quinta-feira, 29 de março de 2018

Lado B Classe A - Moby (18)

Ouvir um disco como o 18 do Moby é reviver um sem fim de sensações. Da paradoxal "nostalgia da modernidade", que faz com que muitas das canções nos remetam àquelas propagandas urbano/hipsters que tentam nos vender algum apetrecho tecnológico, ao clima de eletrônica enfumaçada de fim de madrugada (mas aquela eletrônica adocicada que te acolhe e te envolve), o causo é que esse registro, lançado em 2002, permanece até hoje como um dos preferidos dos fãs do novaiorquino. Essa impressão, justiça seja feita, já existia em Play (1999), trabalho anterior do artista, e que apresentou ao mundo os hits Porcelain, Why Does My Heart Feels So Bad? e Natural Blues fazendo com que a sua obra saísse dos descoladíssimos clubes do final dos anos 90 e invadissem a sala de estar (ou os quartos) de adolescentes e jovens cheios de anseios sobre a vida adulta e que, agora, escutavam essas mesmas músicas em qualquer lugar.

Diga-se de passagem, até Play, Moby podia ser considerado um artista de nicho. A música altamente urgente e urbana que ele executava, praticamente sem letras, servia mesmo era para sacolejar o esqueleto nas pistas de dança - e a audição dos hoje distantes Moby (1992) e Everything Is Wrong (1994) comprovam essa tese. Não era uma música fácil, pra toda hora e pra qualquer lugar. E a transição, se teve início com I Like To Score (1997), se consolidou mesmo com Play. Talvez Moby, vegetariano há quase 30 anos e ligado a causas mais sociais (ainda que alguns aleguem o fato de ele ter se "vendido ao sistema") quisesse se comunicar com as pessoas de uma forma mais próxima, naquele final de milênio que se avizinhava. Estar com elas, ainda que ele fosse, declaradamente, avesso a fama. A modernidade urgia, a tecnologia disparava e o cenário parecia adequado para que canções que, hoje, representam idiossincraticamente o seu estilo, brotassem.



Mas se o Play foi esse tão importante ponto de ruptura, por que não é que ele figura no quadro Lado B Classe A? Essa deve ser a pergunta que você, querido e astuto leitor, deve estar se fazendo. Respondemos: pelo fato de que o trabalho de 1999 ter sido como um laboratório para uma experiência completa que viria a se consolidar apenas três anos depois. Confesso que (re)escutei muitas vezes os dois discos antes de decidir qual teria a honra (tá, estou rindo dessa parte) de figurar em nosso quadro. Mas o caso é que o Play não funciona tanto como uma experiência completa e homogênea - com começo, meio e fim - como ocorre com o 18. Há, sim, músicas ótimas (talvez as melhores do Moby). Instantes de puro deleite. Mas nada parece ser tão coeso - ainda que, curiosamente, com tantos estilos diferentes no mesmo trabalho - e pronto para o consumo imediato, quanto este magnífico trabalho, que  mistura caos e calmaria, tensão e leveza na mesma medida.

E, vamos combinar que o disco começa com três PETARDOS que, por si só, já fariam o trabalho merecer os elogios. Se a abertura com We Are All Made of Stars flerta com o shoegaze e com Beck (além de ter um refrão grudentíssimo que a torna, não por acaso, uma das favoritas do fãs), In This World e In My Heart tem aquele clima embriagado, riquíssimo em texturas eletrônicas, pianinhos e sintetizadores que flertam com o jazz e com o soul e que fazem o combo perfeito da audição no modo luz desligada/madrugada/tomando uma coisinha. Outras canções repetem o expediente - caso da espetacular One Of These Mornings e das também belas Sunday (The Day Before My Birthday), Extreme Ways e a derradeira I'm Not Worried At All. Aqui e ali o trabalho envereda por outros estilos, como o trip hop (Another Woman), o hip hop (Jam For The Ladies), pop romântico noventista (At Least We Tried) e música gospel (The Rafters).


Mas o mais incrível de tudo é que tudo parece tão bem encaixado que os momentos mais velozes parecem se intercalar com aqueles mais calmos de forma perfeita - como se depois de inundados por canções mais expansivas, fôssemos convidados a alguns momentos de introspecção que mais parecem ali colocados para que respiremos fundo para mais algumas doses de músicas invariavelmente arejadas (ainda que enérgicas) e ricas em camadas e ambientações. (e não é por acaso que até as peças instrumentais, como a música que dá título ao trabalho, funcionam como verdadeiras paredes sonoras capazes de nos jogar em meio a obras de ficção científica existencialistas, etéreas e cheias de reflexões). I've seen so much in so many places / So many heartaches, so many faces / So many dirty things / You couldn't even believe divaga Moby em Extreme Ways, como se convidasse o ouvinte a embarcar junto com ele nessa jornada. Garantimos a vocês que não haverá arrependimentos.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Cinema - Por Trás dos Seus Olhos (All I See Is You)

De: Marc Forster. Com Blake Lively, Jason Clarke e Yvonne Strahovski. Drama / Suspense, EUA / Tailândia, 2016, 109 minutos.


Por Trás dos Seus Olhos (All I See Is You) nem parece um filme do mesmo diretor de grandes obras como A Última Ceia (2001), Em Busca da Terra do Nunca (2004) ou 007 - Quantum Of Solace (2007). De "espírito" mais alternativo, a mais recente película de Marc Forster - exibida discretamente nos cinemas - nos apresenta a jovem Gina (Lively), que perdeu a visão quando ainda era criança, após um grave acidente de carro (mostrado em flashbacks). Acostumada a deficiência, ela vive com o marido James (Clarke) na Tailândia - estão lá por conta de uma promoção recebida por ele. Apesar de ser completamente dependente do marido (e habituada a isso), ela sonha em poder enxergar novamente, vendo as esperanças serem renovadas quando o médico que lhe atende resolve testar uma nova cirurgia, o que lhe permitirá resgatar a visão de um de seus olhos.

A transição até Gina poder ver é repleta de grandes e paradoxais momentos visuais - sendo a forma como a protagonista "enxerga" o mundo (tomando por base os ruídos, os borrões, os vultos e outras sensações) construída de maneira absolutamente bela, eficiente e respeitosa com este universo. Da mesma forma, a fotografia sempre acinzentada e opaca contribuí para que cresça no espectador um sentimento de inegável pessimismo, mesmo nos momentos mais felizes da obra - e se essa impressão nos ocorre é justamente pela capacidade do diretor em produzir momentos de suspense, seja em uma festa em que Gina se perde no meio da multidão, seja numa curiosa cena de sexo em que o marido tem os seus olhos vendados e que, preso a uma cama, vê os seus movimentos limitados. (numa metáfora perfeita para a existência de Gina, quando esta ainda não podia ver o mundo ao seu redor).



Só que as coisas mudam quando Gina passa a enxergar novamente. E o que era, inicialmente, motivo de euforia, passa a representar um processo crescente de descontentamento de James - fruto de sua insegurança. Agora Gina não mais depende da presença dele para ir onde quer que seja. Pior: ao "descobrir" o mundo - e todas as suas cores, lugares e pessoas - a protagonista passa a ser dona do seu nariz, o que não apenas incomoda o marido, como o faz acreditar que eram mais felizes quando Gina não enxergava. Tudo piora quando o casal vai a Barcelona para visitar a irmã e o cunhado. Em terras espanholas tudo é exponencialmente mais vivo, mais vibrante, mais sensual, mais divertido. Gina percebe o enxergar como um processo de libertação pessoal - de um casamento de conveniência, eventualmente conservador ou entediante. Quer se sentir bonita, vista e desejada. Quer ter outras experiências. Ver se torna quase um ato político. Uma metáfora para a independência e para a mulher onde quer que ela queira estar - processo, diga-se, tão caro nos dias de hoje.

Nesse sentido um filme de suspense prosaico ganha ainda mais força no terço final, quando James adota uma atitude extrema para tentar reaver a vida que tinha anteriormente - com a esposa tendo uma existência estritamente doméstica e dependente dele. Ainda: ao brincar com os sentidos, especialmente a visão, Forster constrói uma obra cheia de rimas visuais, não sendo poucos, também, os momentos em que os personagens se observam em meio a frestas (ou esboços, no caso de Gina), espelhos retrovisores ou cômodos de tamanhos limitados. A própria paisagem também ganha o formato geométrico de um olho ou com algum tipo de enquadramento oblíquo, incluído com o objetivo de gerar algum desconforto - algo que também ocorre com a balbúrdia sonora (a mixagem de som é ótima) das ruas da capital tailandesa. Assim, ao transformar o filme também em uma obra levemente sensorial - e inegavelmente acolhedora -, Forster acrescenta outras camadas e amplia o alcance de sua película, que jamais fica reduzida a um mero suspense. Ponto para o diretor.

