quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Novidades em DVD - Força Maior

De: Rubem Östlund. Com Johannes Bah Kuhnke,  Lisa Loven Kongsli e Clara Wettergreen. Drama, Suécia / França / Dinamarca / Noruega, 2014, 119 minutos.

Quem procurar o filme Força Maior (Turist) atraído apenas pela sinopse - que fala de uma família acossada por uma avalanche enquanto passa férias de inverno nos Alpes - talvez se engane, já que esse não trata de um exemplar hollywoodiano do cinema catástrofe. Aliás, é totalmente ao contrário. Enquanto nos filmes americanos desse segmento somos apresentados a sujeitos comuns que se tornam bravos (e irreais) super herois quando surgem terremotos, tornados, alienígenas ou eras do gelo, aqui temos o homem absolutamente comum em uma situação limite. Reagindo tomando por base o instinto de sobrevivência, para tentar "proteger" a família de uma avalanche que, assim como surge, desaparece, deixando apenas dúvidas, frustrações e questionamentos.

Ninguém morre quando o acidente acontece enquanto a família almoça em uma espécie de restaurante que fica em uma espécie de terraço estação de esqui. Só que quando baixa a nuvem de neve que atinge o público ali presente - entre eles uma mulher, Ebba (Kongsli), e seus dois filhos - ninguém vê mais o patriarca que, naquele instante já devia estar a um quilômetro do local. Somente retornando tempos depois, de maneira constrangida, para encontrar a esposa absolutamente nervosa, com ambos os filhos nos braços. Proteger a família? Nada. Ampará-los em um momento em que todos pareceriam sucumbir diante da indestrutível força da natureza - a tal força maior do adequadíssimo título em português? Nunquinha. Tomas (Kuhnke) correu por sua vida. E com o seu gesto nada altruísta, abriu no coração de Ebba uma centena de dúvidas a respeito do relacionamento do casal. Que até ali parecia estável.



A partir desse momento, o que era um divertido passeio em família se transformará em uma relação pautada pelo convívio sufocante, com Tomas tendo dificuldade em lidar com eu comportamento, ao passo que Ebba, como forma de tentar "curar a ferida" se afasta do marido, preferindo esquiar sozinha, e expondo o ocorrido para outros amigos presentes no local. Em sua estreia, o jovem diretor Ruben Östlund constrói uma obra na melhor tradição dos filmes suecos - seu País de origem - onde prevalecem os silêncios, a sutileza, o dizer com o olhar ou com o corpo. Sem apelar para maniqueísmos e julgamentos precipitados, a obra ainda aproveita algumas de suas sequências da melhor maneira possível para fazer ponderações a respeito da inusitada reação de Tomas. Teria ele, ao agir por instinto, se comportado de uma maneira não adequada aos seus valores? Naquele instante, ele pensou a respeito? Ou não? Como nós agiríamos?

Ao jogar para o espectador essa questões, Östlund enriquece a experiência, nunca transformando-a em produto hermético em que sujeitos bons são sempre bons e maus são sempre maus. O comportamento das crianças, muito mais preocupadas com um eventual divórcio dos pais, do que com a reação do pai ao não permanecer com elas em uma situação de perigo, contribui para esse clima. O mesmo vale para o comportamento ambíguo de Ebba, que chega a sorrir, de maneira inusitada, em alguns dos momentos mais tensos. Enchendo a tela de imagens de neve em todo o seu esplendor, densidade e força, o diretor ainda utiliza o deslizamento como uma impactante metáfora para um relacionamento que pode desabar a qualquer momento. Na corrida para o Oscar de Filme Estrangeiro desse ano, Força Maior acabou ficando de fora. Mas ainda assim merece ser redescoberto agora, na telinha.

Nota: 8,8


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Lado B Classe A - TV On the Radio (Dear Science)

Poucas coisas podem ser tão prazerosas para o fã de boa música do que "descobrir" uma banda que possa, imediatamente, tornar-se a sua mais nova " banda do coração". Aquela que ficará por vários dias (ou semanas) rodando no seu aparelho e que lhe fará pensar: como nunca ouvi isso antes? Muitas vezes é um artista que já está lá HÁ HORAS. Já existe há tempo. Três ou quatro discos lançados, quase dez anos de carreira e, você, por algum motivo ou outro nunca deu muita bola. Talvez não curtiu o nome adotado pelos integrantes. Talvez achou que o estilo não fosse condizente com o seu gosto particular. Vai saber. Tem tanta coisa pra se escutar, atualmente, também.. como saber se não será perda de tempo? Como dizem na internet, quem nunca?

Em relação ao TV On the Radio, essa baita banda americana - e que hoje é uma das minhas favoritas - foi exatamente o que me aconteceu. Quando assisti ao episódio intitulado Over, décimo, da segunda temporada de Breaking Bad, me chamou a atenção aquele petardo sonoro cheio de fúria vocal e de peso nos beats, que surge no exato momento em que o icônico Walter White, interpretado pelo ótimo Bryan Cranston, profere a famosa frase stay out of my territory para um traficante rival. Visceral e absolutamente alinhada ao temperamento intempestivo e imprevisível do professor de química, a canção não poderia ter sido melhor escolhida. Isso sem falar da letra! Ah, se tratava de DLZ do TV On the Radio, canção que faz parte do disco Dear Science, e que motiva mais uma edição do quadro Lado B Classe A.



Na verdade foi só um tempo depois que resolvi escutar o disco que continha DLZ. E que disco! Sabe aqueles álbuns que você escuta do início ao fim e que só dá vontade de ir escutando de novo, de novo e de novo e que só vai melhorando a cada audição? Esse é o caso. A gente sabe que hoje em dia as pessoas pensam não terem mais tempo para ouvir álbuns completos - eu, ao contrário, nem escuto os singles antes do lançamento oficial, já que gosto do produto em sua totalidade. Só que esse trabalho merece ser apreciado, degustado, saboreado na íntegra, É nele que o vocalista Tunde Adebimpe e seus asseclas - os músicos Kyp Malone, Gerard A. Smith, Jaleel Bunton e e David Andrew Sitek - atingem o máximo na mistura explosiva de free jazz, música eletrônica, trip hop e soul music, mas sem perder a verve roqueira. O que deixa o grupo bem próximo do limite entre a música mais experimental e aquela direcionada ao consumo das massas.

Não à toa, Dear Science possui uma série de hits que trafegam por diversos estilos e subgêneros. Dotado de uma voz insinuante, Adebimpe sabe ser sexy e ousado, amparado pelos mais variados loops, efeitos, programações, samples e batidas, mesmo quando fala de morte ou de relacionamentos que acabam - como nos casos das espetaculares Golden Age e já citada DLZ. O mesmo vale para os temas cotidianos, travestidos de uma aura mais complexa, que mantém um curioso clima de "melancolia festiva" - mesmo que seja aquela festa em que se dança sozinho, como no caso de Dancing Choose e Crying.

