quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Cinema - Sinônimos (Synonymes)

De: Nadav Lapid. Com Tom Mercer, Louise Chevilotte, Quentin Dolmaire e Olivier Loustau. Drama, Israel / Alemanha / França, 2019, 119 minutos.

Devo dizer a vocês que gosto desses filmes que precisam ser desvendados, que são cheios de camadas, sem um começo, um meio e um fim bem definidos. Que não são óbvios naquilo que querem dizer, mas acreditam na capacidade do espectador de juntar os pontos para que a "mensagem" seja compreendida. E esse é o caso do ótimo Sinônimos (Synonymes), último vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim. Na narrativa, uma série de fragmentos visuais, pequenas colagens em sequência que forma um mundo que parece à beira do colapso, pautado por uma política de exclusão, de intolerância e de preconceitos diversos. Nações que deveriam derrubar muros os constroem. Povos que são diferentes apenas nas aparências e que deveriam olhar para si com mais compaixão, com mais empatia e com menos ódio, se afastam, se isolam - culturalmente, politicamente, socialmente. Religiosamente.

Há uma crise relacionada ao tema da imigração, afinal, com casos de xenofobia e de violência aumentando exponencialmente. Na trama, Yoav (Tom Mercer) é um jovem israelense que se refugia em Paris para tentar uma nova vida. Por uma nova vida leia-se excluir completamente a sua identidade do passado, bem como sua bagagem, sua história, para se tornar uma nova pessoa, parisiense, de bons modos, distante da guerra, do fundamentalismo, da fome e da miséria. Mas será que a França é assim tão diferente? Será que ela recebe bem os estrangeiros e os ampara? Será que ela concede aos seus cidadãos a autonomia política e religiosa? Nesse sentido, a película do diretor Nadav Lapid brinca o tempo todo com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade - tão caros ao povo francês - subvertendo-os nos pequenos atos, nas pequenas opressões. Ou nem assim tão pequenas, como entrega a curiosa (e incômoda) sequência em que Yoav se submete a uma sessão de fotos absurdamente constrangedora.


Após um primeiro ato em que Yoav é auxiliado pelo "caridoso" casal burguês Caroline (Louise Chevilotte) e Emile (Quentin Dolmaire), o protagonista aprende uma série de palavras em francês, passa a usar roupas parisienses, desejando apagar qualquer resquício da língua hebraica, bem como as memórias dos dias frios em meio a cenários inóspitos. Com uma série de metáforas envolvendo a fortes contra enfrentando fracos - com menções à galos em rinhas ou ao personagem Heitor (que é derrotado por Aquiles, na Guerra de Troia), Yoav perceberá, da maneira mais dura, que será praticamente impossível deletar uma identidade que está impregnada na sua existência. Não dá para simplesmente se transformar em francês em um mundo que mal aceita as diferenças culturais e que prefere fechar portas literais, como exemplifica uma das mais metáforicas sequências do filme.

Com uma câmera na mão que cola em seus personagens, uma montagem que não se ocupa tanto da Paris dos cartões postais e uma fotografia granulada e empalidecida que emula a Nouvelle Vague (senti ecos até mesmo do Godard, na parte técnica), Sinônimos será aquela obra que não será facilmente degustada, mas que deixará o espectador satisfeito ao reconhecer os instantes que reforçam as ideias apresentadas pelo roteiro. E para este jornalista que vos escreve, não há nenhuma parte mais exemplar nesse sentido do que aquela em que uma turma de estrangeiros canta a Marselhesa como forma de se apropriar da cultura do País (lembrando que o hino da França fala em derramamento de sangue de impuros, num clima violentamente bélico). Imprevisível, excêntrico, embaraçoso, desconfortável, audacioso, enlouquecedor.. não faltarão palavras (e seus sinônimos) para resumir a experiência.

Nota: 8,5

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