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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Novidades em DVD/Now - Link Perdido (Missing Link)

De: Chris Butler. Com Hugh Jackman, Zoe Saldana, Zach Galifianakis, Emma Thompson e Timothy Oliphant. Comédia / Aventura, Canadá / EUA, 2019, 94 minutos.

Eu sempre achei que filme em stop motion deveria ser "isento de crítica". Sim, por que tentem imaginar vocês a trabalheira que deve dar para fotografar mais ou menos uns três trilhões de quadros para, depois, juntar cada frame um no outro, com a intenção de transformar isso em uma obra de uma hora e meia. Com sentido. Com detalhamento. Com lógica. Só a ideia de uma película com essa técnica, já concede na ARRANCADA a aprovação pro material. Bom, o Estúdio Laika, pródigo na produção de filmes nesse padrão - é dele os ótimos (e sombrios) Coraline (2009) e Paranorman (2012)  , é a desenvolvedora deste Link Perdido (Missing Link) que faturou o Globo de Ouro em sua categoria, deixando para trás as duas grandes obras da Disney (Frozen 2 e Toy Story 4). Para muitos uma surpresa, especialmente pelo fato de a recepção da crítica ter sido meio morna e a bilheteria não ter empolgado tanto assim.

Bom, a gente sabe que o Globo de Ouro não é lá muito padrão pra alguma coisa, mas Link Perdido tem alguns méritos, especialmente no que diz respeito ao sempre relevante debate sobre respeito às diferenças. Na jornada do herói, o investigador de mitos e monstros Lionel Frost (Hugh Jackman), também é possível reconhecer o amadurecimento de quem, nunca tardiamente, percebe as suas falhas, comprometendo-se a melhorar como ser humano. São mensagens simples, quase prosaicas mas que, embaladas em uma animação simpática e de fácil compreensão, certamente se encaixarão direitinho para o público ao qual se destina o filme (crianças de 11 ou 12 anos). Para os adultos uma oportunidade de se maravilhar com uma animação que atinge o padrão de excelência no stop motion - que começou láááá atrás, com A Fuga das Galinhas (1995) -, que faz uma mescla com computação gráfica, que torna o resultado soberbo. E há ainda um ou outra piadoca mais "sapeca".


Na trama, como já citado, Jackman é o investigador de mitos que não é levado a sério pelos seus pares. Existe um grupo exclusivo - meio que uma maçonaria de grandes caçadores de monstros -, da qual Frost deseja fazer parte a todo o custo. A oportunidade de ouro surge quando o próprio Pé Grande (Zach Galifianakis) em "pessoa", lhe manda uma carta. Sem saber, o protagonista se envolverá em uma grande aventura que lhe levará até Katmandu, no Nepal, na tentativa de encontrar o Abominável Homem das Neves - que o Sasquatch acredita que possa ser um tipo de "parente distante" (ele está só, afinal). Claro que é tudo desculpa para que tenha início uma série de perseguições de rivais com interesses escusos - entre eles um caçador de recompensas (Timothy Oliphant) e de uma série de situações divertidas na tentativa de chegar ao destino. Na jornada, se juntará ainda a ex-aventureira Adelina (Zoe Saldana).

É uma boa animação? É. Vai mudar o mundo? Não, definitivamente não vai. Especialmente pelo fato de faltar um pouquinho mais de profundidade para os temas importantes que são abordados apenas de passagem - e, talvez nesse quesito, as obras da Pixar estejam realmente nos deixando mal acostumados. Ainda assim, as cenas de ação são realmente tensas e bem construídas - consegui ficar verdadeiramente apreensivo em uma sequência envolvendo a possível queda dos personagens de uma ponte muito alta no terço final! Tudo isto não foi suficiente para uma vitória em sua categoria na noite do Oscar (o ganhador foi Toy Story 4). Mas que a vitória no Globo de Ouro foi um belo "prêmio de consolação", isso não podemos negar.

Nota: 7,0

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Novidades em DVD/Now - Quem Você Pensa Que Sou (Celle Que Vous Croyez)

De: Safy Nebbou. Com Juliete Binoche, Nicole Garcia, François Civil e Guillaume Gouix. Drama, França, 2019, 101 minutos.

Em tempos tão tecnológicos como os nossos, é muito provável que não haja pessoa nesse mundo que não tenha experimentado a delícia de ficar horas conversando com alguém - ainda mais se esse alguém for especial - pelas redes sociais. A escolha das frases bem pensadas antes de enviar, o uso de emojis, as palavras ditas (e até as não ditas) e a observação atenta da tela enquanto o "digitando" persiste em aparecer. É algo que todo mundo faz. Ou já fez. E que a protagonista do filme Quem Você Pensa Que Sou (Celle Que Vouz Croyez) também faz. Mas com uma "pequena" diferença. Claire (Juliete Binoche) é uma mulher de 55 anos que, após o divórcio, é aparentemente acostumada a se relacionar com homens mais novos. Homens mais novos que, em muitos casos, não querem muito compromisso - como é o caso de Ludo (Guillaume Gouix), que termina o caso com Claire de forma bastante abrupta (e até grosseira).

Pra tentar se reaproximar do rapaz, Claire cria um perfil falso no Facebook. Por meio dele, adiciona o fotógrafo Alex (François Civil) que, num primeiro momento, deveria ser apenas o caminho para que a protagonista pudesse contatar Ludo. No perfil de Claire, um outro nome: Clara. E fotos e informações misteriosas de uma garota uns 30 anos mais jovem completam o combo. Por ser professora universitária das áreas de literatura e letras, Claire tem um ótimo, inteligente e envolvente papo. E não demora para que Alex fique verdadeiramente interessado na pessoa com quem divide noites e mais noites de conversas divertidas, amenas, safadas. Só que, lógico, Claire não conseguirá manter essa mentira por muito tempo: as pessoas precisam viver no mundo real e o maior desejo de Alex será conhecer a "jovem". E, para nós, que acompanhamos essa jornada, estará estabelecido um ótimo suspense, que bebe na fonte de séries como Black Mirror e de filmes como Ela (2013).


Estruturalmente, o filme é narrado como se fosse uma grande sessão de terapia. Será para a doutora Catherine (a sempre ótima Nicole Garcia), que Claire falará de suas angústias. E de quais estratagemas utilizou para tentar "driblar" o seu novo amigo que, conforme os dias passavam, tinha mais e mais desejos de proximidade. E, pior ainda: sobre como essas estratégias (quase) resultaram em tragédias que poderiam ter modificado a vida de todos os envolvidos na história, para sempre. E, por mais que encaremos Claire como a suposta figura "vilanesca" da história, por ter mentido tão descaradamente, é simplesmente impossível não deixar de compreender a dor de uma mulher que, agora na meia idade, foi abandonada pelo marido, ao passo que a juventude (e o consequente despertar do desejo das demais pessoas), foi ficando para trás. Nesse sentido, a obra do diretor Safy Nebbou é hábil ao conferir complexidade às suas personagens - e a gente fica o tempo todo desejando com todas as forças que o final possa ser o mais feliz possível (especialmente para o "casal" central).

Equilibrando momentos singelos - como aquele em que Claire fala da sensação de alegria de ver a luz verde (que identifica uma pessoa online) acesa -, com outros mais divertidos, como naquele instante em que a protagonista admite desconhecer o Instagram, o filme tem a sua força mesmo nos momentos mais dramáticos (e são tantas as reviravoltas, que a gente acaba surpreendido o tempo todo). Discutindo uso de redes sociais, a solidão na terceira idade, a carência afetiva que muitas vezes nos invade e a idealização do amor, o filme nos apresenta a uma Juliete Binoche mais uma vez arrebatadora. Despida de qualquer vaidade, aparece muitas vezes como uma mulher devastada para, minutos depois, surgir rejuvenescida pelas oportunidades trazidas pela vida e pelas redes sociais (e sempre com a câmera grudada em seu rosto). E o trabalho que ela executa a partir de simples expressões faciais a partir daquilo que ela está lendo na tela (como todos nós fazemos, por sinal), é não menos do que verossímil. É um filme que pode até soar meio exagerado em alguns momentos mas que, minimamente, nos faz refletir. E que ainda nos deixa com a pulga atrás da orelha ao final da última cena.

Nota: 8,5



terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Novidades em DVD/Now - Border (Gräns)

De Ali Abbasi. Com Eva Melander, Eero Milonoff, Andreas Kundler e Jörgen Thorrson. Drama / Fantasia, Dinamarca / Suécia, 2018, 105 minutos.

[ESTA RESENHA CONTÉM SPOILERS]

Border (Gräns) é um filme estranho, desconfortável, eventualmente grotesco. Decididamente não indicado para todos os paladares, ainda que dotado de algumas boas intenções na percepção daquilo que é diferente - e que deve, sim, ser respeitado, já que não é a "estampa" que define o caráter. Mas há uma sensação de estranhamento generalizado. De deslocamento. De instabilidade. Há algo que nos incomoda o tempo inteiro e que nos escapa o alcance. Não é apenas a figura picaresca de Tina (a bela atriz Eva Melander, embaixo de uma maquiagem tão exemplar que rendeu à obra de Ali Abbasi uma indicação ao Oscar nessa categoria). É o seu comportamento, o seu gestual. Dotada de algum tipo de "sexto sentido", utiliza as suas habilidades para, na condição de guarda de fronteira em uma aduana, identificar contrabandistas ou pessoas que possam estar ligadas a algum tipo de crime. É um trabalho que ela executa em silêncio, sem extravagância e com grande firmeza de propósito.

Lá pelas tantas cruza pelo seu caminho um certo Vore (Eero Milonoff, também debaixo de uma pesada maquiagem), que chama a atenção de Tina, que parece "farejar" algo de errado nele. Semelhante fisicamente a ela, o homem passa a ser investigado, sendo constrangido ao ser revistado - e será a partir daí que algumas das tantas dúvidas a respeito do caminho adotado pelo roteiro, que vai do drama à fantasia sem muitas concessões, começarão a ser dissipadas. Estabelecendo diálogo com a Mitologia Nórdica, a obra mergulha no suspense sensorial, com Tina se apresentando ao mesmo tempo como uma figura folcloricamente engimática (que possui uma relação quase simbiótica com a natureza e com a vida selvagem), ao passo que também é alguém moralmente ética, que é surpreendia ao descobrir a natureza de sua própria existência - condição que emergirá num misto de sofrimento, fúria e até sensualidade.


