terça-feira, 10 de janeiro de 2017

25 Melhores Discos Internacionais de 2016 (+15 Menções Honrosas)

Não deixa de ser sintomático o fato de que, justamente no ano em que Donald Trump venceu as eleições americanas, ter sido tão grande - e consequentemente impactante - o número de discos lançados que abordam temas relacionados ao preconceito, ao racismo, ao ódio e a outras formas de intolerância. Enquanto o mundo caminha para trás, numa onda absolutamente inexplicável de conservadorismo, a produção artística, especialmente a americana, poucas vezes foi tão robusta, significativa, imponente. E não por acaso, discos de R&B e hip hop e artistas como Frank Ocean, Solange Knowles e Blood Orange tem figurado entre as primeiras posições nas mais variadas listas de melhores internacionais. Não é diferente aqui no Picanha, que, ainda que seja um site pequeno, também olha para a música pensando na importância do engajamento e do discurso através da arte - mas sem ignorar a importância de (também) se divertir. Enfim, esperamos que gostem da nossa última lista do ano - que finalmente fecha 2016 - com os 25 Melhores Discos Internacionais de 2016 com mais 15 Menções Honrosas. Boa leitura!

Menções honrosas:

40) How To Dress Well (Care)
39) Wilco (Schmilco)
38) Chairlift (Moth)
37) Weyes Blood (Front Row Seat To Earth)
36) Niki & The Dove (Everybody's Heart Is Broken Now)
35) Suede (Night Thoughts)
34) Elton John (Wonderful Crazy Night)
33) Rihanna (Anti)
32) Partybaby (The Golden Age Of Bullshit)
31) Anderson .Paak (Malibu)
30) Kanye West (The Life Of Pablo)
29) Nick Cave and The Bad Seeds (Skeleton Tree)
28) Leonard Cohen (You Want It Darker)
27) Nicolas Jaar (Sirens)
26) DIIV (Is The Is Are)


25) Sia (This Is Acting): há quem acredite que a música pop nunca foi tão repetitiva, pouco criativa e previsível como nos dias de hoje. Não sei se é possível concordar com isso pois, na hora em que escolhemos aquilo que ouvimos, talvez só estejamos procurando algum artista que nos diga o que queremos escutar, de forma simples, direta, sem firulas, com alguns bons refrões e arranjos agradáveis. Algo que nos colocará pra cima ou pra baixo, dependendo de nosso estado de espírito. Letras engajadas? Bom, quem acompanha o Picanha sabe que adoramos. Mas nem sempre estamos pelo filme do Godard. Às vezes só queremos rir com alguma bobagem hollywoodiana. E, nesse sentido, esse disco da Sia é o melhor de música pop lançado nesse ano. É impossível ficar parado.



24) Maren Morris (HERO): cantores(as) de música country americana. Taí uma febre que, nos Estados Unidos, é muito semelhante a que ocorre com o sertanejo universitário, aqui no Brasil. Mas em meio ao amontoado de artistas que se acotovelam nas paradas de sucesso, muitos deles até mesmo saídos daqueles realities que promovem o melhor cantor da semana, alguns demonstram personalidade e acabam merecendo a atenção. Se não é a maior novidade do ano em termos musicais, ao menos a jovem Maren Morris demonstra afinação e verve musical ao se apropriar da sonoridade de artistas como Taylor Swift e Kacey Musgraves, entregando um disco redondinho, ensolarado e cheio de canções pop românticas que certamente farão sucesso na rodinha de violão. Experimente ouvir My Church sem abrir um sorriso.


23) Parquet Courts (Human Performance): confesso que até o lançamento desse disco, não gostava muito do Parquet Courts. Ainda que discos como Light Up Gold e Sunbathing Animal fossem sucesso de crítica com suas letras irônicas, ferozes e curiosas sobre o cotidiano - com um pé no debate político-ideológico -, não me agradava o estilo pós-punk nervoso e sombrio, que fazia o quarteto trafegar muito próximo de contemporâneos como Iceage e Savages, Parece que com o mais recente registro houve uma certa "limpeza" de produção que possibilitou a banda uma maior aproximação com novos públicos. O estilo das letras permanece o mesmo - estão até mais engraçadas e sensíveis -, mas a sonoridade noventista, à moda de Pavement, Yo La Tengo e outros torna a audição desse registro um processo absolutamente saboroso.


