Quem procurar o filme Força Maior (Turist) atraído apenas pela sinopse - que fala de uma família acossada por uma avalanche enquanto passa férias de inverno nos Alpes - talvez se engane, já que esse não trata de um exemplar hollywoodiano do cinema catástrofe. Aliás, é totalmente ao contrário. Enquanto nos filmes americanos desse segmento somos apresentados a sujeitos comuns que se tornam bravos (e irreais) super herois quando surgem terremotos, tornados, alienígenas ou eras do gelo, aqui temos o homem absolutamente comum em uma situação limite. Reagindo tomando por base o instinto de sobrevivência, para tentar "proteger" a família de uma avalanche que, assim como surge, desaparece, deixando apenas dúvidas, frustrações e questionamentos.
Ninguém morre quando o acidente acontece enquanto a família almoça em uma espécie de restaurante que fica em uma espécie de terraço estação de esqui. Só que quando baixa a nuvem de neve que atinge o público ali presente - entre eles uma mulher, Ebba (Kongsli), e seus dois filhos - ninguém vê mais o patriarca que, naquele instante já devia estar a um quilômetro do local. Somente retornando tempos depois, de maneira constrangida, para encontrar a esposa absolutamente nervosa, com ambos os filhos nos braços. Proteger a família? Nada. Ampará-los em um momento em que todos pareceriam sucumbir diante da indestrutível força da natureza - a tal força maior do adequadíssimo título em português? Nunquinha. Tomas (Kuhnke) correu por sua vida. E com o seu gesto nada altruísta, abriu no coração de Ebba uma centena de dúvidas a respeito do relacionamento do casal. Que até ali parecia estável.
A partir desse momento, o que era um divertido passeio em família se transformará em uma relação pautada pelo convívio sufocante, com Tomas tendo dificuldade em lidar com eu comportamento, ao passo que Ebba, como forma de tentar "curar a ferida" se afasta do marido, preferindo esquiar sozinha, e expondo o ocorrido para outros amigos presentes no local. Em sua estreia, o jovem diretor Ruben Östlund constrói uma obra na melhor tradição dos filmes suecos - seu País de origem - onde prevalecem os silêncios, a sutileza, o dizer com o olhar ou com o corpo. Sem apelar para maniqueísmos e julgamentos precipitados, a obra ainda aproveita algumas de suas sequências da melhor maneira possível para fazer ponderações a respeito da inusitada reação de Tomas. Teria ele, ao agir por instinto, se comportado de uma maneira não adequada aos seus valores? Naquele instante, ele pensou a respeito? Ou não? Como nós agiríamos?
Ao jogar para o espectador essa questões, Östlund enriquece a experiência, nunca transformando-a em produto hermético em que sujeitos bons são sempre bons e maus são sempre maus. O comportamento das crianças, muito mais preocupadas com um eventual divórcio dos pais, do que com a reação do pai ao não permanecer com elas em uma situação de perigo, contribui para esse clima. O mesmo vale para o comportamento ambíguo de Ebba, que chega a sorrir, de maneira inusitada, em alguns dos momentos mais tensos. Enchendo a tela de imagens de neve em todo o seu esplendor, densidade e força, o diretor ainda utiliza o deslizamento como uma impactante metáfora para um relacionamento que pode desabar a qualquer momento. Na corrida para o Oscar de Filme Estrangeiro desse ano, Força Maior acabou ficando de fora. Mas ainda assim merece ser redescoberto agora, na telinha.
Nota: 8,8