É um filme nada óbvio e confesso que poucas vezes assisti a algo tão animalesco e sensível em igual medida. Tina é uma figura taciturna que vai se revelando aos poucos ao espectador, especialmente após a chegada de Vore. Tecnicamente impecável, a película abusa dos enquadramentos estranhos, do uso da profundidade de campo e dos closes de seus protagonistas feios (e belos?), para tornar a experiência ainda mais imersiva. A fotografia acinzentada, pálida, melancólica, fornece um tipo de contraste, especialmente nos momentos em que a dupla se regozija em meio à natureza, em seus rios caudalosos, ramos e galhos verdes e encontros fortuitos com os animais da floresta. Já a edição de som torna palpável o exercício de "farejar". É uma trama amarrada em meio à peculiaridade da vida estranha que, em seu limite, trabalha temas como sensação de pertencimento (especialmente em um mundo que odeia minorias) e solidão - mesmo quando estamos acompanhados.

E ainda que funcione bem como trama de mistério e policial - uma rede de pedofilia vai sendo descortinada aos poucos -, o suspense se estabelece muito mais pela curiosidade sobre a dupla central, que entrega um trabalho de interpretação não menos do que magnífico (e que se despe de toda e qualquer vaidade). Milonoff, por exemplo, consegue ser assustador, sombrio e misterioso em igual medida. E mesmo coadjuvante, como Jörgen Torsson, que vive o excêntrico Roland, que mora com Tina, também contribuem para a sensação de estranhamento generalizado que emana da tela (ele é um sujeito que é fã de jogos e de apostas, especialmente aquelas que envolvem animais). Exemplar genuíno daquilo que de melhor tem sido feito em países como Dinamarca e Suécia, a obra foi premiada na mostra Um Certo Olhar do último Festival de Cannes - gerando burburinho em outros festivais. Veja. Por sua conta e risco.

Nota: 8,0



segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Novidades em DVD/Now - A Vida de Diane (Diane)

De: Kent Jones. Com Mary Kay Place, Jake Lacy, Estelle Parsons e Glynnis O'Connor. Drama, EUA, 2018, 96 minutos.

São tempos individualistas os que vivemos, então não deixa de ser comovente assistir a um filme que reforce a importância das relações, dos laços, dos pequenos gestos de afeto, como no caso desse A Vida de Diane (Diane). Serão essas relações que darão sentido a nossa vida - ainda que eventualmente construídas de uma forma meio torta, em que a dependência fala muito mais alto do que a amizade em si. Nesse sentido, é interessante notar o fato de que a protagonista, que dá o nome original à obra e que é vivida pela ótima Mary Kay Place, nunca está sozinha: rodeada de parentes enfermos, de um filho usuário de drogas, de um casal de vizinhos idosos e até de um grupo de apoio à moradores de rua, a vida de Diane é auxiliar os outros. Tentar amenizar suas dores, suas frustrações, suas tristezas. O que faz com que tenhamos a impressão de que, mesmo acompanhada, ela pareça eventualmente solitária.

Trata-se de um filme dolorido sobre a chegada na terceira idade. Diane tem cerca de 70 anos, assim como a maioria dos seus amigos e parentes que vemos em cena. Aos poucos alguns adoecerão, padecerão de algum mal, enfim, morrerão. E esse contexto se descortinará na nossa frente sem nenhuma forçação ou excesso melodramático, afinal, assim é a vida. Diane andará pra lá e pra cá em uma via crucis exaustiva, que será visualmente representada pelas estradas que surgem como uma metáfora para a existência que anda, que anda e que anda indefinidamente - e para a vida que passa, inexorável, a despeito dos seus acontecimentos. Não por acaso, em uma das cenas mais tristes da película, Diane mal tem tempo de chorar a morte de sua prima, já terá de ir atrás do filho drogado, que reaparece depois de dias sem mandar notícias. A vida, afinal, é uma série de eventos que vem em enxurrada, eventualmente desconexos, que podem gerar sofrimento, dor, euforia, êxtase.


Se Diane fica arrebatada com o morador de rua que lhe dá um afago ao dizer que o dia dele ficava mais feliz quando era ela que lhe servia a comida no bandejão - que cena, meus amigos -, em outra, sentiremos junto com ela o arrependimento de não ter estado junto de alguém que amava no instante que lhe antecedia a morte. E não deixa de ser incrível como um filme tão sutil, tão econômico, consiga dizer tanto sobre essa força que rege a nossa presença nesse mundo: a da importância de termos com quem contar, em quem confiar. Não é por acaso que gosto da cena do jantar, em que idosos trocam amenidades, enquanto que os jovens e as crianças surgem em tela quase invisíveis, como espectros no formato "folha em branco", que ainda não tiveram a sua história suficientemente preenchida. O mesmo valendo para o momento em que Diane descobre que, superado um vício, seu filho Brian (Jake Lacy) está, agora, maravilhado por outra "droga".

É filme de instantes pequenos, de repetições, que pode soar excessivamente arrastado para alguns paladares, mas que tem razão de existir assim, já que vida próxima do ocaso, ao menos para Diane, parece uma coleção de fragmentos em que a espera parece mais dolorida, em que o tempo parece já olhar para o fim. A fotografia eventualmente escurecida, de tons mais pálidos, contribui para esse sentimento de vida que se vai indo e que não volta mais, conforme passa. E quando vemos uma Diane tão exaustivamente dedicada aos outros, tão presente, tão empática, tão altruísta, inevitavelmente acabamos por nos perguntar: quem vai cuidar dela? Como ela buscará a felicidade? Bom, talvez a felicidade dela, resida nesse modo de existir, colaborativo, em que as emoções estão presentes nas mínimas coisas, que para ela são grandes, importantes. E que a solidão poderá ser aplacada fazendo-se aquilo que gosta e convivendo com pessoas que amamos. Simples assim.

Nota: 8,0

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Novidades em DVD/Now - É Culpa da Alegria (Ode To Joy)

De Jason Winer. Com Morena Baccarin, Martin Freeman, Melissa Rauch e Jake Lacy. Comédia romântica, EUA, 2019, 97 minutos.

Existe uma premissa básica pra fazer com que uma comédia romântica funcione: a gente tem que torcer para que o casal central da trama fique junto. Temos de nos importar com eles. Desejar que eles superem todas as adversidades que lhes foram impostas para que, ao final, quando houver a derradeira cena do beijo que salva tudo, aquela sequência absurdamente clichê em que tudo se repara, em que a trilha sonora sobe e o travelling circular ocorre, seja, para nós espectadores, também um momento catártico. Que simbolize a esperança. O desejo por um futuro melhor. O sonho consolidado. Bom, eu estava querendo assistir algo leve e aluguei esse exemplar de como NÃO FAZER um filme desse gênero. Aliás, o que me surpreende é pensar que produtores de cinema pegaram o seu "suado" dinheiro para investir em uma obra que, além de não funcionar como romance, também não funciona como comédia, por que simplesmente a gente não dá risada. Em nenhum momento. NENHUM. E eu tô falando de um meio sorriso que seja. De canto de boca, vá lá.

Mas não, É Culpa da Alegria (Ode To Joy) também não tem graça. Aliás, as tentativas de fazer comédia são bizarras, machistas, antiquadas. Por exemplo, em uma das primeiras sequências, vemos a personagem vivida por Morena Baccarin (de nome Francesca) entrar em uma biblioteca com o namorado para discutirem a relação. Ao descobrir o motivo da ida a um ambiente silencioso para uma DR - a jovem seria muito histérica -, ela sobe na mesa para gritar com tudo e todos. Bom, se não bastasse o absurdo da sequência em si - que se fosse algo propositalmente nonsense, poderia servir ao humor -, ela ainda piora quando Charlie (Martin Freeman) se apresenta a ela com uma epifania sobre o futuro do relacionamento daquele casal. E, como cereja do bolo, o morto não é "nem embalsamado" e a fila já anda: Charlie, incentivado por seus colegas de trabalho, convida Francesca para sair. Sim, o casal central da película será o Martin Freeman e a Morena Baccarin - por que é bem normal a mulher bonita, inteligente e interessante desejar o cara esquisito. Nos filmes é.


Na trama, Charlie sofre de cataplexia, um sintoma de narcolepsia que causa paralisação súbita quando ele experiencia fortes emoções - mais especificamente a felicidade. Assim, ele desenvolve algumas técnicas para não desmaiar todas as vezes que vive ou simplesmente presencia um evento feliz - e a forma que a narrativa busca nos apresentar essa condição também é péssima, ostensiva, nada sutil. Basta Charlie sair para a rua, que ele inevitavelmente se deparará com cenas afáveis - como a de uma grávida que deixa as compras cair e é auxiliada por um idoso. Só que como lidar com a euforia de uma nova paixão em um mundo em que não é possível se entregar de corpo e alma sem desmaiar, sofrer, apagar? Charlie resolve que, para manter Francesca por perto, a solução é incentivar o seu irmão Cooper (Jake Lacy) a sair com ela. Assim ao menos, de forma altruísta, ele poderá estar em contato com ela nas reuniões familiares. Bizarro. Verossímil? Não. Engraçado? Nunca. Romântico? Preciso responder?

Nesse ínterim, Charlie conhece Bethany (Melissa Rauch, a ótima Bernadette de Big Bang Theory), que até combinaria mais com ele, já que ela parece também ter problemas psicológicos - aliás, que convenção é essa de que as mulheres em certas comédias românticas devem ser neuróticas? Mas, ao final, mesmo sendo um semi virgem de quase cinquenta anos (sua condição lhe impediu de namorar DESDE A ADOLESCÊNCIA), ele lutará pelo amor de Francesca que, mesmo sem ter sequer beijado o sujeito, estará falando ao final da obra em ter filhos com ele (sim, por que uma boa comédia romântica clichê não pode terminar sem o desejo de ter filhos, claro). Pra não dizer que a catástrofe é total, há uma personagem interessante na película, ainda que careça de algumas camadas a mais, que é a tia de Francesca, que tem um câncer terminal, mas vive com divertida vitalidade (papel de Jane Curtin), sendo uma das incentivadoras da sobrinha. No mais, foi uma hora e meia que, de quebra, ainda se arrasta. Não ri. Não me emocionei. Aliás, quase desmaiei de desgosto. Tal qual o protagonista, nos seus momentos de maior euforia.

