quinta-feira, 29 de setembro de 2022
Livro do Mês - O Negociante de Inícios de Romance (Matéi Visniec)
terça-feira, 27 de setembro de 2022
Na Espera - The Fabelmans (Filme)
Preciso ser sincero com vocês: só de ver o trailer de Os Fabelmans (The Fabelmans) eu já me emocionei. E depois de levar o People Choice Award do recente Festival de Toronto, o filme de tintas autobiográficas de Steven Spielberg já salta na frente na corrida pelo Oscar. Na trama, um garotinho inspirado no próprio diretor (vivido por Gabriel LaBelle) revive memórias de infância tendo a paixão pelo cinema - e a descoberta desse universo meio mágico - como pano de fundo. No trailer, aquele clima Spielberg por excelência, com história de superação (ou de amadurecimento), trilha sonora épica, reviravoltas, dores e a persistência na busca da consolidação do sonho americano em meio a um ambiente doméstico meio conturbado. Aquela coisa meio mágica que, aliás, é o tipo de história que costuma agradar a indústria - e, consequentemente, os votantes da Academia.
Com previsão de estreia para o dia 09 de fevereiro de 2023, a superprodução conta com nomes de peso no elenco, casos de Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Judd Hirsch e Jeannie Berlin - com Williams, Hirsch e Dano podendo figurar também nas categorias de atuação. Metalinguística e cheio de referências, a obra parece funcionar como uma carta de amor à própria arte cinematográfica - sendo, nesse sentido, um pouquinho diferente de Belfast (2021) e A Mão de Deus (2021), que também traziam reminiscências juvenis de seus diretores (no caso Kanneth Branagh e Paolo Sorrentino). A avaliação geral no condensador Metacritic está alta (84) e sites como o Hollywood Reporter concederam nota máxima em suas resenhas. "Filmes são como sonhos que você nunca vai esquecer" é uma das frases ditas por Mitzi (personagem de Michelle Williams que vive a mãe). Dada a filmografia de Spielberg, ele aprendeu essa lição direitinho.
Foi Um Disco que Passou em Minha Vida - R.E.M (Automatic for the Pepole)
Não sei como foi pra vocês, mas a minha paixão pelo R.E.M não começa com Automatic for the People. Na realidade é o Out of Time (1991) que abre as portas: um disco que talvez não fosse tão coeso, mas que tinha hits imbatíveis - e basta pensar que Losing My Religion e Shiny Happy People, com seus videoclipes marcantes, fazem parte desse álbum. O fato é que quando se é uma criança de dez, onze anos, que está crescendo e meio que descobrindo o mundo, as memórias se tornam meio aleatórias, difusas. Sim, eu lembro das canções de Michael Stipe e companhia ecoando no rádio. As citadas acima. Outras como The One I Love, Orange Crush ou Radio Free Europe. É tudo meio espaçado dentro dos sonhos juvenis. Nostálgico em alguma medida. A gente ia se formando meio que sem saber. Aprendendo não se sabe bem de onde. E quando vê, bate. E eu jamais vou me esquecer da minha alegria ao sair de uma das lojas de CDs locais, com a minha cópia do oitavo trabalho do R.E.M.
Na minha juventude utilizávamos uma expressão que buscava resumir a paixão demasiada por um disco: o de que ouvíamos ele até "furar" (o que não deixava de ser um curioso paradoxo, diante de um artefato que possui um buraco em seu centro). Esse foi o caso de Automatic for the People. Trancado no quarto ficava horas saboreando aquelas canções que iam da melancolia extrema (como no começo, com Drive e mais adiante com Everybody Hurts), passando pelo otimismo debochado de The Sidewinder Sleeps Tonight, até chegar a intimista e grandiosa Man on the Moon que, até hoje, permanece como uma das minhas músicas preferidas da vida. Tudo nela é perfeito, da melodia sinuosa e envolvente, passando pela letra que homenageia o comediante Andy Kaufman ao mesmo tempo em que divaga sobre atemporalidade, memória, mitologia e a inocência perpetrada pelo sonho americano, até chegar ao refrão grudento. A canção entraria mais tarde na trilha do ótimo O Mundo de Andy (1999) e, bom, apenas amamos.
Sobre as outras canções, interessante notar como, mesmo os instantes mais enigmáticos, parecem ser envoltos em uma ambientação dramática, soturna. A reflexiva Monty Got a Raw Deal homenageia o astro da Hollywood dos anos 50 Montgomery Clift, que morreria tragicamente anos após um acidente que deformaria seu rosto. Clift era um dos homens mais belos de Hollywood e lidar com uma série de cirurgias em que nada poderia ser feito o fez se entregar às bebidas e aos remédios. "Monty, isso me parece estranho / Os filmes têm aquela coisa de filme / Mas o absurdo tem um quê de boas-vindas / E os herois vão e vêm facilmente", divagaria Stipe. Esse expediente que mescla referências culturais, dilemas cotidianos e dores mundanas, seria repetido em outros momentos. As perdas familiares são mencionadas em Sweetness Follows. As intenções suicidas em Try Not to Breathe. A esperança por dias melhores em meio a adversidades em Everybody Hurts. E a pesada crítica política às eras Bush e Reagan ecoa em Ignoreland. É um conjunto que se torna heterogêneo à sua maneira.