Ainda que seja difícil falar de canções isoladas nesse trabalho - absolutamente completo, qualquer que seja o ângulo - os novos ouvintes não podem deixar de escutar a trinca formada por Family Tree, Red Dress e Love Dog. Poucas vezes um conjunto de músicas trafegou tão bem entre a introspecção sufocante, a sensualidade quente e o clima vanguardista. Dear Science, lançado em 2008, foi o terceiro disco da banda, chegando a público logo após outro trabalho absolutamente espetacular e que também mereceria figurar no nosso Lado B Classe A: Return to Cookie Mountain (2006). Outros dois álbuns - Nine Types of Light (2011) e Seeds (2014) - viriam depois, repetindo algum sucesso. Ainda assim, o ponto máximo da carreira continua sendo o disquinho da capa azul que, não por acaso, recebeu nota 9,2 dos exigentes do Pitchfork. Um verdadeiro clássico da modernidade.


terça-feira, 27 de outubro de 2015

Novidades em DVD - Belas e Perseguidas

De: Anne Fletcher. Com Reese Witherspoon, Sofia Vergara, Michael Mosley e John Carrol Lynch. Comédia / Ação, EUA, 2015, 88 minutos.

No mesmo final de semana em que tanto se debateu o tema da redação do Enem - que, de imediato, foi taxado de feminista pelos conservadores de plantão - resolvi assistir a uma comédia leve, que servisse como uma mera distração para o final de tarde. Afinal de contas nem só de Truffaut e de Godard vive o cinéfilo médio e, sim, gosto de dar risada com alguma bobagem sem sentido, mas que tenha boas piadas. O meu erro foi o filme que escolhi: Belas e Perseguidas (Hot Pursuit). Essa pequena pérola do mau gosto não é apenas um péssimo produto do ponto de vista cômico - e sempre é um problema quando uma comédia não te arranca sequer uma meia risada durante toda a projeção - como ainda se constitui em uma obra absolutamente machista, hedonista e preconceituosa.

Aliás, pasmem vocês: o filme é dirigido por uma mulher, no caso a americana Anne Fletcher - que até possui um trabalho razoável, no caso o mediano Vestida Para Casar. O que torna ainda mais surpreendente o fato de todas as representantes do gênero, na película, serem verdadeiros clichês ambulantes - Vergara é a latina sexy pouco inteligente e Witherspoon é a policial desajeitada e masculinizada, que tenta provar o seu valor em um mundo em que os homens são mais seguros, mais espertos, têm os melhores empregos e ganham mais - ao menos de acordo com o visual antiquado e cafona de sua criadora. Nesse sentido, as mulheres no filme servem apenas para o deboche ou para o deleite visual (no caso da primeira), sendo o resultado algo absolutamente repugnante, ultrapassado e que remonta àquele humor oitentista e sem graça, em que chamar o personagem Mussum, dos Trapalhões, de toda a sorte de insultos racistas era algo "normal" - apenas pra citar um exemplo.



A propósito, a dificuldade que Hollywood tem para lidar com mulheres em ambientes tradicionalmente ocupados por homens, talvez seja reflexo do conservadorismo histórico relacionado ao tema - capaz de gerar medo em segmentos mais tradicionais da família, que talvez tenham dificuldade de aceitar o fato de que a mulher pode sim ganhar mais do que o homem. Pode dirigir melhor. Pode vestir a roupa que achar adequada. E pode ser empresária, jogadora de futebol e policial, sem por isso perder a identidade de gênero ou a feminilidade - e é inevitável que me venha a mente a personagem interpretada pela atriz Bryce Dallas Howard no mais recente Jurassic Park (outro fracasso, a meu ver), que, como mulher independente e de negócios, é retratada como uma pessoa fria, distante e workaholic - sim, por que na concepção de criadores que ainda geram produtos sem graça sobre as diferenças entre os gêneros, a mulher ou é a dona de casa subserviente ao marido - que passa o dia lavando a louça e passando roupa - ou é a mulher capacitada, mas individualista, insegura e dependente (dos homens).

Nesse momento vocês, os seis leitores do Picanha, devem estar se perguntando: mas por quê, afinal, tu foi ver esse filme? Fui atraído pelo trailer, que parecia contar uma história divertida sobre duas mulheres completamente diferentes e de personalidades totalmente opostas, que acabam se vendo em uma situação limite em que precisam se ajudar para superar alguma dificuldade. Gosto da Reese Witherspoon - uma das talentosas atrizes de sua geração. Da mesma forma também gosto do trabalho da Sofia Vergara, especialmente da histriônica Gloria, que interpreta na engraçadíssima série Modern Family. Só que as duas juntas não funcionaram. As situações são forçadas e até as piadas que tentam "equilibrar a balança", são deslocadas. Talvez vocês considerem exagero tudo o que foi dito até aqui sobre esse filme, afinal se trata apenas de uma comédia. Só que o problema é que eu não ri. Assim como não ri daqueles que debocharam do tema da redação do Enem.

Nota: 0,5

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Na Espera - Rock the Kasbah (Filme)

Bill Murray, vivendo um empresário musical em final de carreira, com cabelo maluco, completamente perdido no... Afeganistão?? Ainda que já estejamos acostumados com os projetos absolutamente nonsense em que o astro se envolve, é preciso que se diga que Rock the Kasbah é um dos mais curiosos e que mais gera expectativa nos últimos anos. Ainda que não tenha absolutamente nada a ver com a canção homônima do The Clash, a obra do diretor Barry Levinson - dos ótimos Bom Dia Vietnã e Rain Man e dos fracos Fora de Controle e A Inveja Mata - a trama tem tudo a ver com o universo dos cantores e das grandes gravadoras.



Murray, que vive o outrora bem-sucedido empresário de rock stars, Richie Vance, vai parar no país asiático, após levar um cliente para uma turnê na terra de Osama Bin Laden. Lá ele acaba perdido, sem dinheiro e sem passaporte para Cabul, tendo como única chance de redenção ajudar uma jovem local a se tornar a grande vencedora de um festival de talentos - espécie de American Idol local. O trailer diverte e ainda conta com a participação especialíssima do astro Bruce Willis. Kate Hudson e Zooey Deschanel completam o elenco dessa comédia que é baseada em fatos reais (!). A estreia por aqui será no dia 03 de dezembro. É aguardar!


Espaço do Leitor - Filme (Miss Violence)

Já fazia algum tempinho que o quadro Espaço do Leitor não dava as caras por aqui e o retorno é em grande estilo! A nossa querida amiga, professora, mestre em Cinema/Gastronomia/Blues/Literatura, Rosane Cardoso fala do arrebatador Miss Violence, do grego Alexandro Avranas. A análise apuradíssima feita por ela resulta, seguramente, em um dos melhores textos já publicados até hoje, aqui no Picanha!