Nota: 2,0


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Boas Intenções (Les Bonnes Intentions)

De: Gilles Legrand. Com Agnés Jaoui, Claire Sermonne e Alvan Ivanov. Comédia dramática, França, 2019, 103 minutos.

São as mais variadas as formas das classes mais abastadas expiarem a culpa pelas diferenças sociais existentes no mundo. Da participação no Rotary ao envolvimento em projetos locais, vale tudo para reduzir o sentimento de desigualdade que, em muitos casos, tem muito mais a ver com massagem no próprio ego do que um efetivo pensamento em uma política mais igualitária. Aliás, se assim fosse, a grande maioria dos ricos não votaria em candidatos que buscam a manutenção do status quo. E assim, aquela madame generosa que vai a Igreja todo o domingo, segue fazendo caridade enquanto o mundo gira com milhares de pessoas passando fome, em guerra, morrendo. Com ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres. Bom, em partes o que o filme Boas Intenções (Les Bonnes Intentions) mostra, é uma dessas tantas histórias: no caso, a da voluntária em projetos humanitários Isabelle (Agnés Jaoui).

Isabelle, diferentemente da "madame" que mencionei no parágrafo anterior, dedica todos os minutos de sua vida ao ativismo. Com uma vida confortável (não luxuosa), um marido e dois filhos, auxilia imigrantes doando roupas e ministrando aulas de francês para estrangeiros. Em sua rotina, se vê rodeada por chineses, búlgaros, congoleses e até brasileiros. O envolvimento é tanto, que ela até esquece que tem uma família em casa. E tudo piora quando aparece uma nova professora, a graciosa alemã Elke (Claire Sermonne) que, com uma nova e moderna metodologia, faz Isabelle se sentir ultrapassada. Lembra do que falei sobre ego? É nesse momento que a nobre intenção da protagonista da lugar a uma espécie de "guerra particular" para ver quem se sai melhor na tarefa. Com tudo piorando quando o instrutor de CFC Attila (Alvan Ivanov), "entra" abruptamente em sua vida.


Com narrativa fragmentada, o filme de estreia do diretor Gilles Legrand possui vários arcos dramáticos, discutindo muita coisa ao mesmo tempo - de dramas familiares, passando pela busca da aceitação até chegar a tentativa angustiada de "resolver" a miséria do mundo. De alguma forma, a obra também coloca em cheque o caráter ilibado dos bem-feitores de nossa sociedade - não teriam eles também seus preconceitos, como a gente percebe em uma das primeiras sequências em que Isabelle interage com os imigrantes? Com momentos de leveza, alternados com outros mais comoventes, a película parece em muitos momentos ter dificuldade de se decidir entre a comédia e o drama, entre a crítica política ou o escracho social. Sem tomar partido, estabelece a problematização a partir dos mais variados ângulos: não há certo ou errado e sim pessoas sonhando, exercitando suas vocações, tentando, errando e tentando novamente, errando mais um pouco e acertando.

Na ânsia de ajudar os "seus" imigrantes, Isabelle acaba brigando com praticamente toda a sua família. Mas ela está certa em adotar essa postura? Ela precisa individualizar um problema tão grande, gerando outros tantos conflitos? O filme te faz pensar nessas questões e nos faz também colocar a mão na consciência a respeito de nossas atitudes para tornar este um mundo melhor - ou minimamente com menos ódio, preconceito e intolerância entre povos. Com fotografia naturalista e trilha sonora econômica, o filme caminha para um terço final em que todos procurarão compreender, de forma coletiva, as suas motivações. Aliás, eu acredito que, para filmes do gênero funcionarem, é preciso que a gente se importe com aqueles que assistimos: isso em partes acontece. Sim, em partes, afinal de contas aqueles que assistimos não passam de humanos.

Nota: 7,0

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Toy Story 4 (Toy Story 4)

De: Josh Cooley. Com Tom Hanks, Tim Allen, Madeleine McGraw, Tony Hale, Christina Hendricks, Keanu Reeves e Jordan Peele. Animação / Comédia, EUA, 2019, 100 minutos.

Vamos combinar que, em relação aos episódios anteriores, não há muita inovação no Toy Story 4 (Toy Story 4). Mas, como sempre acontece na série, trata-se de um filme bom de assistir e muito acima da média, quando o comparamos a outras animações. Partindo exatamente de onde parou no final do terceiro episódio, Woody (Tom Hanks) e companhia estão em uma nova casa, onde agora são "propriedade" da pequena Bonnie (Madeleine McGraw), que está prestes a ir para a pré-escola. No educandário, Bonnie construirá, de maneira artesanal, um novo brinquedo improvisado - de nome Forky (Tony Hale) -, que será seu novo xodó. Mas quando, em meio a uma viagem de férias, Forky desaparece, Woody, Buzz (Tim Allen), Jessie (Joan Cusack) e outros brinquedos antigos e novos, juntarão forças para que o objeto seja devolvido ao local que pertence.

Bom, como em todos os filmes da série, um fiapo de história sempre é o motivo para que o grupo se envolva em grandiosas aventuras, em que todos têm de superar desafios praticamente impossíveis, para que as coisas estejam de volta ao seu lugar. É aquela obra que num instante nos faz rir, noutro se empenha em nos fazer chorar, trazendo sempre uma mensagem otimista sobre a importância da amizade, da lealdade, de amadurecer e mudar e até de reconhecer o valor das coisas simples. Forky vai parar, inesperadamente, em uma espécie de loja de antiguidades. E no local terá de lidar com figuras ambíguas e pouco amistosas, como a boneca Gabby Gabby (Christina Hendricks) que, ao lado de outros brinquedos de aparência meio macabra, farão um contraponto vilanesco. Já ao grupo de Woody, há o reencontro com Bo (Annie Potts), que terá bastante relevância neste episódio e a adição de novos parceiros de aventuras, como o motoqueiro metido Duke Kaboom (Keanu Reeves) e a dupla Bunny (Jordan Peele) e Ducky (Keegan-Michael Key), que garantem o alívio cômico.


Nesse sentido, ainda que aqui e ali a narrativa se esforce em tentar fazer o espectador chorar, parece ser um filme menos comovente que o anterior. Há sim, nas entrelinhas, um novo tipo de mensagem sobre o "destino dos brinquedos", sobre pertencimento e sobre descobrir um mundo para além daquele que se delimita a um quarto (brinquedos podem almejar algo a mais, afinal?). Num contraponto, momentos divertidos como o desejo latente de Forky, um garfinho de plástico que vira brinquedo, de ir para um "outro local" são engraçados, ainda que eventualmente repetitivos. O mesmo valendo para a piada com Bunny e Ducky e seu grande poder de imaginação na hora de cumprir uma missão que envolve a tentativa de pegar uma chave. É tudo grandioso, megalomaníaco, com os personagens saltando por cenários em grandes proporções, se enganchando e se pendurando de um local a outro, tendo um parque de diversões como pano de fundo. Sabe quando dá a impressão de que uma missão não vai dar? Vai dar.

Do ponto de vista técnico a série impressiona cada vez mais a cada novo capítulo - e chega a ser assombroso perceber o realismo da animação já na abertura do filme, durante uma cena na noite chuvosa. O mesmo valendo para o momento em que um gato aparece e é necessário fazer alguma força para driblar a ideia de que o bichano possa ser de verdade. É um trabalho exuberante e que, dado o grau de detalhamento, merece ser reconhecido. Mas como história, confesso que Toy Story 4 apresenta alguns sinais de desgaste. As crianças crescem, se desapegam aos brinquedos, que passam a ter outros destinos, outros sentidos, nas mãos de outras pessoas. Talvez tudo isso funcione como uma metáfora para a própria película. Quando ela surgiu, ainda lá em 1995, ela era uma novidade contagiante como é um novo e deseja brinquedo nas mãos dos pequenos. Mas, lá pelas tantas, o tempo passa e começam os sinais de desgaste. Ainda há tempo de uma aposentadoria honesta para a franquia. A impressão que temos é a de que ao menos o Woody já percebeu isso.

Nota: 7,5


sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Novidades em DVD/Now - Meu Bebê (Mon Bébé)

De: Lisa Azuelos. Com Sandrine Kiberlain, Thais Alessandrin, Patrick Chesnais e Victor Belmondo. Comédia / Drama, França / Bélgica, 2019, 85 minutos.

Em uma das tantas sequências formidáveis do gracioso Meu Bebê (Mon Bébé), Heloise (a sempre ótima Sandrine Kiberlain) está desesperada porque perdeu o seu celular. Dentro do equipamento estavam todos os vídeos e fotos da filha Jade (Thais Alessandrin) realizados nos últimos três meses. Com 18 anos, Jade se prepara para estudar no Canadá, assim que terminar o Ensino Médio. É a última dos três filhos de Heloise que ainda está em casa - os outros dois irmãos também já saíram. E o motivo do desespero dessa mãe que, agora, vê o ninho ficar vazio, não é não ter fotos ou vídeos da filha. Quer dizer, é também. Mas é saber que o seu "bebê", como ela carinhosamente chama a caçula, vai estar longe. E que os filhos crescem e amadurecem, afinal,  passando a ter desejos e anseios próprios, que escapam os limites estabelecidos por tantos anos pelos pais. Sim, cortar o cordão umbilical não deve ser fácil para pais que são muito ligados aos seus filhos: e de alguma forma é isso que a película da diretora Lisa Azuelos (Rindo à Toa) aborda.

Bom, o filme teria tudo para ser uma xaropice sem fim, se o conflito central não fosse bem trabalhado. Ou se Jade se apresentasse como uma adolescente rabugenta, como muitas vezes são os millenials, com Heloise fazendo o contraponto de uma mãe quadrada, antiquada. Mas não. A obra estabelece a relação familiar como um núcleo plausível, em que as pessoas erram e acertam tentando fazer o melhor, mas que apresenta Heloise como uma figura eventualmente sobrecarregada - ela é divorciada - e que coloca, naturalmente, a maternidade quase sempre em primeiro lugar. Os "namorados" vêm e vão com hora marcada, o que talvez explique o fato de que, em uma das primeiras tentativas de sair com um outro homem, ela retorne desesperada para casa, ao perceber que estava atrasada em relação ao horário que deveria estar de volta a seus pequenos. O zelo é permanente. E isso transparece em todos os gestos, olhares e cuidados emanados, de forma comovente, pela mãe. Inclusive nas brigas ou nos conflitos.