Nota: 8,0

terça-feira, 27 de março de 2018

Grandes Cenas do Cinema - Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off)

Filme: Curtindo a Vida Adoidado
Cena: Cantando Twist and Shout durante o desfile

Uma cena inesquecível em um dos mais queridos filmes dos anos 80. Assim pode ser definida a sequência em que Ferris Bueller - personagem de Matthew Broderick em Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller's Day Off) - canta Twist and Shout, dos Beatles, durante um desfile de carros alegóricos na cidade de Chicago. Em partes pode-se dizer que este é o ponto culminante da jornada de um dia de Ferris, da namorada Sloane (Mia Sara) e do melhor amigo Cameron (Alan Ruck), que resolvem matar aula para simplesmente curtir a vida ("que passa muito rápida", como lembra Ferris). A multicolorida e divertida sequência - que conta com pessoas fantasiadas, inúmeros instrumentos, coreografias de centenas de extras e um clima alto-astral bem de acordo com o das películas de John Hughes - surge já no terço final, quando o dia "livre" dos protagonistas já se aproxima do fim.



Ainda que a mensagem do filme seja relativamente simples, ela não deixa de ser cheia de significados - ainda mais levando-se em conta o fato de que os jovens dos anos 80, ainda buscando seu lugar no mundo, eram os descendentes diretos da geração de yuppies conservadores, tão preocupados com suas carreiras quanto com seus sofisticados bem materiais. Nesse sentido, não é por acaso que uma segunda cena marcante desse clássico da Sessão da Tarde é aquela em que um automóvel Ferrari é destruído por Cameron, que se queixa do distanciamento dos pais nada amorosos que, em busca do "sonho americano", ignoram a importância das relações familiares. Um momento de ruptura e de quebra de paradigma que funciona como um processo de libertação que envolve gerações que começam a se distanciar no que diz respeito aos sonhos e anseios.

Saboroso do início ao fim, Curtindo a Vida Adoidado é um filme leve, despretensioso e cheio de piadas e referências hilárias - de Star Wars a Simple Minds (uma das bandas favoritas de Hughes). Em um dia em que parece eterno, o trio de protagonistas vai a um restaurante chique, acompanha uma partida de beisebol, visita um museu e finaliza sua jornada na já citada parada, sendo inesquecíveis os estratagemas de Ferris para enganar o diretor da escola (Jeffrey Jones), que segue em seu encalço, desconfiando o tempo todo de suas intenções. Divertida também é a forma como a "doença" de Ferris (a desculpa que ele dá para não ir a aula) vai tomando proporções ao ponto de seus colegas lamentarem pela sua vida, com a mensagem Save Ferris ecoando por toda a cidade (aparecendo até mesmo em uma enorme caixa da água local). Aquele tipo de piada que nos deixa com um sorriso nostálgico de saudade de uma época em que filmes bobos eram encarados com a seriedade que tem a transição da adolescência para a vida adulta.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Tesouros Cinéfilos - Fargo: Uma Comédia de Erros (Fargo)

De: Joel Coen e Ethan Coen. Com Frances McDormand, William H. Macy, Steve Buscemi e Peter Stormare. Comédia dramática / Suspense, EUA, 1996, 98 minutos.

Uma das leis mais famosas do mundo, a de Murphy, já dizia que "se alguma coisa tem a remota chance de dar errado, certamente dará, no pior momento, e de forma que cause o maior dano possível". De alguma forma, pode-se dizer que a sentença resume de maneira exemplar os eventos que assistimos no inacreditável Fargo: Uma Comédia de Erros (Fargo), até hoje um dos filmes mais queridos dos Irmãos Coen. A trama se passa em 1987, na cidade de mesmo nome e nos apresenta a um sujeito endividado de nome Jerry Lundegaard (William H. Macy), um gerente de uma revendedora de automóveis que resolve contratar dois sujeitos (Peter Stormare e Steve Buscemi) para forjar o sequestro de sua esposa (Kristin Rudrud). A intenção é fazer com que o sogro ricaço pague o resgate - os US$ 80 mil que serão divididos em duas metades, uma para os meliantes outra para que Jerry possa pagar as suas contas.

Não é preciso ser nenhum adivinho para supor que as coisas sairão completamente do controle. Furiosos e estabanados na mesma medida, os sequestradores até obtêm sucesso após invadir a casa de Jerry para levar a esposa a tiracolo - numa das tantas sequências hilárias da película. Mas um encontro fortuito com um policial, no meio do caminho, resultará em três mortes. A stuação piorará após entrar em cena a policial grávida (!) Marge Gunderson (Frances McDormand, em papel que lhe deu o Oscar). Marge é a encarregada de investigar os eventos que ocorrem na pequena cidade do interior da Dakota do Sul, o que faz sem pressa, entre uma refeição e outra ao lado do marido. Ao mesmo tempo, Jerry se esforça para fazer com que o sogro atenda as exigências dos criminosos que só aceitam negociar diretamente com ele.



Em resumo é um filme em que nada sairá como o planejado. E, ainda que seja uma obra extremamente violenta e gelada - dado o cenário invernal em que a trama se passa -, os Irmãos Coen ocupam-se de "aquecer" o filme com um sem fim de cenas involuntariamente divertidas. Como não sorrir ao ver a dupla de sequestradores discutindo sobre se sairão para comer panquecas antes de cometer o crime? Ou mesmo ver Carl (Buscemi) argumentando com o empregado de um estacionamento sobre não precisar pagar a taxa de uso por ter entrado e já ter, imediatamente, saído do local? Ao introduzir esse tipo de humor prosaico, meio nonsense e absurdamente sarcástico, a dupla de realizadores sai do noir convencional (se é que assim ele pode ser chamado) e do filme de gângster sisudo para tornar esta uma peça inescrupulosamente excêntrica.

Com personagens secundários divertidos - o solteirão com problemas psiquiátricos que tenta chamar Marge para sair, as duas prostitutas com as quais os sequestradores se envolvem - o filme, cheio de trejeitos e sotaqus caipiras, ainda tem uma das sequências finais mais improváveis da história do cinema, [SPOILER ALERT] com Gaear (Stormare) tentando "sumir" com o corpo de Carl, pulverizando-o em uma máquina trituradora. Um final a altura para uma obra que faturou também o Oscar de roteiro original e que pavimentou o caminho para que a dupla de realizadores fizesse outras tantas obras-primas como O Grande Lebowski (1998), E aí Meu Irmão, Cadê Você? (2000) e Onde os Fracos Não Tem Vez (2007).

quinta-feira, 22 de março de 2018

Lançamento de Videoclipe - Mallu Magalhães (Navegador)

Décimo primeiro colocado na nossa lista de 25 Melhores Discos Nacionais de 2017 publicada no final do ano passado - o álbum Vem, da Mallu Magalhães, segue rendendo bons frutos. Após divulgar clipes para as canções Você Não Presta (o que rendeu toda aquela polêmica sobre um eventual episódio de racismo) e Vai e Vem (séria candidata a estar entre as cinco melhores músicas do ano passado), agora é a vez de Navegador receber um vídeo. O clipe, dirigido por Jean Schwarz, é simples e mostra a artista ao lado da atriz Maria Rita em meio a uma série de situações vividas em São Paulo - de passeios e corridas noturnas a jogos de videogame em casa. Mas o que se sobressai MESMO é a potente voz da cantora que, afinadíssima, se apropria de uma vertente tão consagrada como a Jovem Guarda, com a autoridade de poucos. Bora conferir!

quarta-feira, 21 de março de 2018

Tesouros Cinéfilos - The Square: A Arte da Discórdia (The Square)

De: Ruben Östlund. Com Claes Bang, Elisabeth Moss e Dominic West. Comédia dramática, Suécia / Alemanha / Dinamarca / França, 2017, 151 minutos.