Filme: Miss Violence
Texto: Rosane Cardoso

Sabe aquele filme que a gente começa a olhar tendo a certeza que não vai ver até o fim? Pois é, foi o que me aconteceu com este Miss Violence, drama dirigido por Alexandros Avranas, de 2013. A película levou dois prêmios no Festival de Veneza, de direção e de ator para Themis Panou. Voltando à minha descrença quanto ao filme, levei menos de cinco minutos para saber que não conseguiria levantar da poltrona antes do fim. E garanto que não é só pelo suicídio de uma criança logo na primeira cena.

O espectador até sabe o que está acontecendo naquela casa sombria, de pessoas quietas e assustadas. Mesmo assim, não estamos preparados, creio, para a dimensão da violência que ocorre interna e externamente às paredes da casa. Se o incesto é referido frequentemente como o tema da narrativa, do meu ponto de vista ele é só a ponta do iceberg. A mim impactou, sobretudo, as gerações que vão se formando na casa sob o signo da violência silenciosa. Trata-se de uma família formada pelo patriarca que dirige com mão de ferro a vida da esposa, das filhas e dos netos. Poucas palavras são ditas e cinco mulheres denotam cada fase do silenciamento.



Nas mais jovens, ainda se percebe a inocência e certa rebeldia. Mas em Eleni, a mais velha, que sobrepõe uma gravidez a outra, já se apresenta a submissão absoluta, o aprisionamento que os anos de abuso impuseram. Na mãe, a mesma violência toma forma de cegueira voluntária. O melhor é assistir à TV enquanto o marido fecha a porta do quarto das filhas.

Li alguns comentários que criticam o fato de o espectador logo saber o que se passa na casa. Não vejo problema na dita previsibilidade do filme. O diretor comentou, em diversos momentos, que sua proposta era justamente discutir o que acontece, muitas vezes, dentro dos lares sem que ninguém supostamente, veja.  Então, de certo modo, saber o que acontece coloca o espectador próximo aos investigadores, professores, vizinhos que percebem algo estranho na casa, mas nada fazem. Em minha opinião, o choque está em perceber que o óbvio pode ser ainda mais horrível do que se supunha. Enfim, uma pena que tenha passado batido pelos cinemas brasileiros. Felizmente, vivemos tempos de arte online e TVs que não nos desligam diante das tragédias cotidianas.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Disco da Semana - Neon Indian (VEGA INTL. Night School)

Como é bacana perceber a evolução natural de algumas bandas, conforme vão sendo divulgados novos trabalhos. Existe uma certa "lenda urbana" na música, que dá conta do fato de muitos artistas terem dificuldade de superar a barreira do "espetacular primeiro disco". Mas consigo pensar em tantos exemplos recentes de músicos que foram aprimorando, qualificando e limpando o seu som no decorrer dos anos, que essa ideia parece se tornar ainda mais obsoleta. Peguemos o exemplo do Arctic Monkeys. Muito se falou sobre a trupe de Alex Turner e companhia quando do lançamento do agora já distante Whatever People Say I Am That's What I'm Not em 2006. Ainda assim, os rapazes de Sheffield, na Inglaterra, parecem ter atingido a sua plenitude musical apenas no mais recente, e quinto disco, AM, de 2013. Se é que chegaram ao ponto certo de maturação, já que talvez possam crescer (ainda) mais. Ou, minimamente, se manter na média.

O mesmo vale para grupos como Vampire Weekend, The National, Tame Impala, Spoon, que vão mantendo o padrão de qualidade, alcançando, aqui e ali, um resultado ainda superior do que aquele já encontrado anteriormente. Quando o Neon Indian surgiu em 2009, com o elogiadíssimo Psychic Chasms, o quinteto comandado pelo mexicano Alan Palomo fazia um som empoeirado, recheado de distorções, com letras econômicas e um clima synthpop ao mesmo tempo festivo e melancólico, que acertou em cheio o coração da crítica e dos fãs ávidos por bandas novas para se tornarem as suas queridinhas da vez. Mas, é como eu comentei. O som era excessivamente lo-fi, levemente turvo, com pouco espaço para emanações efetivamente pop - no sentido radiofônico - ainda que a sonoridade fosse pautada por sintetizadores enérgicos, com uma série de barulhinhos, bipes e outros elementos, capazes de equilibrar o som entre o tropical e o enevoado.



Era Extraña, o disco de 2011, já foi um passo a mais em direção ao que o grupo seria capaz de fazer apenas quatro anos depois, com o recém lançado VEGA INTL. Night School. Permanece o clima oitentista, de pista de dança euro-pop-sexy (sério, absolutamente irresistível) - com muitos loops, samples e efeitos sonoros diversos -, mas se mantém ao mesmo tempo a densidade e o clima retrô post-punk, que aproxima Palomo e companhia de outras bandas do estilo chillwave - como Toro Y Moi, Ducktails e Washed Out. Com uma diferença fundamental nesse contexto todo: o Neon Indian nunca foi tão pop. Tão sonoro. Tão direto. Tão ganchudo e cheio de refrãos coloridos e certeiros como agora. Se em Era Extraña, canções como Polish Girl, The Blindside Kiss e Hex Girlfriend já indicavam esse caminho, bom, agora chegamos nele. Na tal plenitude que a depuração do artista é capaz de fazer e que, lá no primeiro parágrafo dessa resenha eu defendia, naquelas linhas tortas.

A abertura com Hit Parade é apenas um preâmbulo para uma série de petardos musicais que virão a seguir. Canções como Annie, The Street Level, The Glitzy Hive, Dear Skorpio Magazine (a melhor!) News From the Sun e Slumlord, mostram um equilíbrio refinado entre um vocal absolutamente limpo e uma construção instrumental que parece ter passado em meio a um daqueles filtros de água feitos com areia, água e pedra em que as eventuais sujeiras que pudessem atrapalhar a audição - se é que atrapalhavam - ficaram pelo caminho. O som está cool, ainda que mantenha um certo ar kitsch charmoso, bem ao estilo da capa do disco, que pode ser vista acima. É como se entrássemos na danceteria mais hypada do planeta, mas o som de fundo fosse a trilha sonora de jogos como Street Fighter do Mega Drive, em um encontro com o Prince, com o DJ Bobo e com outros artistas dos anos 80, mas que tivessem sido repaginados. Vida longa a Palomo e companhia e que possam ir se aprimorando ainda mais. De momento eles lançaram  (apenas) um dos discos mais legais do ano.

Nota: 8,7


quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Cine Baú Especial - De Volta Para o Futuro (A Trilogia) ou Carta de Amor a Um Grande Filme

De: Robert Zemeckis. Com Michael J. Fox, Christopher Lloyd e Léa Thomspon. Ficção científica  Aventura / Comédia. EUA, 1985, 1989 e 1990.

