segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Novidades no Now/VOD - O Som do Silêncio (Sound Of Metal)

De: Darius Marder. Com Riz Ahmed, Paul Rici, Olivia Cooke e Mathieu Amalric. Drama, EUA, 2019, 121 minutos.

O Som do Silêncio (Sound Of Metal) já passa um pouco mais da metade quando o protagonista Ruben (Riz Ahmed) - um baterista de uma banda de death metal que precisa conviver com a perda irreversível de audição - se junta a um menino surdo de cerca de oito anos em uma sequência em uma pracinha. Sentada em um escorregador, a dupla utiliza a estrutura metálica do brinquedo para batucar. Para brincar com os sons. Para se conectar de alguma forma, em seu universo de silêncios e de barulhos muito mais abafados do que claros. É um tipo de epifania que estabelece, de alguma forma, a nova condição de Ruben: dali para frente as suas formas de comunicação muito provavelmente serão outras. Língua de sinais, gestos, leituras de lábios. Mas, ali, naquele momento, ele ainda força uma espécie de vínculo com a sua antiga realidade. Utiliza a música para comunicar. Parece apenas um instante aleatório, mas se torna uma poderosa sequência sobre autoaceitação, que é cheia de leveza e de riqueza em seu simbolismo.

A grande realidade é que o filme de estreia do diretor Darius Marder se apropria de sua rara temática, para estabelecê-la como um belo exercício de superação, em que o sinuoso roteiro nos faz pensar o tempo todo, de forma meio paradoxal até, no caos cotidiano que vivemos. Excessivamente barulhento, quase ensurdecedor. Atualmente parece que o mundo está aos gritos, restando pouco espaço para a conexão com o íntimo, ou com aquilo que tenha sentido em um universo de urgências. Como integrante de uma banda de metal, o filme já começa propositalmente incômodo, com a música surgindo desordenada, entrópica, confusa. É uma sensação ruim a que nos dá enquanto as baquetas são empunhadas, as canções são despejadas sofregamente em meio a uma apresentação ao vivo. Não demora para que o zumbido crônico no ouvido de Ruben se mostre como uma severa condição clínica. O que alterará tudo aquilo que ele havia projetado em sua rotina de músico - de lançamento de álbuns a turnês pelo País.

Meio a contragosto, ele descobre a existência de uma comunidade de deficientes auditivos que, não apenas aceita com naturalidade a sua condição, como não considera a surdez uma privação. No local, estimulados pelo seu carismático líder Joe (Paul Rici) todos têm pequenas tarefas, sendo o objetivo central a superação das barreiras estabelecidas pela impossibilidade de ouvir o mundo. Mas como aceitar tudo isso simplesmente? Deixado para trás por sua namorada e companheira de banda Lou (Olivia Cooke), Ruben participará de aulas de libras, de jogos lúdicos e escreverá. Muito. Como forma de passar o tempo e tentar buscar de volta o sentimento de adequação. Mas aquela vida será suficiente? A possibilidade de uma cirurgia para a retomada da audição virará uma espécie de obsessão, que fará com que ele abandone tudo. Mas será a escolha certa? Sem julgamentos, a obra nos joga de um lado para o outro, conectando sons e silêncios, metálicos ou não, num exercício soberbo de técnica - e pode anotar o filme como uma grande certeza na categoria Som do próximo Oscar.

[ALERTA DE SPOILER] Porque o trabalho feito em matéria e mixagem e de edição sonoras é simplesmente magistral - e é uma pena não ter podido conferir no cinema uma obra com esse tipo de característica. Da angústia gerada pelo sentimento de perda da capacidade de ouvir, ao resgate auditivo todo torto promovido pelo caríssimo equipamento implantado é impressionante como nos sentimos imersos à dor do protagonista (e, aqui, palmas para Ahmed que consegue transmitir, em muitos casos, o sentimento de perturbação de sua personagem apenas com um olhar ou com um gesto mais expansivo ou não). O sentimento de exclusão diante de seus novos colegas conversando em língua de sinais, rindo e se divertindo, sem nenhum tipo de tradução para nós, também fortalece a ideia de inferioridade - o que só poderá ser superado por vontade própria. Não é necessariamente autoajuda, mas funciona também como drama de adequação - que sai da negação, passando pelo aceitação, até chegar a superação, com a sequência final sendo uma das mais belas do cinema nesse ano.

Nota: 8,0

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