De alguma forma falar de morte, de sofrimentos, de tempo que não retorna mais, de passado mas olhando para o futuro, tudo é despejado para o ouvinte com calma, com elegância, de forma complacente. É como se Stipe se posicionasse como uma espécie de amigo que está ali ao lado para apoiar, para dizer a palavra certa, para fazer levantar a cabeça. Mesmo Drive, com suas cordas cortantes e melodia repetitiva, surge como um libelo a liberdade de escolha, especialmente por parte dos jovens (Hey, crianças, onde estão vocês? / Ninguém lhes diz o que fazer, baby). E mesmo quando adota o deboche, o pastiche aleatório, a banda de Athens o faz de forma graciosa, transformando o inusitado na matéria-prima ideal, como no caso de The Sidewinder Sleeps Tonite, que nada mais é do que uma canção sobre um sujeito que aguarda uma ligação na calçada da rua. Levemente acústico, estabelecendo diálogo com o country e o alternativo em igual medida, Automatic for The People talvez tenha sido o último grande disco do R.E.M. Não que Monster (1994), com suas três insuperáveis guitarras, fosse ruim. Mas aí já é outra história. Que fica pra um outro texto.
segunda-feira, 26 de setembro de 2022
Tesouros Cinéfilos - Speak No Evil
sexta-feira, 23 de setembro de 2022
Novidades em Streaming - Entre Dois Crepúsculos (Iki Safak Arasinda)
De: Selman Nacar. Com Mucahit Kocak, Burcu Gölgedar, Bedir Bedir e Mehmet Emin Kadihan. Drama, Turquia / Romênia / França / Espanha, 2021, 91 minutos.
Impressionante como, muitas vezes, um filme pode até ser pequeno, mas sem deixar por isso de ter instantes de grande potência. Particularmente há uma cena em Entre Dois Crepúsculos (Iki Safak Arasinda) - obra turca recém lançada e disponível na sempre ótima plataforma Mubi - que exemplifica essa situação. Nela, Kadir (Mucahit Kocak) participa de um jantar onde está conhecendo a família de sua noiva Esma (Burcu Gölgedar). O que deveria ser um momento de plena alegria - ainda que envolta pela ansiedade natural que costuma rondar esse tipo de situação -, se converte em um episódio absolutamente desconfortável, após o seu sogro o convida para tocar o saz, um tipo de instrumento musical típico da região. O problema não está na incapacidade de manejar o objeto e sim nos pensamentos de Kadir. Na sua mente. Com a cabeça longe ele consegue, apenas com o olhar e com o gestual sôfrego e constrangido, transmitir toda a angústia que invade a sua alma. A última coisa que ele desejaria ali, era ser meio que obrigado a tocar saz.
Mas, ok, o futuro sogro de Kadir não sabe do "pepino" que o sujeito está envolvido. Diretor de uma fábrica de produtos têxteis ao lado do irmão mais velho Halil (Bedir Bedir), o protagonista está tendo que lidar com um gravíssimo acidente de trabalho que ocorreu nas dependências da indústria, após uma pane em um limpador a vapor. Na tentativa de consertar o equipamento, o operário Murat (Mehmet Emin Kadihan) sofre severas queimaduras, tendo de ser levado às pressas ao hospital mais próximo. A ideia de analisar a responsabilidade dos empregadores com seus funcionários em casos do tipo não chega a ser exatamente uma novidade no cinema. Mas aqui a experiência proposta pelo diretor estreante Selman Nacar ganha tintas documentais, avançando ainda para os dilemas éticos e morais que emergem da situação. Tocar saz, passar a imagem de bom moço? Não, não rola. Não naquele momento.
Orientados pelo advogado Yasin (Erdem Senocak), os irmãos e mais o pai Ibrahim (Ünal Silver) tentam se antecipar a toda a tramitação judicial que poderá decorrer do episódio, propondo à esposa Serpil (Nezaket Erden) uma espécie de acordo financeiro que a compense. As informações no hospital são insuficientes. O ferido se recuperará? Voltará a trabalhar? Morrerá? Enquanto aguardam notícias, os familiares de Murat precisam lidar com a (aparente) falta de empatia, de sensibilidade daqueles que estão do outro lado do balcão. E que parecem interessados apenas em religar os equipamentos para que a produção - que já está ficando atrasada - seja retomada o quanto antes. Se morrer alguém no caminho? Fazer o quê, os patrões não são coveiros, né? E não é por acaso que a leitura do documento que busca acertar os detalhes do acordo é tão constrangedora. Especialmente quando os patrões dão a entender que o acidentado estaria cumprindo as suas funções alcoolizado. Ou será que estaria mesmo?
