terça-feira, 31 de março de 2015

Cinema - Mapa Para as Estrelas

De: David Cronenberg. Com: Julianne Moore, Robert Pattinson, Evan Bird, John Cusack e Mia Wasikowska. Drama, EUA, 2015, 111 min.

Que o diretor canadense David Cronenberg é um cara pouco convencional todo mundo já sabe. Que seus filmes são muitas vezes repulsivos, recheados de personagens bizarros e situações absurdas, também. É só lembrar de filmes como Videodrome - A Síndrome do Vídeo (1983), A Mosca (1986) e eXistenZ (1999) que não me deixam mentir. Na década passada, contudo, Cronenberg nos presenteou com duas pérolas cinematográficas que enveredaram por um caminho um pouco mais "normal", se é que podemos assim dizer, com os indicados ao Oscar Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007). E agora, com este Mapa Para as Estrelas, o diretor volta com força total na categoria personagens repulsivos e situações bisonhas - embora desta vez o mesmo não necessite fazer a fusão de um homem com uma mosca ou até expor tripas na tela.

Tendo como pano de fundo o mundo de Hollywood e a produção cinematográfica, com seus artistas egocêntricos e sem um pingo de humanidade, o roteiro, escrito por Bruce Wagner, nos apresenta à Havanna Segrand (Julianne Moore, em papel diametralmente oposto ao que a atriz desempenhou na premiada performance de Para Sempre Alice), atriz que busca ganhar o papel em uma refilmagem na qual ela faria o mesmo papel que sua falecida mãe interpretou no passado. Soma-se a ela um astro mirim arrogante e ex-viciado (!!) em drogas (Bird), que parece o Justin Bieber, e seu pai, um guru da auto-ajuda (Cusack). Com a chegada da jovem Agatha (Wasikowska), que esteve internada após incendiar a casa onde seus pais moravam, a dinâmica entre os personagens será alterada.


Contando ainda com a participação de Robert Pattinson como um motorista de Limousine que tenta a carreira de ator (em uma referência óbvia ao filme anterior de Cronenberg com o ator, Cosmópolis, de 2012), Mapa Para as Estrelas traça um paralelo com outro filme, desta vez do cineasta David Lynch, Cidade dos Sonhos, de 2001, no sentido de que a vida em Hollywood não é nada da maravilha com que parece ser -  sendo que este último, no entanto, é muito mais complexo em execução e temática. Embora seja um drama, encontramos aqui uma sátira com diálogos recheados de um humor negro e referências à outros astros de Hollywood, como Ryan Gosling e Drew Barrymore. A atriz Carrie Fisher, que ficou eternizada na série Star Wars, também faz uma ponta como si própria.

Flertando com o terror e o suspense psicológico em alguns momentos, Mapa Para as Estrelas é um filme difícil de digerir, e certamente a parcela do público não acostumada com o diretor sairá decepcionada da sessão. Temas como incesto, drogas, famílias disfuncionais e ambição são retratados sem qualquer pudor pelo cineasta, em uma trama que não oferece alívio para o espectador e que carece de uma trama mais elaborada, parecendo sem foco em alguns momentos. Embora os personagens ali sejam essencialmente pessoas como eu e você, a podridão moral representada por eles acaba por torná-los tão ou mais repulsivos do que a galeria já explorada pelo diretor em suas obras passadas.

Nota: 6,5.


PicanhaCast 27/03/2015

Resumo da semana no Picanha Cultural, por Tiago Bald. Espaço do leitor, o filme Amores Imaginários, Vampire Weekend, Tobias Jesso Jr. e os filmes Desejo e Reparação e Corações de Ferro são alguns dos temas abordados. Confiram! 

www.picanhacultural.com.br
www.facebook.com/picanhacultural

Programa Enciclopédia 95&1 apresentado por Tiago Segabinazzi.


segunda-feira, 30 de março de 2015

Espaço do Leitor - Qual é o Filme da sua Vida? #3

Hoje quem fala sobre o seu filme favorito, é o colega de trabalho e, mais do que isso, grande amigo Derli Bonine que, como engenheiro agrônomo da Emater, é um especialista em temas como fruticultura e olericultura. Mas aqui, ele mostrou saber muito também sobre cinema. É preciso que se diga que, nós, aqui do Picanha, concordamos em gênero, número e grau com a sua escolha!


"Filme da vida é um título muito forte para um simples filme, mesmo para um cara como eu que sou cinéfilo. São tantos filmes e tantas épocas, e cada filme tem um significado conforme a época. Mas, um filme que me marcou quando assisti pela primeira vez, e me emociona a cada vez que revejo é o Um Estranho no Ninho. Foi o filme com que inaugurei meu videocassete. Não passava mais no cinema, na época. E eu tinha uma enorme vontade de assisti-lo, pois sempre figurava na lista dos melhores de todos os tempos. Além do quê, sou fã de carteirinha de Jack Nicholson, que neste filme tem uma atuação soberba. Aliás, todo o elenco está brilhante: a enfermeira sádica, os “loucos” e Chief, o índio. Uma das cenas mais memoráveis do filme, e, de resto, do cinema, é quando a enfermeira não permite que os internos assistam ao final do campeonato de beisebol, e McMurphy (Nicholson) narra um jogo imaginário com a TV desligada, com os loucos torcendo. E a música com temática indígena ainda está nos meus ouvidos..."

Participe você também do quadro mais democrático do Picanha! Todas as segundas-feiras a gente coloca as preferências da moçada por aqui.

sábado, 28 de março de 2015

Picanha no A Hora!

Hoje saiu uma baita matéria sobre o Picanha, muito bem escrita pela querida jornalista Tammy Moraes do Jornal A Hora, de Lajeado, que foi super atenciosa conosco. O texto conta um pouco a história do nascimento do blogue, que recém completou três meses. Aproveitamos o espaço pra agradecer a todo o pessoal que tem nos acompanhado. É o que nos motiva a alimentar o site diariamente!


sexta-feira, 27 de março de 2015

5 Considerações sobre o show das bandas The Kooks e Kasabian ontem em POA

Ontem, dia 26 de março, ocorreu em Porto Alegre, no Pepsi On Stage, o show de duas das grandes bandas britânicas que tocarão no Lollapalooza 2015: Kasabian e The Kooks. O Picanha esteve lá presente, e trazemos abaixo nossas considerações sobre a noite:

1) O Pepsi on Stage estava cheio, mas não lotado, o que favoreceu o espetáculo pois havia "calor humano" suficiente pra criar um clima de showzão de arena, sem precisar ficar esbarrando em outras pessoas. A quase lotação acabou por favorecer também a acústica do local que, apesar de grande, possui alto-falantes espalhados por todo o canto, causando uma imersão completa tanto para quem está longe ou perto do palco. O público presente, por sinal, era em sua grande maioria composta por adultos jovens que interagiram, cantaram e pularam boa parte do tempo.

2) O The Kooks foi a primeira banda da noite, com um show de menor duração do que o do Kasabian. Confesso que sempre achei o Kooks uma banda mais popular, com diversos hits prontos a agradar o público e as rádios. Por isso me surpreendeu que fossem a "banda de abertura" e, dava pra perceber, a maioria das pessoas que estavam ali era em função do jovem grupo inglês. Por isso, o medo de que o local fosse esvaziar assim que encerrada a primeira apresentação era real, algo que (sorte) não aconteceu.

The Kooks
3) Os jovens ingleses do the Kooks demonstraram um repertório pop rock de primeiríssima qualidade, apresentando canções do seu mais recente (e dançante) álbum, Listen, mais os hits confirmados que fizeram a alegria dos fãs, tais como Ooh La, Naïve, Bad Habit, She Moves in Her Own Way, dentre outros. Com carisma e presença de palco, a banda fez um grande show que, com pouco mais de uma hora de duração, deixou no público presente um gostinho de "quero mais".

4) Demorou um pouco para que o Kasabian subisse ao palco após o baita show do Kooks, o que foi me deixando um tanto impaciente. Porém, aos primeiros acordes, os ingleses demonstraram que não estavam para brincadeira, colocando o público inteiro pra pular. Confesso que conheço pouco da banda, já tentei ouvir alguns álbuns mas nunca me dediquei completamente, pois achava os discos um tanto quanto derivativos e meio chatos até. Mas, não sei se por causa do alto volume e da avalanche sonora proporcionada pela banda, o show me agradou muito mais do que os discos, em grande parte pelo carisma e presença de palco do vocalista Tom Meighan e do guitarrista figuraça Sergio Pizzorno. A estética britpop, meio rave/clubber/psicodélica da banda funcionou muito bem ao vivo, mantendo o público entretido praticamente até o final da noite.

