sábado, 29 de outubro de 2016

Disco da Semana - Kings Of Leon (WALLS)

O Kings Of Leon sempre pareceu trafegar no limite entre o mainstream e a música alternativa, entre os hits radiofônicos e a aparição no Lado B. Se no começo da carreira, época dos disco Youth and Young Manhood (2003) e Aha Shake Heartbreak (2004), a banda até fez algum sucesso fora dos Estados Unidos - na Inglaterra principalmente - era em apresentações em pequenos locais do País que uma massa dedicada de fãs cantava com toda a vontade canções como Molly's Chambers e The Bucket. A situação só se modificaria mesmo com o álbum Only By The Night (2008). Da noite para o dia, os irmãos Followill, criados sob a rigidez religiosa de uma família de Nashville, no Tenessee - diz a história que eles sequer podiam assistir televisão entre uma aula e outra - foi catapultada ao estrelato por conta dos incensados hits Use Somebody e Sex On Fire. Quem não cantou essas até cansar?

De lá para cá foram mais dois registros - o bom Come Around Sundown (2010) e o chatinho Mechanical Bull (2013). Em ambos os casos as porções de southern rock mais cru e certamente mais direto que marcava presença nos trabalhos iniciais se encontrava, eventualmente, com o pós-grunge mais garageiro com um pé no alternativo, a marca dos álbuns mais recentes. Não chegava a ser exatamente uma esquizofrenia musical, mas, se os arranjos se fortaleceram no que diz respeito a complexidade - com mais efeitos, distorções e outros instrumentos - por outro lado o sentimento parecia meio confuso em relação ao caminho que a banda deveria seguir em seu sétimo disco. Se reinventar? Se apropriar de outras vertentes? Voltar as origens? Ou entregar um trabalho a moda do Kings Of Leon a que estamos acostumados? Bom, acertou MAIS quem arriscou esta última alternativa.



Poucas vezes o Kings Of Leon soou tão à moda do... Kings Of Leon, aquele mesmo a que estamos acostumados, como em WALLS, o seu mais recente trabalho. Uma audição despretensiosa no primeiro single, Waste a Moment, já nos dá aquela impressão de "já ouvi isso antes". Desde a guitarrinha certeira que abre a canção, somado ao baixão característico, até a entrada do vocal anasalado de Caleb Followill... tudo juntado até entrar um dos refrões mais ganchudos do ano, a impressão que temos é a de estarmos diante de uma espécie de Use Somebody 2. E a sensação não muda ao ouvirmos Reverend, Around the World, Find Me, Over. Sem medo de apresentar um material familiar, o quarteto consegue a rara proeza de lançar um álbum com 10 músicas com potencial radiofônico. Alguma vergonha nisso? Nenhuma. Isso é simplesmente garantir aos fãs mais algumas boas doses de diversão.

É evidente que o lançamento de mais uma boa coleção de canções pegajosas não representa, necessariamente, obviedade e há que se ter cuidado sobre isso. Ainda que a crítica esteja saudando WALLS - um acrônimo simpático para We Are Like Love Songs - como um retorno aos primórdios, há muito mais a ser considerado. Não é por acaso que a própria capa, um trabalho bem diferente do convencional, tem suscitado debates e comparações com a registrada pelo The Byrds em Byrdmaniax - certamente uma referência para os Followill. Da mesma forma a sonoridade aparentemente tradicional do quarteto, aqui e ali, é capaz de revelar elementos inovadores, e que atestam a relação dos Kings com outras vertentes. É o caso, por exemplo, da percussão latina e dos ecos quentes de Muchacho, uma das mais legais do disco.


Se apresentando ainda como uma espécie de voz da geração, Followill segue construindo as suas letras a partir do ponto de vista macro das angústias humanas, poucas vezes invadindo o íntimo, mas sempre falando sobre aquilo que efetivamente queremos ouvir. Assim, não é difícil encontrar versos que analisam relacionamentos complicados (Waste a Moment), amores nostálgicos e fracassados (Over) ou mesmo divagações cotidianas (Around The World). São lugares de voz que podem até parecer complexos em um primeiro momento, mas que se tornam de fácil identificação a partir daí. E que talvez também expliquem a verdadeira comoção que os irmãos causam em sua relação com os fãs. Bem longe de querer construir o disco do ano, o KOL segue lançando e agradando. Para eles não parece ser necessário mais do que isso.

Nota: 7,7

Lançamento de Videoclipe - Wilco (Someone to Lose)

O Wilco anda produtivo desde o ano passado e, assim, sem fazer muito alarde, lançou um dos discos mais simpáticos do ano até o momento, o elogiado Schmilco. Com o registro, que possui uma sonoridade mais acústica do que barulhenta, a banda de Jeff Tweedy marca aquilo que pode ser considerado uma espécie de retorno as origens e a uma musicalidade mais "pura" no que diz respeito ao country alternativo - e não chegam a ser por acaso e nem exageradas as comparações com o clássico moderno Yankee Hotel Foxtrot (2002). E como forma de seguir divulgando o álbum, o grupo de Chicago disponibilizou, na tarde de ontem, um clipe muito legal para a canção Someone to Lose. Todo gravado em stop motion (a famosa técnica da massinha de modelar), o vídeo - dirigido por Joseph Baughman - narra a curiosa história da invasão de um bolo de casamento por um ser rastejante. Sim, acredite! Ficou curioso? Clica pra conferir, que é bem legal!



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Na Espera - Capitão Fantástico (Filme)

A expectativa pela chegada do primeiro filme do ator Matt Ross (visto em séries como Big Love e American Horror Story) como diretor, não poderia ser maior. Com os primeiros elogios da crítica e a ótima recepção em festivais - como o de Sundance - Capitão Fantástico (Captain Fantastic) tem tudo para ser o filme alternativo da temporada. Na trama, Viggo Mortensen é Ben, um dedicado pai de seis crianças pequenas que decide fugir da civilização para criar os filhos nas florestas selvagens do Pacífico Norte. Entre uma lição e outra às crianças, o homem os ensina a praticar esportes e a combater inimigos. As coisas mudam quando a família é forçada a deixar o local para retornar a vida na cidade, situação em que todos deverão se habituar a modernidade.


O trailer deixa escapar o fato de que há, também na história, um drama familiar por trás envolvendo a mãe das crianças. O choque cultural envolvendo uma vida no meio do mato e outra, bem diferente, em um grande centro urbano, também formará um arco dramático interessante e que certamente fará o espectador rir e chorar ao mesmo tempo - além de provocar a reflexão a respeito de nossas próprias vidas e como a vivemos. Contando ainda com um elenco de jovens atores - a única outra presença bastante conhecida, além de Mortensen, é a do veterano Frank Langella - essa pequena fábula sobre diferenças culturais estreia por aqui no dia 08 de dezembro. Nem é preciso dizer: nós, do Picanha, estamos mais do que Na Espera!

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Foi um Disco que Passou Em Minha Vida - Belchior (Alucinação)

Tenho vinte e cinco anos
De sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força deste destino
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues
Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 76
E eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês

A Palo Seco - Belchior


Poucas vezes o desencanto e a letargia de uma geração foram tão bem retratados em um disco, como no clássico Alucinação, lançado em 1976 pelo cantor Belchior. Com apenas 30 anos na época do lançamento do trabalho, o cearense de Sobral sentia que a mesma juventude que poucos anos atrás abraçava a bandeira do flower power e de outros movimentos que tomavam por base o espírito iconoclasta e anárquico das revoluções - fossem elas políticas, sociais ou culturais - agora se entregava a um estilo de vida conformista e que se espelhava na lógica de existência de nossos antepassados. Condição em que ideais mais libertários e questionadores do status quo davam lugar a apatia. Onde estaria o clamor? A luta? Teriam os jovens se cansado disso, se transformando em uma massa que, agora madura, se alinhava a ideais mais moderados, se mantendo passiva?

Era latente o lamento do compositor, que não se furtava de utilizar a sua voz à moda dos poetas repentistas e melancólicos do Nordeste para denunciar a condição que se estabelecia. Fosse em canções com uma poética mais direta, caso de Como Nossos Pais - E hoje eu sei, eu sei / Que quem me deu a ideia / De uma nova consciência / E juventude / Está em casa / Guardado por Deus / Contando os seus metais - ou mesmo em linguagem mais figurada, como em Velha Roupa Colorida - Nunca mais meu pai falou: She's leaving home / E meteu o pé na estrada, Like a Rolling Stone / Nunca mais eu convidei minha menina / Para correr no meu carro (loucura, chiclete e som) / Nunca mais você saiu a rua em grupo reunido / O dedo em V, cabelo ao vento, amor e flor -, era possível identificar em sua lírica o desgosto por ver a vida de uma geração inteira passando sem que se pudesse "sair do chão".



