quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Pitaquinho Musical - Ana Frango Elétrico (Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua)

"Eu sou o garoto de Stranger Things / (Menino, menino, de Stranger Things) / Eu não sou a garota que você pensa." Talvez um pouco mais direta e muito mais confiante do que nos trabalhos anteriores - especialmente na abordagem de temas ligados à identidade de gênero e a expressão da subjetividade queer. Mais ou menos assim pode ser resumido o efervescente Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua, terceiro registro da carioca Ana Frango Elétrico. Preservando a essência daquilo que foi apresentado especialmente em Little Electric Chicken Heart - o elogiado disco de 2019, que era marcado pela diversidade de estilos e pela ironia fina dos versos -, aqui, a cantora e compositora mantém o diálogo com a tradição da música brasileira, sem ignorar a importância do diálogo com o moderno, cruzando referências, indo do boogie, passando pelo pop sofisticado, pela MPB classuda e pela dance music de arranjos cintilantes.

Do início, com a explosiva Electric Fish, que parece saída das pistas setentistas à conclusão com a divertida Dr. Sabe Tudo, o trabalho, de pouco mais de meia hora de duração, representa ainda um ponto de maturidade, especialmente na hora de expor sentimentos de amor LGBTQIA+. De Stranger Things - cantadas em inglês, como um caminho para a busca de novos mercados -, passando por Dela e, especialmente, Camelo Azul (Fumando um Dunhill / Me dá um / Só mais um / Seu cheiro me lеmbra meu lado feminino / Mas hoje sou mеnino), o disco vai da economia à expansão em questão de segundos, permanecendo claro e coeso durante todo o tempo. Como disse o site The Needle Drop em sua elogiosa resenha, atualmente Ana é um daqueles nomes que consegue soar como ela mesma, independente do gênero que esteja explorando. O que pode ser percebido em canções distintas como a cinematográfica Nuvem Vermelha, passando pela indie Coisa Maluca, até chegar ao art pop de Dr. Sabe Tudo.

Nota: 9,0


quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Curta Um Curta - Estranha Forma de Vida (Strange Way of Life)

Vamos combinar que Estranha Forma de Vida (Strange Way of Life) não lembra nem de perto os melhores momentos da obra de Pedro Almodóvar. Aliás, eu concordo com aquele recorte de fãs que acreditam que o curta, agora disponível na Mubi, bem poderia ser um longa. Com mais camadas, explorando de forma mais aprofundada a história de dois pistoleiros do velho oeste, que se reencontram depois de 25 anos, por conta de um crime cometido. Só que, ainda assim, é preciso que se diga que vale muito a pena conferir Pedro Pascal e Ethan Hawke em cena, encarnando esses sujeitos supostamente durões e antagônicos, mas que mantém um relacionamento em segredo. Pascal é Silva, sujeito que atravessa o deserto para uma visita ao xerife Jake (Hawke), na tentativa de demovê-lo da ideia de prender o assassino da esposa de seu irmão. Só que o problema é que o principal suspeito do crime é Joe (George Steane), filho de Silva. Memórias, desejos íntimos e raivas que demoram a ser verbalizadas movimentam a narrativa, que tem cores mais discretas e uma economia como um todo, quando comparada a própria obra de Almodóvar. Ainda assim, vale dar o play!


Tesouros Cinéfilos - Pecados Íntimos (Little Children)

De: Todd Field. Com Kate Winslet, Patrick Wilson, Jackie Earle Haley, Jennifer Connely e Noah Emmerich. Drama, EUA, 2006, 136 minutos.

Poucas vezes a mesquinharia, a hipocrisia e o vazio existencial da classe média suburbana norte-americana foi tão bem retratada no cinema moderno, como no ótimo Pecados Íntimos (Little Children) - que, por incrível que pareça, havia sido apenas o filme anterior de Todd Field, antes do elogiado Tár (2022). Aqui temos aquele típico recorte da monotonia do bairro pacato com as suas casas de portãozinho branco e jardins de plantas bem aparadas e praças limpas - aliás, justamente o local onde costumam se reunir algumas dondocas com suas crianças pequenas, estando entre elas Sarah (a sempre competente Kate Winslet). O assunto entre elas, com suas vidinhas ordinárias e pouco interessantes, não costuma variar, indo da preocupação com a existência de um suposto pedófilo na região - um homem que havia sido preso e foi solto após cumprir sua pena -, e o desejo secreto e platônico direcionado a um gostosão do bairro, um pai de família que surpreende todas elas por fazer mais ou menos o básico.

Para Sarah, aquele comportamento que não parece sair muito do rasinho, soa meio estranho. E quando ela é instigada pelas demais mulheres para tentar conseguir o telefone do sujeito - o bonitão se chama Brad (papel de Patrick Wilson) -, ela não apenas alcança o seu objetivo, como ainda descola um beijo nele. Para o horror das demais, afinal, o que seus filhos vão pensar ao ver dois adultos demonstrando amor, não? Esse será o ponto de partida para mostrar que, naquele ambiente, ninguém é o santo que se vende na vida pública já que, no íntimo, no privado, muitos deles parecem ter seus segredos, alguns deles que derivam para excentricidades que, em alguma medida, podem ser reflexo de questões psicológicas mal resolvidas ou resultado de outros distúrbios emocionais diversos. E o que o filme fará de forma muito hábil, é ir descortinando aos poucos esse comportamento dissimulado, de quem gosta muito de apontar o dedo para o "rabo" alheio, mas esquece de olhar para o próprio.

A própria Sarah, pra começar, e por mais que ela transpareça ser algo tipo a mocinha do filme, é casada - aliás, com um sujeito de nome Richard (Gregg Edelman) que, mais tarde, descobriremos ser um viciado em pornografia online, com direito a conteúdos baixados até mesmo no ambiente de trabalho. Já Brad é o homem básico de bermuda caqui, mocassim e camisa manga longa que vive as custas do trabalho de sua esposa Kathy (Jennifer Connely), uma renomada documentarista, enquanto mente a ela que está estudando na biblioteca para o exame da OAB para, na verdade, espionar jovens adolescentes que andam de skate (sabe-se lá com que desejo secreto). E mente mais ainda quando inicia o romance em segredo com Sarah. E para Brad essa já inexistente retidão desmoronará ainda mais quando ele se aproximar de um antigo amigo de nome Larry (Noah Emmerich) - um policial aposentado de tendências meio fascistas que integra um comitê local que tem como maior projeto de vida vilipendiar o tal pedófilo (seu nome é Ronnie).

Claro, o filme não passa pano para Ronnie, um homem próximo dos 50 anos, que ainda mora com a mãe e que claramente precisaria de um amplo tratamento psiquiátrico para a possibilidade de um retorno à vida em sociedade com redução de danos. Só que, claro, isso não deveria autorizar os moradores da região a formar uma espécie de milícia vingativa - que ocupa parte dos seus dias colando cartazes e falando em megafones sobre os riscos de haver um criminoso entre eles. Aliás, o próprio Larry, esse justiceiro quase caricato, saberemos mais adiante, também não é alguém de moral tão inquestionável, como comprovam alguns episódios do passado que dizem respeito a sua desastrada atuação como homem da lei. Bem conduzido, utilizando o bairro como uma espécie de observador silencioso da rotina, com sua fotografia pouco saturada e cores e figurinos de tons pasteis, esse é um filme que examina à perfeição os defeitos obscuros da vida da classe média, praticamente nos exigindo um exame de consciência. Especialmente antes de julgar o outro.


segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Novidades em Streaming - As Bestas (As Bestas)

De: Rodrigo Sorogoyen. Com Denis Ménochet, Luiz Zahera, Diego Anido e Marina Foïs, Drama / Suspense, Espanha, 2022, 138 minutos.