Desigualdade social, hipocrisia das classes mais abastadas, falta de empatia, empáfia do universo das artes, informação na era digital, abuso de poder. São tantos os temas discutidos no ótimo The Square: A Arte da Discórdia (The Square) que a sensação que temos, ao final das duas horas e meia de projeção é a de que o filme poderia ter mais duas horas e meia que, ainda assim, não contemplaria os seus assuntos a contento. Esse é aquele tipo de película que não tem um começo, um meio e um fim bem definidos, nos apresentando a uma série de situações que, nas aparências, parecem desconectadas - mas que no geral formam uma realidade que, sim, é a da Suécia, mas que bem poderia ser a de qualquer outra nação que tem as suas disparidades. Um contexto em que as diferenças sociais existem e que transformam em inócuas as ações filantrópicas de senhores engravatados que carregam debaixo de seus finos trajes todo o seu preconceito.

No fim das contas, essa é uma obra de contrastes. De um lado temos o universo das artes plásticas e o protagonista Christian (Bang), gerente recém-empossado de um museu de arte moderna que se esforça para que as novas instalações - cheias de significados difusos e de um hype nem sempre interessante - sejam sucesso. Do outro lado, as camadas em vulnerabilidade social, que se utilizam de verdadeiras manobras "artísticas" para tentar sobreviver - sendo que, em uma delas, Christian é enganado por três pessoas que fingem estar em um caso de violência doméstica em plena rua, para roubar o celular, o relógio e as finas abotoaduras de Christian. O microcosmo apresentado pelo diretor Ruben Östlund (do ótimo Força Maior) é completado por uma jornalista cultural (Moss) e por integrantes de uma agência de publicidade contratada por Christian para promover a mais recente aquisição de sua curadoria: uma instalação chamada The Square.



No tal "quadrado" que a obra representa - uma figura geométrica luminosa colocada no chão - as pessoas devem tratar as outras de forma igualitária e gentil (ao menos é essa a proposta do artista). Como se ali fosse uma zona livre de ódio, de preconceito e de intolerância. Mas como nos livramos de nosso individualismo ou de nossos comportamentos hostis e discriminatórios no dia a dia? Como fazemos isso no MUNDO REAL, para além de uma obra de arte que, no fim das contas, pouco significa? Esse é um dos dilemas do filme. E que é representado pelas ações do protagonista que, para tentar reaver os objetos materiais que lhe foram levados, tem a obscena ideia de colocar um recado em cada um dos apartamentos de um prédio, após descobrir a localização de seu celular (via satélite) em um bairro de periferia. Bom, que essa ideia resultará em uma série de imprevistos, não é necessário sr nenhum Sherlock Holmes para saber.

E, assim como ocorre em seu filme anterior, Östlund aposta no humor (e em um certo rompimento da lógica) como elemento narrativo. O que contribui, graficamente, para a sensação de desconforto e até mesmo de caos que ronda as personagens. Nesse sentido, se em uma cena vemos um bebê e um cachorro DENTRO da agência em que um grupo discute sobre formas de divulgar obras de arte, num outro assistimos a uma multidão que acompanha uma abertura que, como se fosse uma horda de zumbis, parece muito mais interessado no coquetel que será oferecido, do que na apreciação de cada obra. É nessas pequenas "quebras" que o diretor vai, de maneira sempre sutil e elegante, gerando um surpreendente clima de tensão, como se a vida de Christian - bem como seus pensamentos, visões de mundo e convicções -, estivessem sendo testados o tempo todo. O tipo de questionamento que, naturalmente, também fazemos (ou deveríamos fazer) em nossas rotinas.


Com ecos de filmes como A Grande Beleza (2013) e O Homem ao Lado (2009), Östlund ainda se ocupa de discutir a arte contemporânea e a sua aparente falta de sentido estético ou espírito transgressor. Que percepções, emoções ou ideias pode nos provocar uma sala branca em que estão assentados dezenas de montes de areia, terra e brita? O artista plástico e pensador Marcel Duchamp, responsável pela instalação A Fonte - que nada mais era do que um mictório de louça branca - já dizia que "a arte ruim é arte, do mesmo modo como uma emoção ruim é uma emoção". Ao levar esse debate ao limite, o diretor desconstrói a solenidade que permeia os museus de arte e as galerias em geral. Não é por acaso que uma das melhores cenas de The Square envolve um sujeito com Síndrome de Torette direcionando impropérios a um presunçoso artista. Uma "arte" que não hesitaríamos em aplaudir.

terça-feira, 20 de março de 2018

Pérolas da Netflix - Aniquilação (Annihilation)

De: Alex Garland. Com Natalie Portman, Jennifer Jason Leigh, Gina Rodruiguez, Tessa Thompson, Tuva Novotny e Oscar Isaac. Ficção científica / Suspense, EUA, 2018, 115 minutos.

Existe uma cena de Aniquilação (Annihilation), nova empreitada do diretor Alex Garland (de Ex-Machina), em que a geomorfóloga Cass (Novotny) conversa com a bióloga Lena (Portman) sobre o fato de a segunda ter aceitado voluntariamente uma missão que pode ser considerada suicida - algo que não aconteceria se a sua vida estivesse em "perfeita harmonia". Mais tarde o tema retorna e é a vez da psicóloga Ventress (Leigh) lembrar o fato de, muitas vezes, nos autodestruirmos deliberadamente - seja bebendo, fumando ou acabando com um casamento feliz. "Essas não são decisões, são impulsos", comenta a psicóloga. E, nesse sentido, poucos filmes serão tão graficamente explícitos na abordagem da falta de equilíbrio e sobre como esta pode afetar as nossas existências, nos levando a quadros de depressão, de alcoolismo ou mesmo a doenças, como o câncer.

Aliás, falta de equilíbrio também é o que está ocorrendo em determinada área do litoral da Flórida, que teve um farol atingido por um meteorito. Assim que o evento ocorre é formada uma espécie de bolha no local - chamada de O Brilho. Aqueles que tentam investigar o que ocorre naquele espaço - junto a área X - não retornam, sendo a única exceção o sargento Kane (Isaac), que depois de um ano envolvido em uma missão, reaparece para a esposa Lena, que acreditava que este pudesse estar morto. Mas Kane não é mais o sujeito caloroso de outrora - como mostram os flashbacks. Lacônico, se limita a poucas respostas sobre o que de fato teria ocorrido durante a sua jornada no Brilho. Tudo piora quando ele tem uma espécie de ataque e entra em coma. É tudo muito misterioso e essa sensação só se ampliará com a incursão de uma equipe de investigação na bolha.



Em resumo, Aniquilação é um filme mindblowing (daqueles em que saímos com mais perguntas do que respostas) que mistura temas religiosos com invasão alienígena para discutir comportamento, empatia e relações humanas, entre outros. E sobre como podemos provocar instabilidades ou oscilações por meio de nossas ações. O mundo na bolha é diferente e multicolorido (como um final de tarde em que sol e chuva resultam num arco-íris). Como se fosse um prisma, reflete o DNA de todas as formas de vida que lá transitam, de animais a plantas, passando pelo homem, provocando um sem fim de estranhas mutações (que gerarão árvores em formato de humanos e ursos que gritam por "socorro" como se fossem pessoas). É tudo meio estranho, mas o clima de suspense nesse curioso e onírico universo é tão sufocante, quanto naqueles filmes que se passam em casas assombradas por espíritos malignos. Temos a sensação de que algo vai ocorrer o tempo todo!

Como se já não bastasse o estranhamento que envolve a descoberta paulatina daquele ambiente pela equipe formada por Ventress, Lena e Cass, além da paramédica Anya (Rodruiguez) e a física Josie (Thompson), as locações (construções abandonadas, florestas densas, rios misteriosos), ainda fortalecem a sensação de claustrofobia, mesmo no espaço aberto (já que, não podemos esquecer, o grupo está dentro de uma bolha). E se o suspense é muito mais psicológico do que evidente, também não deixa de chamar a atenção o contraste formado pela natureza violenta do ambiente em contraponto as suas flores ou formações multicoloridas que não fariam feio em alguma animação inovadora da Pixar. Sem resolver todas as questões que surgem pelo caminho, Garland reserva para o terço final uma solução muito mais física (ainda que amplamente "espiritual"), ao sugerir uma espécie de morte para uma das protagonistas para que, dali, haja um recomeço. Afinal de contas, por mais que tomemos decisões duvidosas em nossas vidas, sempre haverá espaço para a renovação.