22) Kaytranada (99,9%): a capa multicolorida do disco inaugural do produtor - que virou febre no Soundcloud no ano passado - não é por acaso. O registro é um verdadeiro caldeirão de referências do músico haitiano radicado no Canadá e que comprova que ele não esqueceu suas origens. Aqui e ali é possível encontrar uma mistureba de ritmos complexos que dialogam com a música africana, o merengue, o reggaetown, sem esquecer do funk, do soul, do hip hop e do R&B, que formam um conjunto de músicas tão homogêneas que quase nem percebermos a transição de uma canção pra outra. Saboroso, leve, melodicamente rico e absolutamente radiofônico, é um trabalho recheado de participações especiais - até sample de Gal Costa tem -, que, ainda, é capaz de dialogar com todos os públicos.


21) M83 (Junk): quando Anthony Gonzales anunciou que o novo disco do M83, teria como inspirações séries de TV dos anos 80, como Punky - A Levada da Breca e Who's The Boss, a impressão que ficou, ao menos para parte da crítica "especializada", foi a de que vinha por aí um produto de pouca qualidade. Em última análise, o álbum certamente não seria tão grandioso e sofisticado como os espetaculares (e climáticos, e oníricos, e suntuosos) Saturdays = Youth e Hurry Up, We're Dreaming. Pode até ser. Mas ao abraçar novamente os anos 80, mas não a sua porção mais classuda, Gonzales entrega um dos discos mais simpáticos do ano, recheados de referências kitsch a Um Tira da Pesada, Wess e Dori Ghezzi, Amaury Junior, Thundercats, Clube dos Cinco. Você só não gostará se tiver um coração de pedra. Leia a resenha completa.


20) A Tribe Called Quest (We Got It From Here... Thank You 4 Your Service): qualquer preocupação que pudesse haver em relação a sonoridade da banda, que fez grande sucesso nos anos 90 com discaços como People’s Instinctive Travels and the Paths of Rhythm, de 1990, termina com uma simples audição desse imperdível registro. Sem parecer ultrapassado ou anacrônico - sentimento que poderia aflorar a partir de um hip hop forçado, deslocado ou que não dialogasse com o seu tempo - o coletivo nova-iorquino dá uma verdadeira aula a respeito de temas como empoderamento feminino, racismo, conflitos religiosos e preconceito contra minorias. Está tudo lá, num verdadeiro caldeirão de referências que possibilita entender a importância da banda para a história da música. E o principal: tudo sem perder a essência.


19) Porches (Pool): chega a ser quase irônico o fato de um disco que se chama Pool (piscina) ser tão denso, introspectivo e apropriado para as noites solitárias do ouvinte hipster que procura a banda mais hypada da semana. E as letras desalentadoras e pessimistas sobre relacionamentos de qualquer tipo não ficam atrás. In my loner hour / I turn to my twin bed / For power canta o vocalista Aaron Maine em Hour, enquanto a namorada Greta Kline, vocalista do Frankie Cosmos, susssurra o refrão ao mesmo tempo pegajoso e tristonho - em uma das tantas músicas que resumem o espírito dessa obra, que chega quase a ser mais oitentista - com seus sintetizadores cativantes e bem marcados -, do que os próprios anos 80. Se você gosta de Depeche Mode fase Violator, ouça pra ontem.