Kasabian
5) Foi uma boa noite de rock dançante para o público presente. Os show foram diferentes um do outro: o Kooks apresentou um som mais cru, sem grandes firulas e jogos de luzes ou mixagem de som - ao contrário do Kasabian que, grandioso, não poupou nos efeitos de luz, eletronices e o alto volume dos instrumentos, criando um clima que justifica a idolatria que o público inglês nutre pela banda, que é uma das mais populares em seu país de origem.


Pra quem perdeu e ficou com vontade de assistir, é só sintonizar no Lollapalooza 2015 (que acontecerá sábado e domingo agora) e curtir. O Kasabian tocará no sábado às 17 horas, enquanto que The Kooks estará presente no festival no domingo as 16:30. Resta torcer que a TV a cabo transmita estes dois shows, pois é uma grande pedida pro fim de semana.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Disco da Semana - Tobias Jesso Jr. (Goon)

Impressionante a capacidade que alguns artistas da nova geração têm de se apropriar de estilos e formatos de música consagrados no passado, conseguindo ao mesmo tempo não apenas renovar estes mesmos modelos, mas ainda acrescentar a eles um frescor capaz de dotar os seus trabalhos de uma personalidade própria. Aconteceu no início do ano com a jovem Natalie Prass que, com seu formidável disco homônimo de estreia, misturou Björk, Kate Bush e Dolly Parton, em um álbum que certamente figurará em diversas listas de melhores do ano. E é bem provável que o mesmo processo seja vivenciado pelo canadense Tobias Jesso Jr. que, com seu trabalho de estreia, Goon, tem recebido elogios da crítica, sendo comparado, vejam só, com ninguém menos do que John Lennon.

Exagero ou não, o fato é que o artista lançou um álbum que impressiona pela simplicidade, capaz de tornar o ouvinte íntimo de suas canções já na primeira audição - e, nesse sentido, é preciso que se diga que Tobias Jesso Jr. mais parece aquele amigo que aprendeu a tocar piano e que agora faz apresentações em jantares só pela parceria. Isso em um mundo ideal, é claro. A abertura, com a espetacular Can't Stop Thinking About You, por exemplo, bem poderia ser parte de algum disco do Elton John, nas fases Madman Across the Water ou Blue Moves. O mesmo valendo para a linda Without You, que tem um refrão tão mas tão pegajoso, que é provável que você se pegue cantarolando ele, sem nem perceber. E isso que, a essa altura do álbum estamos apenas na terceira música.


O fato é que, em uma época em que prevalece a pirotecnia também no meio musical - quem escutou qualquer disco recente do Muse sabe o que é isso - chega a ser alentador ouvir um álbum apenas com voz e piano. Dificilmente se encontra em Goon qualquer tipo de exagero instrumental ou de arranjo, sendo a máxima extravagância um dedilhado a mais de violão ou alguma eventual percussão. Nada de botões, samplers, sintetizadores e outras tecnologias que pudessem fazer com que nos sentíssemos dentro de um fliperama. Bom, como vocês veem acima, até a capa é simples. Sai a balbúrdia de uma grande cidade, entra a introspecção e o ambiente familiar, capaz de nos levar diretamente aos anos 60. Bem ao estilo de Lennon, McCartney e de outras estrelas as quais Jesso Jr. tem sido comparado. Algo que fica ainda mais claro ao ouvir canções como a bela For You.

As letras, extremamente intimistas, falam das alegrias e dissabores do amor e, ainda que eventualmente possam soar ingênuas, elas estão plenamente adequadas a proposta do trabalho. Por exemplo, em For You, o jovem está radiante: Every time I see ya, I'm always smiling/ Every time I see ya, you're always shining, canta Jesso Jr., bem ao estilo dos Beatles na fase ié-ié-ié. Ao passo que, na melancólica How Could You Babe, o artista lamenta: And I find out you'd gone and met a new man/ And told him he's the love of your life/ How could you, baby? (how could you, baby?). O mesmo ocorre em outros belos momentos como em The Wait e Hollywood. Tudo muito simples, humano, sincero, direto. Mas amplo, cheio de significados, nada artificial. O que torna esta uma grande estreia.

Nota: 8,5


quarta-feira, 25 de março de 2015

Cinemúsica - Desejo e Reparação

É sempre fascinante quando uma trilha sonora consegue impor ritmo a um filme e ao mesmo tempo trazer uma mensagem que, para os espectadores mais atentos, pode revelar muito sobre a trama. É o caso da bela trilha do filme Desejo e Reparação, de 2007, composta pelo italiano Dario Marianelli, que lhe rendeu o Oscar de melhor trilha sonora original (único prêmio da obra que contou, ainda, com outras 6 indicações - incluindo melhor filme).



Na trama dirigida por Joe Wright, baseada no premiado livro do cultuado escritor britânico Ian McEwan, somos apresentados à Briony Tallis (Saoirse Ronan), uma pré-adolescente rica e mimada que tem como passatempo escrever peças de teatro e encená-las para a família. Sedenta por atenção, Briony tem uma paixonite pelo jovem, porém mais velho, Robbie (James McAvoy) que, de família humilde, presta serviços na mansão da rica família Tallis. No entanto, o objeto da atenção de Robbie é a irmã mais velha de Briony, Cecilia (Keira Knightley). Ao visualizar determinada cena entre Cecilia e Robbie, Briony acabará por criar uma mentira cuja consequência afetará a vida de todos de maneira trágica - incluindo a ida de Robbie para participar da Segunda Guerra Mundial (a cena do enorme plano sequencia na praia já vale o filme, e é uma das cenas mais impressionantes da história do cinema) . Acontece que, até a velhice, a sombra do remorso por uma atitude até então infantil (na época) continuará ecoando na mente de Tallis que, de alguma forma, buscará a reparação (Atonement, no título original) por seus atos.

O que torna esta uma trilha altamente original é o uso dos sons de digitação em uma máquina de escrever que, junto dos instrumentos tradicionais, dão ritmo a diversos momentos da narrativa. Já na apresentação de Briony temos esta ilustração, visto que a menina adora escrever peças de teatro, como podemos observar no vídeo abaixo. Porém, em vários outros momentos, a mesma característica acaba por perpassar a obra. E a grande jogada da inteligente opção por este tipo de "comentário" musical só será totalmente entendida ao final do filme.


SPOILER ALERT! (Recomenda-se continuar a leitura somente quem já assistiu)

Ao encontrarmos Briony já na velhice (Vanessa Redgrave) descobrimos que a mesma é uma escritora de sucesso e que estávamos assistindo à SUA versão dos fatos, narrada então em seu novo livro. Nesta versão, o final de Robbie e Cecilia era feliz, ao contrário do acontecido na vida real - muito mais trágico. A "reparação" seria feita então em forma de palavras em uma obra de arte, no caso um livro, o que torna a reflexão proposta pela obra (fielmente adaptada do complexo livro de McEwan) fascinante: Poderia a arte reparar danos passados? Quem nunca cometeu um deslize do qual se arrependeu? Há perdão para um erro cometido por uma menor de idade, mesmo que as consequências tenham sido trágicas? No fim, o que Briony quer é poder estar em paz com sua consciência, e esta catarse terapêutica em forma de arte seria a sua "auto-reparação".

Aí então que a "pegadinha" pregada pelo roteiro e pelo diretor Joe Wright passa a fazer sentido. Ao modificar a lógica da trama em seus minutos finais, entendemos que o que estávamos assistindo até então era a versão de Briony, que estava sendo escrita em seu livro através da máquina de escrever - cujos sons estavam presentes na trilha sonora desde o início. Não é fantástico quando uma obra consegue nos envolver desta maneira, sem subestimar a inteligência do espectador? O que em um primeiro momento parecia ser apenas um filme de época e de guerra, acabou por ganhar contornos metalinguísticos e apresentar uma temática muito mais complexa, com discussões filosóficas sobre amor, culpa, ciúme, redenção, entre outros, tornando a experiência de se assistir ao filme (e ouvir sua música) muito mais enriquecedora.

terça-feira, 24 de março de 2015

Cinema - Corações de Ferro

De: David Ayer. Com Brad Pitt, Shia LaBeouf, Logan Lerman, Michael Peña e Jon Bernthal. Drama / Guerra / Ação, EUA / Reino Unido / China, 2014, 134 minutos.