As Bestas (As Bestas) não é apenas um filme. É uma aula de cinema. Daquelas que deveriam ser exibidas em cursos superiores para estudantes que se pretendem cineastas. Uma experiência que nos deixa maravilhados com o poder dessa grande arte. Em alguma medida, e nas aparências, essa poderia ser apenas uma narrativa sobre a desavença entre duas famílias vizinhas com filosofias, ideais e projetos - históricos, de agricultura, institucionais, de vida em sociedade - distintos. E que, não demorará muito, colidirão de maneira inescapável. Em uma análise mais ampla, porém, não deixa de impactar a forma como o diretor Rodrigo Sorogoyen insere temas como, xenofobia, tradições, colonialismo e meio ambiente, tornando aquele microcosmo como uma espécie de reflexo do todo. Parece que a cada dia estamos mais dispostos a odiar, a sermos intolerantes. A sermos incapazes de escutar o outro lado, entender suas motivações. E para, a partir daí, a coisa descambar pra violência, é um passo. O barril de pólvora parece sempre pronto a explodir.

Em uma das cenas centrais da obra, o francês Antoine (Denis Ménochet), convida os seus vizinhos Xan (Luiz Zahera) e Lorenzo (Diego Anido) para um drinque no boteco local. E para uma conversa franca. Os três moram em uma pequena vila na Galícia, no noroeste da Espanha. Antoine, um intelectual de vida financeira aparentemente bem resolvida, está no local acompanhado da esposa Olga (Marina Foïs) há cerca de dois anos. Em sua propriedade planta verduras orgânicas, enquanto se empenha em reformar antigas residências que possam, mais a frente, atrair interessados. Já Xan e Lorenzo são os agricultores convencionais nativos - dois sujeitos rudes, na meia idade, que ainda moram com a mãe e que lutam diariamente por uma condição melhor de vida. Para os dois, os ideais de Antoine e Olga não passam de caprichos de burgueses afetados, que desconhecem a realidade, as dificuldades e os anseios do povo dali. Já o casal crê em algum tipo de utopia empreendedora - semelhante a dos endinheirados que adquirem propriedades rurais para transformá-las em produtos oferecidos no Airbnb.

A vida idílica, bucólica, pode ser um ideal para aqueles que se cansaram da rotina pasteurizada, urgente e tecnológica da cidade grande - e isso não está em discussão. Mas as mágoas de Xan e Lorenzo são maiores, tem outros recortes, já que acreditam que a presença do casal forasteiro no local reduz as oportunidades para eles. Como por exemplo, em uma situação em que os moradores foram convocados a votar ou não pela presença de uma empresa interessada em implantar um sistema de energia eólica na região - o que lhes colocaria em lados opostos. "Você está aqui há dois anos brincando de fazendinha, enquanto eu estou há 52 anos e Lorenzo a 45", argumenta Xan, antes de completar de forma dolorosa: "e estamos fartos de sermos miseráveis. E não sabíamos que éramos miseráveis até os cretinos da eólica chegarem e nos oferecerem um bom dinheiro". Para Xan e Lorenzo aquilo poderia representar o passo nunca dado. Para Antoine, a sustentabilidade é uma filosofia de vida que lhe faz votar contra projetos tão invasivos para o ecossistema local. É complexo. E tenso. Aliás, capaz de converter um simples jogo de dominó no bar, em uma das sequências mais inquietantes dos últimos anos.

Com longos planos sequência, a obra tem como uma de suas forças os diálogos - sempre íntimos, pesados, dilatados atmosféricos. Uma mera conversa sobre modelos de cultivos e uso da terra de maneira adequada na produção limpa, pode adquirir contornos mais carregados. Tudo parece estar sempre no limite da ebulição, mesmo que não pareça estar havendo muita coisa. A ambientação geral é cinzenta, a geografia sinuosa do local pode ser ao mesmo tempo ampla e espaçada, mas também apertada, quando o assunto é a linha divisória entre as propriedades, os limites estabelecidos. As provocações, a agonia e o desalento são reforçados pela trilha sonora vigorosa de notas rasgantes, que nunca soa invasiva, e pelas interpretações naturalistas, nunca caricaturais - auxiliando também o fato de o projeto não ser excessivamente maniqueísta ou panfletário, ainda que o roteiro, baseado em fatos reais, pareça conduzir o espectador para uma determinada direção. Repleta de contrastes e de camadas, essa é uma experiência evocativa, que cresce justamente diante de suas sutilezas. É imperdível. De ver e rever.

Nota: 10


quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Tesouros Cinéfilos - Nebraska

De: Alexander Payne. Com Bruce Dern, Will Forte, June Squibb e Bob Odenkirk. Drama / Aventura, EUA, 2013, 115 minutos.

Quem acompanha a carreira do diretor Alexander Payne sabe de sua capacidade de dar luz à dramas familiares, que parecem examinar os Estados Unidos em seu componente mais provinciano - o que muito provavelmente tem uma boa dose de autobiografia, dadas as suas origens em Omaha, no coração do País. Foi assim com As Confissões de Schmidt (2002) e Os Descendentes (2016), com o expediente se repetindo no clássico moderno Nebraska, premiado projeto que completa dez anos de seu lançamento em 2013. Disponível para aluguel na plataforma da Amazon, o filme parte de um fiapo de história para uma análise de temas, como, solidão na terceira idade, dificuldade de comunicação entre gerações e incertezas diante da finitude. Na trama, o octogenário ex-alcoólatra Woody (Bruce Dern, em premiadíssima caracterização), acredita ter ganho um prêmio de US$ 1 milhão, que estaria disponível para retirada na cidade de Lincoln, Nebraska.

Só que o suposto prêmio não passa de um daqueles golpes em formato de carta registrada - que publicações como a Revista Seleções enviava para seus clientes, dando a entender que eles poderiam ficar milionários do dia para a noite, desde que assinassem o periódico. E, admito, quando era jovem, minha família assinou a Seleções e o troço era tão sacana, que até chaves - simbólicas, falsas, claro -, de automóveis ou de casas de valores estratosféricos, eles enviavam pelos correios. Era um esquema que visava atrair novos assinantes que, assim, participariam de sorteios. E por mais que seu filho David (Will Forte) tente demovê-lo dessa intenção estapafúrdia de viajar mais de mil quilômetros partindo do Estado de Montana, no Norte dos Estados Unidos, não há nada que o faça mudar de ideia. É preciso ir até Lincoln. A pé, de carro, de qualquer jeito que for. No começo do filme, Woody é parado até mesmo pela polícia, que quer entender o que ele faz bordejando a rodovia perigosamente.