É um filme sobre a relação de mães e filhos mas que, de maneira alguma é contraindicado para aqueles que não são pais - e nem desejam ser (como é o meu caso). Ao contrário, a obra tem personagens tão simpáticos que, em alguns casos, a vontade que temos é a de entrar na tela para poder também dar um abraço naqueles que assistimos. Nem tudo serão rosas nessas relações (todos nós sabemos disso): mas o filme é conduzido num misto de leveza, graça e drama capaz de nos fazer emocionar e rir em uma mesma sequência (como é o caso daquela que mostra uma homenagem dos filhos já adultos em um aniversário da mãe). Não é uma obra que torna pesaroso o processo de "entrega dos filhos para o mundo", compreendendo-o como algo natural. Ele também pode ter desejos, querer independência, experimentar - e aos pais cabe aconselhar e educar, mas não lutar contra isso. Nesse sentido, Sandrine é hábil ao transmitir essa ambiguidade: é óbvio que ela quer que a filha vá estudar em uma ótima faculdade. Mas como lidar com a distância?

Com uma série de flashbacks comoventes, a obra ainda é inteligente em suas rimas visuais - em duas cenas distintas envolvendo aeroporto, por exemplo, numa delas quem chora é a filha. Na outra, é a mãe. E por motivos distintos. Em outra Heloise acompanha Jade caminhando no corredor de sua casa, acompanhada de um namorado, ao mesmo tempo em que, nas suas recordações, enxerga a menina agora pequena, frágil, com medo, aos cinco anos, indo na mesma direção. São sutilezas que nos arrebatam, que geram empatia. No meio de tudo ainda há o inevitável choque de gerações, que gera um sem fim de divertidos antagonismos. É o caso de uma mãe que esbraveja dizendo "você vai ver quando tiver seus filhos", para ouvir como resposta um "eu NUNCA vou ter filhos". Há contrastes. Há semelhanças. Há amor e ódio - numa linha muito tênue. Há compreensão e dedicação. Há dor e perda - também simbolizada por um avô doente que se aproxima da morte. E há também o olhar "libertador" de Heloise, quase nos instantes finais, com a sensação de missão cumprida. Ao menos até ali.

Nota: 8,0


segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Novidades em DVD/Now - O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick)

De Remi Bezançon. Com Fabrice Luchini, Camille Cottin, Alice Isaaz e Bastien Bouillon. Comédia / Drama, França, 2019, 100 minutos.

Quem gosta de literatura não pode deixar de assistir a esse despretensioso O Mistério de Henri Pick (Le Mystère Henri Pick). Trata-se de uma comédia leve, com algumas pitadas de suspense, em que acompanhamos a jornada de um crítico literário que tenta, a todo o custo, descobrir a verdade por trás de um livro escrito por um pizzaiolo, que se torna um inesperado best seller dois anos após a sua morte. O manuscrito do livro em questão é "descoberto" pela editora Daphne Despero (Alice Isaaz) quando, em uma visita ao seu pai, ela conhece uma biblioteca que abriga publicações rejeitadas por editoras. Fascinada pelo local, ela se encanta com um romance escrito por um certo Henri Pick - que tudo o que havia escrito em sua vida antes do livro, eram receitas que utilizaria em sua pizzaria. Com o apoio da família do falecido e acreditando no talento literário do sujeito, ela resolve publicá-lo. Resultado: o livro vira febre e imediatamente entra para a lista de mais vendidos na França.

O inesperado sucesso da publicação acaba por gerar certo fascínio pelo autor, que se torna famoso de maneira póstuma. Como forma de divulgar o livro, Daphne e a família de Pick - a viúva Madeleine (Josiane Stoléru) e a filha Joséphine (Camille Cottin) -, são convidadas para um talk show em que um presunçoso apresentador e crítico literário chamado Jean Michel (o sempre ótimo Fabrice Luchini), coloca em dúvida a história contada por todos. Pior: acredita que Henri Pick seja uma farsa e que, de quebra, não se trata do verdadeiro autor da obra. O mal-estar exibido ao vivo para a televisão francesa resulta na demissão de Jean Michel. Ao chegar em casa, sua mulher, insatisfeita com o seu comportamento e com a sua petulância, também o abandona. Sem nada para fazer (e pensar), que não seja o mistério envolvendo Henri Pick, ele vai até a pequena cidade francesa em que vivia o pizzaiolo: quer tentar de todas as formas solucionar o caso.


É a partir daí que acompanharemos uma pequena via-crucis de Jean Michel, que visitará não apenas o prédio em que ficava a pizzaria, mas também a casa dos parentes, cartas publicadas, antigos vídeos e até o cemitério em que Pick está enterrado, tentando conseguir alguma pista que denuncie o que está por trás desse escritor tão talentoso, que teria deixado apenas um livro tão genial. Divertido, o filme fará referências a um possível comportamento recluso do candidato a escritor - que faria leituras escondidas do poeta russo Alexandre Pushkin e que escreveria a conta-gotas no andar de cima do prédio da pizzaria (observando a torre da igreja). Algumas reviravoltas farão com que também questionemos a real existência de Pick como um escritor de talento - ainda que o comportamento absurdamente arrogante de Jean Michel, nos faça torcer para que ele, de fato, esteja errado.

Muito menos interessado em comover a plateia com grandes reviravoltas - a desse filme pode até ser previsível para alguns -, o filme do diretor Rémi Bezançon, ainda dá algumas alfinetadas no mercado literário, que é capaz de relegar para segundo plano obras com bom potencial, não tendo ainda escrúpulos em utilizar jogadas de marketing extremas para atrair a atenção de certos autores lançados. Com algumas piadas engraçadas envolvendo títulos de livros perdidos na biblioteca dos rejeitados, a película não julga seus personagens, parecendo compreender as dificuldades que envolvem não apenas o universo daqueles que resolvem se aventurar pelo mundo das letras, mas também dos críticos, que recebem um sem fim de livros novos para ler e que devem, afinal, fazer algum tipo de triagem para que sua atividade se torne, efetivamente, prazerosa. Assim como muitos livros agradáveis, esse não é um filme que vá mudar a nossa vida: mas passará ligeirinho e ainda nos arrancará alguns sorrisos.

Nota: 8,0

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Novidades em DVD/Now - Deslembro

De: Flávia Castro. Com Jeanne Boudier, Sara Antunes, Jesuíta Barbosa e Eliane Giardini. Drama, Brasil / França / Qatar, 2019, 95 minutos.

"Aqueles que não conhecem a sua história estão fadados a repeti-la". Não deixa de ser curioso pensar que essa frase, tão relevante nos tempos sombrios que vivemos em nosso País, seja atribuída ao teórico político Edmund Burke, filósofo conservador que foi um grande crítico da Revolução Francesa. Em nosso contexto, especialmente se pensarmos na Ditadura Militar - e no aparente desejo de muitos de simplesmente "deletar" esse período traumático de nossa história recente -, ela soa atualíssima. Nesse sentido, quando nos deparamos com um esforço artístico que, de alguma forma, resgata aquele momento, ele já nasce digno de nota. E é exatamente este o caso de Deslembro, de Flávia Castro - obra que nos joga de volta para o final dos anos 70 (no período que em que foi decretada a Lei da Anistia), para contar a história de uma família de exilados, que está voltando para o Brasil.

Mas o retorno ao nosso País tropical não será fácil. Especialmente para a jovem Joana (Jeanne Boudier) que, após ter passado toda a sua infância e adolescência em Paris, na França, reluta em retornar com a família para a terra natal da mãe. A sensação de desconforto da menina irá para além do estranhamento natural de se estar em um novo lugar em que não se tem amigos e os antigos colegas ficaram para trás: haverá alguma coisa incômoda nesse novo cenário que, aos poucos, virá a tona, revelando traumas do passado que pareciam "escondidos" na memória da adolescente. E é impressionante notar como Flávia é hábil na construção de uma narrativa que sufoca mesmo nas cenas mais prosaicas - como um piquenique em família na floresta (que não dá muito certo) ou em eventuais flashbacks em que seu pai, um ativista de esquerda, reaparece em cenas embotadas, tensas, confusas. E eu fiquei particularmente maravilhado com a habilidade da diretora no uso de vozes, barulhos e outros sons que surgem no formato de sussurros, como rimas sonoras ou zumbidos que ligam um frame a outro, ampliando a sensação de crescente desconforto.



Já que está de volta ao Brasil, Joana encafifa com o passado do pai biológico (Jesuíta Barbosa), sujeito que teria desaparecido e sido assassinado pelo Estado durante o regime. Montando um quebra-cabeças ela reencontra uma antiga casa que era ocupada por um grupo de resistência do qual seu pai fazia parte e entra também em contato com a sua avó - a mãe de seu pai (vivida com ternura por Eliane Giardini). Em meio a um universo de incertezas que geram um tipo de suspense involuntário de que simpatizo muito - será que o pai dela não estaria vivo? Ela poderia encontra-lo até o final da película? - a jovem vai amadurecendo, descobrindo o amor e funcionando como uma adolescente como qualquer outra, que briga com a mãe Ana (Sara Antunes), que sofre, que fuma maconha, que gosta de ir a praia, que absorve a cultura a sua volta e que tem consciência do significado da luta de seu pai (ainda que utilize justamente este fato para "atacar" sua mãe em certa sequência).

É uma obra familiar, que apresenta com eficiência o contexto político da época - ainda que alguns excessos didáticos pudessem ter sido evitados. É o caso dos jovens que, invariavelmente levam o nome de proeminentes figuras políticas de esquerda (Ernesto, Leon, etc) ou mesmo o instante em que Joana chama um vizinho exaltado de fascista, para ele responder um onipresente "vai pra Cuba!". Ainda assim, como diz o Henrique, meu parça aqui do Picanha, as vezes mesmo o ÓBVIO necessita ser esfregado NA CARA - e é por isso que este fato não compromete a apreciação do filme. Colocando volta e meia a luta política e a necessidade de exumar os "esqueletos do armário" como condição básica para a felicidade familiar, a película é hábil ao captar os eventos do período de forma sutil, econômica, mas, altamente relevante. Joana, a seu modo, se esforça para pertencer aquele universo que, agora, lhe é novo. E ela só conseguirá fazer isso se deixar o passado para trás, não desejando JAMAIS repeti-lo.