Bom, ainda que possua leis trabalhistas que respeitem o lado do funcionário, a situação na Turquia não é muito diferente da do Brasil. E no fim das contas a gente sabe qual o lado mais fragilizado em uma situação dessas. Para Halil, a maior punição parece vir de sua consciência. Em caso de tragédia maior do que aquela prevista ele poderá mudar de País. Fugir. Os equipamentos poderão ser religados sem problema algum. Ao redor do mundo os importadores pouco ou nada se preocuparão. Os clientes seguirão comprando. As tramas, os fios, se engendrarão, numa metáfora mais do que ajustada pra tudo aquilo. Mas o atoleiro moral, esse permanecerá. Reforçado pela fotografia melancólica, acinzentada. Pelos longos e sufocantes planos sequência, que amparam atuações naturalistas, orgânicas. E pelo saz que entoa uma bela melodia, mas que jamais abalará o abismo existente entre os dois extratos sociais que acompanhamos.
Nota: 8,0
quinta-feira, 22 de setembro de 2022
Grandes Filmes Nacionais - Cidade de Deus
De: Fernando Meirelles e Kátia Lund. Com Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino, Phellipe Haagensen e Seu Jorge. Drama / Policial, Brasil / França / Alemanha, 2002, 129 minutos.
Em uma das tantas cenas impressionantes de Cidade de Deus, Zé Pequeno (Leandro Firmino) circula pela favela que dá nome ao filme, em uma caçada à gangue juvenil conhecida como "caixa baixa". Iniciantes no universo do crime, os caixa baixa não passam de um grupo de trombadinhas pré-adolescentes que efetuam furtos na comunidade - mas que anseiam por voos maiores. Zé Pequeno e seus asseclas encontram os meninos - sim, são meninos de no máximo dez, doze anos - em um beco. E os enquadra. Mais do que isso, tortura-os psicologicamente. Ameaça-os. Grita. Atira no pé de um. Mata outro. A sangue frio. Sem muita negociação. Um dos meninos que sobrevive, e que não deve ter mais do que oito anos, chora copiosamente. De forma comovente. Se havia ainda alguma dúvida a respeito da natureza violenta e assustadora de Zé Pequeno, ela está aqui resolvida. Não se salva ninguém. Adulto, criança, idoso. Playboy, mano, branco, rico, pobre. Qualquer um que ameaçar os seus negócios na Cidade de Deus, é bala.
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Novidades em Streaming - O Alfaiate (The Outfit)
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
Novidades em Streaming - Os Primeiros Soldados
Pitaquinho Musical - Rina Sawayama (Hold The Girl)
Ok, pessoal, o mundo anda complicado mas aqui está a Rina Sawayama para nos lembrar que, juntos, talvez possamos dar a volta por cima. Enfrentar o que quer que seja. A mensagem pode soar meio óbvia, mas, de alguma forma, parece ser parte do conceito central de Hold The Girl, segundo trabalho da artista nipo-britânica. Abandonando, ao menos em partes, a fúria nü metal do disco de estreia - nosso nono colocado nos Melhores Internacionais de 2020 - Rina abraça com carinho o europop e a dance music, mesclando-o com o rock alternativo, o hyperpop e outros gêneros. O que resulta em uma coleção de canções heterogêneas e cheias de personalidade. "É um disco muito adulto, porque só é totalmente compreendido quando você se torna um adulto e pode relembrar as experiências que teve quando criança", comentou em entrevista à Rolling Stone.
Nesse sentido, é interessante notar como temas diversos que vão desde à opressão religiosa (Holy), passando pelo abismo entre gerações (Your Age), pela homofobia (Send My Love to John) até chegar a importância da autoaceitação (Frankestein) vão se descortinando em letras que fluem como uma verdadeira montanha-russa emocional - sempre amparadas por arranjos envolventes e melodias luminosas. Um outro bom exemplo vem da faixa-título, que Rina afirma ter sido uma espécie de insight pós sessão de terapia. "Foi a música que me desbloqueou e me deixou animada para escrever novamente", explicou. Cheio de contrastes, de idas e vindas, de encaixes nunca óbvios e ainda assim saborosamente acessíveis, Hold The Girl confirma Rina Sawayama como uma das grandes artistas de nosso tempo. Daquelas que olha pro futuro, ao mesmo tempo em que reverencia o passado.
Nota: 9,0
sexta-feira, 16 de setembro de 2022
Novidades em Streaming - Red Rocket
De: Sean Baker. Com Simon Rex, Bree Elrod, Suzanna Son e Brenda Deiss. Comédia dramática, EUA, 2021, 131 minutos.
