De: Edoardo Ponti. Com Sophia Loren, Ibrahima Gueye, Renato Carpentieri e Abril Zamora. Drama, Itália, 2020, 94 minutos.
Personagens em espectros opostos que se aproximarão por algo em comum, vivenciando uma jornada de autoconhecimento que poderá resultar numa amizade que os afastará das adversidades ou dos dissabores iniciais. Ainda que esse tipo de arco dramático não seja necessariamente uma novidade, ele sempre poderá nos surpreender - e é exatamente esse o caso do sensível e elegante Rosa e Momo (La Vita Davanti a Sé), obra protagonizada por Sophia Loren e baseada no livro A Vida Pela Frente de Romain Gary. Aos 85 anos, a estrela encarna Madame Rosa, uma judia sobrevivente do holocausto, ex prostituta que se ocupa cuidando de crianças pequenas, filhas de outras meretrizes do litoral italiano. Com muitas contas a pagar - e pouco dinheiro a receber -, Rosa aceita, meio a contragosto, uma tarefa: cuidar do jovem senegalense Momo (Ibrahima Gueye) a pedido do doutor Cohen (Renato Carpentieri). Só que o caso é que a relação entre Rosa e Momo começa atribulada, com o pequeno furtando objetos de valor da idosa, com a intenção de tentar contrabandeá-los.
Não bastasse isso, Momo é atraído para o tráfico, onde encontrará uma fonte de renda (e de problemas). Enquanto tenta "domar" o jovem, Rosa precisa lidar com os próprios demônios: com Auschwitz martelando em seu inconsciente, acaba por ter uma espécie de paralisia recorrente, resultado do trauma de guerra. Aliás, não só isso: mantém do porão de sua casa um "esconderijo" que funciona como um refúgio para quando ocorrem as crises que lhe abalam. Rosa sofreu o preconceito na pele, no passado, e passará aos poucos a compreender Momo - que, como imigrante e órfão, também vive a margem. Completando o time de "desajustados", há a transexual Lola (Abril Zamora), que tem um filho e sonha em poder encontrar o seu pai. Será no intercâmbio dessas almas tão desalentadas quanto parecidas - há no meio de todos o comerciante Hamil (Babak Karimi) - que residirá o poder do filme.
Aliás, sem medo de dizer: me emocionei em vários momentos. Vários! E muito da comoção vem da entrega comovente de Loren. Eu sempre acho lindo quando vejo um ator/atriz de idade tão avançada encarna um papel com tanta naturalidade. Optando por uma abordagem mais sutil, a atriz nos faz perceber que a maior diferença entre ela e Momo é a idade. A cena em que ela "desvia" Momo da violência policial (uma mãe está sendo separada do filho) é um bom exemplo. Ao cabo, trata-se de uma obra sobre superação de obstáculos, de resistência e de amizade. Há, aqui e ali, uma série de subtextos a respeito dos horrores dos sistemas totalitários, da xenofobia, de preconceitos diversos e de contrastes sociais como um todo. Com poucos recursos, a dupla central se esforça para sobreviver em meio a um Estado que lhes parece observar o tempo todo: e que parece sempre pronto a agir com algum tipo de violência. E não é por acaso o fato de ambos perceberem a fortaleza existente eu sua relação. Essa não se quebra. Haja o que houver.
Pesquisando sobre o filme descobri que existe uma versão anterior para o cinema, que foi filmada em 1977 e que leva o nome de Madame Rosa - A Vida à Sua Frente , que viria a ganhar o Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira (que eu não assisti até mesmo porque ele não está disponível em nenhuma plataforma). A nova versão foi dirigida por Edoardo Ponti, que é filho de Loren. Sobre esse fato, aliás, ela brincou em recente entrevista ao jornal italiano La Repubblica: "comecei com Vitorio De Sica e trabalhei com diversos diretores norte americanos para retornar, ao final de minha carreira à... Itália. Esse diretor é italiano, né? Parece muito com meu filho". E o retorno foi tão celebrado que Loren já está sendo cotada inclusive para o Oscar - na categoria Atriz. A câmera está o tempo todo em seu rosto, em seu gestual. Não há espaço para grandes angulações. Apenas para o íntimo. E sua comovente entrega - tão doce quanto feroz - não deixa por menos.. A campanha da Netflix já começou. É aguardar.
Nota: 8,0
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