O dia de hoje está sendo tão absolutamente espetacular para os fãs da trilogia De Volta Para o Futuro que este humilde blogue quase nem precisaria se manifestar sobre o assunto. São tantos vídeos, fotos, montagens, matérias de rádio, TV, jornal - uma das brincadeiras mais legais, a feita pelo jornal americano USA Today - e internet e memes sobre a chegada de Marty McFly (Michael J. Fox) ao fatídico dia 21 de outubro de 2015 que restou a nós apenas o trabalho de (também) falar apaixonadamente deste verdadeiro clássico do estilo Sessão da Tarde.

Aqui temos um quadro chamado Cine Baú, onde falamos das obras mais importantes de toda a história do cinema. Filmes que marcaram época, estão em listas de melhores, ganharam premiações e se tornaram inesquecíveis. A série De Volta Para o Futuro não está relacionada entre as mais importantes do American Film Institute (AFI). Nominações ao Oscar? Foram algumas poucas, com vitórias em categorias técnicas - algo bastante tradicional para películas de ação e aventura. Atores importantes? Marlon Brando? Robert De Niro? Al Pacino? Nada. Ainda assim nada disso importa. O filme do diretor Robert Zemeckis - do recente A Travessia (2015) - faz parte da vida de muitos que hoje estão na casa dos trinta e alguma coisa - o caso deste que vos tecla - tendo sido, inclusive, parte fundamental para que nos fosse esculpida a paixão pelo cinema.



Eu não me recordo ao certo quando foi que assisti pela primeira vez algum dos três filmes, prática que repetiria dezenas de vezes durante toda a minha adolescência e fase adulta - há cerca de três meses assisti, novamente, ao lado da namorada, o primeiro episódio, que pra mim está entre os três melhores (piada booooo). E, para quem é um apaixonado pela série, é impossível não se emocionar com tudo aquilo que você já assistiu um milhão de vezes, quando, mais uma vez, repete a dose. A cena de Marty McFly  no palco, tocando para os seus pais, o momento em que ele começa a desaparecer, a cena final, quando tudo parece que vai dar errado e o doutor consegue encaixar aquele maldito cabeamento improvável no diacho da torre do relógio NO ÚLTIMO SEGUNDO. É de arrepiar. É transformador. Nos faz rir, se emocionar, fantasiar. Mexe com a imaginação. Diverte. Tem uma trilha sonora e personagens absurdamente legais. Enfim, um filme COMPLETO.

Parece até que gostar de De Volta Para o Futuro poderia ser uma alternativa para deixar o mundo melhor. Você está lá no meio de um debate político com o seu amigo. Ele te julgando um petralha. Você dizendo, sai pra lá seu côxa! Ou vice e versa. No meio do assunto, um vira para o outro e diz: e quando o McFly chega no velho oeste e derruba o estábulo no terceiro episódio? E os dois caem na gargalhada e percebem que a discussão é estúpida. E que, num mundo onde alguém foi capaz de criar algo tão absolutamente delicioso enquanto experiência cinematográfica, tudo pode ser melhor.







Gosto de contar um episódio que me ocorreu e que dá conta da verdadeira paixão que eu tenho por essa série. Quando já era pós-adolescente, passando um pouco dos 20, gostava muito de jogar futebol. Gostava. Não quer dizer que eu SABIA, só pra constar. Tínhamos um grupo fixo de pelada no sábado de tarde. E eu procurava não perder nunca, pela inclinação brejeira muito natural do brasileiro, que gosta de correr atrás da redonda. Só que, num sábado de tarde, enquanto calçava as minhas chuteiras de número 44, liguei a TV só de várzea. Pra ver o que estava passando, enquanto me preparava. Há 10 ou 12 anos atrás não existia Netflix e TV a cabo com 381 canais. Quando o aparelho ligou, já caiu na Globo com os créditos iniciais do segundo episódio da série começando. O jogo? Na outra semana eu jogaria. Fiquei em casa vendo um de meus filmes preferidos. Pela sexta vez.

Esse na verdade não é um Cine Baú como os outros em que, tanto o amigo Henrique como este jornalista que vos escreve, falamos sobre os filmes da vida a partir de um ponto de vista mais crítico, ressaltando os pontos de destaque, o impacto provocado pela obra ou mesmo a sua importância na história do cinema. Aqui está na verdade uma espécie de carta de amor a um filme que me faz, inclusive, ter disposição de sentar na frente de um notebook e escrever sobre essa arte tão linda. Pra talvez cinco ou seis leitores fiéis e diários. A produção errou feio sobre carros voadores, Tubarão 19 ou jaquetas inteligentes? Bom, acertou em outras, como no caso das casas com comando de voz, as TVs na parede, os relógios inteligentes e os CDs jogados no lixo. E, o principal: acertou no coração de quem ama cinema. O que não é pouco.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Lançamento de Videoclipe - Best Coast (In My Eyes)

Os californianos do Best Coast - a propósito, uma das bandas mais simpáticas da atualidade - divulgaram, na última semana, mais um videoclipe, como parte da estratégia de divulgação do disco California Nights, lançado no primeiro semestre desse ano. A canção escolhida como single foi a melancólica In My Eyes. Consequentemente, o clipe não tem nada do clima litorâneo e primaveril que já marcou outros registros: apenas mostra a banda, capitaneada pela charmosa Bethany Cosentino, se apresentando no terraço do prédio da Capitol Records, em Los Angeles. Como complemento, é possível acompanhar a letra da música durante a exibição. É só clicar e conferir!


Pérolas do Netflix - Ernest e Celestine

De: Benjamin Renner, Vincent Patar e Stéphane Aubier. Com Lambert Wilson, Pauline Brunner e Patrice Melennec. Animação. França / Bélgica / Luxemburgo. 2012, 76 minutos.

Quando um filme estrangeiro consegue superar o esquema da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que costuma ser pautado por uma certa previsibilidade, para ser incluído, por exemplo, entre os nominados ao Oscar, geralmente isso costuma ser bom sinal. É o caso da animação francesa Ernest e Célestine (Ernest et Célestine), uma verdadeira pérola agora disponível na plataforma de streaming Netflix e que, em 2014, foi indicada a estatueta dourada na categoria Longa Metragem de Animação - tendo sido derrotada pelo incensado Frozen - Uma Aventura Congelante (2013), da Disney. Sem entrar no mérito de qual é melhor - e Frozen é ótimo, todos sabemos disso - é preciso que se diga que o impacto provocado pelo trabalho dos diretores (Renner, Patar e Aubier) é muito mais significativo.