Ao terminar a sessão de Corações de Ferro (Fury), fiquei com a impressão que a Academia se enganou feio esse ano: ao preterir o filme de David Ayer, em favor do insosso e excessivamente patriota Sniper Americano, de Clint Eastwood, os votantes perderam a chance de valorizar aquele que é o melhor filme de guerra desse início de temporada. A trama se passa em 1945, na reta final de Segunda Guerra Mundial, quando as tropas aliadas, comandadas pelos americanos, aos poucos começam a tomar a Alemanha dos nazistas. Mas a batalha ainda não terminou e um grupo de soldados é incumbido de navegar, por terra, utilizando-se de grandes tanques de batalhas. Algo que possibilitará a retomada das cidades que circundam Berlim e a posterior devolução destas ao povo germânico.

Não é uma tarefa fácil, evidentemente. Os soldados americanos estão em menor número, tem menos armas e não estão assim tão familiarizados com a geografia. Um dos tanques, o Fury, que dá o nome original ao filme, é capitaneado pelo embrutecido oficial Wardaddy (Pitt). Ao lado dele, estão outros quatro soldados: Bible (LaBeouf), Gordo (Peña), Coon-Ass (Bernthal) e o recém-chegado Norman (Lerman), um datilógrafo que, como motorista do pelotão, conhecerá no campo de batalha os horrores da guerra. Tendo como principal cenário o interior do tanque de guerra, a obra de configura como um suspense absolutamente claustrofóbico, ao focar grande parte de suas ações nesse espaço que, certamente, não possui muito mais do que cinco metros quadrados. O que, por si só, já seria um diferencial dentro do um tanto batido segmento dos "filmes de guerra".


Mas não é só isso. Ayer constroi seus personagens de maneira multifacetada e, ainda que não saibamos praticamente nada sobre seus passados, a única certeza é de que são sujeitos marcados pela brutalidade do conflito. Amargurados, descrentes e, em muitos casos, animalescos. Algo que fica claro na cena em que o grupo encontra, após tomar uma cidade, uma mulher e sua sobrinha, não hesitando em assediá-las moral e psicologicamente, como se fosse a obrigação delas servir-lhes sexualmente (no plural mesmo), apenas por terem sido "libertadas" pelos americanos. E esse se constitui um grande acerto do roteiro e que o diferencia completamente de outros filmes de guerra, como o próprio Sniper, ao tratar também os mocinhos como eventuais vilões, subtraindo da trama as facilidades que poderiam ser impostas pelo maniqueísmo.

Igualmente as cenas de batalhas são muito bem construídas, com sequências que permitem ao espectador entender bem o que está acontecendo, mesmo quando diante de uma sequência em que tudo que se vê são tiros, granadas e explosões para todos os lados. A obra também não pega leva ao apresentar de maneira muito realista os danos causados pela enxurrada bélica, não sendo poucas as imagens de cabeças decepadas, membros, vísceras e sangue. Muito sangue. Nesse sentido também são muito curiosas as sequências que mostram os corpos empilhados em meio a lama, em muitos casos, sendo difícil separar os dois "elementos". Algo que se torna ainda mais chocante, a partir da fotografia acinzentada e eventualmente escurecida. E que serve para demonstrar sem concessões a fragilidade e o caráter pueril do corpo humano em conflito. Mais um dos tantos acertos desse bom filme.

Nota: 8,0


Lançamento de Videoclipe - Banda do Mar (Dia Clarear)

A Banda do Mar, que se apresenta no Bar Opinião, em Porto Alegre, na próxima quinta-feira (26/03), lançou, na última semana, mais um clipe para o elogiado disco homônimo, lançado no ano passado. A canção escolhida foi Dia Clarear. O vídeo mostra os três integrantes - Marcelo Camelo, Mallu Magalhães e Fred Ferreira - em meio a um passeio de barco, na orla do Rio de Janeiro, em um clima tranquilo e sereno, bem ao estilo da bela composição.


segunda-feira, 23 de março de 2015

Espaço do Leitor - Qual o Disco da Sua Vida?

Hoje quem fala do seu disco preferido, aqui no nosso já tradicional espaço do leitor, é o amigo Tiago Segabinazzi, que apresenta o programa Enciclopédia 95 & 1 da Univates FM. E pra discorrer sobre o álbum de sua vida, o Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, ele fez um verdadeiro tratado, ao apontar os motivos pelos quais esse trabalho é tão fundamental. Um texto apaixonado, digno dos melhores sites de música!

"Meu álbum preferido é um grande clichê, mas é ótimo. Trata-se do Dark Side of the Moon, lançado em 1973 pelo Pink Floyd. Ouça-o sem pressa. Nem ouso tentar calcular quantas vezes eu já o coloquei pra tocar, enquanto tomava vinho, com a luz desligada. Também não sei quantas vezes ainda farei isso: vai depender de quanto tempo eu ainda fizer vinho.

Esse álbum, que traz uma capa tão emblemática quanto a do Nevermind, do Nirvana, convida para uma viagem sem dizer claramente onde pretende chegar. Quando se embarca, em Speak to me, pode parecer que vai ser demorado. Quase no final da primeira faixa, isso já não importa: a velocidade é o de menos quando se está na estratosfera, puxado pelos acordes lunáticos da guitarra de David Gilmour e as teclas hipnotizantes de Rick Wright em Breathe. Os efeitos que vêm a seguir são carícias auriculares que fazem você se distrair como uma criança que brinca com bolinhas de sabão: por um bom tempo, não precisaria de mais nada além disso. Então, você percebe que há algo maior para entender quando lhe dizem: Breathe, breathe in the air/ Don't be afraid to care. Então, a viagem começa de fato e você nem se importa mais em olhar pra fora da janela: só quer continuar indo.

Para começar, Dark Side... não é aquele tipo de trabalho que se recomenda pra alguém dizendo “ouça a faixa de abertura, a três, a cinco e a seis”. Não. Apesar de ter alguns hits que até foram lançados em singles, como Time, Money e Us and Them, é preciso ouvir os quase quarenta e três minutos a fio pra valer a pena. Além disso, a maioria das músicas não terminam direitinho: ficam meio grudadas umas nas outras – algo que os Beatles haviam feito no Sgt. Peppers em 1967 mas que, me arrisco ao falar isso, o Floyd aperfeiçoou no Dark Side... .

Por isso, Breathe termina convidando para a seguinte, a instrumental On the Run, composta por uma sequência simples de notas feitas em um sintetizador, depois aceleradas e acrescidas de outros efeitos que, ao final, faz tudo isso quase nem se parecer com uma música. Essa foi uma das primeiras experiências de artificialização no rock, que abriria caminho para o que seria largamente utilizado a partir da segunda metade da década de 1970.

On the Run, pela sua alta frequência, parece “sintetizar” toda a tirania causada pelo tempo nas pessoas, dessa forma, abrindo caminho para a quarta faixa, Time – que inicia com a sugestiva avalanche de uma gravação do toque de dezenas de relógios antigos circulando a cabeça do ouvinte. Sobre esta canção, nada mais precisa ser dito, pois esta música, mais do que qualquer outra, se defende sozinha. E se o álbum trouxesse apenas ela (sim, é um sujeito) já valeria o tempo de ouvi-lo.

Recomendo, claro, além do disco, o documentário The Making of The Dark Side of the Moon, que mostra o processo de composição, produção e masterização: um processo que, feito com a pouco automatizada tecnologia da época – ou seja, manualmente –, se equivale a uma grande performance de uma orquestra sinfônica precisamente sincronizada.

Tempo, dinheiro, loucura e a relação entre as pessoas. As letras poderiam ter sido escritas há uma semana, mas foi há 42 anos. Era uma época que já vivia com estes problemas, e eles se aguçaram tanto que parecem deixar o álbum ainda mais atual. Mas não, não é um elogio à visão premonitória dos compositores: é um motivo para que, no meio da apressada rotina, se tire o tempo de conhecer esta obra."

Gostaram? Participe você também do nosso Espaço do Leitor. Entre em contato conosco pela nosso fanpage (o link tá ali do lado) e seja o próximo a escolher o filme/disco de sua vida!

sábado, 21 de março de 2015

Pérolas do Netflix - Amores Imaginários

De: Xavier Dolan. Com Monia Chokri, Niels Schneider e Xavier Dolan. Comédia dramática, Canadá, 2011, 95 minutos.