É evidente o fato de não se poder ignorar o contexto político da época, no Brasil. Ainda que o governo de Ernesto Geisel apontasse para uma abertura institucional lenta, gradual e segura - período que ficou conhecido como "distensão" - eram latentes as feridas de uma ditadura militar que sugou da juventude da época toda a sua capacidade de mobilização. Não é por acaso que, consciente do poder das palavras e do que elas poderiam representar para quem as ouvisse, Belchior também transforma Alucinação em um veículo de amparo em que a empatia, a consciência social e o senso de justiça falavam mais alto. Assim, quando canta na espetacular Fotografia 3X4 que A minha história é talvez / É talvez igual a tua, jovem que desceu do norte / Que no sul viveu na rua / Que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo, canta como alguém que reconhece esta realidade como sua, bem como as implicações necessárias para uma adequadão a esse modo de vida.

Nesse sentido, é possível constatar que, em cada curva do trabalho, em cada lamento em verso e prosa, era também para as camadas mais desfavorecidas ou em vulnerabilidade social que Belchior destinava as suas conjurações. Para o preto, o pobre, a mulher sozinha ou os humilhados, além do já citado estudante, como na clássica canção-título. Mas a eventual contestação do artista não se insurgia em um sentido de afronta do ponto de vista bélico. E jamais se mostrava desalinhada a seu tempo. Pelo contrário, a sua melancolia doce, ainda encontrava espaço para o bom humor em meio as dificuldades - como não sorrir desajeitadamente com as desventuras do protagonista de Apenas Um Rapaz Latino Americano - e para um sem fim de citações culturais - Laranja Mecânica, hot dog, Isaac Newton, cabarés, Rolling Stones, Edgar Allan Poe, tiros no salloon - capaz de transformar cada canção em um verdadeiro almanaque das coisas, de tudo, enfim, do mundo.


Com Alucinação Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes - que completa 70 anos, hoje - não fez apenas o seu melhor disco. Fez um verdadeiro tratado sobre a vida na América do Sul, suas dificuldades, superações de obstáculos, diferenças culturais e sociais e mesmo de resistência ao capitalismo e de forças limitadoras que vem varrendo tudo, transformando as pessoas em uma massa cinza, sem vida, alienada e vazia em ideias. Um álbum não apenas artístico, ainda que "fácil" do ponto de vista instrumental, e recheado de hits, mas que utiliza o poder da fala para "rasgar a carne" de quem o escuta - como metaforiza o cantor em A Palo Seco (uma das melhores músicas brasileiras da história). Como que se fizesse força para acordar as pessoas na marra, no grito, no choro se for preciso. Quarenta anos depois de seu lançamento, o álbum nunca foi tão atual, afinal de contas as novas gerações de hoje em dia poucas vezes imitaram tão bem o modus operandi de seus pais - e seu comportamento eventualmente anacrônico. Mas certamente ainda há quem prefira o tango argentino ao blues. É para estes que Belchior destinou seu lugar de fala. Onde quer que ele esteja nesse momento - no Uruguai, em Porto Alegre ou no mundo.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Cinema - O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home For Peculiar Children)

De: Tim Burton. Com Eva Green, Asa Butterfield, Samuel L. Jackson, Judi Dench e Terence Stamp. Aventura / Fantasia, EUA / Bélgica / Reino Unidos, 2016, 127 minutos.

Em seu filme anterior, o injustiçado Grandes Olhos (2014), Tim Burton parecia ter abandonado, ao menos em partes, o tão característico estilo sombrio, de personagens excêntricos e de figurinos espalhafatosos, para apostar em uma paleta mais colorida, sóbria e menos soturna, a despeito da alta carga dramática da película protagonizada por Amy Adams e Christoph Waltz. Parecia uma nova guinada artística para o diretor? Qual nada. Bastou o anúncio de que já estava engatilhada uma adaptação para o livro O Orfanato da Srta. Peregrine Para Crianças Peculiares, do escritor Ransom Riggs, para que o público tivesse a certeza de que veria, novamente, mais uma película bem ao estilo Tim Burton. E, como filme (não li o livro), pode-se dizer que, se O Lar das Crianças Peculiares (Miss Peregrine's Home For Peculiar Children) não chega a ter o impacto de um Edward Mãos de Tesoura (1990) ou de um A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999), ao menos não decepciona.

A trama tem bem o estilo daquelas que fariam (ou farão, vai saber) sucesso na Sessão da Tarde, com crianças que convivem com o bullying na escola e com o distanciamento dos pais, tendo que superar os problemas emocionais que as colocam na condição de seres isolados em um mundo que não é o delas. Aliás, um mundo ao qual, literalmente, elas não pertencem - numa metáfora muito bem conduzida para aqueles baixinhos com problemas de adaptação a qualquer tipo de ambiente em que não se sintam confortáveis. Sim, é um filme infantil e há que se respeitar essa lógica que, tradicionalmente, acompanha os filmes de Burton. Se há personagens fantásticos eles nunca serão terrivelmente amedrontadores, estando sempre no limite entre o farsesco e o assustador, entre o engraçado e o temível. Não é por acaso que, se num instante eles provocam (e até assustam), no seguinte soltam uma gracinha, um alívio cômico - ou uma risada histriônica, que seja - que lembrará a todos os espectadores de que aquilo não passa de uma ficção (deliciosa de se assistir, por sinal).


A história segue os passos de Jake (Asa Butterfield) que, após a estranha morte de seu avô, de nome Abe (Terrence Stamp), parte com seu pai para o País de Gales, atrás de pistas que possam esclarecer o que pode ser ocorrido com o idoso, que teve os seus olhos arrancados em um aparente caso de assassinato. Em seus últimos instantes, o homem balbucia algumas palavras desconexas a Jake, relacionadas a histórias de infância que este lhe contava e sobre a existência de uma certa Srta. Peregrine (Eva Green), que poderia ser a chave para que o enigma fosse esclarecido. Ao chegar ao seu destino, o rapaz percebe que o local é uma mansão em ruínas, que foi atingida por um míssil durante a Segunda Guerra Mundial. Após uma investigação na área, Jake descobre a existência de uma fenda temporal que lhe conduz ao local onde Peregrine vive e protege crianças dotadas de poderes especiais de seres do mal conhecidos como "etéreos".

Sim, não há exatamente uma novidade no que diz respeito ao arco dramático e a maioria dos filmes do gênero bebem na fonte dessa cartilha, com jovens personagens vivendo grandes aventuras na busca da superação de problemas. As comparações com os X-Men são inevitáveis e é realmente impossível não pensar nos mutantes capitaneados pelo Professor Xavier, conforme vão sendo apresentadas na tela cada uma das habilidades das crianças peculiares - uma delas com poder de invisibilidade, outra com o estômago cheio de abelhas (!), uma terceira tão leve que precisa utilizar sapatos de chumbo, e por aí vai. Por sinal, parte da diversão está justamente na descoberta dessas características, que vão sendo desvendadas aos poucos, e que culminam em revelações relacionadas ao protagonista que, a moda de Percy Jackson, Katniss Everdeen (de Jogos Vorazes) ou Tris (da série Divergente) - para citar três outros exemplos da literatura infanto-juvenil - também passa por um período de provação.


Longe de querer transformar O Lar das Crianças Peculiares em um ato maior dentro de sua filmografia, Burton parece muito mais interessado em divertir e se divertir. E se a inclusão de Samuel L. Jackson como um excêntrico e exagerado vilão se constitui em um dos pontos positivos do filme - o mesmo valendo para a atuação segura de Green, que chega até mesmo a comover na pele de Peregrine - o mesmo não se pode dizer de Butterfield, que, apático, não parece muito a vontade em um papel deste tamanho. Outro ponto questionável envolve o clímax. Sem uma grande batalha ou um enfrentamento final apoteótico, a impressão que se tem é a de que o epílogo fica apenas diluído e, sem maiores emoções, perde força. Isso sem falar na bagunça, com um emaranhado um tanto confuso, em que distinguir o que se está vendo se torna tarefa bastante complicada - algo piorado com a adoção do 3D, apenas como um (aparente) capricho. Ainda assim, em uma análise geral, dado o visual bacana e os personagens interessantes, o saldo é positivo.

Nota: 7,3

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Novidades em DVD - Ave, César! (Hail, Caesar!)