Pelo visto o sonho de uma América "grande de novo" não deu muito certo - e eu admito ainda não saber se essa metáfora no filme Red Rocket foi proposital ou não. A obra, afinal, nos joga para o ano de 2016 onde, na industriária Texas City, a cidadezinha respira a fantasia alaranjada e megalomaníaca de Donald Trump. Na TV, o futuro presidente norte-americano - agora já ex - bravateia aquele discurso que mistura nacionalismo utópico com promessas de fortalecimento econômico. O que foi a desculpa perfeita para o exercício da xenofobia, do racismo e de outras violências. Aliás, a respeito dos preconceitos, o protagonista Mikey (Simon Rex) está retornando para a sua cidade natal após uma mais ou menos bem sucedida carreira como astro pornô em Los Angeles. Só que ele está em decadência e os problemas financeiros e com figuras não muito amistosas do meio estão batendo à porta. A América para Mikey já foi grande, se é que me entendem. Hoje, talvez só com viagra.
Só que o problema de ser uma estrela em um meio que ainda gera certa antipatia das "famílias de bem" - especialmente em uma cidadela conservadora do Texas - é que não será possível retornar ao que era antes. Mikey chega afobado à casa da ex-mulher Lexi (Bree Elrod) e da antiga sogra Lil (a falecida Brenda Deiss) clamando por um lugar para dormir que seja. Lexi foi sua antiga parceira no ramo da pornografia e acaba aceitando a condição, desde que o sujeito pague uma parte do aluguel e as auxilie nas lidas domésticas - como cuidar do jardim, cortar a grama e outros afazeres. Arrumar emprego, nem que seja em uma das tantas lanchonetes de fast food locais? Bom, essa não será tarefa fácil. Pra conseguir alguma grana ele se aproxima de uma traficante veterana (Judy Hill), iniciando um negócio de distribuição de maconha junto à uma pequena empresa que comercializa donuts. Seus clientes preferidos? Os operários das refinarias de petróleo da região.
Filmado por Sean Baker - de Projeto Flórida (2017) - naquele estilo de fotografia meio granulada, empalidecida, lo-fi - algo que meio que já se tornou a sua marca registrada -, a experiência transparece certa decadência e um tanto de desolação a cada frame. Circulando pela desértica e melancólica Texas City - com sua paisagem um tanto grotesca de distopia de ficção científica, ocupada chaminés, cabos de luz e prédios acinzentados - Mikey é o sujeito que mantém o sonho de retornar ao seu meio em grande estilo, depois de conhecer a jovem Strawberry (Suzanna Son), de apenas 17 anos. Iniciando um relacionamento meio inadequado com a adolescente, o homem adota um comportamento que beira o delírio psicótico, equilibrando certa insegurança diante de sua nova condição (não passa, afinal, de um ferrado) com a crença em uma dinâmica de poder embasada em uma (falsa) perspectiva de sucesso para além daquele ambiente.
Divertido e trágico, o filme equilibra instantes absurdamente engraçados, como aquele em que Mikey briga com o namorado de Strawberry usando como argumento o fato de ser "ator pornô", com outros que são puro escracho a respeito do momento político dos Estados Unidos, que busca juntar os cacos após a desvairada Era Trump. E, nesse sentido, não há nada melhor para evidenciar a hipocrisia de uma cidadezinha provinciana do que a cena da família que fuma maconha unida, enquanto entoa um canto bíblico. E o melhor: com a seda para enrolar o "crivo" tendo como estampa a própria bandeira dos Estados Unidos ("sou um patriota" lembra Mikey, quando adquire o material na loja). E como se não bastassem todos esses predicados, ainda há o componente nostálgico, que envolve repetidas aparições da música Bye, Bye, Bye, do N'Sync. A América queria ser grande de novo. Mikey foi grande, a sua maneira, em algum momento. Agora é hora de se reerguer em meio aos escombros. Sabe-se lá como.
Nota: 8,0
quarta-feira, 14 de setembro de 2022
Cine Baú - Week-End à Francesa (Weekend)
De: Jean-Luc Godard. Com Mirelle Darc e Jean Yanne. Comédia dramática, França / Itália, 1967, 105 minutos.
"Cinema é a fraude mais bonita do mundo." Jean-Luc Godard
Ah, a civilização. Esse conjunto de valores próprios que integram a vida política, cultural, econômica e religiosa de um determinado local e que possibilitam a convivência ordeira em sociedade. Poucas vezes essa falácia - a de que somos capazes de ser pacíficos, corteses, afáveis, amistosos - foi tão bem desmontada em um filme como no clássico Week-End à Francesa (Weekend), do recém-falecido Jean-Luc Godard. Caos no trânsito, gritaria, acidentes, traições, discussões, estupros, perversões sexuais. Tiro, bomba, sangue, morte. Ódio, preconceito, intolerância. A buzina interminável. O tempo todo. Tudo aquilo que forma a paisagem, inclusive atual, do nosso cotidiano, está lá. Por que para Godard não bastava criticar por criticar, já que o diretor utilizava a arte e suas possibilidades simbólicas, de quebra de lógica de sua própria linguagem, para um exame mais profundo das nossas mazelas. A viagem feita pelos protagonistas Corinne e Roland Durand (Mirelle Darc e Jean Yanne) é, ao cabo, apenas uma boa desculpa.