É curioso falar em impacto quando se analisa uma animação. Mas não é de hoje que o cinema voltado aos pequenos aproveita o gancho de, em muitos casos, ser apreciado também por adultos - seja na companhia de crianças ou por gostar mesmo do estilo - para abordar temas espinhosos para a sociedade. E, minimamente, fazer refletir. Ou seja, enquanto as crianças riem, ficam com medo, se enternecem e se emocionam com a beleza dos traços e do trabalho dos desenhistas, fica para os adultos a possibilidade de inferir sobre o material que se vê. O que eventualmente pode resultar em uma experiência, de certa maneira, completa para quem quer que esteja assistindo a película em questão.


Ernest e Célestine é sobre uma sociedade tradicional em que os ursos moram na superfície da terra, convivendo com os seus, ao passo que os ratos habitam os subterrâneos. Nessa terra em que não há humanos uma amizade entre ambas as instâncias não é bem vista por qualquer de seus integrantes. Ao contrário, os roedores servem, inclusive, de alimento para os mamíferos. O protagonista, Ernest, é um urso a margem da sociedade. Com seus instrumentos, costuma realizar apresentações musicais em praça pública com o objetivo de juntar algum dinheiro pra comprar comida, tentando, ainda, ficar distante dos olhos da lei. Já que, aparentemente, a atividade artística não é bem-vinda e encarada como perturbação da ordem. Já a ratinha Celéstine e órfã e estuda para ser dentista, profissão tradicionalíssima em um mundo de ratos - e a explicação para esta predileção em relação ao mercado de trabalho não pode ser mais divertida.

A inusitada aproximação entre ambos se dará no momento em que Ernest mais está com fome. Célestine, ao invés de servir de alimento para o sujeito, o auxilia de outra forma para que ele não passe fome. Aos poucos, a convivência que, inicialmente, parecia difícil, se tornará uma amizade das melhores que há. De maneira que a distância entre ambos, que passam a ser perseguidos pelos líderes de seus mundos, será algo difícil de ser concebido. Essa pequena obra-prima, que recebeu nota 7,9 dos usuários do IMDB - 0,3 pontos a mais do que Frozen - faz uma valiosa reflexão sobre alguns valores do mundo moderno, abordando de maneira singela temas complicados como preconceito, vulnerabilidade social, alienação política e importância da amizade. E tudo isso mantendo ainda um alto grau de diversão. Simplesmente imperdível.


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Cinema - A Travessia

De: Robert Zemeckis. Com Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley, Charlotte Le Bon e Clément Sibony. Biografia / Drama / Aventura. EUA, 2015, 123 minutos.

A trama de A Travessia (The Walk) é tão incrível que, não fosse baseada em fatos absolutamente reais, seria difícil conceber como verdadeira. Em 1974 o equilibrista Philippe Petit (Gordon-Levitt) atravessou as torres gêmeas do World Trade Center sobre uma corda de aço. O filme resgata essa história mostrando como Petit, com a ajuda de amigos e de uma espécie de mentor, o equilibrista veterano Papa Rudy (Kingsley), organizou toda a parafernália necessária para realizar a tarefa, viajou da França para os Estados Unidos, estudou todos os detalhes de ambas as edificações - à época as mais altas do mundo - driblou a segurança e, bom, deitou e rolou sobre a corda bamba.

Talvez nem todos saibam que já houve um filme realizado sobre esse assunto, no caso o documentário O Equilibrista (2008) do diretor James Marsh - que, diga-se, venceu o Oscar em sua categoria, nas premiações de 2009. Curioso é notar que, mesmo utilizando a mesma premissa, Zemeckis não faz muita questão de se distanciar do material já apresentado anteriormente. O documentário de Marsh apresenta Petit como um sujeito alegre, de bom caráter, que carrega uma leveza que quase o distancia do tipo de desafio que ele encara em seu ofício. Quase como se fosse um Gene Kelly circense - e as narrações em off no topo da Estátua da Liberdade contribuem para esse caráter de fábula e de plena exaltação do sujeito visto na tela - Petit torna tudo ao seu redor muito fácil, seja o seu aprendizado artístico ou mesmo tudo aquilo que envolveu a sua missão.



Nesse sentido, aquilo que poderia ser uma obra absolutamente tensa a partir de uma série de aspectos, se torna apenas um relatório em ordem cronológica de tudo aquilo que aconteceu previamente até o evento ocorrido no dia 07 de agosto de 1974 - e que na época correu o mundo, sendo tema de matérias em diversas publicações do globo. Não há qualquer arco dramático mais impactante - e todos que aparecem, como as brigas com a namorada, a única queda da corda bamba ou as complicações da execução da tarefa, são rapidamente suplantadas para que a trama tenha continuidade sem maiores percalços. Tudo muito regradinho, já diria o Almir do Pretinho Básico. Enfim, é todo um contexto que não deixa de ser curioso, já que o simples fato de atravessar as torres gêmeas na corda bamba já deveria ser algo absolutamente amedrontador. Mas Petit parece tão perfeito e seguro naquilo que faz que, até para quem tem medo de altura - que é o meu caso -, parece haver uma diluição da força do feito. Alguns dirão: mas foi assim que aconteceu! Eu direi: e a licença poética pelo bem da história?

Evidentemente que Zemeckis - diretor de tantos clássicos que marcaram as nossas vidas (De Volta Para o Futuro, Forrest Gump, Náufrago) - se empenha em entregar uma obra extremamente charmosa, com boa recriação de época e com plena atenção aos detalhes. E só o fato de ter iniciado o filme com Gordon-Levitt falando francês em sua terra natal, já é algo digno de pontos - sendo ainda muito inteligente o motivo encontrado para que, posteriormente, ele passasse a falar inglês. Nem é preciso dizer que os efeitos especiais são absolutamente espetaculares - e deve ser ainda melhor assistir em 3D, o que não foi o meu caso - sendo talvez o maior motivo para tornar o filme uma obra de ficção para além do registro documental de 2008. Prestando ainda uma singela e tocante homenagem as torres do World Trade Center, a obra funcionará de maneira totalmente satisfatória para aqueles cinéfilos que apreciam histórias redondinhas, sem muito espaço para arroubos estilísticos ou com certa complexidade em sua execução. Para alguns, o meu caso, ficará a sensação de que poderia ter sido melhor.

Nota: 6,5


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Na Espera - The Walking Dead (Série)

Os fãs da série The Walking Dead estão contando os minutos para a estreia da 6ª temporada, que ocorre no próximo domingo (11/10). A boa notícia é que, já na mesma noite, será possível acompanhar o episódio de estreia no canal Fox, a partir das 23h - a princípio em versão dublada (infelizmente), mas havendo a opção de assistir a versão com som original e legendada - é preciso consultar a operadora da TV a cabo para saber dessa possibilidade. Assim como na temporada anterior, serão 16 episódios, divididos em dois blocos de oito.