Na Espera - Dingo Bells (Disco)

A Dingo Bells - uma das bandas mais legais da atualidade - anunciou no final da última semana a data de lançamento de seu novo álbum. Intitulado Todo Mundo Vai Mudar, o sucessor do ótimo Maravilhas da Vida Moderna - nosso 17º colocado na lista de 25 Melhores de 2015 - chega as plataformas de streaming no dia 30 de março, estando o lançamento oficial previsto para 11 de abril, pelo selo Natura Musical. Em entrevista a Revista Noize, os integrantes afirmam que o registro explora a temática da mudança de diversas formas, ás vezes de maneira mais melancólica, outras alegre. "Acredito que isso também faz parte da relação das pessoas com o processo de mudança, que é constante e que em muitos casos depende das nossas vontades", explicou o baixista Felipe Kautz.


Além da definição da data de lançamento do novo trabalho, o trio gaúcho - formado atualmente por Rodrigo Fischmann (voz, bateria e percussão), Diogo Brochmann (voz, guitarra e teclados), além de Kautz (voz e baixo) - aproveitou para liberar o novo single, homônimo ao nome do disco e que sucede Sinta-se Em Casa, liberado no final do ano passado. Criado por Lucas Tergolina, o lyric video utiliza filmagens em super 8 e antigas fotos da família dos integrantes para criar uma colagem com temática nostálgica - e tudo embalado por aquele clima dançante e cheio de groove e soul que já é marca registrada da banda. Bom, não precisamos nem dizer que, aqui no Picanha, já estamos mais do que Na Espera por este trabalho!

segunda-feira, 19 de março de 2018

Cine Baú - Festim Diabólico (Rope)

De: Alfred Hitchcock. Com John Dall, Farley Granger, James Stewart, Constante Collier e Joan Chandler. Suspense, EUA, 1948, 80 minutos.

Por meio do o conceito de Super Homem, Nietzsche, acreditava na existência de um ser superior que poderia servir como um modelo ideal para elevar a humanidade - o que resultaria não na elevação de todos, mas no desenvolvimento de indivíduos mais dotados e mais fortes. É com essa noção em mente que os jovens estudantes Brandon (John Dall) e Philip (Farley Granger) resolvem assassinar, já nos primeiros minutos do clássico Festim Diabólico (Rope) de Alfred Hitchcock, um terceiro, de nome David (Dick Hogan), colega da escola preparatória. Philip e, especialmente, Brandon - movidos, inegavelmente, por algum tipo de psicopatia - acreditam-se seres superiores intelectual e culturalmente e, portanto, acima dos conceitos morais estabelecidos pela sociedade. O que justificaria o crime, um enforcamento realizado em plena luz do dia.

Como se a crueldade não fosse suficiente, a intenção da dupla é a de transformar o seu ato em uma espécie de "obra-prima da criminalidade" - provando a sua capacidade de executar o assassinato com perfeição. Para isso pensam no melhor álibi: o de realizar uma festa de despedida para Philip - que está mudando de cidade - no apartamento em que a dupla de protagonistas mora e em que o delito foi cometido. Enquanto o corpo ainda quente jaz em um grande baú localizado no centro da sala, com comes, bebes e castiçais dispostos acima do móvel, a família de David - seu pai (Cedric Hardwicke) e sua tia (a ótima Constance Collier) e mais a namorada Janet (Joan Chandler) - participa do encontro, ainda que lamentando a ausência de David, "que costuma não se atrasar" (como comenta um deles). Já o desconfiado professor Rupert (James Stewart) é outro convidado, trafegando pelo ambiente como se tivesse a impressão de que haver algo errado, naquela tarde/noite.



Muito menos preocupado em se aprofundar nas questões filosóficas que poderiam estar por trás da tentativa do "crime perfeito", Hitchcock transforma os diálogos entre Brandon e Rupert em um verdadeiro jogo de xadrez - em que o segundo procura "cercar" o primeiro, conforme a desconfiança do professor toma corpo. Nesse sentido, é impossível não se deleitar diante das provocações entre ambos, que chegam ao limite da tolerância na sequência em que Brandon descreve a facilidade com que Philip torcia o pescoço das galinhas, quando este era mais novo. Aliás, as tiradas da persona criada por John Dall são um espetáculo a parte - "sempre desejei ter talento para as artes e quem diria que o homicídio também poderia ser uma arte", afirma ele com um sorriso debochado, o que o transforma instantaneamente em um dos assassinos a sangue frio mais sádicos da história do cinema.

E como se já não bastasse o roteiro intrincado e inteligente - e a ótima "perseguição" a moda gato e rato - o Mestre do Suspense ainda transforma Festim Diabólico em um dos mais inesquecíveis filmes do ponto de vista da técnica. Filmado como se fosse uma longa peça de teatro - a obra se passa toda em um mesmo cenário, com a câmera flanando entre eles -, o roteiro se ocupa de realizar pouquíssimos cortes (vistos quando a câmera de desloca para trás de um sofá, de uma parede ou mesmo do paletó de algum dos personagens). O que torna ainda mais surpreendente o esforço de todo o elenco em colocar em prática uma ideia que, até os dias de hoje, seria desafiadora. E mesmo a câmera que "treme" ou o final da tarde que parecer chegar mais rápido do que aquilo que seria a fluidez natural do tempo, tornam-se charmosas marcas da obra-prima.


Arrojada também na abordagem de uma (suposta) homossexualidade da dupla de protagonistas - que mora junta em um apartamento com apenas um quarto e não hesita em trocar olhares e silêncios de grande intensidade dramática -, Hitchcock também ousa ao tornar a arma do crime (no caso a corda) uma espécie de coadjuvante de luxo, que reaparece em vários momentos, seja na mão de Brandon durante a conversa com a empregada (Edith Evanson), ou mesmo mais tarde, como um prosaico suporte de livros. Todos estes detalhes que engrandecem a obra, que pavimentou o caminho para que Hitchcock realizasse mais tarde os seus grandes clássicos - como Janela Indiscreta (1954), Um Corpo Que Cai (1958), Intriga Internacional (1959) e Psicose (1960). Um filme, enxuto, direto e sombriamente divertido, que resume o espírito de seu autor.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Disco da Semana - Buffalo Tom (Quiet and Peace)

Se existe um sonho para os fãs de música que tornou-se realidade nos últimos anos foi poder ter literalmente na palma da mão a possibilidade de ouvir e adquirir praticamente toda a música produzida por seus artistas favoritos. Além do mais, uma enxurrada de descobertas dia após dia de novos artistas e uma imprensa musical online fervilhante sedenta por novidades, torna a experiência de quem acompanha a cena ainda mais intensa - e, por vezes, agoniante: como ouvir tudo que é lançado? O tempo disponível é suficiente para uma imersão adequada à cada obra trabalhada com tanto esmero e por tanto tempo? Tais pensamentos me vieram à cabeça durante a audição de Quiet and Peace, nono e mais recente lançamento dos veteranos do Buffalo Tom.

Lembro com carinho quando, em meados dos anos 90, ficávamos vidrados assistindo à MTV esperando o clipe de nossas bandas favoritas - isso muito antes de o Youtube existir. Como não lembrar do reverendo Fábio Massari e seu programa Lado B, que viria a me apresentar muitas bandas que ainda hoje me inspiram a consumir e fazer música? Como esquecer da primeira vez que vi o clipe de Taillights Fade, do Buffalo Tom, com toda a sua energia e emoção? E da experiência que o trio de Boston me proporcionou com a beleza da balada Wiser? Que dificuldade que era para obter os discos sem ter que recorrer aos altos valores de importação ou achar o mesmo em uma cesta esquecida e ignorada por muitos - um tesouro ali escondido.


Faço todo esse preâmbulo saudosista para justificar a inclusão de Quiet and Peace em nosso Disco da Semana. O que me levaria a indicar esta obra para alguém, visto que não é um "retorno triunfal" da banda (que nunca deixou de lançar bons discos), é justamente sua capacidade de evocar lembranças, um conforto de pisar em terreno conhecido mas amadurecido pelo passar do tempo. Se o título refere a "silêncio" e "paz", para um grupo que sempre fez uso do rock com uma intensidade poucas vezes vista, isso não significa que Bill Janovitz, Chris Colbourn e Tom Maginnis tenham pisado no freio desta vez - pelo menos, não da forma sugerida. Violões quase onipresentes em companhia das guitarras, algumas baladas a mais do que o usual, backing vocals femininos, um pianinho e teclados aqui e acolá, realçam ainda mais a beleza das canções que valorizam a identidade sem camuflar o estilo peculiar do grupo.