Em uma das tantas sequências inesquecíveis, o casal enfrenta um longo engarrafamento, que é filmado de forma bem coreografada em um longo plano de poucos cortes. A balbúrdia e a confusão são ampliadas pelo barulho que vem de todos os lados. Enquanto cruzam a estrada, se deparam com crianças que correm, idosos que jogam xadrez, caminhões de combustíveis, carros batidos, veículos que parecem conduzir animais ao circo, carroças. Discussões e mais discussões. Revólveres que são sacados, ameaças que são feitas. Ao final, vencidos os obstáculos, trata-se "apenas" de um grave acidente. Com vários mortos. Fazer o quê, né? Ninguém é coveiro e a vida continua. Mais adiante, a dupla se depara com uma nova confusão. Nela, uma ricaça discute com o motorista de um trator - provavelmente um agricultor da região. Ela argumenta de forma elitista, evidenciando a diferença de classes como uma forma de apontar onde está a ponta mais fraca (a que de depende do Governo, de associações, de cooperativas).
No cerne do filme de Godard, assim como em muitos outros, está o apontamento desses contrastes. Especialmente o de que nas aparências de uma convivência ordeira, está um subsolo cheio de feridas, de fraturas estruturais, de paradoxos. E que não tardarão a emergir à superfície. Ao cabo Roland e Corinne são anti-herois irritantes, burgueses mesquinhos. Cada qual com seu amante que mantém em segredo - conspirando para matar o outro. E como assassinato pouco é bobagem, ainda tramam entre si para colocar em prática um plano que visa a dar cabo da vida do moribundo pai de Corinne. O que lhes garantirá uma polpuda herança. Eles estão agitados, claro. E não é por acaso. Quando se acidentam no meio do caminho, a preocupação da mulher é com a sua bolsa: um artigo de luxo perdido no incêndio. O restante da trajetória, num ambiente rural, bucólico e inóspito, terá de ser feito a pé. Onde se depararão com um sem fim de figuras excêntricas, bizarras, que parecem saídas de algum lugar da literatura fantástica, do teatro mágico. Ou, vá lá, de um sonho felliniano que se mistura com os delírios de Buñuel (todos eram contemporâneos, afinal).
E tomando-se por base Weekend À Francesa, talvez não seja por acaso que a obra de Godard permaneça tão atual, tão vívida, tão contemporânea. Refletindo esses nossos tempos - de extremismo de direita, de pandemia, de guerra, de vazio das relações e de incapacidade de compreender o outro - como nunca. Quando um vizinho saca o revólver para tentar atirar no outro por causa de uma batida de carro ainda no começo do filme, é simplesmente impossível não pensar nos malucos que preferem tirar a vida de alguém que nem conhecem em uma uma briga de trânsito, do que optar pela conciliação. A civilização falhou e o diretor francês era mestre em ir nas vísceras dessa análise (a divisão por classes de antigamente, apenas se converteria na divisão por classes atual). Hiperbólica. Surrealista. Histriônica. Picaresca. Metalinguística. Política. Filosófica. A experiência com o filme pode soar exagerada e pouco amistosa para alguns paladares. Talvez direta demais. Mas o encontro da selvageria da vida real, em colisão com a busca da compreensão do mundo - especialmente por meio das artes - segue incontestável em última análise. O legado de Godard é enorme. E Weekend é só um de seus tantos clássicos.
terça-feira, 13 de setembro de 2022
Curta Um Curta - Wasp
Vencedor de quase uma dezena de prêmios - entre eles o Oscar de Melhor Curta-Metragem Live Action na cerimônia de 2005 - Wasp, de Andrea Arnold, é daqueles projetos que coloca o espectador numa espécie de "sinuca". Na trama, acompanhamos a jovem Zoe (Natalie Press), mãe solo que parece bastante ocupada na tentativa de fornecer o mínimo para seus quatro filhos pequenos - e a briga com uma vizinha já no começo da projeção é uma mostra de que as coisas não andam bem. Voltando pra casa ela é interpelada por Dave (Danny Dyer), uma paixão da juventude que está de volta à cidade e a convida para sair. Mas como conciliar a rotina sufocante com as crianças com o desejo de também viver a própria, ter um romance, transar, ser amada? Fazendo um verdadeiro malabarismo, Zoe se empenha em conciliar tudo - e a vespa que circula, buscando uma espécie de liberdade, surge como a metáfora óbvia que dá nome ao curta. Liberdade, responsabilidade, anseios, sonhos, dúvidas, angústias, tudo ocorre enquanto torcemos pra que todos se conciliem de alguma forma. É otimista, poético, naturalista. Talvez quase utópico. Mas não custa sonhar.