Nota: 8,5

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Novidades em DVD - Rocketman (Rocketman)

De: Dexter Fletcher. Com Taron Egerton, Jamie Bell, Bryce Dallas Howard e Richard Madden. Drama / Musical, EUA / Grã-Bretanha / Irlanda do Norte, 2019, 120 minutos.

Se você colocar no sistema de busca do Youtube as palavras "Elton John oven manual song" você vai encontrar um dos vídeos mais divertidos da história da internet. Nele, o ator Richard E. Grant intima o astro da música pop a criar, do nada, no meio de uma entrevista, uma nova música tendo como matéria-prima o manual de instruções de seu novo forno elétrico. Sim, o MANUAL DE INSTRUÇÕES de um FORNO ELÉTRICO. Bom, o resultado é algo simplesmente inacreditável - e eu sinceramente adoraria que este vídeo já existisse com legendas em português. A capacidade de improviso de Elton nessa situação, serve pra dar conta de seu talento. Um talento que gerou um sem fim de grandes discos de rock and roll e uma quantidade inacreditável de hits capazes de tornar os seus shows de cerca de três horas de duração quase insuficientes, no que diz respeito a ideia de contemplar tanta música boa.

O Elton que se vê nesse vídeo é um artista animado, leve, divertido. Aliás, como vem sendo há quase 30 anos, período em que o astro está "limpo" - ou livre da dependência de álcool e de drogas mais pesadas, como a cocaína. Em Rocketman, como não poderia deixar de ser em uma cinebiografia de uma estrela tão retumbante quanto Elton John (Taron Egerton), estamos diante da clássica história de ascensão e queda. E de ascensão novamente. E de persistência. E de enfrentamento de preconceitos, claro. Em uma época (os anos 60) em que se declarar gay era quase um "crime inafiançável", o astro surge para o mundo da música com suas canções sensíveis mas potentes, reflexivas mas radiofônicas. Os figurinos ousados, festivos, chamativos, surgiriam mais tarde como forma de referendar o seu estilo. Para desgosto de sua família - pai e mãe ausentes, pouco amorosos, distantes -, e até de alguns de seus pares, que pareciam não acreditar no potencial de cada uma das criações ao piano do astro.


Mas o mundo não é feito só de familiares abjetos e de produtores desconfiados. Pra cada um desses, surgia um Bernie Taupin (Jamie Bell) disposto a contribuir. A dar sentido a cada uma das melodias mágicas de Elton. E a obra se ocupa de nos mostrar como essa parceria conturbada, mas cheia de amor, rendeu tantos bons frutos. E a nos mostrar as idas e vindas no tempo, as inseguranças do começo da carreira, a necessidade de ser aceito em seu meio, as frustrações com o mercado e com as pessoas. E assim é o filme do diretor Dexter Fletcher: uma história de um jovem de infância dificil, um talento nato, tendo de superar dificuldades, chegando ao limite, dando com a cara na porta. E nos entregando tantas canções maravilhosas, que duas horas de película não são suficientes para contemplar as suas criações.

O filme, por exemplo, nem chega musicalmente nos anos 90, ainda que I Want Love seja uma das primeiras músicas mostradas. O foco maior é na produção dos anos 70 e 80, com canções como Crocodile Rock, Goodbye Yellow Brick Road, Honky Cat, Your Song, Tiny Dancer e, claro, Rocket Man, sendo apresentadas de forma desordenada, mas com força, com coreografias descoladas, apaixonadas, vivas. Saturday Night Alright For Fighting, por exemplo, ganha número com Elton ainda no começo de carreira, como que conquistando o impulso necessário para levá-lo a um outro patamar. E, sinceramente, eu estou aqui escrevendo essa resenha cheia de palavras e de "análise detalhada", mas o filme é pura catarse. Elevação - assim como fazia Elton, se elevando ao piano como uma espécie de emanação mágica, mística, espiritual que pula e salta e frente a uma platéia despudorada, mas que também aconchega, afaga, acolhe.


Aliás, não é fácil escrever qualquer material sobre o teu artista preferido. Impossível não ser invadido pela paixão inflamada, ainda mais diante de uma obra com tantos predicados. Com Taron Egerton se empenhando em uma entrega comovente, assim como o restante do elenco. Com uma recriação de época fidedigna e com um tratamento sem endeusamento do biografado: se a primeira hora de filme é pura magia, música e dança, a segunda metade é a do baque, da porrada, da descida ladeira abaixo. Afinal, Elton John, um artista tão talentoso, também é gente como a gente: com dores, fraquezas, incertezas e anseios. E talvez por humanizar tanto uma figura que já seja tão humana, que esse filme acerta em cheio o coração de fãs e dos não fãs. É impossível não tamborilar os dedos. Não sorrir. E não se emocionar. Elton é puro carinho em cada apresentação que faz. Com os fãs. Com quem gosta dele. Ele faz uma música sobre um manual de instruções de um forno, se precisar. Porque ele já desceu até o fundo do poço e voltou. E é isso o que importa.

Nota: 9,5

terça-feira, 30 de julho de 2019

Novidades em DVD - Clímax (Clímax)

De: Gaspar Noé. Com Sofia Boutella, Adrien Sissoko e Giselle Palmer. Drama / Suspense / Terror, França, 2018, 95 minutos.

Existe uma frase dita em tom de deboche pelos cinéfilos que se aplica bem a filmografia do diretor Gaspar Noé: "são ótimos filmes, não indico pra ninguém". A gente sabe, não é presunção ou petulância, mas existem obras que não são para todos os paladares e Climax (Climax), assim como ocorreu com Irreversível (2002) e Love (2015), é um desses. Trata-se de um filme nervoso, barulhento, com uma frequência frenética, uma angústia (e uma sensação de transe) que aumenta. Tem pessoas saindo de si, angustiadas, chorando e gritando, num microcosmo que parece resumir bem o que é a nossa sociedade, na atualidade: um amontoado de gente com algumas coisas em comum, outras nem tanto, mas que parece, na fachada de uma suposta cordialidade, manter preservado o seu instinto animalesco e violento, pronto a dar as caras a partir de algum tipo de gatilho.

É um filme até meio difícil de explicar. Algo estranho. Os créditos iniciais, por exemplo, surgem quando a obra já avança para mais de uma hora. O tipo de quebra de lógica, de andamento, que ocorre o tempo todo, seja na justaposição das cores, na inclusão da trilha sonora ostensiva, nos enquadramentos oblíquos, nas sombras fantasmagóricas. Sabe aquela película que incomoda? É essa. Na trama, um grupo de dançarinos de algum tipo de dança urbana dos anos 90 se reúne para um intensivão de ensaios em uma casa isolada, no meio do nada, em lugar indefinido. Na última noite, o que começa como uma rodada animada de danças, de conversas descontraídas e de bebedeiras, vai aos poucos dando lugar a esquizofrenia, a beligerância e a loucura. É como se os personagens de O Anjo Exterminador (1962), de Luiz Buñuel, fossem repaginados para a modernidade, bebendo muito e enlouquecendo.


Em meio ao debate sobre temas que são tabu na sociedade - homossexualidade, uso de drogas, sexo anal -, muita dança bem coreografada, sexy, intensa. A dança em si funcionando como projeção da catarse dos corpos, como se a esta fosse por si só algo subversiva, provocadora, iconoclasta. A gente percebe que cada sujeito mantém a sua individualidade, mas no coletivo todo o mundo se assemelha em sua paranoia que cresce, quando o grupo começa a ter a impressão de que algum de seus integrantes possa estar drogando, deliberadamente, os demais. Isso não fica claro em momento algum da projeção, mas quando esse ideia começa a tomar forma a espiral decadente cresce, que transforma o filme em um grande videoclipe da catástrofe, com a câmera vagando pelos ambientes, flagrando confrontos, atos sexuais, discussões e episódios de mal-estar e outros incômodos envolvendo aqueles que assistimos.

Utilizando ainda a obra como um amplo exercício de estilo - perceba como as cores vão ficando mais intensamente vermelhas, conforme a sensação de terror de de paranoia aumentam, assim como a fotografia vai ganhando tons mais sombrios, com cores difusas, pálidas, confusas -, Noé ainda deixa o final em aberto, fazendo com que acompanhemos toda a loucura como se fôssemos o sujeito sóbrio do ambiente, com nossos olhos julgadores, prontos para apontar o dedo para alguém. Com trilha sonora de nomes como Aphex Twin, Giorgio Moroder, Soft Cell e Gary Numan, além de outros da música eletrônica e urbana, Clímax é a experiência caótica por excelência. Um filme sem lógica, imprevisível e pronto para sair do controle, assim como é a vida, sem roteiro, eventualmente inconsequente, mas pronta para um dia seguinte. De sol. E de luz.

Nota: 7,0


segunda-feira, 22 de julho de 2019

Novidades em DVD - A Mula (The Mule)

De: Clint Eastwood. Com Clint Eastwood, Bradley Cooper, Laurence Fishburne, Andy Garcia e Dianne Wiest. Drama / Comédia, EUA, 2018, 116 minutos.

A Mula (The Mule), a mais recente obra de Clint Eastwood, passou completamente batida pelos cinemas - e não foi por acaso, já que se trata de um filme absolutamente raso, de difícil definição quanto a seu estilo, bastante irregular e que, de quebra, ainda é profundamente preconceituoso. Não é de hoje que o veterano utiliza suas filmes como uma espécie de desculpa para encarnar aquele tipo de sujeito ranzinza, mau humorado e sem nenhum carisma, que ainda consegue ser racista. Na trama, Eastwood é Earl Stone, um veterano de guerra que perde espaço no ramo da produção de flores após o advento da tecnologia. Ultrapassado, assim como as suas ideias, e sem perspectivas para o futuro (oi, aposentadoria?), ele resolve, aos 90 anos, se tornar traficante, transportando grandes cargas de cocaína para o cartel mexicano.