E a expectativa é grande para saber o que acontecerá com o grupo de Rick Grimes (Andrew Lincoln) e companhia, agora que eles se estabeleceram em Alexandria. Quais serão os efeitos colaterais do assassinato de Pete no último episódio da quinta? Rick está ficando louco? Por que Morgan está se comportando de maneira tão diferente? Quais serão os próximos desafios no local? E os novos vilões? Quem sobreviverá a mais uma dura temporada, com o grupo todo calejado, embrutecido? Que chegue logo o domingo!







quarta-feira, 7 de outubro de 2015

(Sete) Disco(s) da Semana

Quem acompanha de perto o Picanha já sabe: a cada sete dias tem resenha aqui no site do principal lançamento de disco das últimas semanas. Ocorre que o mês de setembro foi tão espetacular nesse quesito, que está praticamente impossível relegar a apenas um texto as nossas análises musicais! Pra se ter uma ideia, recentemente foram disponibilizados os novos do Beirut, New Order, Duran Duran, Stereophonics, Silversun Pickups, Chvrches, Lana Del Rey... como não somos um blogue que trata exclusivamente de música, é preciso, em muitos casos, selecionar - ainda mais levando-se em conta a nossa enxutíssima equipe de um e meio funcionários. Só que, com tantas bandas e artistas importantes liberando novos registros, optamos por fazer uma espécie de apanhadão, falando um pouquinho de cada disco. Vejam se vocês concordam com as nossas impressões!


Lana Del Rey (Honeymoon): a cada novo registro a americana Lana Del Rey se afasta do clima Katy-Perry-wannabe do seu primeiro trabalho, Born to Die, para entregar um apanhado de canções densas, soturnas, repletas de um clima empoeirado, cinematográfico, nostálgico. Ainda que as letras possam soar eventualmente simples, é no vocal arrastado e sussurrante e no instrumental envolvente que reside a grande força de Honeymoon. É praticamente impossível ficar alheio ao charme de composições como Art Deco e Salvatore. Como uma espécie de Nancy Sinatra da nova geração, Lana se consolida como uma das artistas mais bacanas da atualidade, lançando um disco ideal para os momentos a dois. Nota: 8,0

Beirut (No No No): os fãs mais puristas do Beirut talvez estranhem o clima mais minimalista e menos expansivo - especialmente no que se refere ao instrumental, que em geral torna mais fácil a identificação com a sonoridade folk do Leste Europeu -, que marca o novo trabalho. A impressão que fica é a de estarmos diante de uma "simples" banda pop, sem nenhuma característica que a diferencie das demais. Em resumo: um mais do mesmo. Não é que seja ruim, muito pelo contrário - canções como Gibraltar e Perth são magníficas, como a maioria das composições do grupo do americano Zach Condon. Apenas fica aquele gostinho de que o quarto trabalho poderia ser algo mais impactante. Nota: 6,5


Silversun Pickups (Better Nature): os americanos do Silversun Pickups conseguiram uma nova proeza com o lançamento de Better Nature: soar parecido com o Smashing Pumpkins, mas depois de a banda de Billy Corgan e companhia ter passado umas três vezes na fila da chatice. Em geral eu gosto do grupo capitaneado por Brian Aubert, mas, definitivamente, não recomendaria esse registro para eventuais novos fãs do quarteto. Ainda que canções como Pins and Needles, Nightlight e Circadian Rhythm (Last Dance) tenham algum potencial, a necessidade de soar grandioso e o gosto de requentado não são nada saborosos. Em tempo, o Swoon continua sendo o melhor disco, pra quem quiser experimentar. Nota: 5,5

  

Stereophonics (Keep the Village Alive): em geral os ingleses do Stereophonics dividem opiniões. A crítica ama odiar. Os fãs adoram o britpop que, em alguns momentos, faz lembrar o melhor do Oasis. Não será esse disco - o oitavo da carreira - que servirá de porta de entrada para que novos ouvintes passem a apreciar o som de Kelly Jones e companhia. Mas é preciso que se diga: se não chega a ser um trabalho inesquecível, o álbum possui uma série de canções acima da média. Impossível não ficar tocado pela bela I Wanna Get Lost With You. Ou mesmo pela exuberante My Hero - que melhor equilibra vocal e instrumental. Mas seria pouco? Deixo a conclusão pra vocês. Nota: 7,0

New Order (Music Complete): se tem uma banda que mantém uma certa regularidade a cada lançamento - ainda que estes não sejam muito seguidos, já que em quase 35 anos de carreira este é apenas o décimo trabalho -, esta banda é o New Order. O mais recente registro poderá ser meio exaustivo, especialmente para a moçada que alega não ter mais tempo para apreciar com calma a música - que é consumida com a mesma voracidade com que se comem sanduíches do Mc Donalds (ou do Carmelito!). Mas é preciso que se diga que é mais um grande trabalho, recheado de canções candidatas a hit das pistas mais (quem diria) descoladas, casos de Restless, Academic e Nothing But a Fool. Nota: 7,0


Chvrches (Every Open Eye): impressionante a facilidade que os escoceses do Chvrches tem para trabalhar a música pop. Se no disco anterior, o ótimo The Bones Of What You Believe (2013), ainda havia uma certa barreira que situava a banda entre a música alternativa e a tendência para o sucesso comercial, com Every Open Eye, o grupo comandado pelo graciosa Lauren Mayberry abraça de vez aquilo que sabe fazer de melhor: canções grudentas, prontas pras pistas, para os rádios e para tocar nas casas de qualquer pessoa que goste de boa música! O caldeirão de referências parece simples - mas é nas letras complexas e no diálogo efervescente com o que de melhor há na música europeia - que reside a força do grupo. Um dos álbuns mais bacanas do ano. Nota: 8,5

Duran Duran (Paper Gods): falar do Duran Duran é falar da infância. De quem cresceu tendo A Matter Of Feeling como uma das canções de cabeceira. Assim, Paper Gods até pode parecer meio brega - a capa, inclusive, parece desenhada pelo afilhado aquele que sabe mexer no Paint. Mas eu gosto. Consigo, inclusive, achar a música moderna, adequada a seu tempo. Ainda que seja o mesmo Duran Duran de sempre. Não sei dizer por quanto tempo Simon Le Bon e companhia ainda vão ter lenha para queimar - eles chegaram a ser satirizados na série Derek (aquela com o Ricky Gervais), pelo espírito anacrônico de sua música. Mas confesso que já aguardo ansioso os próximos trabalhos. Deixa os véinho trabaiá! Nota: 7,0

O apanhado de sete discos ainda deixou de fora lançamentos do Youth Lagoon, Kurt Vile, The Dead Weather, Julia Holter, Disclosure e Janet Jackson. Nas próximas resenhas quem sabe eles apareçam por aqui. E que venham mais meses musicais como setembro!