All Be Gone inicia o álbum com um rock direto e empolgante, uma estrutura familiar aos fãs da banda, com o vocal de Janovitz emulando (embora de forma não intencional, creio eu) um Bob Mould (ex Husker Dü) em sua carreira solo e uma letra agridoce que valoriza a vida ao pensar na morte - um tema comum à obra e a todos aqueles que já viveram por um bom tempo nesse planeta. Overtime é daquelas canções atemporais e lindas que parecem passar tão rápido que nos fazem querer não sair mais de lá. Roman Cars traz o baixista Chris Colbourn nos vocais, sempre mais doces, o que torna possível a comparação com Teenage Fanclub. CatVMouse e a balada See High the Hemlock Grows também trazem os vocais do baixista com a habitual delicadeza - principalmente nesta última. Freckles é Buffalo Tom na sua melhor forma, canção que vai crescendo até seu clímax bastante intenso, lembrando clássicos do grupo como Mineral e Larry. Janovitz mostra não ter perdido a energia com Lonely Fast and Deep, um rockão direto e acelerado, e inclusive naquelas com andamento mais lento, caso das belas In the Ice e Least That We Can Do. Para fechar temos a melancólica Slow Down, com sua letra edificante, e a cover Only Living Boy in New York (de Simon & Garfunkel) que mantém a pegada acústica da original.

Um presente para os nostálgicos, um acalanto para as novas gerações que vem testemunhando uma crescente de ódio e intolerância, Quiet and Peace é uma obra que nos entrega um lugar familiar ao qual sempre poderemos retornar - empolgante e reconfortante na medida certa, agridoce como só o passar do tempo e a experiência é capaz de nos tornar. Amadurecer sem perder a ternura jamais, em uma caminhada onde não estamos sós, é o que torna a arte e obras como essa tão essenciais.

Nota: 8,5


quarta-feira, 14 de março de 2018

Picanha em Série - This Is Us

De: Dan Fogelman. Com Milo Ventimiglia, Mandy Moore, Sterling K. Brown, Chrissy Metz e Justin Hartley. Drama, EUA, 42 minutos.

Decidir qual série assistir em meio a tantas boas possibilidades é aquilo que podemos chamar de "problema bom". Só a Netflix produz um punhado delas por ano, além de haver aquelas que os amigos, colegas de trabalho ou parentes indicam. This Is Us entrou em nossas vidas (pasmem!) após lermos uma coluna do jornalista Luciano Potter em uma das edições dominicais da Zero Hora. O artigo se chamava This Is Us, uma série que vai melhorar a sua vida. Em meio a frases sinceras como nunca desejei tanto que alguém seguisse uma dica minha, Potter explicava os motivos que tornam essa série tão maravilhosa. E em um mundo tão cheio de ódio e intolerância como o que vivemos, assistir a uma série que tornasse as nossas vidas melhores realmente algo atrativo. Bom, resolvemos experimentar. E viciamos!

Transmitida pela NBC - e pela Fox Life, aqui no Brasil - This Is Us é uma série sobre qualquer um de nós. E sobre como podemos ter alegrias ou tristezas em nossas vidas, independente de sermos bonitos ou feios, altos ou baixos, gordos ou magros. Também é uma série sobre empatia. E sobre a importância de amar acima de tudo. Ou de ser compreensivo. E de ter a capacidade de levantar a cabeça para enfrentar até mesmo o mais amargo dos dias. Sim, parece discurso de autoajuda ou mesmo de novela mexicana e, em partes, pode-se dizer que o programa também é isso: um novelão do cacete que nos faz tirar o lenço do bolso de tempos em tempos para secar as lágrimas que escorrem sem esforço. Mas um novelão, é preciso que se diga, cheio de ótimos e complexos personagens, com grandes interpretações, diálogos espirituosos e roteiro inteligente.



Na trama são três irmãos - os gêmeos Kevin (Hartley) e Kate (Metz) e o adotado Randall (Brown). Kevin é o boa pinta que tenta a todo custo ser levado a sério na carreira de ator (após protagonizar um programa em que importava muito mais a sua beleza física do que seu talento para o drama). Kate sofre com a obesidade e, consequentemente, tem sérios problemas de autoestima - a despeito de receber o carinho e o apoio de seu apaixonado namorado Toby (Chris Sullivan). Já Randall é um negro em meio a uma família de brancos, tendo de lidar com todas as implicações referentes ao fato de ser adotado (inclusive o surgimento tardio em sua vida de seu pai biológico). Com idas e vindas no tempo, o roteiro utiliza-se de flashbacks para mostrar a relação dos três com os amorosos pais Jack (Ventimiglia) e Rebecca (Moore) e, como os acontecimentos do passado, os transformarão nos adultos (imperfeitos) do futuro.

Aliás, adultos imperfeitos, assim como somos nós. Mesmo o personagem de Ventimiglia - certamente o pai que todos gostariam de ser (ou ter) -, tem sérios problemas de alcoolismo. E este é um dos tantos méritos de This Is Us: ao criar um universo tão recheado de pessoas comuns, verdadeiras e complexas, Fogelman coloca os dois pés na realidade, sendo praticamente impossível não se identificar (ou mesmo rir e chorar na mesma medida) com alguma das situações vividas por aqueles que vemos na telinha. É uma série de personagens. E de personalidades fortes. Que faz com que torçamos o tempo todo para que todos sejam felizes ou tenham seus sofrimentos amenizados pela dureza do mundo em que estamos. Esqueça Game Of Thrones, The Walking Dead ou qualquer outra série hypada do momento. O Potter desejava que mais pessoas conhecessem This Is Us. É o que também queremos. De nada.

sábado, 10 de março de 2018

Cinema - Pequena Grande Vida (Downsizing)

De: Alexander Payne. Com Matt Damon, Kristen Wiig, Christoph Waltz, Hong Chau e Jason Sudeikis. Comédia dramática, EUA, 2017, 135 minutos.

Não poderia haver ideia melhor para um filme do que aquela apresentada em Pequena Grande Vida (Downsizing). Pena que ela é tão mal aproveitada. Os recursos naturais estão ficando cada vez mais escassos, ao passo que o custo de vida se eleva e a população (e a poluição) só aumentam. Diante de um cenário que se desenha catastrófico, pesquisadores desenvolvem um novo "sistema", capaz de reduzir as pessoas para um tamanho de cerca de 13 centímetros, sem grandes efeitos colaterais e de maneira irreversível. O que significará menos consumo, menos produção de lixo e, consequentemente, dinheiro valendo muito mais. Após um período de testes a ideia é apresentada em um congresso de ciências, onde também é mostrada a primeira população que vive em uma comunidade em miniatura, no interior da Noruega - como se fossem hippies que se utilizaram das "pastilhas de nanicolina".

Sim, a ideia é muito original e, confesso, quando assistimos ao trailer ficamos genuinamente empolgados. Só que a película, ainda que protagonizada pelos simpáticos atores Matt Damon e Kristen Wiig, é dirigida por Alexander Payne. E isso não significa que eu não goste do diretor - ele tem filmes ótimos, como Sideways - Entre Umas e Outras (2004) e Nebraska (2013). Só que ao apostar em uma abordagem mais leve (e menos existencialista ou filosófica sobre o fato de diminuir de tamanho e as implicações que isso poderia gerar em nossa consciência), Payne acaba fazendo apenas uma comédia meia-boca em que o protagonista Paul (Damon) busca a felicidade em seu novo mundo, deixando para trás a esposa Audrey (Wiig) - que desiste de adotar o procedimento -, amigos, parentes e tudo o mais do mundo dos grandes. Aliás, mundo este que nunca mais aparecerá em sua vida - salvo a sequência divertidinha em que Paul assina um enorme papel de divórcio.