18) Lady Gaga (Joanne): verdadeiro divisor de águas na carreira da cantora, o mais recente registro mostra uma artista madura, segura de si e pronta para canções que vão para além do simples batidão-de-boate-que-repete-refrão-até-cansar. Joanne é um disco rico em referências country, que dialoga com o folk, com o blues, com o R&B e até com jazz mantendo um presente diálogo com o imaginário americano. São histórias que poderiam ser a da vida da artista mas que, interligadas entre si, envolvem o ouvinte por meio da universalidade que só a arte possibilita. Você é daqueles que ainda torce o nariz para os artistas pop? Tá na hora de rever seus conceitos. Lady Gaga está para além da música: com sua personalidade camaleônica representa, inclusive, os públicos que sofrem preconceito e vivem à margem da sociedade. O que também é louvável. Leia a resenha completa.


17) Teenage Fanclub (Here): melodias acessíveis, arranjos econômicos, letras adocicadas, refrões ganchudos e uma indelével verve para a música pop. Essas são as características do Teenage Fanclub desde SEMPRE e que fazem com que os fãs aguardem cada novo lançamento - cada vez mais espaçado - como se este fosse um verdadeiro objeto de culto. E não é diferente com Here, décimo trabalho dos escoceses, que entregam uma nova coleção de canções ensolaradas, livres de qualquer tipo de firula e prontas para o consumo imediato. Partindo exatamente de onde parou no ótimo Shadows, de 2010, a banda não tem a mínima vergonha de recorrer as características que delimitam (ou marcam) os seus trabalhos anteriores, ao ponto de pensarmos que Here não faria feio caso fosse lançado como espécie de registro de sobras de estúdio de qualquer época. Leia a resenha completa.


16) Angel Olsen (My Woman): em seu terceiro registro, a cantora americana parece se consolidar como a artista por excelência dos introspectivos de plantão. Daqueles que curtem ficar sozinhos no quarto escutando canções sobre as dores dos relacionamentos  e sobre a sensação de solidão em um mundo ultrapovoado. Se no primeiro registro - Half Way Home (2010) - o diálogo era ainda mais forte com o folk/country, no trabalho lançado neste ano há espaço para o diálogo com o pop, para as eletronices (com um sintetizador aqui e ali) e para o rock melódico. A moda de uma Patti Smith que se encontra com a Fiona Apple na modernidade, Olsen brilha em meio ao vocal melancólico, ao violão certeiro e as letras sarcásticas sobre as possibilidades de rir de si mesmo. E sem ignorar o potencial de um bom refrão - como mostram as saborosas Shut Up Kiss Me e Never Be Mine.


15) Whitney (Light Upon The Lake): algumas bandas são capazes de nos provocar sentimentos palpáveis. E ouvir esse registro de estréia da dupla americana de Chicago é ser transportado para algum lugar do passado em meio as tardes quentes e convidativas de alguma cidade litorânea (ou não) que não se sabe onde. Sem necessariamente reinventar a roda, o grupo cria uma obra que faz lembrar os únicos dois discos lançados pelo Girls: simples, nostálgica, com um quê de "já ouvi isso antes", que nos faz sorrir a cada refrão bem colocado, a cada guitarra melódica, a cada arranjo adocicado. Tudo tão singelo que quase nem vemos os 30 minutos do disco passar. "Cause i'm searching from those golden days" canta a banda no single Golden Days. É algo quase profético!



14) Esperanza Spalding (Emily's D+Evolution): não parece haver limites para a capacidade de a cantora americana misturar estilos, sempre de forma efervescente, evocando um calor quase sobrenatural, urbano e absolutamente capaz de combinar com seu estilo multicolorido - inclusive no que diz respeito a vida pessoal. Se canções como Judas não fariam feio em algum disco do Dirty Projectors ou de outras da vertente conhecida como freak folk, em outros momentos a impressão que temos é a de sermos catapultados para os melhores momentos de Prince e sua mistura de jazz, R&B e funk com uma pitada afro. A harmonia óbvia das melodias é o tempo todo substituída por texturas que se confundem, efeitos imprevisíveis e idas e vindas no tempo que transformam este em um dos grandes registros não apenas do ano, como da modernidade.