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Cinema - Perdido em Marte

De: Ridley Scott. Com: Matt Damon, Jessica Chastain, Jeff Daniels, Kate Mara, Michael Peña e Chiwetel Ejiofor. Ficção Científica/Aventura, EUA, 141 min., 2015.

É admirável o papel da Ciência no desenvolvimento de novas tecnologias e na busca da resolução para os problemas do dia a dia. Se hoje eu posso estar aqui em frente ao computador escrevendo este texto (e vocês, da mesma forma, em frente a uma tela compartilhando de meus pensamentos no conforto de seus lares/escritórios) é graças ao esforço de milhares de cientistas que dedicaram suas vidas à análise de nosso mundo e à construção do conhecimento. Não que isto seja uma tarefa fácil: para fazer ciência são necessárias muitas e muitas horas de estudo, leituras, solidão em salas e laboratórios, além da aplicação de metodologias rigorosas de forma a coletar evidências a fim de descrever a realidade da forma mais fidedigna possível. Soma-se a isso uma certa desconfiança por parte da sociedade (quais os pós-graduandos que nunca ouviram a célebre frase mas tu só estuda?) e uma desvalorização profissional (a grande maioria dos cientistas, pelo menos no Brasil, sobrevivem a partir de bolsas governamentais que, mesmo (quando) pagas em dia, trazem nenhum direito trabalhista) e dá pra ter uma noção do desafio e da vocação necessária para aqueles que dedicam seus dias na busca pelo saber.

E faço toda esta divagação para falar da belíssima surpresa que foi me deparar com o filme Perdido em Marte (The Martian), uma ode ao poder do conhecimento científico para tornar nossas vidas melhores ou, na medida do possível, sobrevivermos frente a situações caóticas e à natureza impiedosa - além de entreter pra caramba! Na trama Matt Damon interpreta Mark Watney, astronauta que em missão na superfície de Marte sofre um acidente após uma tempestade que força o restante da tripulação a retornar imediatamente para a Terra. Dado como morto, Watney se vê sozinho neste planeta pouco conhecido, inóspito, a anos de distância de seu planeta de origem e, pior, sem contato com a Nasa e com um estoque limitado de comida para poder sobreviver até uma improvável missão de resgate. O que vemos a partir daí, e que dará norte ao filme, é o esforço de nosso herói para conseguir sobreviver e tentar contato com seus colegas para que possam trazê-lo de volta pra casa. Para isso o astronauta terá que utilizar, além de um controle emocional absurdo, todo o seu conhecimento de botânica (sua formação), engenharia, física, matemática e tudo o mais para fazer brotar vida em um ambiente cuja sua presença não pode ser detectada.


Tudo isso pode parecer loucura, e é! Uma espécie de McGyver do novo milênio, o personagem de Damon realiza proezas que só assistindo a película pra saber - e não é objetivo aqui dar spoilers. Realmente a trama não é das mais originais (comparativos com os filmes Náufrago e Apollo 13 são recorrentes na imprensa, com razão) mas a ideia aqui é entreter, e isso o veterano diretor Ridley Scott (dos clássicos Alien, Blade Runner e do recente - e bom - Êxodo: Deuses e Reis) consegue de maneira muito satisfatória. Algo surpreendente para um enredo de uma situação limite e desesperadora é a maneira com que Scott conduz a trama, de forma leve e extremamente divertida (não foram poucas as vezes em que a platéia gargalhou durante a sessão no cinema!). É claro que grande parte do mérito vai para a atuação de Damon que, com o seu carisma habitual, conduz sozinho grande parte do filme, fazendo-nos torcer pelo seu personagem e admirá-lo pela sua imensa vontade de viver e a maneira com que faz o uso da Razão de forma a extrair o melhor daquele mundo para alcançar seu objetivo.

Esse otimismo em relação à natureza humana perpassa pelos demais personagens do elenco estelar, que unem-se em um objetivo comum - saber do paradeiro de Watney e, se possível, tê-lo de volta à convivência. Quanto aos aspectos técnicos o filme não decepciona, fazendo uso de efeitos especiais belíssimos que realmente nos transportam para aquele planeta - e é recomendado fortemente assistí-lo em tela grande (e em 3D!) para uma maior imersão naquele universo. Apesar da longa duração, Perdido em Marte traz de volta aquele gostinho de filme da sessão da tarde, em que vivíamos "altas aventuras" e torcíamos pelos personagens envolvidos em "grandes enrascadas". Embora apele para o ufanismo norte-americano aqui ou acolá, Scott acerta a mão como há tempos não fazia, combinando com eficácia drama, sci-fi, ação e comédia. O que mais poderíamos exigir de uma sessão de cinema de fim de semana? E não é fantástico que esta experiência toda venha justamente do uso de ferramentas disponíveis graças a séculos de evolução técnico-científica?

Nota: 8,0.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Oito Considerações Sobre o Show dos Paralamas do Sucesso em Lajeado

Os Paralamas do Sucesso - que têm apresentado em todo o Brasil o espetáculo que comemora os 30 anos da banda - realizaram show na noite de domingo (04/09) no Clube Tiro e Caça em Lajeado. E foi um BAITA DE UMA APRESENTAÇÃO! Nós do Picanha estivemos presentes ao evento e destacamos, em nove considerações, o que de principal pôde ser observado nesse reencontro do grupo com o nosso município.

1) Extremamente gentil com o público, a banda subiu ao palco com apenas cinco minutos de atraso. Ainda que não tenha sido muito falante - e essa é uma característica do grupo, mais som e menos blábláblá -, Herbert Vianna falou algumas palavras pra plateia, salientando, especialmente, a alegria de poder fazer aquilo que gosta, "alimentado" pelo carinho dos fãs. Já no "bis", quando do megahit Vital e Sua Moto, trocou os tradicionais versos que dizem Os Paralamas do Sucesso iam tentar tocar na capital, por Os Paralamas do Sucesso iam tocar ali do lado, em Lajeado. Um pequeno afago que levou os presentes ao delírio.

2) A abertura com Alagados - o preâmbulo com Vulcão Dub funciona como uma espécie de aquecimento - não poderia ser mais acertada, já que a vibração praiana e ensolarada (a despeito da letra reflexiva) colocou imediatamente a galera pra dançar. O mesmo pode ser dito de Cinema Mudo que, com o seu tradicional Uôle Bôle Ô ô ô ô ô ô ô ô, foi diversão só. A propósito, o número de hits da banda chega a impressionar, o que fez com que nos lembrássemos imediatamente do jornalista da Zero Hora Roger Lerina, que dizia que o Elton John precisaria de uns três shows pra contemplar todos os sucessos da sua carreira. O mesmo vale para Herbert e companhia que empilharam músicas que marcaram a infância de muita gente que esteve presente. Particularmente fiquei muito feliz com a inclusão de canções antigas como O Beco, Melô do Marinheiro e, especialmente, Trac Trac, que nem sempre é tocada.