Subversão de gêneros, humor nonsense, alguma dose de realismo fantástico e construção de personagens excêntricos e despidos de qualquer tipo de vaidade. Na vasta filmografia dos Irmãos Coen não é difícil relacionar os elementos que caracterizam o seu cinema. Em Ave, César! (Hail, Caesar!) há uma pitada de cada uma dessas particularidades, somando-se ainda a outro tema caríssimo a dupla de realizadores: a metalinguagem (ou a pura e simples homenagem ao cinema). Joel e Ethan Coen são, claramente, apaixonados pela sétima arte. Assim, utilizam seus filmes não apenas para divertir as plateias a partir de suas improváveis sátiras. Mas também para eles mesmos se regozijarem com aquilo que sabem fazer como poucos - e quem já assistiu a clássicos modernos, como, Fargo (1996), O Grande Lebowsi (1998), E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000) e Onde os Fracos Não Tem Vez (2007) sabe do que estamos falando.

Em Ave, César! os Irmãos homenageiam a Era de Ouro do cinema, deslocando a trama para a Hollywood dos anos 50. É lá que vive Edward Mannix (Josh Brolin), produtor responsável não apenas pela carreira profissional dos artistas da Capitol Pictures, onde trabalha, mas também por suas vidas particulares, imagem pessoal, ou mesmo relacionamento com a imprensa e com o público. Um dia na vida de Mannix é trafegar por estúdios onde são realizados épicos bíblicos, filmes de faroeste ou musicais variados. É estar em contato com diretores exigentes, atores problemáticos, astros canastrões, empresários chiliquentos e colunistas de cinema ávidos pelas mais recentes fofocas. E, nesse ecossistema, tudo vai mais ou menos bem na vida do produtor até o dia em que uma de suas principais estrelas, o ator Baird Whitlock (George Clooney) é sequestrado por um grupo de escritores comunistas.


Sim, ainda que em um contexto meio desviado, há espaço para o debate político-ideológico em Ave, César! E não poderia ser diferente, já que a paranoia anticomunista pós Segunda Guerra Mundial (também) é alvo da sátira dos Irmãos, que transformam os sequestradores em um exótico grupo (de estudos), que se apropria de referenciais históricos até na hora de dar o nome para o cachorro - "quieto Engels", brada um dos integrantes, em dado momento. Como não poderia deixar de ser, o temor religioso também está na mira dos Coen. E se, em certo momento, assistimos Mannix ir ao confessionário para dizer que cometeu o terrível pecado de fumar, em outra sequência presenciamos um hilário debate entre um pastor, um rabino, um reverendo e um padre que discutem com o produtor a abordagem dos filmes produzidos pela indústria e se eles estão de acordo com o que pregam os seus dogmas. Sendo que eles são incapazes de se entender entre si.

Mas mais do que debater religião ou política, Ave, César! parece muito mais interessado em revirar as nossas memórias cinéfilas. Funcionando como se fosse uma verdadeira colcha de retalhos da Hollywood daquele período, somos levados, aqui e ali, a uma série de sequências que mais parecem esquetes nostálgicas, multicoloridas e curtas relativas a um período que não volta mais. Assim, quando assistimos a Burt Garney (personagem de Channing Tatum) em uma apresentação musical e de sapateado inacreditavelmente engraçada e com coreografia que nos remete à obras de Gene Kelly ou Fred Astaire, ou apreciamos Hobie Doyle (o ótimo Alden Ehrenreich) entoando a sua viola à moda Shane de Os Brutos Também Amam (1953) sob um céu de Cinemascope, tudo o que temos são as nossas vísceras fanáticas pela invenção dos Irmãos Lumiére invadidas - no melhor sentido da observação.


E, vamos combinar, este fato por si só, já seria suficiente para que este filme, que passou praticamente batido pelas salas de cinema, receba o merecido reconhecimento, agora que foi lançado em DVD. Só que a obra ainda tem outros méritos, como a belíssima fotografia de Roger Deakins e o elenco absolutamente estelar - além dos já citados, Ralph Fiennes, Scarlett Johansson, Christopher Lambert, Tilda Swinton, Frances McDormand e Jonah Hill interpretam papeis que podem até ter poucos minutos (ou segundos) em cena, mas que contribuem para a construção da história e do contexto pretendido pelos Coen. Experimente não rir na cena em que o diretor Laurence Laurentz (Fiennes) passa instruções de uma cena (e de sua importante fala) para Doyle. Se você já está acostumado com a linguagem utilizada pelos Irmãos, pode ir sem medo que certamente será mais uma ótima sessão. Para quem ainda não está familiarizado, bom, o filme pode ser uma boa porta de entrada.

Nota: 8,0

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Grandes Filmes Nacionais - Narradores de Javé

De: Eliane Caffé. Com José Dumont, Nelson Xavier, Nelson Dantas, Matheus Nachtergaele e Gero Camilo. Drama, França / Brasil, 2003, 101 minutos.

Patrimônio cultural imaterial. Também conhecido por patrimônio cultural intangível abrange, de acordo com a Unesco, as expressões e tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito a sua ancestralidade, para as gerações futuras. Assim são exemplos de patrimônio imaterial os modos de fazer, as formas de expressão, as celebrações, as festas, as danças populares, as lendas, as músicas e os costumes. É aquilo que passa de geração para geração por meio da palavra - e de outras manifestações artísticas e culturais - e que se constitui como importante elemento para a formação da identidade de um povo. Ainda que não seja algo exatamente palpável. Todos nós já ouvimos falar, por exemplo, do queijo artesanal mineiro. Pois este conhecimento, transmitido há muito pelas famílias de lá, constitui-se de patrimônio imaterial. Vale o mesma para festas como a do Divino no Espírito Santo e tantas outras espalhadas pelo País.

Pois essa verdadeira pérola que é o filme Narradores de Javé, da diretora Eliane Caffé, fala exatamente sobre isso. Sobre a importância da manutenção de sua história para um povo e do que significa este fato para as suas existências - por mais simplórias que estas possam ser. Geralmente patrimônio cultural imaterial pouco valor tem para aqueles que pensam exclusivamente no potencial econômico das coisas, dos objetos, das pessoas. Para a sociedade tecnicista - e que se pauta exclusivamente pela linguagem do "economês" (do PIB, da rentabilidade, da balança comercial e das exportações, dos lucros e dos dividendos) um povoado pequeno, repleto de pessoas humildes e semianalfabetas pode representar apenas uma faixa de terra desperdiçada que, com o investimento correto, poderia gerar riquezas para meia dúzia de pessoas. E tristezas para muitas outras.


Javé, a cidade fictícia do filme, se localiza em um Vale. A obra começa com a notícia de que um grupo de investidores quer construir uma barragem, com a intenção de transformar o vilarejo em uma represa. Como tudo iria ficar debaixo da água, a retirada das famílias do local - no caso, "a maior desgraça que pode cair sobre um povo", como relata Zaqueu, personagem de Nelson Xavier - já iria começar em breve. A única salvação dos habitantes de Javé, de acordo com Zaqueu, seria tombar a cidade como Patrimônio Histórico. O que poderia ser feito por meio da elaboração de um documento que reconhecesse a importância da localidade, a partir do relato de seus moradores, como espaço de "valor inestimável para o País". Assim, a construção do dossiê, a partir da apropriação do patrimônio imaterial da população de Javé, poderia representar a sua continuidade. Mas como fazer isso em tão pouco tempo?

A cidade vai atrás de um certo Antônio Biá (José Dumont), funcionário dos Correios, um dos únicos que sabe usar esse "negócio das letras, os floreios, a juntada da escrita, tudo com formosura, de acordo com as regras da escritura", como ele mesmo afirma. Biá fica encarregado do relato e vai de morador em morador, de casa em casa, com poucas ou muitas pessoas, para ouvir as histórias sobre os antepassados que, com seus movimentos heroicos, conduziram os habitantes de Javé até seu destino, após fuga da guerra com a Coroa Portuguesa. Cada morador conta a história de seus personagens distintos - Indalécio, Indaleu, Mariadina - de uma forma, tornando a tarefa exaustiva para o amanuense, mas absolutamente prazerosa para o espectador. Que se diverte a cada segundo com o naturalismo das interpretações, a presença de espírito infinita de seus personagens - pessoas claramente simples, mas povoadas por conhecimentos empíricos -, o nonsense das lembranças e a diversidade de sequências memoráveis (como esquecer por exemplo da hilária conversa entre Biá e Vado, personagem de Rui Rezende, sobre tipos de peido, em uma noite de bebedeira?)


