mesmo das interpretações carregadas da dupla central. Aliás, sobre Close eu achava mesmo que ela poderia GANHAR o Oscar antes de ter visto o filme e isso só será possível de acontecer por pena ou pelo reconhecimento ao conjunto da obra (e pelo longo serviço prestado aos bons filmes). Porque a sua Mamaw é só voz forçadamente esganiçada, com direito aquele instante Oscar bait em que ela eleva o tom ao mesmo tempo em que diz alguma pesarosa frase de efeito que poderia ter algum sentido em uma narrativa mais bem organizada. Bom, não li o livro que baseou a obra de Howard, mas como filme, trata-se apenas um produto escapista que tem uma mensagem de valorização do trabalho acima de tudo, ignorando completamente a decadência social e cultural de certa parcela da classe média americana, desiludida após tantas crises (e que culminariam no Governo Trump). Talvez se esse contexto estivesse melhor apresentado, teríamos uma boa obra, que poderia ter camadas de complexidade acrescentadas. Com mais contexto. Que deslocasse o nosso olhar para a desestruturação familiar à moda de um William Faulkner em O Som e a Fúria, por exemplo. Mas como foi feito, infelizmente não: é apenas aborrecimento, clichês e crítica vazia.

Nota: 1,5

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