Cinema - O Chef (Boiling Point)
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Livro do Mês - A Metade Fantasma (Alan Pauls)
sexta-feira, 9 de setembro de 2022
Pérolas da Netflix - O Empregado e o Patrão (El Empleado y El Patrón)
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
Na Espera - Glass Onion: Um Mistério Knives Out (Filme)
terça-feira, 6 de setembro de 2022
Grandes Cenas do Cinema - Traídos Pelo Desejo (The Crying Game)
De: Neil Jordan. Com Stephen Rea, Jaye Davidson, Forest Whitaker, Miranda Richardson. Drama / Romance / Suspense, Reino Unido, 1992, 112 minutos.
Foi em 2007 que a revista norte-americana Premiére elaborou uma lista com as 25 cenas mais chocantes da história do cinema. Estavam lá momentos memoráveis, como aquele da criatura alienígena destroçando o corpo de um dos passageiros da nave Nostromo, em Alien: O Oitavo Passageiro (1979), a famosa sequência do chuveiro, de Psicose (1960), ou o final impactante de O Sexto Sentido (1999), entre outras. Em um inesperado primeiro lugar, um instante de Traídos Pelo Desejo (The Crying Game) que, talvez nos dias de hoje, não escandalizasse tanto assim. Mas que em 1992 impactaria e geraria estranhamento nas plateias mundo afora. Na sequência em questão o guerrilheiro do IRA Fergus (Stephen Rea) vai atrás da enigmática Dil (Jaye Davidson), namorada do soldado inglês Jody (Forest Whitaker) que é sequestrado e morto pelo exército irlandês. Ele passa a persegui-la, vigiá-la, e se apaixona por ela. Mas quando eles vão ter a primeira noite...
Eu lembro até hoje o quanto eu fui surpreendido quando assisti ao filme de Neil Jordan pela primeira vez, alguns anos depois de seu lançamento. E o mais legal da obra é como, em uma época em que não existiam redes sociais, ela te enganava bonito! Hoje, 30 anos depois, todo mundo sabe que Dil era na realidade uma transexual - e a cena em que ela aparece nua de corpo inteiro, pela primeira vez, exibindo seu pênis, é de um impacto meio inesperado. A gente realmente não imagina, dada a feminilidade da personagem, sempre elegante e sexy em vestidos e botas de salto, que realçam seu corpo esguio. Ainda assim, em retrospectiva, é interessante notar como Jordan parece dar várias pistas do que está por vir - e que vão desde os traços levemente andróginos de Dil, passando pelo fato de ela ser cantora em uma boate gay nas horas vagas, até chegar ao fato de ela demorar bastante tempo pra se revelar mais plenamente, por assim dizer.
E há ainda um ótimo momento em que o afável atendente do bar da boate - seu nome é Col (Jim Broadbent) - parece ter a intenção de "alertar" Fergus sobre algum segredo de Dil, sendo interrompido em um momento determinante. Estava tudo lá, mas essa é, de alguma forma, a mágica do cinema. Assim como no citado O Sexto Sentido - que catapultou todos os espectadores das poltronas em direção à estratosfera com sua revelação final - aqui, o inesperado vem do prosaico, do cotidiano, que confronta de alguma forma a sexualidade heteronormativa, avançando para uma excelente reflexão sobre a paixão (e o amor) acima de tudo. E independente de gênero. Em entrevistas, Rea destacaria mais tarde a ousadia de Jordan em colocar um nu frontal do tipo, em uma época em que isso era raríssimo - sim, é bem diferente das séries da HBO Max nos dias de hoje. "Devo dizer que acho que nunca tinha visto um pênis em tela antes", comentou para a Vulture em 2014.
Penso que outra questão que torna tudo bastante inesperado é a obra iniciar como um thriller político sobre disputas internas na Irlanda. Por cerca de 40 minutos a inesperada amizade entre Fergus e Jody se estabelece - por mais que o primeiro mantenha o segundo como refém. E é justamente o sentimento de culpa pela morte do prisioneiro - que, vale lembrar, é atropelado por um tanque de guerra enquanto tenta fugir - que faz com que nós, como espectadores, também torçamos para que as coisas saiam a contento. E o fato de Dil ser uma figura misteriosa, sexy e determinada torna tudo ainda melhor, nessa virada em direção ao drama romântico que a obra dá (aliás, um tipo de mistura típica dos anos 90). Traídos Pelo Desejo, pela sua coragem e pelo seu atrevimento receberia, com justiça, o Oscar de Melhor Roteiro Original na cerimônia de 1993, sendo nominado ainda em uma série de outras categorias (inclusive Melhor Filme). Hoje, a nudez desse tipo já está bem mais naturalizada. E, muito provavelmente, não renderia tanto falatório como na época.