José Dumont, com quase uma centena de interpretações em novelas, séries e cinema pode-se dizer que é a alma do filme. Adotando uma postura zombeteira com seu Biá, parece ter uma tirada, um ditado ou uma frase espirituosa para definir qualquer situação. Se ele não gosta de usar caneta diz que o problema é a "disenteria de tinta" provocada pelo objeto. Diante de um morador que recebeu uma dentadura nova, brinca que este parece um "jacaré apaixonado". É a partir de suas divagações e análises que Eliane Caffé transforma um filme que poderia ser pesado - com sua aridez natural, fotografia amarelada e trilha sonora melancólica - em uma obra absolutamente leve, fluída e gostosa de assistir. E se a inevitável modernidade vem, na forma de água, arrastando tudo, de uma coisa se pode ter certeza: onde quer que esteja o povo de Javé, qualquer que seja o local em que ele se estabeleça, a sua história, esse patrimônio imaterial transmitido de geração para geração, permanecerá.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Cine Baú - A Classe Operária Vai ao Paraíso (La Classe Operaia Va In Paradiso)

De: Elio Petri. Com Gian Maria Volonte, Mariangela Melato, Salvo Rondone e Mietta Albertini. Drama / Itália, 1971, 126 minutos.

Existe uma frase atribuída a escritora, filósofa e ativista política Simone de Beauvoir que se aplica bem ao contexto apresentado na obra-prima do cinema italiano A Classe Operária Vai ao Paraíso (La Classe Operaia Va In Paradiso). Afirmava ela que o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos. Sim, vocês bem sabem que tal sentença se mantém mais do que atual, especialmente no nosso País que assiste a uma verdadeira caçada a direitos e conquistas sociais, que são vilipendiados diariamente por um Governo ilegítimo. E o que é pior, corroborando a tese de Simone: sou o aplauso e a bateção de panela da turba da camiseta da CBF. Da família de bem que parece conviver com uma espécie de Síndrome de Estocolmo política em que é capaz de encontrar regozijo por ser saqueado, invadido, subtraído. "Dormia, a nossa Pátria tão distraída" já dizia Chico Buarque. Vai passar, esperamos.

Pois na Itália do final dos anos 60 e início dos 70 - período que veio a ser conhecido mais tarde como Outono Quente, por conta da série de protestos, greves e outras agitações sociais que chacoalharam o País que, alinhado ao Plano Marshall americano, experimentava um crescimento econômico desenfreado - a frase de Simone também encontra pouso. Encontra pouso em Lulu (Gian Maria Volonte), o protagonista. Lulu é o que pode ser chamado de "operário-padrão" pra usar um jargão do meio. É dedicado e admirado pelos seus chefes pelo trabalho que desempenha, com muito esforço e suor, em uma indústria metalúrgica. Ao lado de outros empregados, passa os seus dias operando máquinas que produzirão roldanas, porcas, parafusos e correias de transmissão que, sabe-se lá onde vão parar e para que uso serão aplicadas. Mas serão, certamente, assim imaginam os colaboradores.


Apesar das condições absolutamente insalubres de trabalho, em um ambiente úmido, escuro e barulhento, em que os empregados, que sequer podem sentar durante suas atividades, ainda convivem com metas altíssimas, Lulu se mantém alheio a qualquer manifesto contra a visível opressão a que são submetidos os operários. Enquanto sindicalistas, jovens colegas e estudantes - oras, sempre esses estudantes "vagabundos" querendo "incomodar" (quem sabe se o Governo italiano tivesse congelado os investimentos em Educação durante 20 anos?) - distribuem panfletos em frente a fábrica, conclamando os trabalhadores para greves que poderão resultar em cargas horárias mais justas, salários mais adequados e melhores condições gerais, Lulu se mantém em seu mundinho particular. Mundinho em que recebe tapinhas nas costas dos superiores por desenvolver sistemas que aumentam a produtividade. E que servem apenas para jogar mais pressão nos colegas de trabalho, já que o salário de ninguém, a não ser dos donos, aumenta. Aliás, os colegas não gostam de Lulu, que se sente patrão. Tem o sonho de consumo da classe média, seus carros e televisores. Mas quando volta pra sua casa minúscula e excruciantemente quente está tão exausto que sequer consegue ter um convívio familiar razoável, com o problema se estendendo até mesmo para a parte sexual.

Digamos que a ficha cai - lembram da ficha do Laerte, que ainda esperamos que caia por aqui? - para Lulu quando, num dia de trabalho exaustivo, ele perde um dedo. Desassistido pelo Plano de Saúde ocupacional, que lhe fornece o mínimo dos mínimos, Lulu resolve que é hora de se engajar, aderindo ao pleito do sindicato, que organiza uma greve que faz com que as operações da fábrica fiquem paralizadas por duas horas. Mas as conquistas dos grupos sociais e revolucionários ainda que impactantes para o período acabam insuficientes em relação a vida particular de Lulu, que perde o emprego logo após retornar de sua licença sob a desculpa de que, sem um dedo, sua produtividade se torna muito menor. Sim, os tapinhas nas costas dão lugar ao pé na bunda. Tudo isso em um arco dramático que poucas vezes foi tão contundente no chamado "cinema político" e na abordagem da relação patrão-operário que, pode-se dizer, iniciou, ainda que de maneira mais tímida, durante o neorrealismo italiano de filmes como Ladrões de Bicicletas.


Elio Petri constrói o seu filme não sem injetar uma boa dose de melancolia, apresentando a classe operária como uma massa ignorante do ponto de vista político, capaz de se glorificar apenas ao assistir a TV a noite, com suas novelas e programas de auditório repletos de personagens exuberantes. E é por meio desse "espelho" que ela sonha com a ascensão social, alienada ao mundo e devota a um contexto que, de maneira quase invisível, lhe consome o corpo e a alma. (e não é por acaso que, em dado momento, sequer nos surpreendemos com a revelação do protagonista que diz ter apenas 31 anos, apesar de aparentar 50) "Vocês não seriam nada sem os patrões" brada a namorada de Lulu em determinado momento, deixando aflorar um indelével caráter reacionário. Todas essas questões abordadas na película - ganhadora da Palma de Ouro de Cannes em 1972 -, que não tem vergonha de tomar partido no debate, culminam em um dos finais mais acachapantes da história do cinema (spoiler!), em que o grupo de operários, como que vivendo uma espécie de transe coletivo, trafega entre a loucura da rotina e a realidade da repetição mecânica de suas tarefas (bem ao modo de Chaplin em Tempos Modernos), bradando uma série de frases sem sentido. Tudo embalado pela ostensiva trilha sonora de Ennio Morricone. Fundamental.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Pérolas do Netflix - Homem na Parede (The Man In the Wall)

De: Evgeny Ruman. Com Tamar Alkan, Gilad Kahana, Roi Miller e Yoav Donnat. Drama / Suspense, Israel, 2015, 92 minutos.

Quase sempre são acertadas as incursões cinematográficas que buscam abordar as dificuldades de relacionamento entre casais, quaisquer que sejam os motivos. De De Olhos bem Fechados (1999) a Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), passando ainda por Foi Apenas Um Sonho (2008) - isso só para citar alguns exemplos bem atuais - não foram poucos os diretores que ousaram tematizar as dores, anseios e traumas da vida a dois. E o ótimo - e essencialmente instigante - Homem na Parede (The Man In the Wall) filme original de Israel, a despeito do título original em inglês, mostra que nem só de Hollywood vive esse filão. Aliás, muito pelo contrário: ao apresentar uma obra absolutamente tensa, inventiva e envolvente - sem falar na qualidade técnica -, o diretor Evgeny Ruman ainda consegue injetar certo frescor a este tipo de narrativa.

O filme começa com a protagonista Shir (Tamar Alkan) sendo acordada de uma soneca de meio de tarde por meio de batidas na porta de seu apartamento. Se trata do senhorio que lhe entrega o cachorro, Bruno, que estava sozinho, no pátio, sem ninguém a cuidar dele. O caso é que o marido de Shir havia saído com Bruno. O cachorro retornou. O marido não. O que inicialmente se trata de mera curiosidade, passa a ser motivo de preocupação quando Shir percebe que todos os objetos de Rami (Gilad Kahana) - celular, carteira - estão em casa. E tudo piora quando ela liga para a polícia e para os hospitais da região com o objetivo de descobrir a ocorrência de algum tipo de incidente, mas não consegue qualquer tipo de informação. E o pior: para a polícia considerar alguém como "desaparecido" são necessárias ao menos 24 horas sem notícias para que se inicie uma investigação.