Fico imaginando a quantidade de implicações éticas que um diretor do porte de um Terrence Mallick (A Árvore da Vida, 2011) na melhor fase não traria para a obra. O sem fim de reflexões sobre ter diminuído de tamanho, com direito a arrependimentos, sentimentos de perda, impossibilidade de voltar atrás. Mas não. Após se "separar" (a impressão que dá é de que Wiig tinha contrato só pra aparecer em meia hora do filme, o que é uma pena), Paul conhece o seu excêntrico e barulhento vizinho de cima (Waltz, que em breve terá a sua foto ao lado de "excêntrico", no dicionário). Além dele entrará em cena a refugiada faxineira vietnamita Ngoc Lan Tran (Hong Chau), que representará uma outra etapa da existência de Paul em seu fantasioso novo universo - o de tentar achar uma nova parceria amorosa. Aliás, inexplicavelmente, a película (quase) vira um romance brega no terço final.

Pra não dizer que não há acertos, aqui e ali há uma ou outra boa piada (ou comentário) sobre a situação. A cena em que Wiig aparece com a cabeça e apenas uma sobrancelha raspada é ótima. Assim como os pré-requisitos para que a população possa ser encolhida. O mesmo vale para o mundo em miniatura (que, propositalmente, parece uma maquete de Feira de Ciências). Há participações especialíssimas, como as de Neil Patrick Harris e Laura Dern - e Jason Sudeikis faz um papel secundário interessante. Mas, infelizmente, não foi suficiente para segurar a obra que prometia e merecia bem mais. Antes de ser lançado, o filme chegou a ser cotado nas bolsas de apostas para figurar entre os indicados ao Oscar desse ano. Mas o problema é que as pessoas começaram a assisti-lo. E a perceber que, assim como seus protagonistas, a expectativa também diminui.

Nota: 4,5

sexta-feira, 9 de março de 2018

Disco da Semana - Rubel (Casas)

Em sua curta carreira o cantor Rubel já possui pelo menos um clássico moderno. A música Quando Bate Aquela Saudade é daquelas que será lembrada daqui a quarenta anos, nas rodas de discussões culturais nostálgicas. "Aquele guri fez uma canção linda e romântica em 2015", dirá um. "Era uma mistura de 'quero ser Leste Europeu com MPB alternativa'" dirá outro. E assim todos voltarão para suas casas onde plataformas holográficas mostrarão o artista de "carne e osso" cantando aqueles versos que tanto emocionaram, especialmente em uma época de transformações como a que vivemos. Ainda não sabemos que rumo que tomará a vida do carioca, mas o que sabemos é que  o seu novo disco, Casas, chega para, novamente, aconchegar o ouvinte em seu universo delicado e de grande sensibilidade, como se fosse permitido a MPB (e as suas variações) ser uma música permanentemente leve, suave, discreta.

Não há em Casas uma canção que se sobressaia como no caso da já citada Quando Bate Aquela Saudade - que integrava Pearl, o seu disco de estreia. Mas há grandes canções, com letras mais robustas e melodias ricas (e experimentais), que formam um conjunto tão homogêneo que às vezes nem percebemos onde está a separação que leva de uma para outra música. O carioca parece estar mais maduro na forma de compor, ainda que o texto de apresentação em sua página do Facebook ainda mantenha aquele clima juvenil, como se o artista fosse um adolescente ávido por mostrar aquilo que fez com tanta dedicação, para o maior número de pessoas - quero retribuir o amor e o carinho que tenho recebido com mais música [...] me reunir com amigos do peito e fazer a mágica acontecer, ressalta, reforçando a intenção de continuar contanto histórias, impulsionando amores, entregas, bads e amizades.



Por mais maduro leia-se também mais abstrato. Enquanto Pearl parecia ir mais direto ao ponto em seus versos e naquilo que queria expressar - Rubel morava nos Estados Unidos quando o compôs -, o novo registro deixa para o ouvinte as interpretações, que podem ser múltiplas. Por exemplo, a abertura com Colégio - após uma pequena introdução - é nostálgica no que diz respeito ao período escolar, as dúvidas, os anseios, as incertezas. Um dia vocês me agradecem / Com os dois pés juntos / A gente prepara pro mundo / E o mundo não vai te poupar narra o eu lírico sobre uma batida eletrônica e econômica (que cresce no final). São momentos de beleza que se repetem logo em seguida, na graciosa Cachorro - que também aposta em versos sobre memórias e desejos - e na bela Pinguim, que tem letra verborrágica recheada de referências culturais (jedis, Jorge Ben, Snoop Dog) e um instrumental que lembra os momentos mais grandiosos dos Los Hermanos.

Aliás, por mais que flerte, aqui e ali, com o folk que marcou o primeiro registro, fica clara a intenção do artista em apostar também em outras vertentes musicais, não sendo difícil perceber o diálogo com estilos como samba (Casquinha), salsa (Sapato) e hip hop (Chiste) - esta última, gravada em parceria com o rapper Rincón Sapiência, um dos primeiros singles e um dos grandes momentos do trabalho. Já Partilhar, disparada a melhor do trabalho, é daquelas que gruda de tal maneira na memória que, já na primeira audição, ficamos cantarolando em loop o sinuoso refrão - Eu quero partilhar, eu quero partilhar / A vida boa com você. É apostando nesse tipo de verso de grande potencial sentimental (ainda que espalhado de forma comedida, lenta) e nas melodias coesas (tecidas por imponentes orquestrações), que Rubel parece pronto pra alcançar um público ainda maior. Aquele mesmo público que já busca no universo bastante particular do artista um diálogo com a sua própria história.

Nota: 8,8


quarta-feira, 7 de março de 2018

Grandes Filmes Nacionais - O Bandido da Luz Vermelha

De: Rogério Sganzerla. Com Paulo Villaça, Helena Ignês, Pagano Sobrinho e Luiz Linhares. Drama, Brasil, 1968, 92 minutos.

Se já não deve estar fácil fazer cinema no Brasil do golpe, imagina como deveria ser em meio a Ditadura Militar, com bem menos recursos e muita perseguição política. Pois a impressão que se tem ao se assistir a um filme como O Bandido da Luz Vermelha, é a de que o caos instaurado no País à época parece servir justamente como combustível para uma severa crítica a um Brasil de contrastes, altamente despolitizado e ao mesmo tempo efervescente no que diz respeito à cultura marginal - aquela mesma que sobrevive nas periferias e que, até hoje, clama por espaço. A obra de Sganzerla - um dos marcos da vertente conhecida como Cinema Marginal - é propositalmente caótica. Mistura diversos gêneros - faroeste, comédia, musical, documentário, ficção científica, drama - de uma forma absolutamente fluida, ainda que inegavelmente anárquica, confusa. Uma balbúrdia de sons, de colagens e de sequências que funcionam magistralmente como uma metáfora perfeita para a desordem de um País entregue a um sistema político corrupto e distante do povo.

"Trata-se de um faroeste do Terceiro Mundo" anuncia o narrador, que mais parece saído de um daqueles programas sensacionalistas que, hoje, vemos na TV - ao estilo de um "Datena da Era do Rádio". Esse mesmo narrador, acompanhado de outra repórter é que nos apresentará, ao estilo de um ensaiado e cômico jogral, ao tal bandido da luz vermelha do título - baseado na história real do criminoso João Acácio Pereira da Costa -, um assaltante misterioso (Villaça) que se utiliza de técnicas extravagantes para roubar casas luxuosas em São Paulo. Como uma espécie de Robin Hood misturado com o Alex de Laranja Mecânica, roubará dos ricos com a intenção de dar aos pobres - mas não sem antes dialogar longamente com as vítimas, envolvendo-as em seus jogos caricatos de violência, de estupro e de morte que, de acordo com a polícia que o persegue, lhe concederão 160 anos de prisão. Se é que ele será preso.



