terça-feira, 21 de novembro de 2017

Cinema - Terra Selvagem (Wind River)

De: Taylor Sheridan. Com Jeremy Renner, Elisabeth Olsen, Graham Greene (II), Jim Birmingham e Jon Bernthal. Suspense / Policial, EUA / Canadá / Reino Unido, 2017, 110 minutos. 

Terra Selvagem (Wind River) tem um trailer feito sob medida para atrair o cinéfilo fã de suspense policial: um cenário inóspito (e gelado), um assassinato, uma tensão presente em cada detalhe, além da existência de um Jeremy Renner com ar melancólico e endurecido. Parece a equação perfeita e, no começo, até é. Renner, que na obra se chama Cory, é uma espécie de caçador de coiotes e de predadores, que é incumbido de localizar o animal que tem sido responsável pela morte do rebanho de um dos nativos. Só que em uma de suas rondas ele encontra o corpo congelado de uma jovem morta - que é identificada como a filha do índio Dan (Birmingham), que é amigo de Cory. As circunstâncias parecem misteriosas: ela está de pés descalços, com sinais de estupro, em uma região absolutamente isolada.

Para tentar solucionar o caso, o FBI designa a novata agente Jane Banner (Olsen) - aliás, este um equívoco em uma obra que pretende, em alguma medida, discutir o completo abandono de grupos remanescentes de reservas indígenas. Sim, é a loira de olhos claros que tentará, com a ajuda de Cory (também branco), montar as peças desse quebra-cabeças que parece envolver outros habitantes locais que, também se tornam suspeitos - e, é preciso que se diga, o terço inicial da película se constitui em um excelente exercício de suspense, com montagem fluída, ângulos de câmera que reforçam o caráter inóspito do local e trilha sonora marcante. O mesmo vale para os personagens secundários, como o xerife Ben (Greene) e Matt (o sempre ótimo Bernthal).



Só o que era um suspense levemente enigmático - com revelações como a de que o personagem de Renner também perdeu uma filha no passado (os crimes teriam alguma conexão?) - se torna uma obra excessivamente catártica do ponto de vista da violência, conforme se aproxima o desfecho. Especialmente após Cory e Jane localizarem, em uma propriedade particular, o grupo que, aparentemente, estaria envolvido com o caso. Com um flashback único, somos apresentados aos eventos que desencadearam na morte da jovem - o que transforma os jovens sádicos (aparentemente sob efeito de bebida) em uma massa de sujeitos permanentemente malvados em seu estranho isolamento, em um maniqueísmo simplista que nos leva, em alguma medida, ao maior problema da película: o de tornar o espectador uma espécie de cúmplice da ideia tão moderna (quanto retrógrada) de que "bandido bom é mesmo bandido morto".

Sheridan foi roteirista nos ótimos Sicário (2015) e A Qualquer Custo (2016) e, em sua estreia como diretor, até acerta ao tentar tornar a obra uma espécie de pequeno comentário social da condição indígena dentro de reservas localizadas em lugares inóspitos. (e, não é por acaso, que mesmo o censo demográfico dos Estados Unidos sequer tem números sobre assassinatos nesse locais, por exemplo) O mesmo vale para as rimas visuais e metáforas, especialmente as que envolvem o personagem de Cory que, de alguma maneira, também está em uma espécie de caçada bastante particular para chegar a alguma conclusão sobre o que, de fato, teria ocorrido com a filha do amigo. Só que não é suficiente. Ao exagerar no clima "os fins justificam os meios" ou mesmo ao emular a Lei de Talião (do "olho por olho dente por dente"), Sheridan erra feio. E, assim, se alinha as correntes mais reacionários e intolerantes do planeta, transformando os "mocinhos" em criminosos tão abomináveis quanto àqueles que repudiamos.

Nota: 5,5

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Pérolas do Netflix - Ao Cair da Noite (It Comes At Night)

De: Trey Edward Shults. Com Joel Edgerton, Kelvin Harrison Jr., Carmen Ejogo, Christopher Abott e Riley Keough. Suspense, EUA, 2017, 91 minutos.