A trama é simples, mas extremamente engenhosa (e realista) ao denunciar até que ponto o ser humano é capaz de chegar na ânsia de encontrar respostas para as suas frustrações. E de como certas atitudes - especialmente quando baseadas na mais pura mentira - podem representar o caminho para a derrocada de um casamento. Enquanto aguarda por qualquer notícia de Rami, Shir receberá, madrugada adentro, uma série de visitantes, estando entre eles a própria polícia, um casal de amigos, o melhor amigo de Rami, um amante, a sua mãe, uma traficante... A cada encontro novas revelações serão despejadas no colo da protagonista fazendo com que ela se questione a respeito de tudo aquilo que viveu com o marido até aquele momento. E que mostrará o fato de que, mais do que um desaparecimento do ponto de vista físico, no fundo também parece haver um sumiço completo da intimidade, da empatia e do entender (e conhecer) o outro. Sensação ampliada, ainda, por uma série de alucinações que provocarão ainda mais confusão na mente da protagonista.

Apresentando o apartamento de Shir e de Rami como um ambiente absolutamente apertado e claustrofóbico - com decoração cinzenta e monótona -, o filme ainda utiliza os cômodos do prédio para, de certa forma, metaforizar os relacionamento modernos, em que casais se sufocam no dia a dia, encontrando a tão sonhada "liberdade" em vidas duplas, moralmente duvidosas e recheadas de falsas expectativas. E se os longos planos-sequência, muitos deles de mais de 10 minutos, poderiam representar apenas um exercício virtuosístico inócuo, é possível dizer que eles são muito bem executados, contribuindo para a construção do senso de realidade a respeito daquilo que se vê - com a câmera passeando subjetivamente pelo apartamento (a ponto de ouvirmos até mesmo uma misteriosa respiração, em meio a uma das tantas sequências de suspense). Tendo ainda na interpretação de Alkan um de seus pontos fortes - ela aparece simplesmente em TODAS as cenas - essa verdadeira Pérola presente no Netflix, apenas corrobora a tese de que Israel é, na atualidade, um excelente pólo cinematográfico. O que, por si só, já seria motivo suficiente para conferir o filme.

sábado, 15 de outubro de 2016

Disco da Semana - Kaiser Chiefs (We Stay Togheter)

Assim como ocorre com o Keane, o Kaiser Chiefs é um dos meus guilty pleasures. Sim, todos nós temos aquela banda/cantor(a) do coração que a crítica (e parte do público) ama odiar. E nós, meros mortais, desconhecedores das características daquilo que pode ser considerado uma forma elevada de "arte", amamos... amar. Sim, gosto desavergonhadamente desses simpáticos ingleses desde quando eles surgiram para o mundo com o disco Employment, época em que o clipe de I Predict I Riot passava a exaustão na MTV, no verão suarento de 2005. Gosto ao ponto de pensar - intimamente, claro, sem revelar para ninguém -, que o principal motivo que me fez ir no show do Foo Fighters em Porto Alegre, foi saber que a abertura seria do Kaiser Chiefs. Sim, gosto de Dave Grohl e companhia. Mas a revelação da programação completa foi um belo upgrade que me fez rever a importância do investimento. (e constatar que a apresentação dos Chiefs foi MELHOR que a da banda principal, é motivo de grande satisfação para este jornalista que vos tecla)

Tudo isso para dizer que, sim, talvez fôssemos os únicos por essas paragens - os exclusivões - que estivéssemos aguardando um novo registro do quinteto comandado por Ricky Wilson, desde Education, Education, Education and War (2014), álbum que apresentou o melhor do cancioneiro do grupo, com um amontoado de hits bacanas, como Factory Gates, Coming Home e Meanwhile Up In Heaven. Só que aconteceu uma coisa meio diferente com este novo trabalho, intitulado Stay Togheter. Tentando soar a descoladona, (aparentemente) atenta aos caminhos da música na modernidade, a banda resolveu enfiar umas eletronices no disco que, em linhas gerais, a faz soar como uma espécie de "New Order anacrônico", em que a impressão que se tem é a de que o disco está chegando ao mercado com alguns bons anos de atraso. E o pior: com uma pitada daquilo que de pior fizeram contemporâneos como Coldplay e The Killers.



Tomemos como exemplo o recém lançado single Hole In My Soul, com sua bateria eletrônica cafona e refrãozinho pegajoso-brega. É uma música toda certinha que talvez fizesse sucesso nas academias de ginástica em meio as aulas de jump. E olhe lá. Vejam bem, não há problemas em investir numa pegada mais dançante. Mas se a intenção era abandonar o pós-punk de estilo garageiro, a investida poderia ter sido direcionada para uma produção mais caprichada, com bases, sintetizadores e efeitos menos convencionais do que aqueles que foram entregues pelo quinteto. Assim ocorre que o resultado, ainda que "inovador" dentro da discografia da banda, soa como uma curiosa espécie de mais do mesmo, por meio de canções meio caretas, nada sofisticadas, e extremamente monótonas, com a impressão de terem sido entregues a toque de caixa. E a existência (pasme) de um fadeout em plenos anos 2000 na chatíssima baladinha Parachutes, serve apenas para corroborar a nossa tese. (e não vou nem falar da inexplicável existência de uma música escondida ao final dos mais de 50 minutos de audição)

Ainda que aqui e ali o grupo ainda invista no modelo que o consagrou - casos de boas músicas como Sunday Morning e, mais especificamente, Why Do You do It to Me?, que mais nos faz lembrar dos Chiefs das antigas - em geral a sensação é de marasmo em meio a uma eletrônica pouco inovadora e excessivamente convencional, bem a moda do disco Wild World lançado recentemente pelo Bastille. É claro que o disco não chega a ser um completo desastre. A ótima High Society, por exemplo, poderia indicar um caminho a ser seguido pelo grupo, com a adoção de um ar efetivamente mais modernoso e levemente efervescente, que, somado ao vocal em falsete ao estilo daquele adotado pelo americano Shamir, transforma este no grande achado do registro. Pop music, this is pop music / We are writing a recording of pop music, avisa uma voz rouca no começo da música Press Rewind. Se a ideia era brincar com o gênero, o simples fato de ter incluir um aviso em meio a reprodução do disco, já é um indicativo de que a ideia pode não ter sido lá muito boa. Uma pena...

Nota: 5,5

Na Espera - The Weeknd (Disco)

Desde que anunciou a chegada do sucessor de Beauty Behind the Madness - um dos nossos 25 Melhores Discos Internacionais de 2015 -, o novo disco do The Weeknd, intitulado Starboy, se tornou automaticamente um dos mais aguardados de 2016. Um dos principais nomes da música pop atual - quem não cantarolou mentalmente o refrão de Can't Feel My Face no ano passado? -, Abel Tesfaye parece não disposto a não perder tempo e programou o lançamento do próximo registro para o dia 25 de novembro. E, como forma de divulgar o futuro trabalho, já foram disponibilizados dois videoclipes: um para a faixa-título (que conta com a parceria do Daft Punk) e outro para a música False Alarm, que teve o seu caprichado vídeo lançado nesta semana.


O que se pode depreender das novas canções - e talvez do novo registro - é que, mais do que o R&B classudo adotado até o disco anterior, dessa vez parece haver um flerte (ainda) maior com a música eletrônica, ainda que a voz aveludada do artista continue sendo a sua marca registrada. Sobre o single mais recente - que teve o seu vídeo dirigido por Ilya Naishuller - o clipe tem avisos sobre violência explícita, já que mostra o artista em meio a um assalto que termina em um grande acidente (tudo coberto por sangue e MUITA violência cenográfica). Sabemos que ainda é cedo para afirmar qualquer coisa sobre o trabalho, mas, se levarmos em conta aquilo que já pudemos ver, não podemos negar: estamos mais do que Na Espera!

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Cine Baú - Laranja Mecânica (A Clockwork Orange)

De: Stanley Kubrick. Com Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates e Philip Stone. Ficção Científica / Drama / Policial. Reino Unido / EUA, 1971, 137 minutos.

Poucas vezes um filme foi tão impactante em sua análise do círculo vicioso de violência a que o sujeito pode estar inserido - seja ele representado por ações pessoais ou pela opressão do Estado em sua relação com o indivíduo - do que no magistral Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), até hoje um dos mais cultuados filmes de Stanley Kubrick. Sim, a obra se passa em um futuro que não sabemos qual, com personagens excêntricos, figurinos e cenários assépticos e sombrios e linguagem estilizada. Mas o ponto nevrálgico da abordagem de Kubrick, tão cara aos tempos em que vivemos - em que o ódio, a intolerância e a falta de empatia, ou mesmo o fascismo travestido de ideologia política, são a ordem do dia - permanece inalterado. Aliás, em uma breve leitura das notícias do dia na internet não será difícil encontrar casos de espancamentos de moradores de rua, de estupros e de assassinatos, fora as agressões institucionais generalizadas promovidas a rodo tendo o lombo da população como alvo - como no recente caso da tão falada PEC 241.