13) Mitski (Puberty 2): se você é daqueles alternativos (ou hipsters) mais engajados você certamente ouviu o hit (!) Your Best American Girl que está no quartoo registro da cantora nova iorquina, já tendo portanto uma canção pra chamar de "sua", no ano. A propósito, o álbum de Mitski, uma das vozes mais bacanas da atualidade, não tem esse título por acaso. Com 25 anos, a artista parece cantar para aquelas pessoas que, recém chegadas a vida adulta, têm dificuldade de entender que, a partir de agora, os boletos não se pagam sozinhos, há que se pensar em um futuro, na vida, no trabalho e, no casos, da Terra do Tio Sam, na contemplação do sonho americano. O que resultará em uma profusão de sentimentos que podem ir da depressão (Happy) a felicidade (Once More To See You) em instantes, em um disco que flerta, inclusive, com o punk.


12) Tegan and Sara (Love You To Death): parece não ter fim o "nicho de mercado musical" que se apropria dos elementos utilizados pelas bandas dos anos 80, transformando-os em novos, acessíveis e, por que não, criativos produtos para consumo imediato. É exatamente este o caso da dupla Tegan and Sara, que aposta no pop direto e acessível, entregando o melhor da música comercial do período sem pensar em muitas invencionices. e afastando-se cada vez mais do modelo empregado no início de suas carreiras - quando havia um flerte maior com o folk e o country. Assim, o negócio mesmo é se atirar na pista, cantando e dançando toda a sorte de canções comerciais, recheadas de refrões assobiáveis e de outros elementos que não fariam feio em algum disco do Roxette em início de carreira ou do Human League, na época do Dare. Leia a resenha completa.



11) David Bowie (Blackstar): Teria David Bowie, com esse registro impressionantemente soturno "previsto", assim como parece ter ocorrido com Mozart, o seu próprio óbito? O videoclipe de Lazarus - e suas dezenas de mensagens secretas, com direito a cenas de sofrimento em uma cama de hospital -, apenas dois dias antes de sua morte, também não contribuiria para esta tese? Ainda que tudo isto pouco importe dada a grandiosidade da obra do inglês - capaz de influenciar praticamente TODAS as bandas modernas que, certamente, beberam de sua fonte em algum momento da vida - é quase inevitável pensar em todo esse conjunto de signos como uma última circunstância de genialidade artística, capaz de colocar o ídolo, novamente, alguns passos acima de tantos outros que nascem de (raros) tempos em tempos. Leia a resenha completa.



10) The Avalanches (Wildflower): tente imaginar como seria uma parceria musical envolvendo Kendrick Lamar e Jamie XX. Agora some a isso a imagem de um filme dirigido por Spike Lee em que, num daqueles impensáveis paradoxos, seus personagens passam o dia curtindo a vida na beira da praia, ao som de Beach Boys - ou qualquer outra com espírito litorâneo. Dentro das casas, o burburinho das pessoas se mistura ao do gramofone - que toca algum álbum clássico do The Supremes, lançado nos anos 60 -, com o da TV ligada em algum desenho animado, como aqueles que (pensamos que) não são mais feitos hoje em dia. Nas ruas um vendedor opera o realejo com o objetivo de chamar a atenção do grupo de estudantes que aguarda a entrada na matinê, enquanto artistas performáticos utilizam-se de roupas multicoloridas, com a intenção de se destacar em meio a multidão. Coloque todos estes referenciais em um liquidificador (e tantos outros) e está feito o caldeirão que (tenta) definir o que significa esse disco. Leia a resenha completa.


09) Anohni (Hopelessness): a artista ainda respondia por Antony Hegarty em 2012, quando disse numa entrevista que boa parte da cena musical atual não passava de masturbação auto-congratulatória de boyzinho que frequenta boate. Nesse sentido, a percepção da falta de engajamento em um contexto em que a música poderia ser tão representativa quanto as outras artes para o debate político-ideológico sempre esteve presente. Não é por acaso que Anohni transforma esse fascinante registro em um verdadeiro documento capaz de denunciar o superaquecimento da terra (36 Degrees), a vigilância americana sobre o cidadão (Watch Me) e a guerra contra o terror no Afeganistão (Drone Bom Me). Sobra até pro ex-presidente americano e a decepção com a sua política na visceral Obama. Um disco lânguido, insinuante, cheio de camadas e efeitos e pop na medida certa. Mas que dá-le um tapa bem dado na cara da sociedade hipócrita em que vivemos.