3) Aliás, foi justamente O Beco que fez com que o público viesse abaixo, o que de certa forma me surpreendeu. A namorada, que me acompanhava, recordou que a canção fazia parte da trilha sonora da novela Bebê a Bordo. Pode ter sido um dos motivos para muitos dos presentes, na faixa dos 30 e poucos anos, enlouquecer com o marcante naipe de metais da melodia. Na sequência, muito próximas uma da outra, vieram Uma Brasileira, Lourinha Bombril e Óculos. Foi a hora de levantar o povo que permanecia sentado.

4) A banda de apoio conseguiu tornar muito palpável o clima litorâneo, especialmente das músicas do início da carreira do grupo - quando era mais viva a mistura de rock, reggae e ska. A posição dos instrumentistas no palco, ocupando um pequeno espaço e estando muito próximo do público - aliás, nunca tinha visto um baterista na frente do palco, como fica posicionado o João Barone - aumentou o sentimento de proximidade. Tornando a experiência ainda mais intensa para quem lá esteve.

5) O telão intercalava imagens dos videoclipes, de apresentações e também apresentava o nome e o ano da canção que estava sendo executada. Ainda que isso fosse um complemento quase desnecessário, dada a envergadura do grupo.



6) O bis teve Aonde Quer que Eu Vá - apenas uma em meio a outras baladas clássicas como Lanterna dos Afogados, La Bella Luna e Tendo a Lua -, Caleidoscópio (a minha preferida e que não sosseguei enquanto não tocou), a já citada Vital e Sua Moto e a absolutamente desnecessária Que País É Esse? Aliás, o cover da Legião Urbana foi acompanhado de outros, como Você do Tim Mais e A Novidade de Gilberto Gil.

7) Também merece destaque o repertório apresentado pelo DJ Rangel Felipe da Rádio Tropical, que antes e depois da apresentação dos Paralamas, brindou o público com um divertidíssimo set de músicas dos anos 80 e 90, demonstrando total sensibilidade em relação a para quem estava tocando.

8) Ao final da noite ainda fomos surpreendidos com a gentileza de um dos integrantes da equipe, que facilitou o nosso acesso, já na rua, ao Herbert Vianna, que assinou, com toda a paciência do mundo, os discos de vinil da namorada. Pra quem cresceu escutando esta, que é uma das melhores bandas nacionais, não poderia haver fechamento melhor para a noite. Que fica para sempre no coração de quem lá esteve!

sábado, 3 de outubro de 2015

Picanha Cast 24/09/2015

Pra movimentar um pouco o final de semana do Picanha, está no ar mais uma edição do Picanha Cast, fruto da participação deste blogueiro que vos tecla no programa Enciclopédia 95 & 1 da Univates FM, comandado pelo xará Tiago Segabinazzi. Na pauta, os assuntos do site, com destaque para os filmes Tempos Modernos do gênio Charles Chaplin, e Lunar do diretor Duncan Jones - que é filho do David Bowie. É a ficção científica aparecendo cada vez com mais força, no Picanha! É só clicar e ouvir!

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Novidades em DVD - Expresso do Amanhã

De: Joon-ho Bong. Com Chris Evans, Jamie Bell, Tilda Swinton, Ed Harris, John Hurt e Octavia Spencer. Drama / Ficção Científica. Coréia do Sul / França / EUA / República Tcheca, 2013, 126min.

Muito mais do que um grande filme do ponto de vista cinematográfico, o principal valor de Expresso do Amanhã (Snowpiercer) - recém chegado em DVD - está nas questões que ele discute. Temas como aquecimento global, desigualdades sociais, meritocracia, tecnicismo desenfreado, abuso de poder e preconceito racial, entre outros tantos assuntos relacionados, são debatidos nessa verdadeira pérola do diretor John-ho Bong - dos ótimos O Hospedeiro (2006)  e Mother - A Busca Pela Verdade (2009). Se não chega a ser absolutamente inovador do ponto de vista temático - ainda mais se levarmos em conta a existência de um certo padrão na discussão que envolve obras de ficção científica, eventualmente futuristas e metafóricas, o mesmo não se pode dizer da abordagem criativa e instigante proposta pelo autor.

Toda a claustrofóbica trama de Expresso do Amanhã se passa dentro de um trem. Na verdade, a última composição a vagar pela terra, em um circuito fechado, após uma catástrofe ambiental congelar o planeta, tornando-o inabitável. O responsável pelo desenvolvimento do trem, que funciona em um sistema autossustentável, sem contato com o exterior, é um certo Wilford (Harris), que é tratado pelos ricos que habitam o local como uma espécie de Deus. Sim, dentro do trem, como numa espécie de microcosmo de qualquer megalópole, há os ricos e os pobres. Os ricos vivem bem, tem acesso a comida e água de qualidade, e passam seus dias entre belos jardins, escolas de qualidade, piscinas e festas regadas a muito álcool, drogas e música. Bom, os pobres, vocês já podem imaginar, vivem em condições precárias, sem banho, sem água e se alimentando de uma intragável barra proteica.



Evidentemente que, após mais de 15 anos vivendo nessa situação, os miseráveis tentarão avançar para a frente do trem - eles moram no fundão - buscando alterar a sua condição de vida. Ou ao menos descobrindo o que se passa na parte da frente, procurando entender os motivos da cruel separação entre ricos e pobres. Em sua jornada surgirá uma espécie de ministra, de nome Mason (Swinton, mais repugnante e nojenta do que nunca), que tentará demover o grupo de sua ideia. Com frases abomináveis como: cada um deve ocupar a posição a que está predestinado na vida ou ainda aqui há a primeira classe, a segunda classe e parasitas como vocês ou mesmo a horripilante fiquem no seu lugar, saibam o seu lugar, Mason destilará diversas formas de preconceito, que apenas servirão para acirrar os nervos os humildes.

Em sua jornada rumo a tomada do trem, o grupo encontrará vagões e todos os tipos, com estufas, câmaras frias, aquários, escolas, todos coloridos, alegres, cheios de vida, ao passo que os vagões de trás são metálicos, acinzentados, escuros, numa proposta fotográfica que valoriza e torna ainda mais gritante as diferenças entre ricos e pobres. Com um elenco recheado de estrelas - Chris Evans e Jamie Bell como os mocinhos que coordenam os esfarrapados, Octavia Spencer como uma mãe de família desesperada - e em alguns momentos caricata - atrás do filho desaparecido, e Ed Harris como um vilão debochado, o filme peca apenas pelos efeitos especiais que mais parecem feitos pelo estagiário do setor de comunicação da faculdade. Ainda assim, com tantas mensagens impactantes a respeito da luta de classes - e um final reflexivo e contemplativo - a obra de Bong merece ser apreciada.

Nota: 8,0