Claro que tudo isso não passará de uma boa desculpa para um drama de aproximação entre pai e filho, que andavam aparentemente afastados - especialmente por traumas passados. Ranzinza, Woody é daqueles que está sempre as turras com os demais familiares, como no caso da esposa Kate (June Squib). Lá pelas tantas, pra tentar atender o desejo do pai, David pede uma folga no trabalho - como vendedor de eletrodomésticos - para uma jornada à bordo da caminhonete da família, em direção ao Nebraska. O que envolverá uma parada estratégica na cidade Natal de Hawthorne, na Dakota do Sul, após um acidente no caminho. Será lá que Woody reencontrará seus antigos amigos - parceiros de bodega, na realidade -, e revelará o que motiva a viagem. Despertando nos moradores do local não apenas a curiosidade, mas também o desejo de levar alguma vantagem sobre o prêmio (que, lembremos, sequer existe).

Feito com uma refinada fotografia em preto e branco - que parece ampliar o sentimento de melancolia interiorana -, e com uma trilha sonora que alude à solidão desses espaços, a obra tem alguns de seus grandes instantes envolvendo uma visita a Ray (Rance Howard), o irmão de Woody. Em uma sequência tão divertida quanto excêntrica, os filhos de Ray, Cole e Bart (Devin Ratray e Tim Driscoll) tentam, em vão, estabelecer algum diálogo com David, sobre carros e seus tipos de motor - num estereótipo difícil de ignorar. Em outra parte, toda a família está reunida em torno da televisão - que, ao cabo, se torna um dos únicos entretenimentos possíveis em eventuais fins de mundo. E, por mais que haja graça alternada com desalento, a produção não deixa de mirar em certo otimismo quase agridoce em seu terço final quando Woody, de uma forma meio torta, parece atingir o seu objetivo. Ou ao menos uma parte dele.


terça-feira, 17 de outubro de 2023

Livro do Mês - Caminhando com os Mortos (Micheliny Verunschk)

Editora: Companhia das Letras. Brasil, 2023, 146 páginas.

"Se tinha má fama, a gente não sabe, nem deu tempo de assentar. E agora isso. Essa desgraça! Lourença e Ismênio ficaram cegos com as palavras do pastor. Isso é o que é. Perderam o tino. E não foi só eles, não, muita gente acreditou. Um homem santo, é o que dizem, né doutor? Desculpe, eu sei que o senhor é da Congregação, não tenho a intenção de afrontar. Mas pra mim tanta santidade nunca agradou, não, porque, no começo, eram promessas e mais promessas, testemunhos de vida, pobres que ficaram ricos, desenganados que se curaram, sermões sobre o povo escolhido, o jugo do demônio que foi sendo vencido, mas logo, veja só o senhor, tudo virou pecado, as rodas de dança de São Gonçalo, e muito costume nosso, a cavalhada, as coisas que o padre mesmo, que já vive aqui há muito tempo, nunca ignorou nem tratou com desprezo. Eu não sei dizer se aqui na cidade o pastor tinha palavra mais branda, mas por lá, em Tapuio, em Pacapi, no Poço Guiné e nos sítios por onde andava, era só clamor contra tudo."

Uma história sobre intolerância religiosa - e de como o discurso institucional extremista pode estragar não apenas a vida de uma pessoa, mas de um povoado inteiro. Às vezes por muitas gerações. Mais ou menos assim é possível resumir a experiência com o atualíssimo Caminhando com os Mortos, mais recente obra de Micheliny Verunschk - que foi muito premiada recentemente, com O Som do Rugido da Onça, que conquistou o Jabuti de Melhor Romance Literário. Em um Brasil que tem um congresso capaz de tomar decisões mais com a Bíblia debaixo do braço do que com a Constituição Federal - acenando para o retrocesso em temas que já deveriam ter avançado -, a história de uma jovem queimada vida pela própria família, na intenção de expurgar os demônios, o pecado e a bruxaria não chega exatamente a surpreender. Aliás, em entrevista ao site Quatro Cinco Um, ela afirma ter se inspirado justamente em notícias do tipo.

"Brinco que esse livro é uma história de zumbis, pessoas seguindo alguns preceitos até virarem walking deads", afirmaria na mesma entrevista. E, em alguma medida, é exatamente assim que dona Lourença, mãe de Letinha, a jovem assassinada - alguém cheia de vida, independente, que sairia do povoado de Tapuio, para retornar mais tarde com comportamento diferente daqueles previamente ensinados, de recato, de respeito, de temor à Deus - e seu marido Ismênio passam a se comportar, após a chegada ao local de um pastor evangélico que trabalhará para suprimir a ancestralidade do local, sua cultura e suas tradições indígenas e negras, seus terreiros, suas plantas. Evangelizar é preciso - e ao aderir a tal Congregação dos Justos, os pais de Letinha se converterão em figuras alienadas, que passarão a vigiar o comportamento alheio e suas práticas, enxergando pecado talvez onde nem tenha. Encanrando a própria filha como alguém desavergonhada, excessivamente livre, de hábitos mundanos.

Ao cabo, vocês já viram essa cena: a jovem que sai para o mundo, para estudar, para trabalhar, adquire outros hábitos, retornando à sua comunidade como alguém completamente modificada. O que piorará com o combustível - quase literal - do fundamentalismo religioso, e sua sanha punitivista, de limpeza social e moral, mais ainda contra as mulheres. E, muitas vezes, perpetrada com o apoio de outras mulheres, especialmente quando a lavagem cerebral avança para outros campos, como o da legislação sobre o corpo alheio. "É muito risível: essas pessoas se arvorando em determinar o que os outros são, esses nomes de igrejas que estão no livro: igreja Automotiva ou do Perfume de Jesus são nomes reais de congregações", salienta a autora na entrevista, evidenciando a hipocrisia. Na trama de Michelini outras tragédias se cruzam, outras mulheres sofrem, como no caso da perita narradora, que testemunha a brutalidade se convertendo em uma inesperada algoz que contribui para a perpetuação do suplício. É um livro forte, poderoso, às vezes até difícil em sua prosa atmosférica, bucólica. Mas é imperdível.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Novidades em Streaming - Uma Bela Manhã (Un Beau Matin)

De: Mia Hansen-Løve. Com Léa Seydoux, Melvil Poupaud, Pascal Greggory e Camille Leban Martins. Drama / Romance, França, 2022, 112 minutos.

Vamos combinar que quando o assunto são as dores cotidianas, muitas vezes costumamos sofrer em silêncio, meio resignados, sabendo que na maioria dos casos dependerá de nós mesmos a correta tomada de decisão para sair desse ou daquele conflito. E não necessariamente estamos falando de grandes tragédias - ainda que doenças familiares, incertezas que envolvem a criação dos filhos ou um suposto grande amor difícil de ser correspondido, possam estar entre os eventuais problemas que precisamos lidar. E no caso Uma Bela Manhã (Un Beau Matin), mais recente projeto da diretora Mia Hansen-Løve (de A Ilha de Bergman, 2021), nos deparamos justamente com esses recortes bastante íntimos, que nos deixam em certo grau de instabilidade. Afinal de contas a nossa existência sempre será, em alguma medida, uma coleção de pequenos instantes, de distrações, ocorrências e fragmentos que formarão, aqui e ali, a nossa jornada.