Essa trama com ares de suspense dos anos 90 talvez fosse mais legal se tudo não fosse levado tão na "flauta". Não bastassem os integrantes do cartel se comportarem como verdadeiros estereótipos ambulantes - óbvio que os mexicanos seriam os vilões já que, nunca é demais lembrar, Eastwood é um apoiador de Trump -, Eastwood ainda desfila pelo cenário como um sujeito turrão, mas debochado, que encara uma arma apontada para a sua cara com valentia, afinal de contas ele foi um "herói" que defendeu o País na Guerra da Coréia. Só que na transposição desse herói para um vilão, jamais ficam claras as motivações do protagonista, que utiliza o dinheiro do tráfico para pagar rodadas de cerveja para desconhecidos em bares, ou para aproveitar prostitutas de luxo, em meio as suas andanças - o tipo de vida hedonista que dificilmente combinaria com um idoso decrépito.



E eu chamo ele de decrépito nem tanto pela sua aparência, mas mais por aquilo que emana de Eastwood, a cada careta que ele faz ou a cada piadinha politicamente incorreta, que nem em esquetes de programas dos anos 80 a gente vê mais. E não é por acaso que cenas envolvendo um grupo de motoqueiras lésbicas ou uma família negra que lhe pede ajuda no meio do nada (além de racista, essa sequência consegue ser machista e homofóbica), geram apenas constrangimento. Mas nada que supere o momento em que, ao se referir aos mexicanos do cartel, Earl afirme não saber diferenciar um do outro, afinal, "eles são todos iguais" - o que até poderia ser algo engraçado, se o filme admitisse o comportamento errático de seu protagonista e não ficasse implorando o tempo todo para que gostemos dele. Até mesmo porque é impossível gostar de alguém assim. 

E isso, no fim, acaba comprometendo a obra que, de quebra, não se decide entre a comédia e o drama, entre a leveza e a austeridade. Ela quer fazer rir, mas não é engraçada. Quer soar séria, mas a trilha sonora brega e os diálogos improváveis não deixam. Os problemas familiares de Earl, as tentativas amadoras e frustradas da polícia em alcançar o vilão (o que faz o Bradley Cooper nessa película?), o grupo de mexicanos pálido, a louvação as famílias de bem, ordeiras e trabalhadoras, transformam A Mula em uma espécie de panfleto da Era Trump e seu desejo de tornar a América grande novamente e de construir um muro na fronteira com o México. Talvez fosse o caso de Eastwood, com seu cinema antiquado, conservador, retrógrado, ainda que tecnicamente bem executado, se aposentar. Ainda dá tempo de não manchar o seu legado, ainda positivo na indústria.

Nota: 4,0

terça-feira, 25 de junho de 2019

Novidades em DVD - O Gênio e o Louco (The Professor and The Madman)

De Farhad Safinia. Com Mel Gibson, Sean Penn, Natalie Dormer, Jennifer Ehle e Eddie Marsan. Drama / Biografia, EUA, 2019, 125 minutos.

Filme que passou meio despercebido pelas salas de cinema do País, O Gênio e o Louco (The Professor and The Madman) é daqueles que merece ser (re)descoberto na telinha. Não apenas por reunir dois astros do calibre de Sean Penn e Mel Gibson em grandes interpretações, mas também por apresentar ao mundo uma excelente história: a do ambicioso projeto iniciado em 1857, que visava à criação da primeira edição do Dicionário Oxford de língua inglesa. Um trabalho árduo, longo, exasperante, que contou com a colaboração de dezenas de pessoas até a sua conclusão, mais de 70 anos depois, com mais de 400 mil verbetes inclusos. Em cena, duas figuras que realmente existiram: o professor James Murray (Gibson) e o doutor W.C. Minor (Penn), traumatizado veterano de guerra que comete um crime logo no começo da película, ao confundir a vítima com outra pessoa.

Enviado para uma espécie de sanatório para criminosos, Minor tenta superar o sentimento de culpa, ao passo em que se aproxima da viúva Eliza (Natalie Dormer) que, agora sem o marido, luta para sustentar os seis filhos. Já Murray, se oferece para a laboriosa tarefa do dicionário - e a angústia em evoluir apenas na letra "A" já dá uma boa dimensão da dificuldade enfrentada pelo grupo que se empenha na atividade. O cenário muda quando Murray resolve convidar, literalmente, qualquer pessoa que esteja disposta a auxiliar na elaboração dos tomos. Uma dessas cartas chegará até Minor que encontrará nesta tarefa uma forma de se ocupar, enviando milhares de verbetes para o dicionário que se constituía. Ali nasce uma amizade. Uma amizade entre dois sujeitos que têm suas vidas ligadas pela ambição, pela loucura e pelo desejo de concluir algo nada menos do que genial.


Nesse sentido, o filme do estreante Farhad Safinia se consiste em uma verdadeira homenagem aos vocábulos, com seus significados saltando da boca dos protagonistas, escapando pelos ares, fazendo curvas e retornando - e nos fazendo pensar no quão lindo pode ser o estudo da linguagem, a constituição de sentido ou a revelação de sinônimos. Metaforicamente, palavras como "Arte" aparecem como sendo daquelas de difícil fruição, com mais exigências, mais revisões e mais reencontros com volumes do passado, que poderão auxiliar na questão. É uma obra que homenageia as letras, o simbolismo da importância da leitura e que é representada não apenas por personagens que presenteiam outros com livros, mas que também sugerem ensinar um ao outro a ler (que é o caso de Minor, que propõe o tutoramento a Eliza como uma forma de se redimir da culpa carregada e de tentar fazer com que a jovem lhe perdoe).

A propósito do perdão, a obra também trata deste tema. E da amizade. Na aproximação de Murray e Minor, uma excêntrica parceria (e os poucos encontros entre os dois sujeitos se constituem de pontos altos). Já Eliza aparece, inicialmente, como uma figura naturalmente amargurada, mas que aos poucos vai dando espaço para a absolvição de Minor - especialmente ao descobrir que ele sofre de um severo caso de esquizofrenia. Com bom desenho de produção, que recria de forma fidedigna a segunda metade do século 19, uma fotografia acinzentada (que dá conta da melancolia que rege a existência daqueles que assistimos em cena) e ótimos e carismáticos atores em papeis secundários (Eddie Marsan e Jennifer Ehle, especialmente), O Gênio e o Louco é um filme gostoso de assistir e que, provavelmente, seria ainda melhor se fosse uns 20 minutos mais curto (às vezes tudo se torna meio arrastaaaado). Mas nada que comprometa.

Nota: 7,5

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Novidades em DVD - Nasce Uma Estrela (A Star Is Born)

De: Bradley Cooper. Com Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliot, Rafi Gavron e Andrew Dice Clay. Drama / Romance, EUA, 2018, 135 minutos.

Essa já é a quarta versão para o cinema de Nasce Uma Estrela (A Star Is Born) e, é preciso que se diga, uma atualização da obra é mais do que bem-vinda já que a versão anterior - aquela com Barbra Streisand e Kris Kristofferson - envelheceu muito mal. Mas bota mal nisso (e uma revisão da película me fez ficar constrangido ao ver a dupla de protagonistas rolando no barro em meio a cenas românticas absurdamente piegas). Bom, nessa nova interpretação a ideia está repaginada. Sai de cena a cantora talentosa mas submissa do filme de 1976 para entrar em seu lugar uma Lady Gaga bem mais empoderada e consciente de seu talento, ainda que o nariz grande, em sua avaliação, impeça a sua carreira de deslanchar. Já Bradley Cooper (que também dirige o filme) é bem menos porra louca que o personagem de Kristofferson, ainda que o alcoolismo seja o seu calcanhar de Aquiles.

Na trama, o cantor country Jackson Maine (Cooper) vai parar em um bar do subúrbio após uma apresentação, onde conhece a candidata a cantora Ally (Gaga) que faz uma irresistível interpretação de La Vie En Rose, de Edith Piaf. Maine se encanta com a jovem e a leva para uma de suas apresentações, onde um dueto improvisado arrebata o público e recebe milhares de visualizações no Youtube. Ally passa a acompanhar Maine - que também se torna seu par romântico - na turnê de sua banda até o dia em que o empresário e produtor Rez (Rafi Gavron) lhe oferece um contrato. Bom, é claro que uma turnê solo de Ally, que mudará completamente de visual (e de estilo musical, com direito a videoclipes exuberantes) para atender a indústria será um choque para Maine que, em decadência, encontrará cada vez mais refúgio na bebida.


Será na proporção inversa entre a ascensão e a queda de dois astros que se amam que residirá o principal arco dramático da película. Ally deseja a fama, mas, a que preço? Já Maine conseguirá lidar de forma madura com o reconhecimento do talento da namorada? Ambos entregam performances corretas para os seus personagens, ainda que as inflexões de voz de Cooper soem quase artificiais em alguns momentos (pra não dizer caricaturais). Já Gaga faz uma boa estréia no cinema e o fato de ser cantora e compositora na vida real (ah vá!) parece naturalizar os seus movimentos em tela, bem como a sua personalidade decidida. O elenco de apoio é divertido e multicultural - do grupo de transgêneros que atua no mesmo bar em que Maine encontra Ally ao melhor amigo latino que trabalha no mesmo restaurante da cantora (vivido por Anthony Ramos).

Mas como não poderia deixar de ser a grande força da obra está mesmo na música. Shallow é um colosso e, a menos que haja alguma grande zebra, deverá faturar a categoria Canção Original, no Oscar. Com indicações para Filme, Ator, Atriz, Ator Coadjuvante (Sam Elliot, que interpreta um resignado irmão mais velho de Maine), Roteiro Adaptado e Fotografia (Matthew Libatique, o mesmo de Cisne Negro), entre outras, essa nova versão de Nasce Uma Estrela tem muito mais méritos por oxigenar algumas ideias, que tornam o filme menos maniqueísta (e até machista) do que as versões anteriores. E Gaga dando um soco em um policial xarope no começo do filme é um bom exemplo dessas pequenas subversões! O mesmo vale para o autógrafo dado por Maine no começo do filme. Nesse sentido, as premiações serão o de menos. O que vale mesmo é mostrar essa emocionante história, que segue encantando os cinéfilos, para as novas gerações.

Nota: 8,0

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Novidades em DVD - No Coração da Escuridão (First Reformed)

De: Paul Schrader. Com Ethan Hawke, Amanda Seyfried, Michael Gaston e Philip Ettinger. Drama / Suspense, EUA, 2018, 113 minutos.

