segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Novidades no Now/VOD - Estou Pensando em Acabar com Tudo

De: Charlie Kaufman. Com Jessie Buckley, Jessie Plemons, Toni Colette e David Thewlis. Drama / Suspense, EUA, 2020, 134 minutos.

Já deve ter acontecido para vocês mais de uma vez: o ideal de um relacionamento era muito melhor do que o relacionamento em si. O sonho, o plano. O que ia ser mas não foi por que a vida real, bom, a vida real é REAL. Nesse universo, a gente pode optar por sermos apenas nós mesmos. Ou sermos quem o outro desejaria que fôssemos. Há um chavão que diz que não há relacionamento sem "ceder". E é cedendo aqui e cedendo ali que a gente perde a nossa essência. A nossa natureza se esvai. Os nossos sonhos e escolhas ficam pelo caminho. Tudo para que a gente viva a vida pensando pelo outro. Para o outro. Reflita agora por um instante em quantos casais miseravelmente infelizes você conhece? Dois, três, cinco? Talvez você mesmo seja essa pessoa: solitária em um mundo a dois. Isolada daquilo que se sempre desejou. Mas incapaz de modificar o entorno porque, né, a gente está acomodado. Pai, mãe, filhos. Rotina, tédio, repetição. Monotonia, vazio. Ruminação em cima de frustrações que, invariavelmente, vão se manifestar. Porque, na vida, somos eternos insatisfeitos. Todos nós. Ansiosos pela grama do vizinho ser sempre mais verde. E nós sermos incapazes de lidar com isso.

Na essência, Estou Pensando em Acabar com Tudo (I'm Thinking of Ending Things), mais recente trabalho de Charlie Kaufman, baseado em obra de Iain Reid, versa sobre o completo fracasso dessa instituição que conhecemos como "relacionamento idealizado". Aquele absurdo delirante que assistimos em filmes de comédia romântica e que, no fim das contas, só existe mesmo em comédias românticas. A vida é pura imperfeição e não é que isso seja ruim: mas o problema parece estar na nossa dificuldade em lidar com o outro, sem estabelecer uma vida que seja baseada na mera convenção social. Aliás, provavelmente seríamos mais felizes em relações que não precisassem apenas seguir padrões. Na trama, a jovem vivida por Jessie Buckley está indo conhecer pela primeira vez os pais do namorado (Jesse Plemons), na isolada fazenda em que vivem. No caminho ela já está em dúvida sobre o futuro daquilo tudo: gosta do namorado, talvez até o ame. Mas, até quando? Com inegável pessimismo, o filme não pega leve na constatação de que a vida a dois não é garantia de felicidade. Pior, concebe a ideia de que a sensação de vazio estabelecida pelo avanço dos anos pode ser ainda mais dolorida quando estamos acompanhados. Nada, absolutamente nada, é definitivo, afinal.


E essa discussão toda sobre relacionamentos, permanência, afeto, longevidade, velhice, paixões e planos feitos ou desfeitos vem com uma bem organizada edição, que descortina na tela, primeiro, diálogos arrebatadores, cheios de referências e citações culturais, que podem ir de Guy Debord (escritor do atualíssimo A Sociedade do Espetáculo), passar por David Foster Wallace e chegar a filmes como Uma Mulher Sob Influência (1974) de John Cassavetes. As divagações sobre o mundo, as pessoas, o pessimismo que salta da tela em cada verso que constata a nossa incapacidade de conviver normalmente em sociedade, são não menos do que soberbas. Há algo na condução da narrativa que parece colocá-la sempre no limite de um sonho onírico e melancólico, em que a neve persistente dá conta do clima taciturno de abatimento que envolve aqueles que assistimos. Ao mesmo tempo, a propriedade grande e sombria em que boa parte do filme se passa, nos envolve num clima de assustadora opressão, como se alguma coisa séria, pesada, estivesse sempre pronta a acontecer - e mesmo um simples cachorro se chacoalhando por estar apenas molhado, pode ser um convite à tensão.

E há ainda as metáforas. Toneladas delas, aliás, saltando na tela o tempo todo. A gente não consegue ter a certeza exata do que significa tudo aquilo que assistimos, mas podemos inferir que, no geral, o que se descortina na nossa frente é o retrato de uma vida inteira. Com o que foi e com que poderia ter sido. Com os sonhos concretizados ou não. Há um zelador que aparece o tempo todo e que, simbolicamente, nos devolve para a realidade - e uma realidade que pode ser dura. Há uma ambiguidade do isso que poderia ser aquilo, como na parte em que a namorada parece se VER em um dos quadros que está na casa dos pais do namorado. Num universo de incertezas, há a forte tendência de que a gente busque se adequar a este ou àquele padrão, o que não evitará a frustração. Há caminhos no meio disso tudo? Sim, provavelmente há. E o que o filme parece nos sugerir é aquele que envolve escolhas que dialoguem exclusivamente com as nossas vontades reais. As nossas vontades. Não as dos nossos pais. Não a dos namorados, dos maridos, das esposas. As nossas vontades. Nós. Sendo nós mesmos. O que talvez nos permita ser a melhor versão de nós mesmos. Amenizando as dores futuras. E olhando com menos tristeza para o passado de sonhos nunca alcançados. E o que certamente melhorará uma possível vida a dois.

Nota: 9,5

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