Nesse sentido, obras como essa podem não ser tão acessíveis para os espectadores, já que temos a impressão de que é no "não acontecimento", que as coisas ocorrem. Ou que se tornam mais profundas do que sugerem as aparências. Na trama somos apresentados à viúva Sandra (Léa Seydoux) uma jovem mãe que, ao mesmo tempo em que se empenha para criar a sua filha Linn (Camille Leban Martins), precisa lidar com as tristes inconveniências que envolvem o seu pai Georg (Pascal Greggory, em excelente atuação) - um renomado e respeito professor universitário, que padece de uma severa doença degenerativa que lhe impede a visão (e, consequentemente, a autonomia). Enquanto tenta, ao lado das irmãs e da mãe, viabilizar um local adequado para que seu pai possa ter a melhor assistência - há uma série de dúvidas quanto as alternativas de casas de repouso e suas instalações -, Sandra reencontra, em suas andanças cotidianas, um velho amigo chamado Clément (Melvil Poupaud).

E não demora para que percebamos as afinidades de Sandra e Clément - quando estão juntos se divertem, o sexo parece cheio de química e de tesão, eles servem de amparo um ao outro em momentos de incerteza. Só que tem um pequeno detalhe: Clément é casado, tem um filho. E nem sempre conseguirá estar ao lado de Sandra para o suporte emocional, quando tudo ao redor estiver prestes a desabar. Algo que, não bastasse todo o turbilhão, ainda lhe prejudicará em outras frentes - ela trabalha como tradutora e, em uma sequência angustiante, é possível ver como ficará desnorteada após receber uma mensagem ao celular (o que dificultará a sua atuação durante uma importante live em um congresso). Ao cabo, este é aquele tipo de produção que, por mais sutil e discreta que seja - o que envolve a aposta em silêncios, olhares, gestos comedidos e divagações pequenas -, sempre parecerá pronta para se converter em uma tempestade.

Com excelentes interpretações do elenco - Léa, por exemplo, consegue transmitir toda a dor por meio de seus olhos angulosos (e cansados) ao passo que a sua mãe é a figura enérgica que parece meio de saco cheio de tudo aquilo (e a presença da ótima Nicole Garcia sempre adiciona um algo a mais) -, a obra ainda aproveita seus temas para amarrar, aqui e ali, assuntos que envolvem morte, finitude, recomeços e a eterna busca pela felicidade. Para quem assiste é meio difícil julgar Sandra apenas por julgar. Todos nós temos dúvidas, medos, anseios. Todos nós queremos nos agarrar naquilo que nos faz feliz para não soltar mais - e para tentar esquecer tudo o que demais nos incomoda, nos faz sofrer. É um filme de cotidianos, que pode nos levar das lágrimas ao sorriso em questão de segundos (bem como é a vida). Não há certo ou errado, lado bom ou ruim. Há apenas pessoas vulneráveis tentando a todo custo olhar para um futuro que possa ser melhor que o presente.

Nota: 8,0


Pitaquinho Musical - CMAT (Crazymad, For Me)

Na lógica do mercado musical, sempre fico um tanto impressionado quando me deparo com algum artista que, aparentemente, não tem a atenção ou mesmo o reconhecimento que merece. E esse é o meu sentimento quando escuto a CMAT. Como assim as pessoas não estão simplesmente falando dela? Como não a estão apontando como uma aposta certeira para as listas de melhores de 2023? Segunda colocada na nossa relação do ano passado, com o singular (e pouco divulgado) If My Wife New I'd Be Dead, Ciara Mary-Alice Thompson retorna com Crazymad, For Me - novo registro de inéditas em que novamente mistura o indie, o folk e o pop colorido, em letras divertidamente cínicas, povoadas por referências culturais diversas e que falam de relacionamentos tóxicos, de tramas mal resolvidas e de dilemas cotidianos de forma afiada, debochada, imprevisível.

Preservando a personalidade do trabalho anterior, a irlandesa converte cada uma de suas composições em verdadeiros hinos cheios de sarcasmo que, com seu apelo comercial irresistível, parecem prontos para serem cantados a plenos pulmões pelo público. Um bom exemplo desse expediente pode ser encontrado na festiva e nostálgica Where Are Your Kids Tonight?, dueto com John Grant em letra que parece olhar para o passado na hora de refletir sobre o futuro. Já quando reduz velocidade, como no caso da espetacular Vincent Kompany - sim, numa citação ao cabelo (!) do ex-jogador belga, a artista mantém a sua verve que pende pra leve excentricidade na hora de debochar de si própria (Eu tenho uma maneira perversa de odiar minha própria companhia / Ela não é tão ruim, mas me colocou novamente em apuros / Quando, confortavelmente, assista dezesseis horas seguidas das Gilmore Girls). Vocês precisam descobrir.

Nota: 9,0


quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Novidades em Streaming - Retratos Fantasmas

De: Kleber Mendonça Filho. Documentário, Brasil, 2023, 93 minutos.

Uma obra nostálgica, metalinguística e poética, que funciona como uma espécie de fluxo de consciência sobre uma sociedade em transformação que, ao mesmo tempo que parece evoluir em alguns aspectos - como no caso da tecnologia -, retrocede em outros. Mais ou menos assim é possível resumir - e de acordo com a minha leitura, já que esse é um projeto amplo, cheio de camadas, de caminhos e de possibilidades - a experiência com o documentário Retratos Fantasmas, mais recente projeto de Kleber Mendonça Filho (de Aquarius, 2016), que está disponível pra aluguel na Amazon e no Now. Enviado para representar o Brasil na categoria Filme em Língua Estrangeira no Oscar 2024, este é um trabalho evocativo, sensível e bastante autobiográfico não apenas sobre o processo de fazer cinema, mas sobre como a nossa bagagem ou as vivências pessoais influenciam em nossa caminhada.

Em alguma medida, compreenderemos como grande parte das obras ou ao menos as mais conhecidas de Mendonça partem, em alguma medida, de memórias da sua infância e da juventude na pernambucana Recife. Sons, cheiros, objetos, luzes, a arquitetura dos espaços, as relações familiares e até mesmo os latidos do carismático e persistente cachorro do vizinho, contribuirão nessa colcha de retalhos que formará cada roteiro, cada narrativa pensada pelo diretor. E mesmo sendo uma obra de tintas autobiográficas, em nenhum instante temos a impressão de estarmos diante de um projeto egocêntrico, presunçoso ou que pudesse pender para o mero autoelogio. Para o realizador o microcosmo familiar e o seu entorno servem para um exame mais amplo das mudanças políticas, culturais e religiosas através dos tempos. O centro fervilhante de outrora, aquele ecossistema vivo, vibrante, hoje pode ter mudado pra outra região. O mesmo valendo para os cinemas de rua que, hoje, são miseravelmente substituídos por sedes da Igreja Universal. 