[Não encontramos a sequência no Youtube, então colocamos essa, da cena do bar]
Novidades em Streaming - Elvis (Elvis)
De: Baz Luhrmann. Com Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge e Dacre Montgomery. Drama / Musical, EUA, 2022, 159 minutos.
"Ela estava tendo sentimentos que não tinha certeza se deveria gostar. Ele era um gosto de fruta proibida e ela poderia tê-lo comido vivo."
"Caímos em uma armadilha. Não posso escapar". Em uma das tantas grandes sequências de Elvis (Elvis), superprodução de Baz Luhrmann que acaba de estrear na HBO Max, o Rei do Rock está em uma espécie de recomeço musical no início dos anos 70, após a sua fracassada incursão por Hollywood. Na ocasião, todo um aparato foi montado para uma apresentação no International Hotel, em Las Vegas, com a presença de um público seleto e uma banda de apoio de altíssima qualidade - o que incluía os grupos gospel The Imperials e Sweet Inspirations. Enquanto o artista entoa os sinuosos versos de Suspicious Minds, o Coronel Tom Parker (Tom Hanks) se ocupa de fechar um contrato de cinco anos para que o astro se apresente no local, com um salário milionário - e, muito provavelmente, um esgotamento físico e mental que decorreria dos mais de 500 shows no período. Encarnado de forma magnética por Austin Butler, Elvis Presley caía em (mais) uma armadilha. Da qual não podia escapar.
E, sim, muito mais do que uma obra sobre a ascensão e a queda de um dos grandes artistas da nossa história, Elvis é uma obra sobre o controverso relacionamento de Parker com o cantor. Até mesmo porque, se por um lado o coronel foi um dos responsáveis por conduzi-lo a um estrelato meteórico quando, ao observa-lo em ação - com seu frenético, sexy e envolvente rebolado, que levava a platéia à loucura -, o incluiria na turnê do cantor country Hank Snow (David Wenham), por outro ele também seria o mentor de um sem fim de decisões erradas que, de alguma forma, atrasariam a carreira de Elvis. E, a bem da verdade, é possível perceber na trama como as suas personalidades poderiam ser diametralmente opostas. Elvis era transgressor, iconoclasta, selvagem em uma alguma medida, e até inconsequente em outra, ao passo que Parker adotava uma postura comportada, conservadora, submissa às convenções, mas que escondia a sua perversão (e a sua ambição) atrás de sorrisos e de promessas de sucesso fácil.
Nesse sentido seria óbvio que, lá pelas tantas, eles bateriam de frente - e aqui está uma das grandes mágicas da produção. Muito mais do que o mito ou do que a lenda maior do que tudo, nos deparamos aqui com o Elvis ao menos um pouquinho, que seja, "gente como a gente" - ainda que dono de um talento único que viria a ser o seu ônus e o seu bônus, com a fama vindo à reboque do uso de medicamentos para conseguir aguentar a agenda insuportável, ao mesmo tempo em que luta para sustentar sua família, alcançar seus sonhos, persistir. Tudo enquanto a máquina trituradora de astros e estrelas passa, prontinha pra apresentar a seus jovens uma nova atração - que podem ser os Beatles ou os Stones ou mesmo Little Richard ou Fats Domino (o rock surgia, afinal). Já Parker é o vilão onipresente que participa de praticamente todos os negócios que envolvem sua maior estrela - e o seu faro desenfreado para os negócios, que poderia ser uma de suas grandes virtudes, também o conduzirá a uma derrocada motivada por uma ganância quase infinita.
Mesmo sendo menos Baz Luhrmann do que os filmes do Baz Luhrmann, Elvis é uma obra tecnicamente impecável - e será praticamente impossível não ver o filme indicado ao Oscar em categorias como Desenho de Produção, Maquiagem e Penteados, Figurino, Edição e talvez até Roteiro Original (com a cereja do bolo podendo ser uma nominação à Filme). É tudo muito bem costurado, com cada sequência da cronologia estabelecendo diálogo com eventos políticos, culturais e sociais históricos - casos dos assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy. Aliás, como não ser absorvido pela sequência em que Elvis quebra o protocolo e enfrenta a polícia, que pretendia prendê-lo caso ele cantasse e dançasse de forma lasciva em um show voltado apenas ao público branco (com um político a alguns quarteirões de distância proferindo um discurso de exaltação higienista aos confederados)? É esses instantes que transformam a obra em uma experiência elétrica, fisicamente palpável, cheia de entusiasmo, de significado e de licenças poéticas mais do que justas, que englobam da juventude de Elvis na pequena Tupelo até o ocaso em circunstâncias pouco claras. E tudo embalado pelo melhor do repertório do ídolo - indo de Hound Dog, passando por Blue Suede Shoes até chegar à Jailhouse Rock. É um filme grandioso. Que merece demais a nossa atenção.