O filme Amores Imaginários (Les Amours Imaginaires), do jovem diretor canadense Xavier Dolan, começa com uma frase do poeta e dramaturgo Alfred De Musset: não existe maior verdade no mundo, do que o delírio amoroso. E quem já esteve perdidamente apaixonado, especialmente sem saber se está sendo correspondido, sabe o que é isso. A pessoa alvo desse amor arrebatador se torna idealizada, perfeita. Tudo o que ela faz serve de modelo, as imperfeições não são notadas ou se tornam coisinhas bobas e sem importância. Ficamos nervosos, ansiosos, de certa forma cegos, especialmente quando estamos diante desse ser "iluminado". E, invariavelmente, nos iludimos. É exatamente sobre este sentimento que trata o filme de Dolan. O que é feito de forma muito criativa e naturalista.

Na trama, Francis (Xavier Dolan) e Marie (Monia Chokri) são amigos inseparáveis, que tem sua amizade abalada quando o jovem Nicolas (Niels Schneider) se muda para Montreal, a cidade em que vivem. O caso é que, após o início da amizade, e a aproximação entre o trio, os dois se apaixonam pelo rapaz, tornando a sua possível conquista uma verdadeira obsessão. Assim, cada encontro se torna uma possibilidade de descobrir se esse amor é recíproco, sendo que ambos mantêm as esperanças, já que Nicolas é carinhoso, educado e brincalhão sem distinção de gêneros. Todo um contexto que, como não poderia deixar de ser, poderá abalar a amizade entre os dois. Algo bastante parecido com o que ocorre no clássico Jules e Jim - Uma Mulher para Dois, de François Truffaut.


Truffaut não é a única citação feita por Dolan no filme. Nas cenas em que Francis e Marie estão com outros pares amorosos, apenas com o objetivo de se satisfazerem sexualmente, o uso de uma fotografia de uma única cor, que pode ser azulada, rósea ou esverdeada, bem pode ser uma representação de um mundo pouco colorido, especialmente para os apaixonados platônicos. Por mais bela que seja a fotografia, sendo impossível não pensar nesse momento em filmes como O Desprezo, e, mais especificamente, O Demônio das Onze Horas, ambos de Jean Luc Godard, que era um verdadeiro mestre no uso desses recursos. A trilha sonora, muitas vezes utilizando-se do clássico italiana Bang Bang da cantora Dalida - com uma letra tudo a ver com o caso - torna a sessão ainda mais charmosa.

O roteiro e os diálogos inteligentíssimos nos apresentam as várias fases da paixão, que vão desde quando conhecemos o caráter e a personalidade da pessoa amada, até aqueles momentos que nos deixam irritados em determinadas situações. E, nesse sentido, chega a ser tragicômica a reação extremamente crítica de Marie, quando prestigia a peça de teatro de Nicolas, apenas por estar com ciúmes de outras amigas do jovem, que ela, naturalmente, não conhece. O filme também mostra como somos capazes até de receber um elogio de maneira distinta, se este for dito pela pessoa que amamos. Intercalando a história do trio com os depoimentos de outras pessoas a respeito de suas desventuras (e obsessões amorosas), Dolan constroi um filme humano e sincero sobre as conquistas e fracassos nessa seara eternamente cíclica. Uma verdadeira pérola.




sexta-feira, 20 de março de 2015

PicanhaCast 19/03/2015

Pra quem perdeu, segue o Podcast com o resumo da semana do Picanha na Rádio Univates. Pearl Jam, Breaking Bad, Cantando na Chuva, Para Sempre Alice, Wado, são alguns dos temas abordados. Confiram!

www.picanhacultural.com.br
www.facebook.com/picanhacultural

Programa Enciclopédia 95&1 apresentado por Tiago Segabinazzi.

quinta-feira, 19 de março de 2015

Lado B Classe A - Vampire Weekend (Modern Vampires of the City)

Eu vou ser sincero com vocês: até o lançamento de Modern Vampires of the City (2013), um dos melhores álbuns do novo milênio, eu não dava nada pelo Vampire Weekend. Ou quase nada. Tinha escutado os primeiros dois discos, Vampire Weekend (2008) e Contra (2010) e tinha achado ok. Mais uma banda bacaninha, alternativa, com um instrumental diferente - que misturava música tribal africana com uma espécie de punk rock modernoso e acelerado - e letrinhas sacanas sobre o dia a dia em alguma faculdade nova-iorquina. E só. Nada que me mobilizasse por mais do que um punhado de audições. Só que aí chegou o Modern Vampires... e, senhores, é preciso que se diga: QUE DISCAÇO!!! Assim mesmo, com caps lock ligado e exclamações, como se tivesse gritando pra todo o mundo ouvir.

Tudo o que o grupo, originário do Brooklyn, em Nova York, tinha realizado até então, foi deixado para trás em prol de uma elevação estética que alçou a banda, capitaneada pelo vocalista Ezra Koenig, a um outro patamar. Sim, estão lá ainda as batidas tribais e a música punk. Novamente estão presentes as boas letras, com refrões marcantes e vocal preciso. Só que tudo foi melhorado, renovado e melhor produzido, ampliando também as fontes de referências, que agora incluem elementos que remetem não apenas a musicalidade dos anos 60, mas também a composições clássicas concebidas em séculos passados. O que pode ser observado no uso de pianos, violinos e outros instrumentos que surgem de forma orgânica e natural, formando um conjunto extremamente coeso (e saboroso) de canções.


A abertura, com a espetacular Obvious Bicycle, já deixa essa proposta clara de saída. Seu arranjo curioso, pontuado por uma percussão de batida aparentemente simples, se encaixa de maneira perfeita a voz límpida do vocalista. O final, com piano precisamente inserido é daqueles para seduzir o ouvinte de primeira viagem. Logo após vem Unbelievers, com seu refrão grudento e um trabalho exemplar do tecladista Rostam Batmanglij, um dos grandes responsáveis pelo apuro estético do álbum. Step, a terceira canção do trabalho, surge como forma de consolidar a experiência que faz com que a banda ultrapasse os ritmos tropicais, chegando com mais clareza a sua nova fase. Não à toa, o uso de violinos gerou uma curiosa comparação com o clássico Canon in D Major, do compositor barroco Johann Pachelbel que, vejam só, viveu no século 17.

O disco segue com outras ótimas canções, que mesclam momentos mais introspectivos, como no caso de Hannah Hunt e outros com uma maior dinâmica, como em Diane Young, que é aquele tipo de música que te faz afastar o sofá pra cair na dança. Aqui e ali o registro apresenta corais de vozes - algo mais claramente visto na saborosa Worship You - e mesmo o barulho de conversas e de sussurros, que mostram que, no fundo, a principal temática do álbum tem a ver com a balbúrdia das grandes cidades, a vida na metrópole e a condição do homem moderno. Em Obvious Bicycle, tem-se um exemplo disso, quando Ezra canta sobre o sujeito que vai e volta pro trabalho e vive sem que ninguém lhe veja ou que isso faça alguma diferença pra alguém.

Vampiros da cidade, mas não os da saga Crepúsculo
Ainda a respeito das letras, como de praxe, elas são instigantes e pouco convencionais. Mas em geral elas versam sobre os medos do homem comum, sejam eles o da velhice - Wisdom’s a gift, but you’d trade it for youth/ Age is an honor, it’s still not the truth em Step -, o da morte - Don't lie, I want him to know/ Gods' loves die young, is he ready to go? em Don't Lie - e até de não ser amado - I know I love you/ And you love the sea/ Wonder if the water contains a little drop, little drop for me em Unbelievers. Tudo muito bem equilibrado entre o simples e o complexo, entre o fragmentado e o homogêneo. No fim, o Modern Vampires... até provocou um movimento inverso para mim, fazendo com que eu redescobrisse os dois primeiros trabalhos e passasse a gostar também deles. Especialmente do primeiro, que tem os hits Oxford Comma e A-Punk. Não foi à toa que o disco recebeu uma retumbante nota 9,3 do exigente Pitchfork, sendo considerado, também, pelo site nacional Miojo Indie, o melhor álbum internacional em sua lista de 2013 - ficando a frente do Reflektor do Arcade Fire. O que dá uma dimensão da importância e do impacto desse trabalho para o mercado musical.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Disco da Semana - Wado (1977)

O cantor e compositor catarinense (radicado em Maceió) Oswaldo Schlickmann Filho, o Wado, tem uma extensa e prolífica carreira. Pouco conhecido do grande público, mas cultuado no meio alternativo e elogiado pela crítica especializada, o músico teve seu primeiro álbum lançado em 2001. O Manifesto da Arte Periférica trazia em seu cerne influências do samba e do rock, com uma produção mais crua. Com os discos posteriores, Cinema Auditivo (2002), A Farsa do Samba Nublado (2004), e Terceiro Mundo Festivo (2008), o cantor lapidou seu modus operandi, que viria a atingir seu ápice com os sensacionais Atlântico Negro (2009) e Samba 808 (2011).