E tudo isso não impedirá que o espectro sobreviva. Esse ectoplasma que parece rondar cada canto - cada rachadura nos prédios decrépitos, cada fachada que não mais existe ou cada equipamento jogado em um quarto escuro. Em certa altura, Mendonça adiciona camadas à moda de Antonioni ao sugerir a existência de um estranho "fantasma" que pode ser visto em uma foto. Parece um grande borrão. Mas que serve como metáfora mais que perfeita para essa alegoria da era moderna que olha com carinho para o passado, enquanto no presente não consegue esconder a melancolia ao perceber que cada livraria de antigamente, hoje foi substituída por uma uma farmácia. Em alguns casos são três lojas que vendem remédios coladas uma na outra. A cultura poderia ser um remédio? Poderia ser uma forma de refletirmos com mais profundidade sobre os caminhos que estamos adotando? Poderia nos fornecer uma espécie de cura? Espiritual? mental? Poderia. Nessa jornada especulativa do narrador essas ideias parecem embutidas recortes alternados, em instantes intercalados. É quase impossível não sucumbir a certo desalento, especialmente pela dificuldade que temos em honrar a nossa história.

E é por isso tudo que Retratos Fantasmas é um filme tão belo. Ok, ele pode ter certas imperfeições ao tentar atirar meio que pra todo o lado. Sem ter necessariamente um foco. Há, por exemplo, um belíssimo segmento em que o narrador pondera sobre como os letreiros de antigos cinemas da capital poderiam inconscientemente refletir a instabilidade de certo momento. Com uma ditadura militar em andamento enquanto, paradoxalmente, as salas de projeção ganhavam força atraindo milhares de pessoas. Milhões em alguns casos - como no caso do emblemático Hair (1979), de Milos Forman, que seria proibido sabe-se lá sob qual alegação pelo regime. Ao cabo esta é uma obra que também, assim como muitas outras, funciona como uma grande homenagem ao cinema. E aos que se esforçam por colocar os filmes nas telas. Claro, de um ponto de vista muito menos midiático e barulhento do que em Os Fabelmans (2022), por exemplo. Ainda que no filme do Spielberg não haja uma explicação tão precisa sobre a beleza de uma iluminação de excelência em uma cena noturna. Talvez seja apenas cinema pra quem gosta de cinema, vá lá. É simplesmente impossível não se comover.

Nota: 9,0

 

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Novidades em Streaming - Passagens (Passages)

De: Ira Sachs. Com Franz Rogowski, Adèle Exarchopoulos, Ben Whishaw e Erwan Kepoa Falé. Drama / Romance, França / Alemanha, 2022, 91 minutos.

Quem acompanha a carreira do diretor Ira Sachs sabe que muitos de seus filmes têm como principal matéria-prima a complexidade das relações humanas - com todas as suas nuances. Obras como a agridoce O Amor é Estranho (2014), por exemplo, narram a história de um casal gay da terceira idade que, após passar por problemas financeiros, precisa viver separadamente e de favor na casa de parentes. E todas as implicações que uma situação como esta envolve são exploradas com sensibilidade, equilibrando o desgaste ocasional com a empatia frente às dificuldades. Já em Melhores Amigos (2016) dois meninos de personalidades distintas se aproximam, enquanto precisam lidar com os atritos de suas famílias - com as decisões dos adultos impactando decisivamente a vida das crianças. Esse tipo de expediente é repetido, em alguma medida, no recente Passagens (Passages), que estreou nesta semana na Mubi, após ser exibido no mais recente Festival de Sundance.

Aqui, a trama versa sobre as nossas incertezas na seara amorosa e sobre como parecemos ser seres eternamente insatisfeitos. Ou que nunca sabem bem o que querem - o que invariavelmente resultará em sofrimento, em irresponsabilidade afetiva e em escolhas nem sempre acertadas. Com aquele senso de urgência metropolitana típico do cinema alternativo, o filme já abre de forma metalinguística: Tomas (o sempre ótimo Franz Rogowski) está concluindo seu mais novo projeto e, em uma festa que celebra o filme, ele conhece a jovem professora de séries iniciais Agathe (Adèle Exarchopoulos, que sempre é uma presença luminosa em tela). Após uma noite de diversão e de dança, os dois acabam transando. Só que tem um detalhe: Tomás é casado com o professor de inglês Martin (Ben Whishaw) há quinze anos e, quando chega em casa ao amanhecer não apenas revela o que ocorrera na noite passado, como ainda garante ter sentido algo que não sentia há muitos anos.

Martin é sutil, mas não recebe bem a notícia, por mais que seu relacionamento com Tomás já não ande dos melhores - aliás, o segundo reclama de certo marasmo em alguma altura. O que lhe fará repetir os encontros com Agathe - cada vez mais quentes e íntimos. Sem tempo para remoer as dores, Martin também fará a fila andar, ao conhecer o escritor Ahmad (Erwan Kepoa Falé) com quem passará a se relacionar com frequência. Entre idas e vindas, dúvidas e certezas, o casal central se separará, se reencontrará e verá um ao outro tocando suas vidas: Tomás irá morar com Agathe que, mais adiante, engravidará. O que lhe fará sugerir a Martin a hipótese de um relacionamento a três, em que criarão o filho todos juntos. Com seus olhos angulosos, seu movimento de corpo libidinoso, oferecendo ainda um combo de carisma e sex appeal quase irresistíveis (aliás, aqui está a prova de quem um homem pode ficar muito bem vestido de cropped).

Ao cabo, em um filme como este, não há mocinhos e vilões - ainda que seja o comportamento autodestrutivo de Tomás, que fará com que todos afundem. Que atire a primeira pedra quem nunca tomou decisões equivocadas em relacionamentos amorosos para, logo ali adiante, se arrepender. Quem nunca quis voltar atrás? Martin e Tomás provavelmente se amam, mas parecem não encontrar mais espaço para a paixão carnal. Não é que eles não transem, mas o caso é que parecem ser espíritos inquietos - descompromissados, fluídos, interessados em viver tudo o que for possível e agora. O que não evitará o sofrimento e a perda de controle - aliás, para Tomás é o oposto do que ocorre em um set de filmagem. É um fiapo de história. Que pega um tema universal, o expande e o comprime o tempo todo, e que deixa seus três astros bem à vontade para entregarem o seu melhor. Tão sexy quanto devastador, esse é aquele tipo de projeto magnético que vale prestar atenção.

Nota: 8,0


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Pitaquinho Musical - Sufjan Stevens (Javelin)

"Este álbum é dedicado à luz da minha vida, meu querido parceiro e melhor amigo Evans Richardson, que faleceu em abril. Ele era uma pessoa absolutamente preciosa, rara, cheia de vida, excepcional em todos os sentidos". A mensagem deixada por Sufjan Stevens no Tumblr, no dia do lançamento de seu nono disco de estúdio, Javelin, dá a pista: em meio a beleza quase mística de suas melodias - muitas delas econômicas, feitas apenas com violão ou piano -, há uma profundidade poética que emerge da dor. Stevens está de luto e não é a primeira vez. Já havia sido assim no elogiadíssimo Carrie & Lowell (2015), que ele concebeu como uma homenagem à sua falecida mãe. E agora, com o retorno ao que ele sabe fazer de melhor - no caso, as canções contemplativas, de instrumentação simples, acústica - ele entrega uma nova coleção de músicas bastante diretas, sem firulas. E dilacerantes, claro.