Ciência e a religião apresentadas como forças antagônicas não chega a ser exatamente uma novidade no cinema, mas a temática é explorada de forma bastante sutil (e nem por isso menos comovente), no ótimo No Coração da Escuridão (First Reformed). Na trama, Ethan Hawke é o reverendo Toller - ex-militar que, agora como capelão do reformatório que dá o nome original ao filme, luta para tentar superar um trauma relacionado ao passado (e a guerra). A visita da jovem paroquiana Mary (Amanda Seyfried) trás uma notícia que pode bater de frente com as suas convicções: o marido da jovem, de nome Michael (Philip Ettinger), é um ativista político que luta pelas causas ambientais, ao mesmo tempo que não aceita a gravidez da esposa, sugerindo-lhe o aborto. O seu argumento? Resumidamente: não dá para colocar uma criança no mundo como ele está e com a (auto)destruição que estamos promovendo.

Enquanto pensa em formas de demover Michael da ideia, um baque: uma carta para que o reverendo lhe encontre na floresta, será o ato final antes de o rapaz dar fim a própria vida. Intrigado com o caso, Toller - um alcoólatra de carteirinha, que parece estar sofrendo de alguma grave doença - passará a "investigar" o ocorrido, o que o fará perceber que o desespero e o sentimento de impotência do jovem que se suicidou tem a ver também com a hostilidade de um mundo de grandes corporações que, gananciosas, exploram a natureza a exaustão sem pensar nas consequências - e o fato de ter assistido ao filme e estar escrevendo esta resenha justamente na semana em que o crime de Brumadinho ocorreu, não deixa de ser uma triste ironia. Aliás, essas mesmas empresas serão responsáveis por patrocinar a paróquia em um grande evento de aniversário que se aproxima. Como conciliar tudo isso?


Toller parece ter, no fim das contas, um espírito progressista e muito mais alinhado ao que prega a Bíblia no que diz respeito à comunhão com a natureza e ao respeito a essa. E, diante das adversidades, o padre se sentirá à vontade para assumir um pouco as "idéias" de Michael - e a previsível aproximação de Mary reforçará esse cenário (assim como uma sequência que vai no limite do metafísico e que parece ser fundamental para o reforço das convicções do protagonista). Tudo é inacreditavelmente devagar, como se o filme avançasse em uma frequência mais lenta, capaz de transformar o torpor das personagens e mesmo os diálogos "mansos" em uma metáfora para a letargia (quase) coletiva que vivemos em relação ao tema do meio ambiente e das dificuldades que temos em questionar o capitalismo (essa espécie de Deus paralelo capaz de corromper e de fazer os sujeitos mostrarem o seu pior em nome do dinheiro).

Toller anota tudo o que faz em um diário: e reuniões a portas fechadas com "peixes grandes" da indústria (aquelas mesmas que fazem propaganda de responsabilidade social, mas que estão CAGANDO para isso) e da igreja, farão vir à tona uma figura pessimista e cética que, entregue a bebida, estará também disposta a uma última cartada para a redenção - como nos mostrará o terço final. Repleto de rimas visuais - aquela em que o protagonista mistura conhaque com um antiácido formando a partir de então um ectoplasma apodrecido (assim como está o nosso mundo fétido que só vê as calotas polares derreterem, o aquecimento global aumentar e tragédias ambientais serem encaradas apenas como isso... tragédias) é uma das melhores -, No Coração da Escuridão faz jus a indicação ao Oscar na categoria Roteiro Original para o diretor Paul Schrader (famoso pelo roteiro de Taxi Driver). Como uma espécie de Travis Bickle (o inesquecível personagem de De Niro) de batina, Toller mergulhará fundo em uma espiral vertiginosa que evidenciará o que dá de pior nas grandes instituições, sendo só o amor, divino que só ele, capaz de salvar. Se é que salva.

Nota: 8,5

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Novidades em DVD - Buscando... (Searching)

De: Aneesh Chaganty. Com John Cho, Debra Messing, Michelle La e Joseph Lee. Suspense / Drama, EUA, 2018, 102 minutos.

A trama de Buscando... (Searching) não poderia ser mais convencional: homem que perdeu a esposa vítima de câncer, precisa lidar ainda com o desaparecimento inesperado da filha adolescente, que some sem muita explicação. Sim, a gente já viu essa história muitas vezes em Hollywood. Só que a grande diferença deste para outros filmes do gênero é o uso da tela do computador como recurso narrativo. A obra do diretor estreante Aneesh Chaganty - que fez barulho no último Festival de Sundance - se desenrola TODA dessa maneira. Não há grandes planos gerais, travellings criativos ou uso de gruas e outras técnicas de captura a que estamos acostumados, no cinema. Tudo o que vemos é David (John Cho), tendo seu desespero aumentado conforme tenta buscar alguma pista para o caso, invadindo o notebook da jovem Margot (Michelle La), de apenas 16 anos.

Hábil em sua grande sequência inicial, o filme torna o espectador íntimo daquela família em apenas cinco minutos. Com imagens, fotos e textos de arquivo acompanharemos a luta da esposa/mãe contra o câncer, as pequenas vitórias, tristezas, anseios e frustrações que levarão pai e filha a se tornarem figuras enlutadas - ainda que unidas. Margot faz aulas de piano e, como ocorre com qualquer adolescente, irrita o pai pela descompromisso com atividades prosaicas relacionadas à organização da casa, como levar o lixo para fora. David cobra Margot em uma série de mensagens a respeito disso, enquanto ela está na aula. Margot não responde. Ela fica horas sem responder. David começa a ficar preocupado, ensaia outras mensagens, começa a ligar para amigos, para pais de amigos, mas ninguém sabe do paradeiro da jovem, não restando alternativa a não ser o chamado à polícia.


Como já foi comentado aqui na resenha, tudo o que assistimos é um pai desesperado, diante da tela do computador, tentando encontrar alguma pista nas redes sociais, em alguma diálogo que tenha ficado subentendido ou que possibilitasse uma explicação lógica para o sumiço (ele até se tranquiliza ao lembrar que a filha tinha um acampamento previsto). Mas não. Ela some mesmo, deixando para trás inclusive o seu notebook pessoal. E será "entrando" nele que David "descobrirá" a sua filha, invadindo as suas redes sociais e vendo como ela se comportava em sites diversos como Facebook e Instagram, quais fotos publicava, com quem trocava mensagens no webmessenger, quem lhe curtia, quem era os eventuais haters, aqueles que tinham interesse ou que apareciam em suas fotos. Na internet, encontrará um verdadeiro dossiê que lhe mostrará como ele, de fato, não conhecia a sua filha. E a entrada no Youcast, em que verá uma série de vídeos publicados, ampliará esse sentimento.

Enquanto investiga de forma particular, David contará com o apoio da detetive Rosemary Vick (Debra Messing, a eterna Grace de Will & Grace, em um papel bem mais sério). A polícia procurará pistas e até obterá uma confissão com aquela cara de "notícia falsa". O que vai deixando David insatisfeito e desconfiado de todos a sua volta, até mesmo do irmão Peter (Joseph Lee) - não por acaso, a cena em que ambos se confrontam é uma das melhores da película. Usando o filme muito menos como um veículo para a crítica as redes sociais e a tecnologia e muito mais como uma ferramenta onipresente em nosso dia a dia, a obra é hábil em sua atenção aos detalhes (anda que seja econômico no cenário). Nesse sentido, não deixa de ser interessante notar como, ao enviar mensagens desesperadas ao seu irmão sobre o sumiço da filha, a produção se ocupe em demonstrar que, em mensagens anteriores que não nos são mostradas, ambos já teriam se conversado, com David tendo escrito a Peter sobre o acampamento da filha (em um tom apaziguador). O tipo de detalhe que enriquece a narrativa, sem torná-la cansativa.


Ainda que as reviravoltas do terço final possam soar eventualmente forçadas, o filme ainda aborda, de passagem, temas como a excessiva proteção exercida pelos pais na modernidade (ainda que estes pareçam ignorar solenemente aquilo que ocorre em um ambiente eventualmente perigoso, como as redes). Ainda que absolutamente tensa, a película não deixa de ter um ou outro momento de humor involuntário, seja nas pesquisas de David no Google, ou mesmo na improvável cena em que o pai desesperado confronta um jovem colega de Margot na fila do cinema, já que ele acredita que o jovem é o culpado pelo desaparecimento (evidentemente a sequência é filmada, disponibilizada no Youtube e viraliza, tornando David uma figura patética que ainda lhe transforma em um meme com os escritos "pior pai do ano"). É uma obra ágil, que acerta em cheio na forma, recriando de maneira criativa uma temática já um tanto batida.

Nota: 7,5

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Novidades em DVD - Mamma Mia 2: Lá Vamos Nós de Novo

De: Ol Parker. Com Lily James, Amanda Seyfried, Meryl Streep, Pierce Brosnan, Colin Firth e Stellan Skarsgard. Comédia / Musical, EUA, 2018, 114 minutos.

Em tempos sombrios, cheios de ódio e de intolerância como estes que vivemos um filme como Mamma Mia 2: Lá Vamos Nós de Novo (Mamma Mia! Here We Go Again) é um verdadeiro alento. Aliás, é uma obra tão graciosa, tão gostosa de assistir que a gente chega a torcer para que não acabe. Se me perguntarem da história, bom, é um fiapo que serve apenas para que um bando de atores simpaticíssimos e talentosos possam cantar, dançar, fazer coreografias e animar o nosso dia. Roteirista de O Exótico Hotel Marigold (2012), o diretor Ol Parker consegue a proeza de reunir novamente todo o elenco que participou do primeiro episódio - agregando ainda nomes interessantes como Andy Garcia e Cher que, não por acaso, participarão (juntos) de algumas das melhores e mais engraçadas sequências da película.

A trama é absolutamente simples e conta a história a partir do primeiro ano da morte de Donna (Meryl Streep). Como forma de marcar a data, Sophie (Amanda Seyfried) pretende reinaugurar o hotel mantido pela mãe que, agora, está totalmente reformado. Entre os convidados estão os três "pais", Harry (Colin Firth), Sam (Pierce Brosnan) e Bill (Stellan Skarsgard), além das inseparáveis amigas da mãe Rosie (Julie Walters) e Tanya (Christine Baranski). Além de pensar nos detalhes da organização do evento, Sophie precisa lidar com a distância do marido Sky (Dominic Cooper), que está cursando hotelaria em Nova York. O reencontro fará reavivar uma série de memórias envolvendo Donna - e aí está uma das grandes sacadas da obra, já que será nestes flashbacks que entenderemos como Donna resolve ficar na Grécia e, claro, como ela conhece cada um dos postulantes a par romântico.