Dotado de um estilo próprio, porém nunca repetitivo, Wado lançou em 2013 o álbum Vazio Tropical. Produzido por Marcelo Camelo (Los Hermanos), é considerado até hoje seu disco mais melancólico, dando uma guinada até então inédita na sonoridade praticada até o momento. Predominantemente acústico, o álbum contou com a participação de diversos artistas tais como o próprio Camelo, Cícero, entre outros, que contribuíram para a bela, porém triste, paisagem sonora retratada naquela obra. Mas eis que chegamos no seu mais novo lançamento, 1977, e percebemos que o estoque de criatividade de Wado parece ainda longe de se esgotar, o que sempre é muito bem-vindo.



O álbum, cujo título faz referência ao ano de nascimento do cantor, é um disco curto e direto - o que nos faz avaliar ser esta sua obra mais acessível até o momento, ou seja, é uma excelente porta de entrada para quem quiser se aventurar na obra do músico. A novidade da vez é a influência do rock, explicitada de cara na excelente (e pesada) faixa de abertura, Lar. As faixas seguintes, Cadafalso (com participação de Lucas Silveira, da banda gaúcha Fresno), com seus jogos de palavras, e Deita, a mais pop de todas, não deixam a peteca cair. Mas engana-se quem pensa que o disco inteiro seguirá na mesma vibe, pois também há espaço para a beleza em 1977. As faixas seguintes seguem em um tom mais ameno, trazendo mais participações especiais (uma característica que o cantor vem trabalhando cada vez mais). Vocais de apoio em diferentes idiomas, cortesia dos cantores Samuel Úria e Martim (Portugal), Graciela Maria (México), Belen Natali (Argentina), e Gonçalo Deniz (Uruguai), trazem uma certa latinidad ao disco, rompendo fronteiras musicais - outra característica presente nas obras de Wado.

Trazendo ainda uma música composta em parceria com Zeca Baleiro (Palavra Escondida), 1977 é um disco que faz valer os 27 minutos destinados à sua audição. É um álbum que representa bem o músico que a concebeu, relembrando o passado, mas mantendo o senso de novidade que sempre esteve presente na carreira do cantor e compositor. Não à toa, Wado aparece na capa do disco com sua face, pura e simplesmente, à mostra - além de nomeá-lo com o ano de seu nascimento. Interessante notar que isso nem de longe acaba por tornar esta uma obra personalista demais - pelo contrário, há espaço para os convidados especiais brilharem tanto ou mais quanto em registros anteriores. Em um mundo virtual onde fica cada vez mais difícil escolher o que ver/ouvir, o filtro do Picanha certamente separaria este disco (que está disponível gratuitamente para download no site oficial) para recomendar a você, leitor, e a todos os nossos demais amigos. Confiram!

Nota: 8,0


terça-feira, 17 de março de 2015

Cine Baú: Cantando na Chuva

De: Stanley Donen e Gene Kelly. Com: Jean Hagen, Gene Kelly, Debbie Reynolds e Donald O' Connor. Comédia / Musical, EUA, 1952, 103 minutos.

É provável que muitas pessoas conheçam o filme Cantando na Chuva (Singing in the Rain) apenas por conta da indefectível cena em que Gene Kelly - na pele do astro Don Lockwood - canta e dança em meio a um pé da água, ao som da canção Singing in the Rain. Algo bastante natural, uma vez que a cena é tão icônica, que se constitui em uma das mais memoráveis da história do cinema - talvez ao lado da sequência do chuveiro, em Psicose de Hitchcock. Só que é preciso que se faça justiça com o filme de Stanley Donen e Gene Kelly: Cantando na Chuva não é apenas o melhor musical já feito em Hollywood. É também uma das mais divertidas, inteligentes e carismáticas comédias já produzidas dentro daquilo que se convencionou chamar de "sétima arte".

A trama se passa no ano de 1927, mais precisamente durante o período de transição entre os cinemas mudo e falado. Por conta desta novidade, os estúdios estão se esforçando para levar ao público o melhor naquilo que se refere a nova tecnologia. Só que um dos grandes estúdios, responsáveis por mais de uma dezena de "clássicos" do cinema mudo, se vê diante de um sério problema: a sua maior estrela, Lina Lamont (Hagen) - par romântico de Lockwood -, tem uma voz tão estridente, que é capaz de fazer trincar até o mais resistente dos vidros de cristal. Não à toa, a sua primeira fala dentro do filme - após um preâmbulo de mais de 15 minutos, em que ela permanece muda - é algo tão surpreendente, que fará com que os desavisados diminuam o volume de seus televisores, apenas para não ter de ouvir a personagem resmungando.


Como forma de tentar solucionar o problema, Lockwood e outros integrantes do estúdio recrutam a jovem Kathy Selden (Reynolds) para dublar a voz de Lina, transformando o filme em que estão trabalhando atualmente em um musical. O roteiro, dotado de um irresistível frescor, contém diálogos inspiradíssimos - a parte em que Cathy faz pouco caso de Don ao afirmar que o cinema é um bom entretenimento para as massas, apesar das personalidades não lhe impressionarem, é especialmente divertido. "Os astros de cinema não atuam, só fazem caretas", afirma a personagem, utilizando-se de um recurso metalinguístico que funciona como uma espécie de paradoxo, especialmente se levarmos em conta o fato de que estamos diante de um filme feito com atores de Hollywood!

A propósito, este não é o único momento em que o filme brinca ao falar sobre si. As tomadas que representam o cinema mudo são exageradas, fazendo lembrar os filmes expressionistas, A aparição de um sujeito, em uma gravação, apresentando a novidade da época, também funciona como um hilário momento de humor involuntário. As dificuldades de Lina no ajuste do microfone e as discussões desta - que se ampara juridicamente para prosseguir como a estrela principal do estúdio, a despeito de sua voz horrível - com Don, também utilizam-se da metalinguagem em sua rpresentação. Tudo banhado por números musicais irrepreensíveis - como esquecer de Make 'Em Laugh, Good Morning e Moses Supposes, além da faixa que dá nome ao filme? A linda cena final é daquelas capaz de fazer qualquer espectador abrir um sorriso. Tudo por poder assistir a um dos mais inventivos, engenhosos e bem produzidos filmes de Hollywood que, não por acaso, ocupa um honroso 5º lugar na lista de melhores de todos os tempos do American Film Institute (AFI).


domingo, 15 de março de 2015

Espaço do Leitor - Qual o Filme da Sua Vida? #2

Hoje, no espaço do leitor, temos a participação da nossa amiga, escritora (e leitora), poeta e futura bióloga, Fran Spohr! E falando de um filme que marcou a vida dela... uma baita dica pra todo mundo.


"Muito difícil isso de pensar num filme que marcou a minha vida...são tantos e de tantas formas...há filmes que chocaram, que inspiraram, que ensinaram, que transtornaram....a lista é imensa e vai de clássicos da sessão da tarde até Incêndios, El Topo, Dançando no Escuro, Os famosos e os duendes da morte, Carrie, a estranha (o original é meu "filme de garota" predileto). Mas um filme que eu assisti há uns 20 anos atrás e me marcou muito - assisti ele umas 4 vezes em dois dias, levei pra escola pra mostrar pros colegas e tudo - é O Profissional (Leon, the professional, Luc Besson, 1994). Apesar de toda a violência, pra mim o filme sempre foi sobre a capacidade de sobreviver ao que de pior puder acontecer e ainda manter a humanidade de criar laços, mesmo contra teus próprios instintos. Os personagens principais fogem dos esteriótipos e foi um dos primeiros – senão o primeiro filme da Natalie Portmann (incrível como Matilda) e o primeiro filme que eu vi com o Jean Reno (por quem me apaixonei a partir daí). É um filme muita ação mas é ao mesmo tempo delicado e as vezes quase silencioso. Fiquei até com vontade de assistir outra vez :)".

Curtiram?
Não esqueçam de participar do quadro, escrevam pra gente!

sábado, 14 de março de 2015

Bombou na Semana - Pizzas e Geléia de Pérola

Então pessoal, a semana terminou e estamos aqui para falar de duas notícias que chamaram a nossa atenção nos últimos dias!