Evidentemente que se engana quem pensa que economia signifique desatenção. Muito pelo contrário, já que a maioria das canções inicia intimista, com o vocal em um falsete estilo Simon & Garfunkel introduzindo temas complexos de amor, de perdas e de sofrimento em meio à incertezas que, mais adiante, crescerão entre corais de vozes, efeitos eletrônicos majestosos e até refrãos grandiosos. Um bom exemplo desse expediente pode ser encontrado na bela Will Anybody Ever Love Me?, uma séria candidata a figurar nas listas de melhores músicas do ano. Partindo de um dedilhado de cordas, vai se expandindo de forma caleidoscópica, enquanto os versos de uma honestidade comovente (Alguém um dia me amará? (Me ame) / Por boas razões / Sem queixas, não por esporte) vão acrescentando camadas. O resultado é bucólico e etéreo, evocativo e sonhador. Um dos melhores discos da carreira de Sufjan.

Nota: 9,0


Cine Baú - O Homem de Palha (The Wicker Man)

De: Robin Hardy. Com Edward Woodward, Christopher Lee, Britt Ekland e Aubrey Morris. Terror / Suspense, Reino Unido, 1973, 88 minutos.

Vamos combinar que talvez um dos grandes méritos do clássico do folk horror O Homem de Palha (The Wicker Man) seja o fato de subverter um tanto da lógica que poderia ser esperada em produções do gênero. Ainda mais em 1973. Na trama acompanhamos um policial católico - aquele legítimo cidadão de bem com uma retidão moral inabalável - que chega a ilha isolada de Summerisle, na Escócia, para, supostamente, investigar o desaparecimento de uma jovem adolescente. Já ao aportar no local, ele estranha o fato de seus nativos alegarem não saber de nenhum sumiço. E tudo piorará quando, após pouco tempo, ele descobrir que os moradores da ilha possuem uma série de hábitos excêntricos, que envolvem uma liberdade sexual descontrolada, o abandono completo do cristianismo e seus dogmas em favor do paganismo e uma preferência por cânticos e danças folclóricas com temáticas, no mínimo, questionáveis. Igreja no local? Não há. Cemitérios com suas cruzes e mortos enterrados? Nada.

Em meio a isso há uma naturalidade meio bizarra na forma como o povoado "discute" temas como violência e sexo - perambulando pelo local seminus e em espaços educacionais sem nenhum filtro que separe o adulto da criança/adolescente. Tudo enquanto entoam canções que evocam a ancestralidade do local. Para alguém temente a Deus, que certamente aprendeu desde cedo a ter vergonha de todos aqueles temas e que tem o sexo como um tabu, tudo aquilo é, em sua análise, um tanto esquisito. Só que há algo mais intrigante naquele enredo todo: porque por mais que o investigador Neil Howie (Edward Woodward) pareça ter certa convicção, a partir daquilo que ele vê na ilha, de que a jovem desaparecida tenha sido oferecida como sacrifício em algum tipo de ritual pagão, não deixa de ser curioso perceber como seus moradores parecem conviver em plena harmonia, em comunhão com a natureza e com uma liberdade sem precedentes - sendo governados por um certo Lord Summerisle (Christopher Lee).

As músicas que ecoam por todos os cantos, por todos lugares, enquanto Neil perambula em busca de alguma pista do paradeiro da garota, ajudam a costurar a narrativa, com suas letras bastante literais e com uma completa ausência de pudor. O que só lhe deixará mais exasperado. Um bom exemplo desse contexto envolve uma celebração em campo aberto em que crianças cantam com uma espontaneidade singular sobre a associação fálica que envolve um enorme mastro. Em outro instante, a mãe de uma adolescente lhe aconselha a colocar um sapo na boca - sim, um sapo -, como forma de lhe curar de uma amigdalite (já que o animal puxaria para si a doença, ao entrar na garganta da menina). E há ainda a jovem e desinibida Willow (a musa Britt Ekland), a filha do dono da hospedaria, que fará de tudo para tentar seduzir o homem da lei - tudo de acordo com a lógica de funcionamento do local, claro. 

Filmado em pequenas cidades da Escócia, a obra tem em seus atrativos o cenário bucólico e a fotografia em tons dessaturados - que, em alguma medida, reforçam o caráter ambíguo. Já a trilha sonora tem papel central na narrativa, como já mencionado, com uma verdadeira coleção de grandes canções - algumas, como a da sequência final, quase parecem saídas de alguma esquete do Monty Phyton, se o coletivo de humor pendesse para o terror, em alguma medida. Imaginativo, espirituoso e macabro, o projeto ainda nos faz refletir, em sua conclusão, a respeito de temas, como, respeito ás tradições, combate a intolerância religiosa e quebra de tabus. Chamado pela revista francesa Cinefantastique de o "Cidadão Kane dos filmes de terror", a obra integraria diversas listas de melhores, entre elas a dos 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer, influenciando um sem fim de filmes atuais, como Midsommar: O Mal Não Espera a Noite (2019) e Lamb (2021). Tá no Mubi e vale ser conferido.


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Pitaquinho Musical - Chappell Roan (The Rise and Fall of a Midwest Princess)

De um lado a garota provinciana da pequena cidade. De outro, a jovem que sonha ser uma dançarina em uma boate queer de um grande centro. A dicotomia existente entre a jovem do meio oeste americano nascida em uma típica família conservadora do Missouri e esse desejo de voar para longe para viver o sonho urbano pós-adolescente é aquilo que parece guiar, em alguma medida, o espetacular The Rise and Fall of a Midwest Princess, álbum de estreia da cantora Chappell Roan. Juntando doses dançantes de Katy Perry e Olivia Rodrigo, mesclada com algumas medidas de violão country estilo início de carreira de Taylor Swift, a artista prova que quando o assunto é o pop, não é necessário reinventar a roda. Com personalidade e muito senso de humor, Roan escolhe um caminho que vai no limite entre a capacidade de rir de si mesma e a autoaceitação, numa mistura absurdamente saborosa de música de balada com tintas sombrias. 

Um bom exemplo desse expediente pode ser encontrado no divertido single Pink Pony Club, onde Roan imagina um encontro aleatório dela com a sua religiosa mãe em uma casa noturna famosa por acolher gays - Não pense que deixei todos vocês para trás / Ainda amo vocês e Tennessee, você está sempre na minha mente / E mamãe, todo sábado / Eu posso ouvir o seu canto sulista a mil milhas de distância. E tudo com uma batida multicolorida, festiva, que culmina em um dos refrãos mais pegajosos do ano. Aliás, refrão aqui é o ponto forte, já que cada música, rápida ou devagar, expansiva ou sutil, parece pronta para fazer o público cantar junto. Aliás, ela mesma admite esse tipo de intenção em músicas como a sexy HOT TO GO!, em que ela fantasia ser uma líder de torcida. "Eu só queria fazer algo simples e bobo porque sou uma grande fã da participação do público" comentou ela em entrevistas de divulgação. 