Perseguido pelo delegado Cabeção (Linhares), Luz - como é carinhosamente chamado - cruzará com diversas outras pessoas em seu caminho, deixando sempre um rastro de violência. A situação se modificará quando ele se apaixonar pela prostituta Janete Jane (Ignêz) - e, todos sabemos, o amor pode provocar reações inesperadas até do mais violento dos bandidos. Em paralelo a isso, o deputado J. B. Sobrinho, tido como um dos cabeças da organização conhecida como Mão Negra, segue em campanha política - ele pretende ser presidente do País, aparecendo em programas de TV, brincando com a frase "O petróleo é nosso" e prometendo dar fim à violência que assola o Brasil. (aliás, nesse sentido, chega a impressionar como a obra de Sganzerla, primeira de sua carreira e prestes a completar 50 anos de seu lançamento, se mantém atual)

Recheada de referências culturais - de Beethoven a O Pequeno Príncipe - Sganzerla realiza um filme bem ao estilo daqueles que Quentin Tarantino faria anos mais tarde, com muita violência, sadismo e bom humor. Misturando candomblé, naves espaciais e filme de gângster, pontua a obra com um engajamento político menos solene do que o dos diretores do Cinema Novo mas, ainda assim, não menos importante. Até hoje os letreiros luminosos debochados e cheios de tiradas antológicas são lembrados pelos cinéfilos, assim como as frases de efeito - "O Terceiro Mundo vai explodir", "Se a gente não pode fazer nada a gente avacalha, esculhamba". Mas o que fica do filme é não apenas a crítica social, mas também o olhar para o povo em geral (sofrido, resignado, desafortunado, mas nunca submisso). Luz poderia ser, no fim das contas, a alegoria para o sujeito que luta contra o sistema ou contra as instituições que o oprimem. Uma luta inglória que, todos sabemos, dificilmente terá final feliz.

terça-feira, 6 de março de 2018

Novidades em DVD - Extraordinário (Wonder)

De: Stephen Chbosky. Com Jacob Tremblay, Julia Roberts, Owen Wilson e Izabela Vidovic. Drama, EUA, 2017, 111 minutos.

Sim, Extraordinário (Wonder) é uma obra melosa, recheada de frases clichê que parecem retiradas de palestras de autoajuda e que vai te fazer chorar de tempos em tempos durante as quase duas horas de projeção. Mas, ainda assim, é um filme muuuuito bom! Aliás, num mundo como o nosso, tão intolerante, duro e preconceituoso, a película do diretor Stephen Chbosky (do ótimo As Vantagens de Ser Invisível), vem bem a calhar. Nem que seja pra nos fazer pensar sobre o nosso comportamento no dia a dia e sobre como poderíamos ser mais empáticos e compreensivos - não apenas com quem amamos, mas também com que não conhecemos. No filme temos um simpático garotinho de nome Auggie (Jacob Trembley, o mesmo de O Quarto de Jack) que nasceu com uma severa deformação facial e que, agora aos 10 anos, está as portas de ingressar pela primeira vez numa escola regular, como qualquer outra criança.

Se para qualquer pessoa a entrada na escola já representa o ingresso em um universo nem sempre fácil - e cheio de inseguranças, descobertas e desafios - imaginem para um menino que teve de passar por quase 30 cirurgias plásticas para poder respirar, falar e enxergar (e que é capaz de se reconhecer no espelho como uma pessoa não adequada aos padrões estéticos impostos pela sociedade). Não é por acaso que Auggie passa boa parte do tempo vestindo um capacete de astronauta. Aliás, inteligentíssimo e dedicado aos estudos, Auggie sonha em ser astronauta. E em meio a divagações do tipo - que envolvem também a presença de personagens da saga Star Wars (como o Chewbacca) que aparecem para lhe "ajudar" nos momentos mais difíceis - o pequeno vai conquistando as pessoas ao seu redor. Professores, colegas, amigos, que percebem que ele é muito mais do que um simples "rosto deformado".



É claro que o processo de inclusão não é fácil e a obra poderia ser inacreditavelmente melodramática se apostasse apenas nas desventuras do pequeno no seu dia a dia na escola - ainda que os episódios de bullying envolvendo valentões sejam inevitáveis na construção de um roteiro que busca formar um arco sobre a importância de respeitarmos as diferenças. Ainda, ao dividir o filme em capítulos com os nomes de diversas personagens, Chbosky mostra para o público que todos - independentemente de aparência - terão seus dias bons, ruins, mais ou menos (bem à moda daquilo que faz à perfeição a série This Is Us). Julia Roberts como a mãe está especialmente tocante ao tentar fazer com que o mundo seja, literalmente, "gentil" com o seu pimpolho - e não são poucas as cenas em que secamos lágrimas em sua jornada quase silenciosa pelo bem-estar do filho. Já Owen Wilson faz o tradicional papel do pai legalzão e agregador, que também fará de tudo para Auggie se sinta bem em sua dura rotina.

O filme pode ser um pouco inverossímil e até utópico, dada a predisposição das pessoas em tratar com desconfiança (e até medo) o desconhecido? Sim, pode até ser. Mas ao apostar num tom mais leve e otimista - diferente do que se vê no clássico Homem Elefante (1980), de David Lynch - o diretor passa o recado não sobre como somos. Mas como DEVERÍAMOS SER. E não apenas com pessoas com deformidades ou problemas genéticos, mas também com negros, pobres, homossexuais, dependentes químicos e outras pessoas que convivem com a vulnerabilidade ou à margem da sociedade. Auggie certamente vai crescer, vai virar homem e passará por outros momentos de dor e de preconceito que, aos 10 anos, ainda não precisa se preocupar. Mas certamente não é ele que tem de mudar. Somos nós. E um filme como Extraordinário pode contribuir para que comecemos a aceitar melhor aqueles que são diferentes de nós.

Nota: 8,0

10 Considerações Sobre a Cerimônia do Oscar 2018

Todo mundo viu, opinou, apostou, riu dos memes, celebrou vitórias - até agora estamos felizes por A Forma da Água ter levado o prêmio máximo - e chorou derrotas... Enquanto a ressaca da noite do Oscar ainda ocorre, e gente convida vocês para este post, que resgata alguns dos principais momentos da maior premiação do cinema - na verdade a maior premiação é o Festival de Cannes, essa é só a mais badalada. É o nosso tradicional especial com as 10 Considerações Sobre a Cerimônia do Oscar 2018. Boa leitura!

#1 Poucas surpresas. Ainda que fosse difícil prever quem faturaria a categoria principal da noite - Três Anúncios Para Um Crime parecia ter leve vantagem até a curva final, quando A Forma da Água tomou a frente - pode-se dizer que, em geral, foi um Oscar sem muitas surpresas. A vitória de Guillermo Del Toro na premiação do Sindicato dos Diretores (DGA) o colocava como grande favorito. O mesmo valendo para as quatros principais categorias de atores, já que Frances McDormand (Três Anúncios), Gary Oldman (O Destino de Uma Nação), Allison Janney (Eu, Tonya) e Sam Rockwell (Três Anúncios) faturaram todas as prévias. Nos roteiros, quem acompanhou a premiação do Sindicato dos Roteiristas (WGA), já sabia que Me Chame Pelo Seu Nome (adaptado) e Corra! (original) venceriam. Se houve uma surpresa, ela pode ter ocorrido na categoria Documentário, já que Icarus não era o favorito em uma relação que tinha um filme sobre a questão Síria (Últimos Homens em Aleppo) e outro com Agnes Varda esbanjando delicadeza (Faces Places).




#2 Distribuição de prêmios. Parecia aquelas premiações do colégio onde cada um dos concorrentes ganha um prêmio, só pra que ninguém vá pra casa triste por voltar de mãos abanando. Se A Forma da Água, Três Anúncios, O Destino de Uma Nação e até mesmo Me Chame Pelo Seu Nome e Corra! foram lembrados em algumas das principais categorias, outros como Trama Fantasma e Dunkirk também não saíram da premiação sem serem lembrados - nem que fosse em alguma categoria técnica. Não é por acaso que o maior vencedor da noite - no caso A Forma da Água - faturou a estatueta em apenas quatro categorias. The Post e Lady Bird foram aqueles que foram lá só pra ver os outros ganhar. Ainda que o primeiro, principalmente, seja um bom filme, não há nenhuma injustiça.




#3 Representatividade. Depois do fiasco do Oscar 2016 - que escancarou de uma vez por todas a falta de representatividade (como esquecer a indicação de Sylvester Stallone em uma obra em que TODA A EQUIPE era formada por negros?) - a Academia parece finalmente ter se dado conta da importância de dar voz, também nas premiações, para filmes e pessoas que não representem necessariamente o combo homem/branco/hétero. Assim, a presença de obras que falam com naturalidade sobre homossexualidade (Me Chame Pelo Seu Nome), racismo (Corra!) e respeito as diferenças/xenofobia (A Forma da Água) deve ser saudada.