Assim, como no ótimo primeiro filme, a película se valerá das letras das canções do ABBA durante todo o decorrer da história, inclusive com o objetivo de conferir um senso de continuidade a narrativa. E como o quarteto sueco tem um milhão de hits, músicas que haviam ficado de fora do primeiro filme, como Waterloo, I Have a Dream, Knowing Me, Knowing You, Fernando e I Wonder (Departure) serão descortinadas conforme a trama avança. Já músicas como Dancing Queen serão inevitavelmente resgatadas - seja por meio de flashbacks ou em trilhas incidentais. E, como dica, há uma cena final pós-créditos envolvendo a música Take a Chance On Me que é simplesmente a sequência mais divertida do filme!

Sim, sabemos que Mamma Mia 2 não vai mudar nossas vidas. Não é uma obra de profundidade ou que trará algum debate político/ideológico absolutamente relevante e necessário como muitas que são lançadas nos dias de hoje - e é bem provável daqui a algumas semanas a gente esqueça dela. Mas como disse no começo da resenha, o clima anda pesado, hostil, sufocante. E, vez ou outra, a gente também precisa rir - e, va lá, rir, rir do absurdo que ocorre no nosso dia a dia, também pode ser uma forma de resistir a tudo o que tem acontecido. Se entreter, enfim. Se a vida real não anda convidativa, que possamos nos perder nas cores absolutamente primaveris dessa querida obra, cheia de um otimismo latente, de canções inesquecíveis e com o envolvimento de tantos atores legais. Torcer o nariz pra um filme tão bem humorado, tão amistoso e tão leve como esse, só torna você um chato. Talkey?

Nota: 8,0

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Novidades em DVD - É Apenas O Fim do Mundo (Juste La Fin Du Monde)

De: Xavier Dolan. Com Gaspard Ulliel, Nathalie Baye, Vincent Cassel, Léa Seydoux e Marion Cotillard. Drama, Canadá / França, 2016, 99 minutos.

Quem acompanha a carreira do jovem diretor canadense Xavier Dolan - dos ótimos Eu Matei Minha Mãe (2009) e Mommy (2014) - sabe que ele utiliza os seus filmes para contar histórias bastante pessoais, muitas delas com ares autobiográficos. Não é diferente com o recém lançado em DVD É Apenas O Fim do Mundo (Juste La Fin Du Monde), em que reúne elenco estelar para narrar a história do escritor de peças de teatro Louis (Gaspard Ulliel) que, longe de casa há 12 anos, resolve visitar a mãe, o irmão mais velho, a cunhada e a irmã mais nova para lhes contar um segredo. Só que a tarefa não será tão simples já que, como manda o figurino das obras envolvendo famílias disfuncionais que trazem à tona memórias e mágoas do passado, Louis praticamente não encontrará espaço (e nem ânimo) para informar a todos a respeito do fato de que está com uma doença terminal. (o que o roteiro nunca deixa claro, mas que supomos ao ligar alguns pontos dentro da narrativa)

A história toda se passa em um único dia, com todos enfurnados na casa da matriarca da família (a veterana Nathalie Baye), que tenta impressionar o filho aparecendo sempre bem vestida e com maquiagem carregada - "ele é uma pessoa das artes, ele gosta disso", ela argumenta. O irmão mais velho Antoine (Vincent Cassel) parece ter, com seus modos rabugentos e intolerantes, algum tipo de mágoa do irmão, talvez relacionada ao fato de ele, ainda jovem, ter saído de casa (o que talvez representasse algum tipo de abandono). A irmã mais nova, Suzanne (Léa Seydoux), tolera a intransigência do irmão mais velho e orbita a mãe, ainda que pareça desejar o quanto antes "se livrar" daquele núcleo familiar. E há ainda a cunhada Catherine (Marion Cotillard) que, com seu olhar doce e modos educados, é capaz de comover a cada instante em que surge em cena, sendo impossível não se emocionar em passagens como aquelas em que ela agradece Louis pelos cartões postais enviados.



É um filme sobre pessoas absolutamente distintas, convivendo em um mesmo ambiente, fazendo valer a velha máxima de que "família não se escolhe". Antoine é pragmático, cartesiano e conservador, ao passo que Louis é sonhador, sensível e humanista. A mãe deles parece padecer de algum tipo de tormento da alma, de difícil definição. E a caçula vive em um mundo paralelo, encontrando refúgio nos cigarros de maconha. Será dessas (pequenas) diferenças, somadas ao natural distanciamento de quem está há muito sem se ver, que emergirão brigas e mágoas, que remeterão a um tempo tão nostálgico quanto distante. A mãe super protetora talvez tenha cerceado a liberdade de Antoine e de Suzanne, agindo de forma complacente com Louis. As diferenças de tratamento podem estar no centro dessas feridas abertas que parecem ser tão difíceis de serem curadas. Ainda que haja mais lacunas para que o espectador preencha.

Com domínio de técnica, Dolan praticamente "cola" a câmera no rosto de cada personagem, o que intensifica a sensação de claustrofobia - ampliada pelo calor escaldante -, já que o tempo todo eles parecem presos a algum tipo de subjetividade mental que até nos escapa. Da mesma forma, dificilmente nos vemos diante de um cenário, ou de algum plano médio (ou americano), sendo o fundo quase sempre um borrão escurecido que remete aos móveis velhos dos pesados ambientes da casa. Já a trilha sonora, que traz nomes diversos como Grimes, Blink 182 e Moby, serve à perfeição para ilustrar, com suas letras, o estado de espírito daqueles que assistimos em cena. Com grandes interpretações - Cassel, em especial, que não faria feio no rol dos grandes violões do milênio - o filme ainda reserva para o seu final a metáfora perfeita para o sentimento vivido pelo protagonista, que saiu de casa para morrer (deixando algum tipo de rastro pelo caminho).

Nota: 8,0


terça-feira, 31 de julho de 2018

Novidades em DVD - Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)

De Martin McDonagh. Com Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell e Peter Dinklage. Comédia dramática, EUA / Reino Unidos, 2017, 115 minutos.

Até a revelação da vitória de A Forma da Água na principal categoria do Oscar desse ano, muitos espectadores acreditavam que Três Anúncios Para Um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) poderia ser o grande campeão da noite. E, se fosse, também não seria nenhuma surpresa, já que se trata de um filmaço que, recém-lançado em DVD, merece uma revisão. A trama nos joga para uma pequena cidade no interior do Missouri, onde uma mãe que perdeu a filha brutalmente estuprada e assassinada está inconformada com a ineficácia da polícia local - que não tem uma pista sequer para a resolução do caso. A mãe em questão é Mildred Hayes (Frances McDormand, em papel que lhe rendeu a estatueta dourada na categoria Melhor Atriz), que decide chamar a atenção das autoridades locais alugando três outdoors dispostos em uma estrada de pouco uso, nos arredores da cidade.

Nos anúncios estarão três frases provocativas, remetidas diretamente ao delegado Willoughby (Woody Harrelson, que foi indicado ao Oscar pelo papel), ressaltando o fato de ninguém ainda ter sido preso, com o crime tendo ocorrido há sete meses. Com um roteiro absolutamente original - escrito pelo também diretor Martin McDonagh (Na Mira do Chefe) - a obra bebe na fonte dos filmes dos Irmãos Coen (Fargo) para contar uma história cheia de idas e vindas, com excelente trilha sonora, com ótimas surpresas e recheadas por comentários sociais bem-humorados, debochados e nada sutis. Mildred está definitivamente furiosa com o caso e não hesitará em esbravejar, confrontar autoridades e até agredir pessoas, se assim for necessário, para tentar dar alguma visibilidade para a questão. Com o apoio da mídia, transformará também a vida de Willoughby que, próximo da morte por conta de um câncer pancreático terminal, se esforçará para atender o desejo de uma mãe desesperada (e também arrependida por certos atos, como veremos).



É um embate grandioso e absolutamente prazeroso de se assistir. E, nesse contexto, um dos maiores méritos da película é não transformar os personagens em simples "caixinhas prontas", em que os conceitos de mal e bem estão já pré-estabelecidos. Mildred é a mãe desesperada, mas não é a mãe desesperada padrão. Em cenas de flashback assistimos a brigas com a filha que mais tarde seria morta - o que faz com que Três Anúncios escape da promoção do choro fácil como seu grande trunfo. Já o carismático Willoughby tampouco é um mau sujeito e parece genuinamente empenhado (ainda que isto ocorra em um ritmo mais "provinciano", na busca por alguma pista) no caso. Nesse sentido, não há lado bom ou ruim na história. Sim, alguns integrantes da polícia local são obviamente preconceituosos (e o personagem de Sam Rockwell, que orgulharia qualquer votante do Bolsonaro, não nos deixa nunca esquecer disso). Mas mesmo ele possui um arco dramático "redentor" após tantas derrotas na vida, tendo seu comportamento explicado, ao menos em partes, pela relação edipiana com a mãe - e com a dificuldade em cortar o "cordão umbilical".

Além das interpretações inesquecíveis - Rockwell, diga-se, faturou a estatueta na categoria Ator Coadjuvante pela sua caracterização complexa, furiosa e cheia de nuances -, das personagens e do roteiro intrincado, a obra ainda possui uma verdadeira coleção de sequências memoráveis. Como esquecer, por exemplo, da cena em que Mildred e Willoughby discutem, até o momento em que o detetive é acometido por um "problema" decorrente de sua doença? E a imperdível sequência em que Mildred confronta o padre que lhes vêm visitar com o objetivo de lhe demover da ideia da continuidade dos anúncios, lembrando-o a ele o sem fim de casos de pedofilia envolvendo a Igreja? A propósito disso, a película também passa raspando por diversos temas caros à modernidade, como violência contra a mulher, racismo e outros - e não é por acaso que a chegada de um novo delegado à cidade, no terço final, rende algumas das mais catárticas (e divertidas) cenas. Violento, sarcástico e levemente perturbador, o filme ainda deixa para o espectador a "decisão" sobre os acontecimentos futuros, após o início dos créditos finais.

Nota: 9,0