Nota: 9,0

 

Tesouros Cinéfilos - A Morte lhe Cai Bem (Death Becomes Her)

De: Robert Zemeckis. Com Meryl Streep, Goldie Hawn, Bruce Willis e Isabella Rossellini. Comédia / Fantasia, EUA, 1992, 103 minutos.

Uma comédia divertidamente sombria que, num olhar mais atento, nem parece assim tão datada. Assim é o clássico noventista A Morte lhe Cai Bem (Death Becomes Her) - filme de Robert Zemeckis, estrelado por Meryl Streep, Goldie Hawn e Bruce Willis. No centro da narrativa fantasiosa, a busca pela eterna juventude - em uma época em que não era tão comum ouvirmos falar de ácido hialurônico, sérum ou toxina botulínica. A trama parece beber na fonte de clássicos kitsch como O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), ao nos apresentar duas protagonistas que rivalizam - no caso, aqui, pelo amor do doutor Ernest Menville (Willis). O ano é 1978 e a superestrela da Broadway Madeline Ashton (Streep), do alto de seus quarenta e poucos anos, já não parece ter o brilho polido de seus anos de ouro. O que não lhe impedirá de simplesmente "roubar" Ernest da aspirante a escritora que nunca aconteceu (ao menos até aquele momento) Helen Sharp (Hawn).

Um primeiro salto temporal de sete anos nos apresentará a uma Helen obesa, frustrada e com um inconsequente comportamento autodestrutivo - o que evidenciará o fato de que ela ainda não superou o episódio ocorrido anos atrás, mesmo com uma série se sessões de psiquiatria (e, aqui, é a parte em que a obra não envelheceu assim tão bem, já que em projetos do tipo e daquele período, a única meta de vida pra uma mulher de meia idade parecia ser arranjar um bom casamento). Um novo avanço de sete anos no tempo nos mostrará uma Madeline abraçando a decadência, vivendo as custas do marido que, de cirurgião bem sucedido, é convertido em uma espécie de agente funerário que faz reconstrução e maquiagem de pessoas mortas. Um convite de Helen à Madeline para o lançamento de seu novo livro gerará o esperado reencontro que movimentará a narrativa. Madeline pretende estar impecável e, após ser descartada por um jovem amante, fica sabendo da existência de uma clínica meio secreta em que atua uma certa Lisle Von Rhuman (Isabella Rossellini) - uma socialite enigmática e rica, que é especialista em rejuvenescimento.

Madeline reluta num primeiro momento, mas ao se deparar com uma Helen deslumbrante, magra, jovial e cheia de vida - e já estando próxima dos 50 anos -, em seu sarau, ela não hesita em ir para a misteriosa clínica de Lisle. No espaço - que tem aquele DNA anos 80/90, com direito a homens cabeludos à moda rock stars do período, de roupas justas e peitorais definidos - a protagonista tomará um elixir que promete eterna juventude. Tudo com uma condição: a de dez anos depois desaparecer dos olhos do público, já que ela não mais envelhecerá. Só que a coisa começa a desandar quando, após uma discussão em casa com Ernest, Madeline sofre um "acidente", rola escada abaixo e... morre. Só que não, já que o elixir já está fazendo efeito! Em paralelo, o plano de Helen era justamente seduzir o seu ex para dar cabo da atual. Claro, que tudo não passará de desculpa para um sem fim de instantes de humor físico, de discussões sobre os limites da busca pela juventude acima de tudo e até mesmo sobre a máquina trituradora de estrelas que, ao envelhecerem, veem os papeis importante escassearem.

O resultado é uma verdadeira coleção de piadas divertidas sobre morte (ou vida eterna), com Madeline e Helen se alternando em uma caçada de gato e rato na tentativa de aniquilar a adversária - sem sucesso já que, como descobriremos mais adiante, Helen também bebeu da poção oferecida por Lisle, o que explicaria a sua pele viçosa, seu olhar penetrante e o corpo sem sinal algum de flacidez. Aliás, uma das mais inesquecíveis sequências dessa obra-prima da Tela Quente é justamente aquela em que Madeline atira em Helen, abrindo um buraco gigantesco em sua barriga. Com o trio central no auge e um Robert Zemeckis claramente disposto a surfar na fama alcançada em projetos como a trilogia De Volta Para o Futuro e Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988), a produção venceria o Oscar na categoria Efeitos Visuais, sendo até hoje lembrado pelas eficientes cenas geradas por computador. Nostálgico, grotesco de uma forma apenas hilária e sem nenhuma pretensão de profundidade, essa é daquelas experiências prazerosas, que sempre valem ser recordadas.


quarta-feira, 4 de outubro de 2023

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Papicha (Argélia)

De: Mounia Meddour. Com Lyna Khoudri, Shirine Boutella e Amira Hilda Douaouda. Drama, Argélia / Qatar / França / Bélgica, 2019, 106 minutos.

"Irmã, cuide da sua imagem ou nós cuidaremos". "É pecado as mulheres se reunirem às sextas-feiras". "As mulheres devem ficar em casa, perto de Alá, sem se expor". "Não beba em pé ou com a mão esquerda, satanás pode ver". Todas essas frases proferidas no decorrer do filme Papicha podem até parecer saídas dos escombros da Idade Média. Mas na realidade é só Argélia, em meados dos anos 90. Foi nesse período que uma guerra civil entre representantes do governo e rebeldes islâmicos que integravam um grupo fundamentalista religioso, teria resultado na morte de cerca de 150 mil pessoas. Entre elas milhares de civis, de parte a parte. E como se já não bastasse o patriarcalismo estrutural em regiões que parecem pender para a opressão e para todos os tipos de violência possíveis, o radicalismo ampliaria o sensação de isolamento das mulheres. Acuadas, talvez tivessem apenas umas as outras, afinal. O que em alguma medida, é visto na obra dura e comovente da diretora Mounia Meddour.

E confesso que, sendo leigo no assunto, admito não ter a certeza de quando foi que a coisa começou a desandar no País africano. Mas o filme já começa com um senso de urgência - reforçado pela excelente e tensa edição - trepidante. Enquanto se empenham em dar uma escapadela da faculdade em que estudam, as jovens Nedjma (Lyna Khoudri) e Wassila (Shirine Boutella) colocam um plano bastante ousado de ir a uma casa noturna da capital Argel. O que envolve uma estratégia quase de guerra - com táxi clandestino, pagamento de propina para o vigilante do campus e uma sequência de mentiras, quando são paradas em uma barreira por um grupo militar islâmico. "Estamos voltando de um casamento", explicam, enquanto improvisam a colocação do Hijab (aquele pano típico árabe, que cobre o rosto das mulheres). O caso é que para os fundamentalistas, mulher não tem que estar na rua naquela hora da noite. Muito menos, sequer sonham eles, indo para uma boate. Dançar, se divertir, beber, fumar, curtir a vida.