Baderna na casa que serviu de cenário para a residência de Walter White, da série Breaking Bad

Saiu na Superinteressante uma matéria bastante curiosa. O telhado da casa que serviu de cenário para a casa de Walter White, da série Breaking Bad, foi alvo de ataques com... pizzas!

Explicamos: em determinada cena da série, o personagem principal atira uma pizza no telhado da casa em que morou. Acostumados com a presença de fãs da série tirando fotos em frente da residência, os atuais moradores não imaginavam tamanha "homenagem".


Vince Gilligan, criador da série, não ficou nada feliz com o acontecido. O mesmo veio a público manifestar seu desagrado e pediu para que os fãs parassem de perturbar os atuais moradores com os ataques.


Pearl Jam no Brasil novamente

A banda Pearl Jam anuncionou nesta sexta-feira 13 que fará uma série de shows no Brasil em novembro de 2015, fazendo a alegria dos milhares de fãs brasileiros. Os gaúchos tem o que comemorar: um dos locais escolhidos para a apresentação será a Arena do Grêmio, dia 11/11. Já estamos no aguardo!


É isso aí pessoal, um ótimo fim de semana a todos!


sexta-feira, 13 de março de 2015

Cinema - Para Sempre Alice

De: Richard Glatzer e Wash Westmoreland. Com Julianne Moore, Kristen Stewart, Alec Baldwin e Kate Bosworth. Drama, EUA, 2015, 99 minutos.

Na trama do belo (e poético) filme Contrastes Humanos, dirigido por Preston Sturges, em 1941, somos apresentados a um diretor de comédias de Hollywood, vivido por um inspirado Joel McCrea, que, a despeito de seu sucesso no gênero, decide mudar de rumo, passando a fazer dramas e obras de cunho social. Sua intenção é refletir nas telas os problemas sociais vividos pelos Estados Unidos na década de 30, período conhecido como Grande Depressão. Algo que, eventualmente, também poderia representar uma evolução em seu processo criativo. Em uma das cenas, um dos produtores, tentando demovê-lo da ideia, pergunta: "mas com tantos problemas que as pessoas já possuem em suas casas, quem vai querer assistir um filme que as deixem tristes e desconsoladas, uma vez que a realidade não poderia ser mais desoladora"?

Pois essa é uma realidade que, por mais ultrapassada que possa parecer - que bom! -, sempre aparentará ser bastante plausível quando estivermos diante de um filme que trate de alguma doença grave. Especialmente aquelas incuráveis ou que mostram na tela algum paciente em estado terminal. Afinal de contas, para quem convive (ou conviveu) com esta dura realidade, parece ser bastante lógico querer assistir a algum filme como uma distração ou como algo que não se torne um processo tortuoso, que possa fazer com que a dor aflore ainda mais. E eu admito fugir dessas obras, dependendo do meu estado de espírito. Pra sorte, esse não é o caso de Para Sempre Alice (Still Alice), recém-lançado filme que laureou a sempre competente Juliane Moore com um Oscar, na premiação do último dia 22 de fevereiro.


Juliane está arrebatadora como a Dra. Alice Holland, uma renomada professora de linguística que, depois de esquecer algumas palavras e não lembrar de onde mora, se descobre portadora do Mal de Alzheimer. A doença modifica completamente a relação dela com o marido (Baldwin), que parece se distanciar a cada dia, e com os filhos - especialmente a caçula (Stewart, em boa atuação). A obra vai apresentando, de maneira implacável, as dificuldades vividas por quem sofre desta terrível doença - e nesse sentido é particularmente angustiante a cena em que Alice procura sem sucesso o banheiro na casa de campo da família, encontrando, diante da dificuldade, uma drástica solução. O que amplia a dor da personagem, ao passo que torna ainda mais palpável o seu sentimento de frustração.

Ainda que seja duro, o filme consegue encontrar algum equilíbrio ao apresentar algumas cenas mais leves que, em termos de estilo, até fazem lembrar o imperdível Mar Adentro, obra de 2004 com Javier Barden que, a despeito de tratar da vida de um homem tetraplégico preso a uma cama, mais parece uma comédia dado o absurdo de algumas situações. E, sobre Para Sempre...,  é especialmente tocante a parte em que Alice, já com a doença em estágio avançado, consegue concluir um discurso para uma grande plateia, fazendo lembrar os seus melhores dias como uma renomada docente. Uma pequena vitória que emociona, especialmente àqueles que já tiveram algum caso parecido na família. Ainda que conte com um elenco secundário inspirado, o filme é todo de Juliane, que empresta seu talento a um personagem complexo, capaz de oscilar entre os bons e os maus momentos da maneira mais natural possível.

Nota: 7,5


PicanhaCast 12/03/2015

No Picanha Cast desta semana, falamos do novo quadro Espaço do Leitor, das resenhas dos filmes Um Santo Vizinho (resenha de cinema) e Debi & Loide 2 (do quadro Novidades em DVD) e sobre os 10 filmes com mulheres fortes, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Ou seja, a semana foi cinematográfica aqui no Picanha!

Quadro Picanha Cultural, toda a quinta-feira a partir das 17h, no programa Enciclopédia 95 & 1 da Rádio Univates FM. Apresentação do nosso amigo Tiago Segabinazzi.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Espaço do Leitor - Qual o filme de sua vida?

Nós, aqui do Picanha, valorizamos muito a interação com os leitores - a razão para o qual o site foi feito. Pensando nisso, lançamos a pergunta a vocês: Qual foi o filme que marcou a sua vida?

Obviamente, são diversos os filmes que marcaram a vida de cada pessoa, mas desafiamos os amigos que nos acompanham a escolher um deles para discorrer sobre. O texto pode ser bem curtinho mesmo, coisa de um parágrafo, para publicarmos aqui no site.

E a participação na estreia do quadro é do nosso amigo Rodrigo Brod, publicitário, professor, músico, pai e muitas coisas mais! ;)

"Um filme que me marcou foi Dançando no Escuro (Dancer in the Dark, 2000), do Lars Von Trier com a Björk. Eu gosto de dramas que tratam da natureza humana e esse filme é arrebatador. Por ser um musical, o desfecho se torna ainda mais impactante e violento. Em um momento como o atual, cheio de ódio e intolerância, uma dica para abrir os olhos de quem assiste. Ou fechá-los de vez."

E você, qual filme marcou a sua vida? Conta pra gente! Semana que vem tem mais!

quarta-feira, 11 de março de 2015

Disco da Semana - Noel Gallagher's High Flying Birds (Chasing Yesterday)

Quem viveu durante os anos 90 com certeza já se flagrou cantarolando algum dos diversos hits da banda inglesa Oasis - dos brigões, antipáticos, adorados ou odiados irmãos Gallagher. Que o Oasis nunca foi um poço de inventividade não é novidade, mas a banda sempre fascinou os fãs pelas suas belas melodias e guitarras em alto volume, embora muitas vezes tenha chamado mais atenção pelas polêmicas dos irmãos do que propriamente pelo seu trabalho, o que ajudou a criar uma certa antipatia de grande parte dos consumidores musicais.

Noel, o irmão mais velho, consagrou-se como o grande compositor de hits como WonderwallDon't Look Back In AngerLive Forever, dentre outras (a lista é interminável), enquanto Liam emprestava a sua voz à maioria das canções. Mas o tempo é sábio e as pessoas amadurecem - ou pelo menos deveriam. Com a banda dando uma pausa em suas atividades, o caçula Liam formou o Beady Eye, enquanto Noel seguiu em uma bem sucedida carreira solo com os High Flying Birds, sua banda de apoio. Chasing Yesterday é o segundo disco solo de Noel Gallagher, tendo estreado no topo da parada britânica esta semana. E, como fãs do rock praticado pelo cantor/guitarrista e compositor inglês, não poderíamos deixar o álbum passar em branco.


Em Chasing Yesterday, a banda de Noel mantém a qualidade já demonstrada em seu álbum de estreia, homônimo, de 2011. Como já era esperado, não há muita novidade aqui, mas a classe e o amadurecimento já apresentado nos últimos registros acabam por fazer deste um disco delicioso de se ouvir, com diversas faixas candidatas a tocar no rádio, trazendo o vocal inconfundível de Noel e seu faro para belas melodias - e o que mais um fã do bom rock inglês poderia querer? Foram-se as guitarras barulhentas de tempos passados pois, como todos sabem, o forte do irmão mais velho dos Gallagher sempre foi as baladas. E, mesmo nas faixas mais agitadas, é um disco que você pode colocar junto da família e provavelmente ninguém irá reclamar - mérito da produção, que consegue equilibrar bem todos os instrumentos, inclusive nas faixas mais psicodélicas, o que dá uma unidade ao disco.

