quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Cinema - O Farol (The Lighthouse)

De: Robert Eggers. Com Willem Dafoe, Robert Pattinson e Valeriia Karaman. Suspense / Drama / Fantasia, EUA, 2019, 110 minutos.

É mais ou menos lá pela metade de O Farol (The Lighthouse), que Thomas Wake (Willem Dafoe), em meio a uma de suas tantas divagações, pergunta a Ephraim Winslow (Robert Pattinson) se ele sabe qual a parte mais terrível de ser um marinheiro. "É quando o trabalho para. [...] O tédio transforma os homens em vilões e o único remédio é a bebida, que mantém os marinheiros felizes, calmos", responde ele. Thomas e Ephraim estão no meio do nada, mais precisamente em uma pequena ilha isolada do final do século 19, onde trabalharão juntos durante quatro meses. E, por mais que esta não seja necessariamente uma obra sobre tédio ou marasmo, é possível afirmar que também a letargia dos dias que se repetem sem grandes novidades - há apenas trabalho pesado, bebedeira, filosofia barata e masturbação -, influenciará decisivamente no comportamento da dupla central que, na busca por dar algum sentido as suas existências, passará a alucinar num misto de folclore e terror.

Na ilha rochosa que é coabitada pela dupla de protagonistas, há também um farol - e é possível afirmar que é este ambiente mantido em segredo por Thomas (apenas ele pode fazer a manutenção do local), o ponto de partida da narrativa. Curioso pelo espaço que se mantém privado, Ephraim se encarregará do trabalho mais pesado, seja higienizando a cisterna, carregando pedras de lá para cá, levando galões de óleo que servirão para manter a luz acesa ou fazendo pequenos reparos nos espaços habitáveis. Ao longe, enxergará Thomas como uma espécie de espectro, que se mantém como o "dono" do farol. E, como se já não bastasse o mistério por trás do artefato, o jovem ainda passará a ter visões de sereias, numa mistura de sonho e realidade que é complementada pela presença opressora de dezenas de gaivotas que, como se inspiradas no filme Os Pássaros (1963), de Alfred Hitchcock, estivessem sempre prontas a atacar.


Aliás, como filme misterioso e evocativo que, eventualmente, investe nos silêncios, nos olhares e nos planos-sequência, O Farol é aquele tipo de obra que não oferece soluções fáceis ao espectador. Com um misto de drama e suspense, adota uma fotografia em preto e branco que bebe na fonte do visual bergmaniano não apenas no que diz respeito à técnica, mas também na complexidade dos temas abordados - o que está se tornando uma especialidade de Robert Eggers desde A Bruxa (2015). Aqui e ali a nossa tendência será a de tentar encontrar significados que estão para além daquilo que se vê na margem - significados que podem ser políticos, religiosos, literários, ecológicos -, mas talvez nesse caso o melhor seja apenas relaxar e curtir a experiência de ver dois homens enlouquecendo em meio a um ambiente inóspito, com tudo se tornando mais tenso quando uma tempestade se avizinha e a dupla central se vê impossibilitada de sair dali.

Com excelente composição, tanto de Pattinson - repare como ele sai da introspecção para a fúria em questão de minutos, com uma performance que usa muito o olhar e que o afasta cada vez mais da figura sem sal vista na saga Crepúsculo -, como de Dafoe, que provavelmente estará entre os indicados para Melhor Ator Coadjuvante no próximo Oscar (sua figura barbuda, tosca, consegue ser grotesca e carismática em igual medida), o filme é daqueles que rendem um debate, especialmente depois da cena final. Uma sequência que, aliás, se une a tantas outras e que fazem O Farol pulsar não como suspense/terror de jumps scares (ou sustos fáceis) e sim como narrativa psicológica, capaz de analisar como a sensação de solidão, de impotência diante da magnitude da natureza e de medo do desconhecido, podem refletir diretamente em nosso comportamento.

Nota: 8,0

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