Nedjma, a carismática protagonista, é apenas uma jovem de vinte e poucos anos que adoraria poder viver sem medo de morrer a cada instante, a cada esquina. De poder colocar a sua calça jeans e o seu all star - ou o seu vestidinho preto com sandália de salto, na cena noturna -, sem ser acossada por ninguém. Poder ver filmes, estudar, sair quando quiser, ouvir música. E ser estilista. É o sonho dela. E parte do processo de ir a uma boate também tem a ver com o seu trabalho e o seu sonho de ser uma profissional da alta costura. Meio ás escondidas ela adquire os tecidos e os adereços em uma espécie de mercado perto da faculdade onde, após cerzidas, as peças vestirão outras meninas (amigas que ela conhece da faculdade). Mas o problema para os fanáticos religiosos é que essa "liberdade" toda incomoda. Mulher de calça jeans? "Não sei lidar com toda essa nudez", argumenta um jovem amigo - que parece ter uma cabeça de votante misógino do PL jovem. Não há nudez ali. E se houvesse? O que teria o rapaz a ver com isso?

Esse é um dos tantos momentos em que Nedjma se exaspera ao perceber que o fundamentalismo dos grupos rebeldes parece se espalhar, inclusive entre pessoas da idade dela. Em uma outra sequência carregada de apreensão, Nedjma discute com um rapaz que está colando cartazes que propõem as supostas novas vestes das mulheres, em caso de vitória dos grupos de dissidência. Todas pretas ou marrons, cobertas, sem vida, sem personalidade, sem corte - como costumam ser as roupas absurdamente comportadas da doutrina islâmica. Diante de tudo isso, o simples sonho da protagonista, em meio a homens abusadores de toda a sorte, pressões diversas - inclusive de mulheres que apoiam esse regime totalitário e misógino - e uma sensação de impotência diante de tudo, é organizar um desfile na faculdade. Um desfile de moda, com suas colegas e amigas utilizando versões reimaginadas e ressignificadas do Hijab. Mas como fazer isso se o simples ato de não usar tais vestes pode significar, inclusive, a morte?

Revoltante, o filme não alivia ao evidenciar a violência que explode por todos os lados - inclusive de modo surpreendente, como revela a dolorida sequência que envolve a irmã de Nedjma, Linda (Meriem Medjkane). E quando os grupos islâmicos ameaçam fechar as faculdades - "você quer dominar as mentes delas", alega uma fundamentalista que invade uma aula sobre sociedade moderna (aliás, qualquer semelhança com projetos como Escola Sem Partido não é mera coincidência) -, a protagonista prossegue com seu sonho, sendo apoiada por suas amigas e colegas. O que resulta em um sem fim de instantes comoventes, que fortalecem o ideal de sororidade como um caminho absolutamente natural na hora de lutar contra sistemas patriarcalistas. Disponível na Mubi, e vencedor de vários prêmios internacionais, esse é daqueles projetos que nos deixam um gosto amargo. Ainda que, em tempos de ascensão da extrema direita e de grupos reacionários como um todo, seja totalmente necessário.

segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Tesouros Cinéfilos - Questão de Tempo (About Time)

De: Richard Curtis. Com Domhnall  Gleeson, Rachel McAdams, Bill Nighy, Margot Robbie e Tom Hollander. Comédia romântica / Ficção científica / Drama, Reino Unido, 2013, 124 minutos.

Reassistindo Questão de Tempo (About Time) acho que ficou mais tranquilo entender por quê as pessoas tanto amam o filme dirigido por Richard Curtis - um roteirista de mão cheia quando o assunto são as comédia românticas. Mistura de ficção científica sutil com drama juvenil sobre a busca por um amor pra chamar de seu, a obra parece ser muito mais um elogio à oportunidade de viver, uma homenagem aos pequenos instantes de felicidade, aos prazeres mundanos e a busca pela simplicidade em um cotidiano que, ao cabo, é apenas isso mesmo, o cotidiano. A rotina. A repetição. Parece até meio brega, meio papo de coach - com suas apresentações de slides e frases de efeito que se pretendem mais transformadoras do que efetivamente são. E esse filme nem é o primeiro a fazer isso, evidentemente. Mas o caso é que vivemos tempos tão brutos - de tanto ódio, de tanta intolerância - que parar pra assistir a uma obra tão cheia de carisma e de boas intenções, só faz bem.

Ou vai ver que essa era apenas a produção que precisávamos em um domingo de noite, em que uma nova semana se avizinha, quando a última sequer parece ter sido deixada pra trás. Na trama somos apresentados a Tim Lake (Domhnall Gleeson), um jovem morador do Sul da Inglaterra que, prestes a completar 21 anos, recebe de seu pai James (o sempre ótimo Bill Nighy), uma notícia surpreendente: a de que os homens da família possuem a habilidade de voltar no tempo, para reviver momentos ocorridos anteriormente. Mas James alerta que só é possível retornar para ocasiões em que eles estavam presentes - "não posso voltar pra assassinar Hitler", exemplifica, bem humorado. O pai sugere ao jovem utilizar a habilidade para conquistas financeiras, que possam lhe dar conforto ou fama. Tim resolve usá-la para um motivo mais prosaico, mas bastante comum na idade em que está: melhorar a sua vida amorosa.

É claro que, assim como em outros projetos de loops temporais ou de manipulação do espaço-tempo, Tim terá a oportunidade de refazer seus eventuais encontros - sendo o primeiro justamente com a estonteante Charlotte (Margot Robbie), uma amiga de sua irmã Kit Kat (Lydia Wilson). Aliás, importante mencionar que Kit Kat é uma jovem cheia de entusiasmo pela vida, carinhosa e vibrante (o que renderá um sem fim de sequências bonitas, sempre que ela estiver em cena). Em Londres para estudar Direito, o jovem irá morar com o egocêntrico e solitário escritor de peças de teatro Harry (Tom Hollander), um amigo de seu pai. E será nesse novo cenário que ele conhecerá a editora de livros Mary (Rachel McAdams), uma tímida fã de Kate Moss, que pode ser o caminho pra superar o trauma provocado por Charlotte - alguém aparentemente impossível de conquistar, qualquer que seja a manipulação temporal (aliás, um dos tantos instantes de aprendizado para o rapaz).

Com idas e vindas no tempo para pequenos ou grandes ajustes - nas amizades, nos romances, nas relações familiares -, a obra se converterá aos poucos em uma grande fábula sobre a busca pela felicidade, mesmo em uma vida considerada comum, ordinária, sem grandes acontecimentos. E, nesse sentido, talvez não seja por acaso que instantes como aqueles em que Tim e James jogam tênis de mesa, em que Kit Kat precisa superar um trauma ou mesmo aquele em que Harry obtém sucesso com sua peça de teatro sejam tão comoventes. São pequenos instantes que preenchem a existência de significados - assim como poderia ser uma ida pra praia em família, uma conquista relacionada ao trabalho, alguma piada divertida envolvendo o tio D (Richard Cordery) ou o nascimento dos filhos. Em alguma medida, essa é uma obra aconchegante, que não carece de grandes acontecimentos ou reviravoltas cheias de impacto para mexer conosco. O conceito de viagem no tempo? Bom, talvez seja apenas uma metáfora para o nosso crescimento pessoal. Para melhorarmos como pessoas a cada nova oportunidade - o que fica evidente diante da sutileza do experimento da viagem em si, menos surrealista do que se poderia imaginar. Tá disponível na Amazon Prime e vale ser resgatado.