O suspense é, muitas vezes, um gênero que gera desconfiança entre os cinéfilos - seja pela eventual (falta de) qualidade das produções ou mesmo pelas histórias pouco criativas ou excessivamente forçadas. Mas, aqui e ali, é possível pinçar obras virtuosas, que adotam roteiros econômicos que, no fim das contas, estão muito menos interessadas nos famosos "sustos fáceis" e muito mais empenhadas em conduzir o espectador na direção de um clima de tensão naturalmente sufocante, claustrofóbico e quase inexplicável - e que flerta, de fato, com o desconhecido. Mas um desconhecido palpável, possível, que faz com que enxerguemos as personagens como figuras verossímeis em um cenário idem. E é exatamente isto o que ocorre com o excelente Ao Cair da Noite (It Comes At Night), que está disponível na Netflix.

A trama é simplíssima: um homem chamado Paul (Edgerton), mora com a esposa Sarah (Ejogo) e com o filho Travis (Harrison Jr.) em uma casa solitária e misteriosa, em um mundo que parece conviver com uma severa ameaça a saúde das pessoas - o que é explicado já na primeira cena da película, quando assistimos a morte do pai de Sarah, que parece padecer de um vírus fatal. Não bastassem as dificuldades naturais relativas as tentativas de sobreviver em um mundo em que uma doença altamente transmissível assola a humanidade, o trio ainda vê a sua casa invadida por um desconhecido de nome Will (Abott), que garante estar ali com a intenção de buscar um local para alojar sua família, que está há dezenas de quilômetros e necessita especialmente de água - além de um local que lhe dê conforto e segurança.



O sujeito parece dizer a verdade, mas como acreditar? Especialmente em um mundo que convive com a desconfiança, com a paranoia e com o medo do desconhecido? E aí está um dos grandes acertos do filme dirigido pelo jovem Trey Edward Shults: ao invés de centrar seu foco nos desdobramentos da doença que está matando os habitantes da Terra ou em como se defender dela, o diretor trabalha muito mais com o temores relacionados ao outro. (e, nesse sentido, é impossível não associar a película ao universo que habitamos, cheio de doenças capazes de dificultar a nossa sobrevivência, mas também repleto de ódio, de intolerância, de preconceitos e de falta de empatia) A doença está ali, mas não seria o homem em si - e seu comportamento beligerante - muito mais "doente"? E, é preciso que se diga, esta metáfora por si só já faz valer o filme.

Mas Shults recheia a película com um clima permanente de tensão , especialmente após a família de Will - sua esposa Kim (Keough) e o bebê de ambos - se mudar para a casa claustrofóbica e escura de Paul e de sua família. A intenção é unir forças contra o "desconhecido", com Paul fornecendo o abrigo e Will a comida. Mas o clima NUNCA é tranquilo. Paul parece desconfiar sempre das intenções de Will - por mais amistoso e amoroso (especialmente com sua esposa), que este pareça ser. Há algum segredo? Ou é só medo? Paranoia? A imaginação fervilhando? O clima absolutamente sufocante é aumentado pelos incessantes sonhos de Travis - e a interpretação de Harrison Jr. é não menos do que realista, convincente e, até mesmo, comovente.


Apresentando um desfecho amargo (SPOILER ALERT), que faz lembrar outras obras de suspense, como o irrepreensível O Nevoeiro (2007), baseado na obra de Stephen King, Shults nos faz refletir sobre a importância da empatia, da compreensão em relação ao outro e da importância de não tomar atitudes precipitadas que poderão gerar dissabores e traumas para toda a vida. É um filme conduzido de forma fluída, com tensão permanente e que transforma sequências simples - como a perseguição de um cachorro no meio do mato ou uma discussão em família - em cenas impactantes. O que prova que a simplicidade e a sutileza - inclusive no que diz respeito as formas de passar o recado - podem ser muito mais eficientes do que sequências em que somos surpreendidos pela "queda de bigornas" (ou por gatos que surgem miando, do nada).