As letras continuam versando sobre relacionamentos, sempre em uma nota melancólica mas nunca depressiva. Que Noel não é nenhum grande poeta é notório, mas suas palavras soam sinceras e as letras se encaixam bem na sonoridade rock/pop psicodélica do álbum. Os primeiros singles, In the Heat Of The Moment e The Ballad Of The Mighty I têm aquela cara típica de hit, com um balanço perfeito para as rádios pop/rock da vida. Como outros destaques podemos citar Lock All The Doors You Know We Can't Go Back, com sua melodia grudenta e bateria vibrante. A primeira faixa, Riverman, lembra muito trabalhos anteriores do artista, assim como as baladas The Dying Of The Light The Girl With X-Ray Eyes. Talvez as faixas mais "diferentes" sejam The Right Stuff, com sua levada soft e vocais femininos, com presença de sopros que dão um ar jazzístico ali pelo meio da música, e While The Song Remains The Same, a mais psicodélica de todas. Um disco curto, sem grandes novidades e, por isso mesmo, agradabilíssimo de se ouvir - um ótimo lançamento que nos remete a uma memória familiar e confortável, sem maiores desafios ou pretensões.

Nota: 7,5


terça-feira, 10 de março de 2015

Cinema - Um Santo Vizinho

De: Theodore Melfi. Com Bill Murray, Melissa McCarthy, Jaeden Lieberher e Naomi Watts. Comédia, EUA, 2015, 104 minutos.

Na edição do mês de fevereiro da revista Rolling Stone, há uma divertidíssima matéria sobre as excentricidades do Bill Murray, que se estendem, inadvertidamente, para a sua vida profissional. Sem possuir agente, empresário ou assessor de imprensa, conseguir contratar o astro é um trabalho digno de um Hércules, caso o Deus grego possuísse uma décima terceira tarefa ainda a realizar. Quem quiser escalar o artista, precisa primeiro convencer algum amigo próximo a ligar para um número secreto de telefone. Caso ele aceite participar do filme, é bem possível que ele só apareça ao local da produção no primeiro dia de filmagens já que, nas horas vagas, ele pode estar jogando golfe com o seu taxista, ou lendo poemas para pedreiros em alguma construção qualquer.

Para que o diretor Theodore Melfi pudesse contar com Murray para sua nova película, Um Santo Vizinho (St. Vincent), o desafio não foi menor. Foram dezenas de mensagens de texto, de cartas e de sinais de fumaça para tudo quanto é canto dos Estados Unidos, onde o ator pudesse estar. Até o sim, que ocorreu após três horas de viagem deserto adentro, comendo queijo quente em uma lanchonete de beira de estrada, poucos dias antes do início da produção, foram meses de espera. Tudo à maneira histérica de Bill - hoje com 64 anos e mais de 50 filmes no extenso currículo - que, dadas as suas esquisitices, chegou a virar tema de um quadro de uma rádio em Charleston, na Carolina do Sul, onde é um dos donos de um time de beisebol da segunda divisão. O nome do espaço: Where's Bill?


O problema é que Melfi precisava de Bill Murray no filme. Quem mais interpretaria um veterano da Guerra do Vietnã, um sujeito mal-humorado que passa seus dias bebendo e fazendo apostas em corridas de cavalo, senão ele? O sujeito, que responde por Vincent De Van Nuys, tem seu sossego interrompido quando se muda para a vizinhança a recém-divorciada Maggie (McCarthy, finalmente livre de piadas estereotipadas sobre seu peso), junto com seu filho de 12 anos (Lieberher, uma boa surpresa), que está fragilizado pela separação dos pais. Após um início complicado, Vincent aceita ser uma espécie de babá do menino, já que a mãe trabalha como plantonista em um hospital local. Completa o elenco uma divertida prostituta grávida (Watts), de sotaque carregado e coração cheio.

Se a obra não é nenhuma maravilha da sétima arte, ao menos diverte e emociona, ao equilibrar momentos engraçados com outros mais dramáticos - especialmente àqueles que envolvem a esposa de Vincent, uma mulher em uma casa de idosos por conta de um Alzheimer. Murray, muito à vontade no papel, abusa dos diálogos inspirados, como na hora em que, incentivando o menino a usar a violência contra um colega de aula que o perturba, afirma da maneira mais natural possível que "o mundo não é feito de abraçadores de árvores". Com boa trilha sonora - que tem The National e Green Day, entre outros - o filme ainda traz uma bela lição de moral, ao valorizar não a fachada de uma pessoa ou aquilo que ela faz de bom apenas para que os outros vejam e sim os pequenos gestos que, em muitos casos, podem encher a nossa vida de significados.

Nota: 7,5


Lançamento de Videoclipe - Kaiser Chiefs (Falling Awake)

Os ingleses do Kaiser Chiefs, que recentemente estiveram no Brasil para acompanhar o Foo Fighters em sua turnê, lançou, no dia de ontem, um novo videoclipe, este para a música Falling Awake, novo single divulgado recentemente na página da banda. O vídeo aproveita imagens da passagem do grupo por países como Chile, Argentina e Brasil, que servem para embalar a canção que tem uma pegada mais eletrônica - e ainda mais comercial - do que aquelas que faziam parte do álbum Education, Education, Education & War, lançado no início de 2014. É muito provável que a canção faça parte do próximo disco do grupo, que ainda não tem data de lançamento prevista.


segunda-feira, 9 de março de 2015

Novidades em DVD - Debi & Lóide 2

De: Bobby e Peter Farrelly. Com Jim Carrey, Jeff Daniels, Laurie Holden e Kathleen Turner. Comédia, EUA, 2014, 109 minutos.

Se pensarmos em tudo aquilo que a tecnologia nos possibilita nos dias de hoje, podemos dizer que está muito fácil escolher aquilo que vai nos fazer rir. Na internet, o coletivo Porta dos Fundos entrega semanalmente uma série de vídeos curtos, com sacadas, na maioria das vezes, divertidíssimas. Na plataforma de streaming Netflix, são tantas as opções de comédia stand up que podem ser assistidas no espaço de um clique, sejam elas nacionais ou estrangeiras, que fica até difícil selecionar qual ver primeiro. E, grande parte delas, atenta ao espírito de nosso tempo, com um humor dilacerante (e ótimo), capaz de atacar todos os tipos de instituição. O próprio Facebook, com sua timeline repleta de memes criativos, feitos e espalhados por qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento das ferramentas, também se torna em si mesmo uma boa fonte.

Mas então, dado todo esse contexto, por que assistir ao recém lançado em DVD Debi & Lóide 2 (Dumb and Dumber), que chega ao mercado exatos 20 anos após a primeira aventura de Lloyd Christmas (Carrey) e Harry Dunne (Daniels)? Pois a razão, é preciso que se diga, é puramente sentimental. Debi & Loide, o primeiro, foi uma das coisas mais engraçadas que eu já tinha visto em toda a minha curta existência - em 1995 tinha apenas 13 anos - de Topa Tudo por Dinheiro e Escolinha do Professor Raimundo. Assistir a aqueles dois malucos tentando se dar bem a todo custo, tendo absolutamente NENHUMA noção das coisas, fazendo uma série de piadas escatológicas (e absurdas!), tudo somado as caretas e os trejeitos impagáveis de um ainda novato Carrey, eram o suficiente para garantir horas de diversão.


Ao olhar para trás, é possível que aquele filme tenha ficado datado - e uma boa experiência que poderia (ou não) comprovar essa tese seria exibir a película dos irmãos Farrelly às novas gerações. Aquela gurizadinha que tenha entre 10 e 15 anos e que vive um mundo altamente veloz, não apenas do ponto de vista tecnológico, mas da vida como um todo, no sentido mais amplo da palavra. Só o que não muda para quem cresceu assistindo ao Jim Carrey fazer suas caretas é a sensação nostálgica e gostosa - aquela mesma que nos inunda ao ouvir alguma canção que marcou a nossa adolescência. A trama do filme, que envolve a descoberta de que Harry possui uma filha que poderá, por uma dessas ironias do destino, ser a salvação para a sua vida, é só uma desculpa para mais uma série de mongolices naquele mesmo estilo.