Nota: 8,5
segunda-feira, 5 de setembro de 2022
Cinema - Não! Não Olhe! (Nope)
De: Jordan Peele. Com Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun e Brandon Perea. Ficção Científica / Suspense / Drama, EUA / Japão / Canadá / 2022, 130 minutos.
"Você sabia que a primeira imagem registrada em celuloide da história nos Estados Unidos é de um homem negro montado a cavalo?"
[ATENÇÃO: ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS]
Uma obra sobre a natureza exploratória da indústria do entretenimento? Uma alegoria sobre apagamento de vidas negras e outras questões raciais? Uma análise social sobre o voyeurismo em tempos tecnológicos? Ou apenas um filme clássico de invasão alienígena? Definir Não! Não Olhe! (Nope) não é tarefa fácil e, vamos combinar, está tudo bem - até mesmo porque eu duvido muito que alguém termine o novo projeto de Jordan Peele (Corra!) e pense "bah, acho que eu sei exatamente o que o diretor quis dizer". Aqui nada é definitivo mas, tudo é envolvente, sensorial. E bastam os primeiros dez minutos para que já saibamos haver mais camadas por baixo da superfície. E outras, e mais outras. Como já se tornou uma tradição em sua curta filmografia, Peele discute uma série de temas, mas sempre apostando no dito pelo não dito, naquilo que fica nas entrelinhas, nas bordas, nas frestas. A sutileza é o que nos pega, nos amarra, nos absorve.
E, mais do que tudo, mesmo sendo um projeto relativamente enigmático em suas discussões, o roteiro como um todo é simples - ainda que tudo seja pra lá de instigante. Nesse sentido, Peele faz com que a gente se movimente daqui pra lá na poltrona porque parece haver uma espécie de desconforto permanente, algo que ali adiante vá quebrar a lógica. Em uma das primeiras sequências, por exemplo, temos as imagens de arquivo de uma tragédia ocorrida durante as filmagens de uma sitcom fictícia chamada Gordy's Home. Nela, um chimpanzé que integrava o elenco surta e tem um ataque de fúria. Há um contraste entre a cenografia e os figurinos hipercoloridos que compõem o set de filmagem e que fazem um contraponto ao sangue (e aos corpos) que se espalham pelo cenário. Um tênis, exoticamente, permanece de pé - um tipo de evento meio aleatório. Quais os limites afinal do uso dos animais na indústria? É por aí que a narrativa nos levará? Talvez.
Corta para um rancho onde vivem os irmãos James e Jill Haywood (Daniel Kaluuya e Keke Palmer), que tentam tocar o trabalho como adestradores de cavalos após o trágico falecimento do pai em circunstâncias pouco claras (ele é atingido por um objeto em meio a uma chuva de quinquilharias do céu). Responsável pela Haywood Hollywood Horses, James fornece animais para figuração na indústria do cinema. Só que a falta de carisma do protagonista, aliada ao racismo estrutural subjacente, tornam uma tentativa de negócio meio frustrada - e basta ver o olhar de desprezo de uma certa Bonnie Clayton (Donna Mills), a dondoca que protagoniza a obra dentro da obra, para que já saibamos o que ela está pensando. Preconceito racial? É esse o caminho? Também. Incapaz de levar os negócios adiante, os irmãos passam a negociar cada um dos eqüinos a um tal de Jupe (Steven Yeun), um dono de circo das redondezas e que é o único sobrevivente do ataque do chimpanzé Gordy.
Só que em certa noite um dos cavalos foge e, ao tentar resgatá-lo, James se depara com o rancho de Jupe iluminado para uma apresentação, ele está posicionado em um topo de morro (a cena é um tanto hipnótica). Após, há o susto com o que parece ser um objeto voador não identificado. É isso mesmo? Há alienígenas no local? Por quê diabos aquela nuvem do fundo do cenário não se mexe? E por quê os cavalos desaparecem? É possível criticar alguns elementos do próprio universo do cinema e utilizar desses mesmos elementos em um filme? São muitas as perguntas e poucas respostas. No decorrer, Peele aposta na alegoria, na metáfora como elemento norteador (o que vai da citação bíblica à conclusão que beira o delírio e o fascínio midiático). Luzes que apagam e acendem sem explicação, pequenos ETs que aparecem nos estábulos, uma música exageradamente alta, um agrupamento de bonecos de posto que causam estranheza - e que geram mais um paradoxo de cores. Os limites entre a razão e a imprudência, entre a calmaria e a fúria, parecem sempre próximos de serem ultrapassados aqui. A gente vai ficar intrigado até o final. Fascinado em alguma medida. E é isso que o cinema de Peele faz conosco. Vai pelos cantos, nos envolve e nos derruba. E, no fim, resta o sorriro (e até as lágrimas) no rosto.
Nota: 9,0