08) Beyoncé (Lemonade): poucos artistas passaram por uma transformação tão grande na carreira quanto a mais velha das irmãs Knowles. Quem se acostumou a ver a cantora no número 1 das paradas emplacando mais de meia dúzia de hits dançantes e cheios de sintetizadores em cada álbum - como na época de I Am... Sasha Fierce (2008) - desde o registro anterior, intitulado apenas de 4 (2013), tem encontrado uma artista diferente. E claramente preocupada em transformar o seu trabalho para além do sucesso comercial simples e direto. Assim, aqui e ali é possível perceber o diálogo com outras vertentes musicais, o que universaliza o disco, aproximando-o da música africana, do jazz, do chamber pop e do rock alternativo. Se nas letras Beyoncé brinca sobre um relacionamento em crise - sem esquecer o engajamento - no conjunto da obra o assunto é mais do que sério. O que faz valer cada instante.


07) Car Seat Headrest (Teens Of Denial): na atualidade não faltam bandas querendo ser o Pavement, o Superchunk ou o Yo La Tengo da vez. De Courtney Barnett a Speedy Ortiz, cada uma delas parece preocupada em remodelar o som que formava a base de fãs do alternativo dos anos 90 - época em que o máximo do "comportamento hipster" era aguardar o início do Lado B na extinta MTV, nas madrugadas de quinta-feira. Pois com Teens Of Denial, o Car Seat Headrest trouxe raro frescor para o formato. A ironia das letras juvenis, o instrumental propositalmente displiscente (ainda que sempre certeiro), o estilo despojado e garageiro de cantar.. tudo está lá. Mas sem aquela cara de mera homenagem ou formalidade. A banda tem personalidade, diverte e entrega uma das melhores e mais improváveis canções do ano: Destroyed By Hippie Powers.


06) Bon Iver (22, A Million): colagens sonoras, vocais sobrepostos e repletos de autotune, efeitos eletrônicos diversos. A descrição de algumas características do mais recente registro do cantor Justin Vernon revela uma clara mudança de rota no que diz respeito ao estilo adotado pelo artista. A propósito, modificações mais do que bem-vindas. Se nos espetaculares For Emma, Forever Ago (2008) e Bon Iver, o homônimo registro de 2011, a predominância era de uma sonoridade em que se sobressaia uma melancolia doce, emanada por uma espécie de folk invernal capaz de se mostrar pungente e econômico na mesma medida, o novo trabalho parece se afastar, ao menos em partes, desse modelo. Algo que pode ser percebido não apenas nas melodias - difíceis, desconexas, caóticas - mas também na capa ou mesmo nos nomes das canções. Leia a resenha completa.


05) Chance The Rapper (Coloring Book): cantar sobre Deus, religião, a importância da fé e outros temas que se misturam a assuntos cotidianos, da vida em família e em comunidade, mas sem jamais parecer piegas ou um pregador apenas interessado em converter outras pessoas para o seu culto. É isso que Chance The Rapper faz em seu absolutamente sublime terceiro registro. Coros de vozes, colagens sonoras, rimas espertíssimas, efeitos eletrônicos na medida certa, dezenas de parcerias - de Anderson .Paak a Justin Bieber, passando por Kanye West e Lil Wayne. Tudo parece condicionado a nos levar a uma experiência etérea, simples de ser absorvida e que mostra um artista em plena evolução. When the praises go up, the blessings come down canta Chance na ótima Blessings. Ao ouvir esse registro irretocável, até os ateus irão concordar.