A propósito, uma análise do filme de Kubrick feita da "frente pra trás" permite inferir o fato de que a legitimação da violência justamente por aqueles que deveriam prezar pelo bem-estar da população - sejam eles representados pelos governantes, pela polícia ou até mesmo pela Igreja - pode estar no cerne dos eventos que presenciamos nesse clássico. Na primeira metade do filme somos apresentados a Alex (Malcolm McDowell), líder de um grupo sádico de delinquentes (os drugues Peter, George e Dim) que tem como "diversão" aquilo que chamam de a boa e velha ultraviolência - que nada mais é do que roubar, matar e estuprar, além de passar os dias em uma taverna hedonista enchendo a cara de leite-com. (Aliás, o fato de se nutrirem com leite, ainda que batizado, não deixa de ser uma boa ironia, que pode estar relacionada aos estudos de Freud sobre o desejo sexual como energia motivacional primária da vida humana, e que seria latente desde a infância.)



Em um certo dia, o grupo de drugues passa a mostrar descontentamento com as ações de Alex, que reafirma sua liderança por meio de um ataque aos companheiros. Mais tarde, após invadir a mansão de uma ricaça, Alex a acertará com uma escultura de formato fálico - em uma das tantas sequências memoráveis da película - para, no instante seguinte ser traído por Dim, que o atinge com um copo no rosto. É a violência gerando violência num ciclo (quase) interminável e que resultará em Alex sendo preso e condenado a 14 anos de reclusão por assassinato - é o início da segunda parte. E, nas mãos do Estado após dois anos de sentença, será direcionado, por sua vontade, diga-se, para uma nova terapia experimental para criminosos, conhecida por Tratamento Ludovico. A terapia, que prende a pessoa a uma cadeira com os olhos permanentemente abertos, consiste em assistir à exaustão imagens de violências de todos os tipos com a intenção de refrear os impulsos destrutivos do sujeito, dando a ele condições de retornar para o convívio da sociedade.

Sim, Alex retorna a sociedade após um festival de abusos daqueles que lhe estão tratando, mas perde o que poderia ser considerado o livre-arbítrio. Ou a capacidade de fazer escolhas de acordo com a sua moral, uma das principais questões da película. E, como sujeito zumbificado (e, agora, bondoso), que se horroriza na prisão diante da presença de uma mulher de topless ou do lado de fora ao reencontrar os alvos de sua catártica violência - ou mesmo escutando Beethoven, seu compositor preferido - Alex passa a ser o não-humano, a laranja mecânica que dá nome ao filme (orgânica por fora, mecânica por dentro). Sim, é complexo. Sim é um grande filme. Sim, há toda uma abordagem política (é possível notar esse debate partindo dos próprios personagens em relação a situação de Alex), psicológica, social e filosófica que, se por um lado, pode representar uma verdadeira salada ideológica em que não existem mocinhos e nem bandidos, por outro representa a consagração de um diretor com pleno domínio da técnica e com ampla capacidade de análise de uma sociedade individualista, niilista e hedonista.


Laranja Mecânica era o oitavo filme de Kubrick, que já havia feito pelo menos dois outros clássicos: Dr. Fantástico (1964) e 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968). E, até hoje, ele divide opiniões. Especialmente pela utilização de uma violência estilizada - que mais tarde seria repetida por tantos outros, como Tarantino - capaz de tornar os primeiros vinte minutos da película quase insuportáveis para alguns (e o que dizer da nova utilização de Singin In the Rain, na trilha?). Apresentando ainda uma sociedade hipersexualizada e fetichista que (parece) utilizar o prazer como válvula de escape - observe como em praticamente todos os cenários há imagens fálicas ou pinturas e fotos de homens e mulheres nus ou em atos sexuais (o que talvez pudesse tornar o comportamento de Alex e sua gangue mais "natural", se é que isso é possível) o filme ainda se encerra com uma dúvida em relação a nova condição de Alex, agora apadrinhado pelos engravatados que tanto lhe instigaram: estaria ele efetivamente curado? Mais um ponto positivo para este clássico, 46º colocado na lista de 100 Melhores do American Film Institute (AFI), divulgada em 1998.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Grandes Cenas do Cinema - Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall)

Filme: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
Cena: Sujeito pedante encontra o escritor Marshall McLuhan

Quando lançou Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), em 1977, Woody Allen ainda representava uma refrescante novidade do cinema alternativo americano. Com apenas meia dúzia de filmes produzidos até aquele momento, o nova-iorquino, que vinha da escola das comédias de palco ao estilo stand up (hoje tão saturadas) adotava um estilo de humor muito mais escrachado e visual e que bebia da fonte de outros contemporâneos, caso do grupo britânico Monty Python. Não à toa, um olhar atento a obras como a deliciosa comédia A Última Noite de Boris Grushenko (1975) permitirá encontrar semelhanças na graça feita a moda das esquetes extravagantes que, de tão bobas, se tornam hilárias.



Foi com Noivo Neurótico... que o padrão mudou. Entrou em cena o protagonista excêntrico e neurótico (com o perdão da redundância), muitas vezes interpretado pelo próprio diretor. Um sujeito preocupado com temas como o medo da morte, preconceito judaico, conservadorismo exacerbado e inseguranças no que diz respeito a relacionamentos amorosos - e sobre sexo, claro. E, ainda, cheios de divagações sobre a condição humana, bem como os anseios, medos e angústias de um mundo em constante mudança. Sim, Allen viria a encarnar dezenas de vezes esse homem moderno, eventualmente cosmopolita e invariavelmente culto, que aproveitaria cada obra para despejar não apenas as suas frustrações e constrangimentos, mas também uma boa dose de cultura pop, subversão da linguagem cinematográfica (com as famosas quebras da chamada quarta parede) e roteiros absolutamente engenhosos, com diálogos idem.

A obra, que trata das idas e vinda do protagonista, um cínico comediante de nome Alvy Singer (Allen), com a cantora de casas noturnas Annie Hall (Diane Keaton) é um divertido e melancólico estudo sobre o fracasso nos relacionamentos, com ênfase nas inseguranças de um casal que podem fazer com que a tão sonhada vida a dois naufrague. São muitas as sequências hilárias - como esquecer o momento em que a dupla tenta cozinhar lagostas (vivas!) em uma casa de praia, sem muito sucesso? Mas certamente nenhuma cena é tão impagável como aquela em que o filósofo e teórico da comunicação Marshall McLuhan em pessoa aparece. Em uma fila de cinema, Singer se irrita com um sujeito presunçoso que dá uma aulinha particular (e rasa) sobre aquilo que entendeu dos ensinamentos de McLuhann criticando fortemente o seu trabalho. Para resolver a "questão" Woody promove um inesperado encontro entre ambos numa das melhores sequências da história em filmes do diretor. Quem não viu o filme pode conferir o vídeo pois ele não tem nenhum spoiler. E ainda dá conta do estilo absolutamente corrosivo de Allen, ainda em início de carreira!

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Cinemúsica - Forrest Gump: O Contador de Histórias

Forrest Gump: O Contador de Histórias (Forrest Gump) é o cinemão por excelência. Se por um lado equilibra a tradição do filme épico - com seus protagonistas heroicos e eventos históricos -, por outro, com estilo fluído e despretensioso, resulta em uma daquelas saborosas obras que conhecemos pela alcunha de Estilo Sessão da Tarde. No auge de sua capacidade de atuação, Tom Hanks, que ganharia o seu segundo Oscar seguido pelo papel (no ano anterior já havia vencido pela comovente caracterização de um jovem advogado diagnosticado com o vírus da AIDS em Filadélfia), interpreta o protagonista. Um sujeito de modos simples, inadvertidamente tímido e inseguro e, ainda por cima, com QI abaixo da média. Mas que, devido a sua quase milagrosa persistência, consegue ser figura onipresente em uma série de acontecimentos reais da história americana recente se tornando, de quebra, um homem de negócios bem sucedido - bem ao modo como amam os americanos, diga-se.

Lembra do Tourist Guy que, após os eventos relacionados ao 11 de setembro, teve uma série de fotos (fictícias, claro), divulgadas em acontecimentos catastróficos históricos? Bom, Forrest teve uma vida parecida e, certamente, menos trágica. Em sua trajetória, que começa com o inevitável bullyng na escola por conta de um problema de coluna que o faz usar um aparelho nas pernas (que milagrosamente desaparece), o jovem ensinará Elvis Presley a requebrar. Após, jogará futebol americano, sendo campeão do Super Bowl. Será combatente na Guerra do Vietnã, recebendo medalha de honra das mãos do presidente Lyndon Johnson pelo resgate heroico de colegas, entre eles o Tenente Dan (Gary Sinise). Conhecerá também os presidentes Kennedy e Nixon, sendo um dos responsáveis diretos pelo escândalo de Watergate. Inspirará John Lennon para a canção Imagine, será fera em tênis de mesa e se tornará magnata da indústria de camarões enlatados. E tudo isso sem esquecer aquela que ele considera o amor de sua vida, Jenny (Robin Wright). Ufa!



