Um menino de apenas onze anos é abandonado pelos pais, vai parar em um reformatório, foge do local e se torna traficante de drogas, cafetão e assassino. Parece uma história de violência meio improvável, mas é apenas a realidade de grande parte dos jovens de periferia do Brasil - como podemos perceber já no preâmbulo do clássico brasileiro Pìxote: A Lei do Mais Fraco. Dirigida por Hector Babenco, a obra mostra o desencanto permanente no olhar do protagonista, que vê a sua existência resumida a um universo de dor, de violência e de abandono (não apenas da família, mas também da sociedade). Trata-se de um filme áspero, escatológico, provocativo, pornograficamente fétido e extremamente realista. Para as "famílias de bem", o incômodo das cenas de nudez, de estupro, de pedofilia, de assassinatos brutais, de aborto, de prostituição e de sujeira por todo o lado. Para o público em geral um retrato de um País de contrastes da época da Ditadura Militar - mas que bem poderia ser o da atualidade, uma vez que a pobreza extrema só aumenta.
Dividida em duas partes, a obra se ocupa na primeira metade da rotina de Pixote (Fernando Ramos da Silva) e de seus amigos Lilica (Jorge Julião), Dito (Gilberto Moura) e Chico (Edilson Lino), entre outros, no reformatório. No local paira um clima permanente de incerteza, representado pelas famílias que não visitam e pelas pouquíssimas perspectivas de futuro (as aulas são precárias, o investimento no local é pouco e a violência é muita). Aliás, em algumas das tantas sequências chocantes, os agentes da lei abusam de seu poder, assassinam jovens à revelia (sem o conhecimento dos pais) e vendem uma imagem diferente à imprensa - que fecha o cerco para tentar compreender o que ocorre no local. Em meio ao caos estabelecido, os poucos momentos de prazer se resumem às reuniões de amigos, ao futebol no pátio e às esporádicas apresentações de um excêntrico cover de Roberto Carlos (e se há um "alívio cômico" na película, definitivamente é esse).
Com a violência e o abuso só aumentando, Pixote e outros tantos fogem do reformatório, no desejo por dias melhores. Nas ruas - e é aqui que se inicia a segunda metade do filme -, como se fossem os protagonistas de Capitães da Areia de Jorge Amado, cometem pequenos furtos, transam entre si se envolvem em esquemas para vendas de drogas (que nem sempre são bem sucedidos) e fazem planos que dificilmente se concretizarão. O tom é urgente, inconstante, desolador. Algo que é reforçado pelo incrível trabalho de Babenco na condução do elenco - boa parte dele amador - e que é composto por um sem fim de "extras" (sendo incrível o realismo conferido a tudo). Já no terço final, o grupo conhecerá a prostituta Sueli (Marília Pêra, em inesquecível papel). Ao lado dela, praticarão roubos a candidatos a clientes dela, transformando-se numa espécie de família involuntária. Não por acaso, a cena em que todos comem uma farta a la minuta, para mim é uma das que mais comove.
Mas não há final feliz em um universo tão brutalmente sofrido, como este, com a violência batendo literalmente à porta. Aós uma ação com resultados trágicos, Lilica foge, Dito morre e Sueli manda Pixote de volta para as ruas (de onde ele veio e de onde, vamos combinar, nunca saiu). Com ótimas participações especiais - de Elke Maravilha, Beatriz Segall e Tony Tornado -, a película foi extremamente bem recebida no exterior, tendo sido indicada ao Globo de Ouro. Seu estilo documental - que seria mais tarde repetido por outros filmes sobre a perda da inocência em um universo de crueldades, sendo o mais marcante em Cidade de Deus (2002) - segue sendo uma de suas marcas registradas. Nesse sentido, não foi por acaso que a Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), o considerou o 12º melhor da história, abrindo caminho para que Babenco brilhasse em outros clássicos, como O Beijo da Mulher Aranha (1985).