04) Frank Ocean (Blonde): em uma época em que o consumo desenfreado, urgente e instantâneo definem o comportamento de massa, o hiato de quatro anos desde o lançamento do espetacular Channel Orange (2012) foi, para os fãs, quase um caso de depressão profunda. Mais desafiador do que o registro anterior, o álbum até flerta com o manifesto político - tão caro à modernidade - na abertura Nikes, que fala do assassinato de Trayvon Martin, há quatro anos - episódio que também aparece no disco do Blood Orange (abaixo). Mas Ocean parece mais interessado, com seus vocais em falsete, piano bem pontuado e batidas minimalistas, em dialogar com o cotidiano de relacionamentos por meio de desabafos confessionais em meio a festas, noitadas, uso das novas tecnologias e desabafos sobre preferências sexuais. Com um punhado de participações especiais bacanas - Kendrick Lamar, Andre 3000, Beyoncé, Jamie XX - Ocean constrói um registro potente, amplo em significados e rico como experiência.



03) Blood Orange (Freetown Sound): o estilo anos 80 dos sintetizadores e do vocal - que lembra, de maneira curiosa, bandas como Mr. Mister e Crowded House e outras que tocam em rádios light mundo afora - são só detalhes para este que é talvez o mais engajado disco sobre racismo lançado nesse ano. E, é preciso que se diga, enquanto houver ódio, intolerância e preconceito contra quaisquer minorias, registros do tipo não serão apenas bem-vindos. Serão essenciais como documentos de um período em que a onda conservadora parece legitimar todo o tipo de atrocidade e violência entre seres humanos. Musicalmente belo e dançante, o disco não alivia na hora de falar de absurdos casos de violência, como em Hands Up, que fala (acredite) do assassinato do jovem Trayvon Martin, em 2012, apenas pelo fato de este ter se recusado a tirar o seu capuz em uma abordagem. Pungente. Cheio de groove. E essencial.



02) Radiohead (A Moon Shaped Pool): desafiador como de costume, o novo disco do Radiohead é daqueles que exigirá dos ouvintes muito mais do que uma ou duas audições. Isso dada a complexidade de elementos, a abrangência sonora e a ampla diversidade de ideias e possibilidades escondidas em cada curva do registro, em cada detalhe instrumental, em cada movimento lírico ou execução vocal. Aliás, já havia sido assim com os igualmente belos e imperdíveis Ok Computer (1997) e Kid A (2000). A abertura, com a essencialmente claustrofóbica Burn the Witch e seu instrumental que emula guinchos de lâminas - a moda de Psicose de Alfred Hitchcock - em meio aos vocais fantasmagóricos de Thom Yorke já é daquelas de valer o álbum. Mas tem mais. Muito mais. Leia a resenha completa.


01) Solange (A Seat At The Table): mais ou menos lá pela metade do disco da mais nova das irmãs Knowles existe uma canção que se chama F.U.B.U. Nela, Solange, com sua voz absolutamente celestial, amparada por um saxofone bem pontuado e um clima minimalista, canta: All my niggas let the whole world know / Play this song and sing it on your terms / For us, this shit is for us. A canção só não resume o espírito da obra porque esse imperdível registro é, desde já, TODO ELE um documento histórico não apenas da condição da mulher negra em uma sociedade patriarcal, machista e conservadora, mas também no que diz respeito a celebração da música em todas as suas possibilidades. E não é por acaso que é possível reconhecer sutilezas do jazz, do funk, da soul music e to hip hop de tudo quando é época, todos eles elaborados de maneira harmônica, fluída, como se tudo não passasse de um bálsamo sonoro. É um paradoxo lindo a placidez com que Solange entoa cada verso furioso, como este fosse um paliativo para a dor descrita. Um registro único, cheio de participações especiais, interlúdios que reforçam a temática e ideias sobrepostas que ficam horas na cabeça, após cada audição.

E então, pessoal, gostaram da lista? Faltou algum disco imperdível do ano? Comentem conosco! =D