#4 A vitória do filme chileno. A propósito disso, poucas vezes celebramos TANTO uma vitória na categoria filme estrangeiro, como no caso do chileno Uma Mulher Fantástica. Protagonizada por uma atriz trans, a obra é uma porrada que escancara todo o preconceito que fica escondido nas "saudáveis relações das famílias de bem", mas que estão prontinhos para vir a tona. Um filmaço que merece ser visto e revisto. Ah, os outros estrangeiros também são, cada um a sua maneira, ESPETACULARES. Aliás, sobre esta categoria eu costumo brincar: quer ver filme bom? Olha a relação de estrangeiros indicados ao Oscar. Ali está a nata.




#5 O discurso de Frances McDormand. Numa premiação como o Oscar não tem faltado discursos pungentes sobre representatividade ou sobre a importância de se respeitar as diferenças quaisquer que sejam elas (cor, gênero, preferência sexual). Nesse sentido, nenhuma fala foi melhor do que o da Frances MscDormand, que subiu ao palco para pegar a sua estatueta dourada pelo papel arrebatador em Três Anúncios Para Um Crime. Além de saudar marido - o diretor Joel Coen - e o filho, solicitou a todas às mulheres indicadas que ficassem de pé, como forma de valorizar as mulheres que tem alcançado cada vez mais espaço, em um universo absolutamente tomado pelos homens. "Em breve estaremos em seus escritórios para que nossos projetos sejam financiados. Também temos sonhos", comentou. Sem dúvida um dos momentos mais emocionantes da noite!




#6 Ainda dá pra melhorar E MUITO. A propósito, acreditem: a Greta Gerwig foi apenas a QUINTA mulher a ser indicada na categoria Melhor Diretora - por Lady Bird - em NOVENTA ANOS DE OSCAR. Só uma ganhou - a Kathryn Bigelow (por Guerra ao Terror). O evento desse ano também tem outro marco: o da primeira diretora de Fotografia a ter sido indicada na história - Rachel Morrison pelo ótimo Mudbound. É quase inacreditável pensar nisso! E, pasme, há setores da mídia preocupados com o fato de que, a partir de agora, só figurarão entre os indicados os filmes engajados. Oras, o cinema como arte pode ter muito mais do que a simples função de entreter. Ele pode questionar padrões estabelecidos, fazer pensar, confrontar o status quo, fazer conhecer outras realidades, culturas, enfim... é isso que queremos e desejamos!




#7 Roger Deakins FINALMENTE. Falando em direção de Fotografia, FINALMENTE o Roger Deakins saiu da "fila", faturando a sua primeira estatueta na categoria após 14 indicações (levou pelo trabalho em Blade Runner 2049). É o efeito Leo Di Caprio alcançando outros concorrentes.




#8 As boas piadas de Jimmy Kimmel. Pelo segundo ano seguido o apresentador Jimmy Kimmel fez um bom papel, utilizando o seu espaço para fazer uma série de tiradas, sendo boa parte delas direcionada a ala conservadora da sociedade americana. Ao mencionar o fato de o Oscar estar completando 90 anos, ele brincou dizendo que este deveria estar em casa assistindo Fox News (que apoia o Governo de Trump) - o que seria o equivalente a nossa Globo News, uma das maiores defensoras do golpe. Sobre o debate de gênero afirmou: "percebam o quanto estamos perdidos quando fazemos um filme chamado Do Que as Mulheres Gostam e o protagonista é o Mel Gibson." Sobre A Forma da Água (e ainda no mesmo assunto), brincou: "foi ano que os homens fizeram tanta merda que as mulheres resolveram começar a sair com anfíbios". Ah, a trabalhada da Academia no ano passado também não passou batida - "caso vocês ganhem não se empolguem, esperem um pouco, até ter certeza". Inspiradíssimo, fez o público se divertir (e pensar), muito!




#9 Três mexicanos para um filme. Com a vitória de Guillermo Del Toro por A Forma da Água é possível dizer que o México é a melhor "fábrica" de bons diretores de cinema da atualidade já que Alfonso Cuarón (Gravidade) e Alejandro G. Iñarritu (Birdman e O Regresso) também faturaram a estatueta dourada recentemente - mais precisamente em 2014, 2015 e 2016, respectivamente.




#10 Um afago a Faye Dunaway e Warren Beatty. Achei extremamente gentil da parte da Academia convidar para apresentar o prêmio principal da noite a mesma dupla que protagonizou o equívoco do ano passado - até mesmo porque eles não tiveram culpa pela troca de envelopes. Esse ano tudo correu bem e todos ainda se divertiram com a situação!



E pra você? Algum outro momento merece ser lembrado? Deixe sua opinião nos comentários!

domingo, 4 de março de 2018

Oscar 2018 - Nossas Apostas

Pessoal, esse ano resolvemos fazer um negócio diferente para falar de nossas apostas no Oscar 2018. Realizamos um vídeo, onde falamos a respeito das quatro principais categorias para a premiação que ocorre logo mais, a noite! Espero que gostem (e que compreendam que este pode ser o primeiro de, quem sabe, outros vídeos)! Pra não ficar apenas nas quatro primeiras categorias, também falamos um pouquinho de outras e do que pode pintar logo mais. Abraços e bom Oscar a todos!


Outras categorias:

ATOR COADJUVANTE

Essa categoria comprova a qualidade dos atores no filme Três Anúncios Para Um Crime, com dois indicados - Woody Harrelson e Sam Rockwell. Mas nas bolsas de apostas não se fala em outra coisa: Rockwell está sensacional como um policial racista, preconceituoso e intolerante e votante do Bolsonaro que abusa de seu poder na tentativa de expurgar uma vida repleta de frustrações e de solidão, ao lado de uma mãe controladora. Se há alguém que corre por fora? Willem Dafoe e seu delicado trabalho em Projeto Flórida.

Quem gostaríamos que ganhasse: Sam Rockwell
Quem ganha: Sam Rockwell


ATRIZ COADJUVANTE

Difícil que ocorra algo diferente do que a vitória de Allison Janney pelo seu trabalho arrebatador em Eu, Tonia. Aliás, ela já entra desde já para o rol das "mães que amamos odiar" do cinema, ao lado de outras, como as de Preciosa, Cisne Negro e Carrie - A Estranha. Laurie Metcalf por seu trabalho em Lady Bird - curiosamente outra mãe - corre por fora. Qualquer coisa diferente é zebra!

Quem gostaríamos que ganhasse: Allison Janney
Quem ganha: Allison Janney



ROTEIRO ADAPTADO

Me Chame Pelo Seu Nome faturou o Writers Guild na categoria - é um dos principais termômetros - e, vamos combinar, a merecida e tocante história merece pelo menos uma estatueta (esta deve ser a única, provavelmente). Dos filmes que assistimos, o impagável O Artista do Desastre é nosso preferido, mas com as acusações de assédio envolvendo o ator e diretor James Franco, o filme ficou pra trás na bolsa de apostas. Difícil que ocorra qualquer tipo de zebra nesta categoria, que tem, pela primeira vez, uma obra adaptada de um gibi concorrendo.

Quem gostaríamos que ganhasse: Artista do Desastre
Quem ganha: Me Chame Pelo Seu Nome


ROTEIRO ORIGINAL

Essa categoria é tão disputada que é provável que os prováveis vencedores na categoria filme - A Forma da Água e Três Anúncios Para um Crime, ainda não sabemos - fiquem para trás, já que Corra! tem ganhado cada vez mais força na reta final, tendo faturado também o Writers Guild.

Quem gostaríamos que ganhasse: Três Anúncios Para Um Crime
Quem ganha: Corra!




FILME ESTRANGEIRO

Aqui está outra categoria concorridíssima! Alguns sites apontam o filme sueco (The Square) como o vencedor, outros o chileno (Uma Mulher Fantástica ) e não será nenhuma surpresa se o russo (Sem Amor), levar a estatueta dourada para casa. O que sabemos dessa categoria é que só tem filmaço, inclusive o libanês (O Insulto) - aliás, primeira indicação do País na história (e mais do que merecida).

Quem gostaríamos que ganhasse: O Insulto
Quem ganha: Uma Mulher Fantástica


MELHOR ANIMAÇÃO

Aqui não precisamos nem gastar saliva... Viva - A Vida é Uma Festa fatura e de forma merecida. É um dos mais tocantes filmes do ano!

Quem gostaríamos que ganhasse: Viva
Quem ganha: Viva

E pra vocês, quem ganha o Oscar? Comentem, opinem! =)