Não bastasse a inserção do protagonista em imagens e fotos históricas - em um trabalho bacana e divertido de edição de Arthur Schmidt, que seria premiado com o Oscar - o diretor Robert Zemeckis ainda reforça a ideia do filme enquanto painel semidocumental de um cenário político-ideológico-cultural da segunda metade do século 20, por meio da inserção de um verdadeiro catálogo de clássicos musicais do período. Se as cenas nos fazem rir e chorar numa mescla soberba e orgânica de estilos, a presença de canções de grupos e artistas tão distintos, como, Joan Baez, The Mamas & The Papas, The Doors, Simon & Garfunkel, Aretha Franklin, Beach Boys, The Byrds e Bob Dylan, só torna a experiência ainda mais saborosa. Nesse sentido, não há exatamente um momento que se sobressaia e sim um conjunto capaz de trazer a baila a importância do legado da contracultura - especialmente nas cenas com Jenny - como um contraponto aos valores preponderantes do "sonho americano", como o patriotismo, o consumismo e a importância da ascensão social. (ainda que a morte de Jenny ao final e a exaltação dos "feitos" alcançados por Forrest, vamos combinar, signifique EXATAMENTE o contrário)

Não é por acaso que a presença de canções como Volunteers, do Jefferson Airplane (Look what's happening out in the streets / Got a revolution, got to revolution), Respect, da Aretha Franklin (All I'm askin' (oo) / Is for a little respect when you come home), além da autoexplicativa  What the World Needs Now Is Love, de Jackie DeShannon, são tão representativas para ilustrar um mundo que se mostrava em permanente transformação. E que possibilitava, por exemplo, a ascensão e o reconhecimento por parte da sociedade de um jovem "problemático" como Forrest. Talvez não seja exagero, nesse sentido, entender a jornada de Forrest e o fato deste ter "vencido na vida" contra todas as possibilidades, como uma espécie de mensagem de crença nas potencialidades, independente de cor, raça, credo ou capacidade intelectual. Sim, parece autoajuda, e talvez seja. Ainda que meio difusa, já que o filme parece mais voltado a americanos, brancos, conservadores, religiosos e bem sucedidos.


Bom, talvez Forrest Gump não seja um filme tão profundo. Ou mesmo as canções talvez não quisessem passar toda essa mensagem - há muitas críticas a presença do amigo Bubba (Mykelti Williamsom) como um mero coadjuvante que parece passar pelos mesmos problemas. Mas gosto de pensar na obra de Zemeckis, que no fim faturaria a estatueta dourada máxima daquele ano (injustamente, diga-se: é só ver a lista de indicados), como uma obra de mais envergadura do que parece, mesmo que tenha um pé na aventura e no cinema de ação despretensioso, capaz de resvalar ainda no drama romântico. Intencional ou não o caso é que a trilha sonora, lançada em disco duplo com 34 clássicos do cancioneiro americano, foi uma das mais vendidas da história, com mais de 12 milhões de cópias comercializadas. "O objetivo foi fazer uma linha do tempo através da música sem interferir na história que estava sendo contada", explicou na época o produtor musical Joel Sill, no livro Música Pop no Cinema, de Rodrigo Rodrigues. Mas com tantos clássicos, com tantos petardos inesquecíveis, o que menos ocorre com essa trilha é ela passar despercebida.

sábado, 8 de outubro de 2016

Lançamento de Videoclipe - Woods (Politics Of Free)

O mais recente disco do Woods - City Sun Eater in the River Of Light - pode até não ser tão gracioso e elegante como alguns registros anteriores, casos de At Echo Lake (2010) ou mesmo Bend Beyond (2012). Mas, ainda assim, se constitui em um dos melhores discos de 2016, representando parte de um processo natural de evolução na sonoridade dos nova-iorquinos. E como forma de seguir na divulgação do trabalho, a banda capitaneada por Jeremy Earl lançou um clipe para a música Politics Of Free. O vídeo, dirigido por Robbie Simon, mostra o grupo em um clima descontraído (e eventualmente bucólico) tocando no festival Northern California - e se divertindo muito com isso. Você não conhece o Woods? Então não perde tempo e clica. Até mesmo porque a mistura de folk com psicodelia litorânea e uma pitada de jazz promovida pelo quinteto é simplesmente irresistível!


sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Tesouros Cinéfilos - Blind

De: Eskil Vogt. Com Ellen Dorrit Petersen, Henrik Rafaelsen, Vera Vitali e Marius Kolbenstvedt. Drama / Suspense, Noruega, 2014, 96 minutos.

Ao analisar a nossa condição de humanos, e ignorando o eventual aspecto reducionista desta constatação, seria possível dizer que somos constituídos por duas "partes". Uma delas seria aquela que é visível - nosso corpo, cor da pele e dos olhos, formato do rosto, tipo de cabelo. A outra seria a que está no nosso íntimo e que apenas nós somos capazes de lidar: nossos medos, angústias, frustrações, desejos, temores, fetiches, preconceitos, alegrias. Aquilo que pensamos e que só pode ser expresso por meio raciocínio, do gesto, da fala. Em geral é o que não vemos, ao menos de saída. É o que sentimos. E que pode fluir no campo das ideias, do imaginário, do fluxo de pensamento. Transformar este turbilhão que nos inunda em algo "palpável", a partir do ponto de vista de uma pessoa cega, é simplesmente o maior achado deste verdadeiro Tesouro Cinéfilo que é a produção norueguesa Blind.

Nessa pequena obra-prima do cinema contemporâneo somos apresentados a personagem Ingrid (Ellen Dorrit Petersen), que, por conta de uma doença degenerativa, está perdendo a visão. A abertura do filme já a mostra em seu apartamento, com suas divagações a respeito do antes e depois do mal que lhe acometeu a possibilidade de enxergar o mundo e de como ela vai tentando lidar com a situação, que ainda é nova. Não demora para que sejamos apresentados a outros personagens, entre eles a solitária mãe solteira Elin (Vera Vitali), que parece ter como único propósito de vida as visitas de seu filho de 12 anos nos finais de semana, além do introspectivo Einar (Marius Kolbenstvedt) que, com a dificuldade de se relacionar com as pessoas no "mundo real", passa os seus dias se masturbando enquanto assiste vídeos pornográficos fetichistas na internet.



Mas o que se tem por "mundo real" também parece ser um universo de incertezas em Blind. Ingrid tem dificuldades em sair do apartamento. Se sente insegura e, por isso, se imagina, a partir dos barulhos que ouve em casas ao lado, nos corredores e nas ruas - e que parecem ser DENTRO de sua sala - visitada por seu marido, Morten (Henrik Rafaelsen), as escondidas, como se este quisesse lhe provocar ou pregar algum tipo de peça. Estaria ele brincando com ela? Ficando mais frio ou distante? Não demora muito para que compreendamos o fato de que, no filme, os acontecimentos de verdade se mesclam com aqueles que são fruto da imaginação fértil da protagonista. As interações entre Morten, Elin e Einar são verdadeiras? Ou não passam de devaneios de Ingrid?

Magistral em utilizar a mise-en-scéne, a fotografia e a edição e a mixagem de som para, propositalmente, confundir o espectador - seja por meio de planos detalhe claustrofóbicos ou por meio da trilha diegética sufocante -, o diretor Eskil Vogt ainda ganha muitos pontos por tratar a sua protagonista como uma pessoa como qualquer outra, cheia de inseguranças, vontades, sonhos (e não como uma "pobre coitada" que deixou de ver). É um ponto que guarda semelhança com o tocante filme nacional Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, também lançado em 2014. Nesse sentido, o distanciamento do marido no que diz respeito ao ponto de vista sexual seria algo de fato, ou também resultado de um processo que delimita a capacidade de a protagonista enxergar, que seja, a expressão de seu companheiro? São perguntas que ficam.


Rico em detalhes, complexo em alguns pontos, lento em sua fluidez, mas, ainda assim, absolutamente tocante, Blind oferece ao espectador uma verdadeira experiência sensorial cinematográfica que foge da lógica estabelecida pelo mercado e da qual estamos acostumados, com começo meio e fim bem definidos, assim como "mocinhos", "bandidos" e tudo o mais. Isso sem contar as interpretações elegantes e cheias de potência e versatilidade e o roteiro intrigante - que resultou em premiações em Berlim e Sundance. Não é um filme de fácil "digestão", mas é daqueles que nos faz pensar (e muito) sobre aquilo que vimos. E que, muito provavelmente, resultará em mais perguntas do que respostas ao seu final - que ainda é capaz de reservar uma divertida surpresa, quando da "libertação" de sua principal personagem.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Cinema - Demônio de Neon (The Neon Demon)

De: Nicolas Winding Refn. Com: Elle Faning, Christina Hendricks, Karl Glusman e Keanu Reeves. Terror, França/Dinamarca/Estados Unidos, 2016, 118 minutos.

O cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn vem se firmando como um diretor de estilo bastante peculiar desde seu sucesso internacional com o já clássico Drive, de 2011. Câmera lenta, fotografia belíssima, trilha sintetizada, atuações etéreas, violência onipresente, clima sufocante - tudo faz parte do cardápio fornecido pelo realizador que vem sendo cultuado por uns, odiado por outros. E a julgar pelo seu filme anterior, Só Deus Perdoa, de 2013, Refn não quer aproveitar a fama recente para facilitar a vida do espectador em suas obras, o que talvez explique as sucessivas vaias no Festival de Cannes (onde o mesmo ganhou o prêmio de melhor diretor por Drive) para seus dois últimos filmes, incluindo esta sua mais recente obra, Demônio de Neon (The Neon Demon). Se antes o diretor dinamarquês havia se aventurado pelo submundo das lutas e drogas tailandês, aqui é o mundo da moda norte-americano que é retratado - o que, diga-se de passagem, casa muito bem com a frieza e estilização com que o diretor adora temperar suas obras.

Jesse (Faning) é uma jovem aspirante a modelo que chega a Los Angeles para tentar a sorte na nova profissão, sendo invejada pela sua beleza, juventude e vitalidade por outras "colegas" de profissão. Se num primeiro momento vemos a personagem principal como um poço de inocência, logo podemos imaginar que sua vida a partir daí não será nada fácil, ao ser forçada a conviver em um ambiente onde a competitividade e a inveja podem alcançar níveis inimagináveis, sentimentos estes retratados metaforicamente de forma bastante contundente e cruel. Além disso, Jesse passa seus dias em um quarto de hotel decadente gerenciado pelo mau caráter Hank (interpretado por Keanu Reeves, que parece se divertir bastante com o papel), intensificando ainda mais o clima de horror que passará a fazer parte de seu cotidiano.


Até então nada de novo, tramas assim são bastante comuns no cinema. No entanto, a grande diferença de Demônio de Neon para os demais está no toque de seu realizador: se o elenco não entrega atuações marcantes (à exceção de Faning que, com sua beleza e inocência, serve perfeitamente para o papel) e o roteiro parece um tanto vazio, é justamente o clima de terror que perpassa a obra o seu ponto forte. Se a trilha sonora contribui para a criação da ambiência, a lindíssima fotografia serve para acentuar ainda mais os momentos mais chocantes, que lembram o gore em algums momentos. Tudo aqui é extremamente gélido, principalmente as relações interpessoais, algo muito representativo de um meio onde pessoas são avaliadas apenas por seus corpos, referenciados pelas faces sem expressão daquelas que, recheadas de botox, passam a invejar a "beleza natural" de Jesse. E é sintomático que no momento em que o jovem fotógrafo Dean (Glusman) busca se aproximar e demonstrar algum afeto pela personagem de Faning, este é logo afastado pela moça.

Exercício estilístico, filme de gênero, homenagem aos cineastas favoritos de seu diretor (há um quê de Kubrick e David Lynch aqui), tudo isso pode ser relacionado a Demônio Neon, e o mesmo sai-se bem nestes quesitos. Se falta profundidade no enredo, sobram imagens marcantes e cenas perturbadoras. Uma, em especial, não lembro de ter visto antes na telona, e certamente vai marcar a vida de cinéfilo de quem assistir. Para quem é fã do cinema de Refn, certamente será uma boa pedida - muito embora seu cinema autoral já comece a demonstrar algum sinal de cansaço, sem o mesmo arrebatamento das obras anteriores. Não é a toa que grande parte da crítica mundial tem tratado de execrar o criador, alegando uma certa auto-indulgência pós vitória em Cannes. Particularmente, não achamos que é para tanto. Embora longe de ser uma obra-prima, Demônio Neon é uma experiência interessante de ser apreciada por quem simplesmente curte cinema.

Nota: 7,2.


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Disco da Semana - Bon Iver (22, A Million)

Colagens sonoras, vocais sobrepostos e repletos de autotune, efeitos eletrônicos diversos. A descrição de algumas características do novo registro do cantor Justin Vernon, 22, A Million, terceiro sob o nome de Bon Iver, revela uma clara mudança de rota no que diz respeito ao estilo adotado pelo artista. A propósito, modificações mais do que bem-vindas no que diz respeito ao amadurecimento de Vernon. Se nos espetaculares For Emma, Forever Ago (2008) e Bon Iver, o homônimo registro de 2011, a predominância era de uma sonoridade em que se sobressaia uma melancolia doce, emanada por uma espécie de folk invernal capaz de se mostrar pungente e econômico na mesma medida, o novo trabalho parece se afastar, ao menos em partes, desse modelo. Algo que pode ser percebido não apenas nas melodias - difíceis, desconexas, caóticas - mas também na capa ou mesmo nos nomes das canções.

Em entrevista para a imprensa especializada no começo do mês de setembro, Vernon comentou que se sentia andando "em círculos" e que fazer um novo álbum no estilo dos anteriores poderia ser algo chato. "Sim, estar triste pode ser algo bom e eu estava utilizando aquele material para me curar", revelou. "E mesmo que este novo trabalho tenha elementos obscuros eu me sinto muito mais 'gritando 'do que 'sussurrando'", analisou. Na mesma entrevista, o artista disse que fez uma curiosa viagem para as ilhas gregas fora da temporada, o que lhe deixou muito mal. "Estava tentando me encontrar, mas me senti esquisito, pobre. E ainda havia uma voz na minha cabeça, que dizia 'this feeling might be over soon (esse sentimento logo vai passar)'" que, não por acaso, se tornou a frase inaugural do registro, presente na canção 22 (OVER S∞∞N).



Este sentimento particular de busca, somado ainda ao contato com artistas como Francis and the Lights, James Blake, Volcano Choir e Kanye West, fosse para parcerias ou colaborações, representou um claro enriquecimento no repertório de Vernon que, longe de parecer estagnado ou acomodado em um mesmo ambiente musical, se mostrou um artista em constante movimento. Não é por acaso que canções 10 d E A T h b R E a s T ⊠ ⊠ e 715 - CRΣΣKS com seu clima perturbador e vocais cheios de efeito, mais parecem fruto de um curioso encontro entre o Bon Iver com o Radiohead fase Kid A - e não poderia haver melhor elogio para definir o novo trabalho de Vernon, em que há uma clara ruptura da lógica, uma quebra incômoda na musicalidade, do que compará-lo com o fundamental disco de Thom Yorke e companhia, lançado há exatos 16 anos, em outubro de 2000.

Nesse sentido, talvez não seja tão fácil encontrar beleza, ao menos de saída, no novo registro, que certamente exigirá do ouvinte muito mais do que meia dúzia de audições. (a boa notícia é que são apenas 10 músicas e pouco mais de 35 minutos) E se 33 “GOD” mais parece Bon Iver das antigas, sendo possível (quase) encontrar uma musicalidade a moda de Holocene ou Perth, em que até ocorre um flerte com o refrão, não são necessárias nem mais duas músicas para que retornemos as orquestrações minimalistas, as curvas altamente enigmáticas e ao conjunto propositalmente "bagunçado" que pontua todo o trabalho. E se você está achando estranho o nome das canções - 666 ʇ, 21 M♢♢N WATER - é preciso que se diga que, assim como no caso da capa, de grande riqueza gráfica, a adoção desses elementos também integra o conceito do disco.


Para quem nunca escutou Bon Iver, o contato direto com 22, A Million pode representar um certo "choque", ainda que não haja uma completa fuga das emanações etéreas tão tradicionais nos registros anteriores - e que aqui aparecem transformadas em um instrumental muito mais eletrônico do que folk. (ainda que, por exemplo, músicas como 00000 Million talvez não fizessem feio em um álbum um pouco menos previsível de um Fleet Foxes ou mesmo de um Mumford and Sons). Agora, se você está habituado aos sons desafiadores, não se importa com a quebra de paradigma no que diz respeito a dupla estrofe/refrão e procura artistas que gostam de se reinventar, que possam oxigenar as suas audições e que tenham em certa complexidade de execução a sua força criativa, bom, bem-vindo a um dos melhores discos do ano.

Nota: 8,8