Tanto Harry quanto Lloyd se divertem tocando a campainha de uma casa sem parar, arremessando o companheiro pra dentro de um matagal, peidando dentro do carro e outros absurdos que, acreditem, me fizeram gargalhar novamente. De quebra, os diretores, atentos aos fãs de outrora resgatam não apenas personagens do primeiro filme - como o guri cego que está numa cadeira de rodas e que recebe como presente, na época, um pássaro morto -, mas também a trilha sonora - Boom Shack-A-Lack do Apache Indian já te faz, de saída, ter vontade de dançar na sala - e o indefectível carro-cachorro. Há aqui e ali referências que, nitidamente, tentam dialogar com novos públicos - como o novo "companheiro de quarto" de Harry. Mas para os mais observadores, chamará mais a atenção um pôster mofado de uma mulher seminua, na sala do ambiente. E que mostra que a dupla não mudou em nada seu comportamento mesmo 20 anos mais velha. Pra alegria dos fãs.

Nota: 7,5

sábado, 7 de março de 2015

10 Filmes com Mulheres Fortes

Como forma de homenagear as mulheres de nossas vidas pelo seu dia, comemorado neste domingo (08/03), nós, do Picanha, organizamos uma lista com 10 Filmes com Mulheres Fortes. Na nossa relação, tentamos equilibrar filmes mais antigos, com obras recentes, tendo a certeza que teriam ainda outra tantas películas que poderiam ser citadas.


1) Erin Brokovich - Uma Mulher de Talento: A obra de Steven Soderbergh, lançada em meados dos anos 2000, é o filme com mulher forte por excelência. Julia Roberts é a Erin Brokovich do título, uma mulher que divide seu tempo entre os três filhos e o pequeno escritório de advocacia para o qual trabalha. Quando descobre que uma pequena cidade no deserto está sendo contaminada pela água, ela convence os seus superiores a investigar o assunto mais a fundo. Julia, que faturou o Oscar por essa interpretação, dá um verdadeiro show ao equilibrar a fala mansa, mas ao mesmo convincente, para fazer com que os cidadãos cooperem nesse importante processo.

2) Thelma e Louise: Nessa pequena pérola filmada por Ridley Scott, em 1991, Susan Sarandon é Louise Sawyer, uma frustrada garçonete quarentona e Geena Davis é Thelma, uma jovem dona de casa. Cansadas da vida sem perspectivas que levam, as amigas pegam a estrada deixando tudo para trás. No caminho se envolvem em um crime, fogem até o México e passam a ser perseguidas pela polícia norte-americana. A obra, que levou o Oscar na categoria Melhor Roteiro, possui um final icônico que, certamente, encontra-se vivo, até hoje, na memória de qualquer cinéfilo.

3) Gravidade: Neste verdadeiro clássico moderno, Sandra Bullock vive a doutora Ryan Stone que, ao lado do experiente astronauta Matt Kowalski (George Clooney), trabalha em uma delicada missão espacial para consertar o telescópio Hubble. Um acidente provocado por uma chuva de destroços faz com que ambos fiquem a deriva no espaço sideral, sem qualquer tipo de apoio terrestre, tendo que lutar para sobreviver em um ambiente completamente inóspito. Sandra fica sozinha a maior parte do tempo e luta com todas as forças por sua vida. E nós, do lado de fora da tela, não paramos de torcer por ela em nenhum instante.

4) A Última Ceia: Entre os tantos méritos desse drama dolorido do diretor Marc Foster está o de ter possibilitado o primeiro Oscar a uma mulher negra - no caso, Halle Berry, que, como Leticia, tem uma atuação impactante. Leticia tem uma vida cheia de problemas, envolvendo um filho deficiente e um marido que encontra-se preso e condenado a cadeira elétrica. A carga dramática só aumenta após ela conhecer Hank Grotowski (Billy Bob Thornton), sujeito intolerante quanto a questão racial e seu filho Sonny (Heath Ledger). O final, que apresenta uma curiosa ambiguidade, é daqueles de fazer qualquer cinéfilo refletir por vários dias.

5) Ensina-me a Viver: Nessa delicada e bem-humorada comédia dramática de 1971, Ruth Gordon vive Maude, uma senhora de 79 anos apaixonada pela vida e que cativará, com seu jeito, o jovem Harold (Bud Cort), de apenas 20 anos, mas que tem obsessão pela morte - ao ponto de ser um frequentador assíduo de funerais e ao simular suicídios constantemente, para desespero de sua mãe. É dessa curiosa amizade que, com o passar do tempo só se fortalecerá, que surgirá um dos mais  diferentes casos de "amor" da história do cinema. Para rir e chorar, às vezes ao mesmo tempo, do início ao fim.

6) Kill Bill - Volumes 1 e 2: Nesse filme de Quentin Tarantino, a "mulher forte" em questão é a vingativa Noiva, uma perigosa assassina vivida por Uma Thurman. Ela trabalhava em um grupo que tinha como líder Bill (David Carradine), mas acaba traída (e quase assassinada) no dia de seu casamento. Após cinco anos em coma ela desperta, com um único desejo: o de vingança. Tarantino inunda a tela com um referencial pop que vai dos filmes italianos de western spaghetti às séries com personagens orientais. Tudo embalado por uma trilha sonora irretocável de sucesso que vão do brega ao pop. Uma diversão do início ao fim.

7) Laços de Ternura: Debra Winger deixou o mundo apaixonado por Emma, sua personagem nesse belo drama, filmado em 1983, por James L. Brooks. Ainda que descubra um câncer terminal, Emma leva a vida de forma leve e bem-humorada, ainda que a sua relação com a mãe Aurora (Shirley MacLaine) seja um tanto conflituosa. Essas duas mulheres são o centro dessa pequena obra-prima, que tem ainda o marido que trai (Jeff Daniels) e um vizinho metido a conquistador (um hilário Jack Nicholson).

8) Terra Fria: Esse é um filme que aborda um tema que volta e meia aparece no cinema: o das conquistas femininas na seara trabalhista. Josey Aimes (Charlize Theron) é uma mãe solteira com dois filhos pra sustentar que é contratada por uma empresa de mineração de Minnesota, sua cidade natal. Ainda que o salário seja razoável, o trabalho é duro, algo agravado pelo comportamento machista dos homens, que não hesitam em provocar e assediar as mulheres. É o incentivo de Glory (Frances McDormand) que motiva Josey a ir justiça. O filme é denso e a trilha sonora - que conta com, entre outros Bob Dylan - é destaque.

9) O Anjo Azul: Neste clássico fundamental de Josef Von Sternberg, conhecemos o sisudo, respeitado e exemplar professor Immanuel Rath (Emil Jannings) que, ao descobrir que seus alunos estão passando cartões postais com fotos de uma sensual cantora de caberá (Marlene Dietrich), resolve ir até o local para pegá-los "na tampa". Só que Rath é envolvido de tal maneira pelo clima do local - e pela sedutora Lola que aparece usando meias compridas, cinta-liga e salto alto - que acaba se perdendo de forma constrangedora. O filme, avançado para a época, mostra como um homem é capaz de ir até as últimas consequências e até de sofrer todo o tipo de humilhação, quando diante de uma linda mulher.

10) Chocolate: Nesse "saboroso" filme, o protagonismo é de Vianne Rocher (Juliete Binoche), uma jovem mãe solteira que se muda com sua filha pra uma cidade rural da França. Lá elas abrem uma delicatessen, onde o destaque, como não poderia deixar de ser são os produtos feitos com chocolate. A comunidade aprecia, mas os frequentadores da igreja local que, pra piorar, fica bem em frente à loja, olham com desconfiança e ceticismo. Lançado em 2001 pelo diretor Lasse Hallström, o filme recebeu cinco indicações ao Oscar e até hoje permanece como uma das mais marcantes películas gastronômicas.

PicanhaCast 05/03/2015

No PicanhaCast do dia 05/03 falamos um pouco do quadro Lado B Classe A, cujo destaque foi o disco Yankee Hotel Foxtrot, do Wilco, além de dar uma pincelada nos destaques da semana. É só clicar abaixo e ouvir!

sexta-feira, 6 de março de 2015

Bombou na Semana - Jack Nicholson, Harrison Ford, Walter White, e Wado

E vamos pra mais uma retrospectiva de fatos que chamaram a atenção do staff do Picanha Cultural na semana que passou!

- Portais noticiaram que o ator Jack Nicholson estaria recluso devido a estar sofrendo da Doença de Alzheimer - o que muito provavelmente não é verdade, visto que o astro de 77 anos foi visto há poucos dias no jogo do seu time de futebol favorito, o Lakers, e também apresentando o programa Saturday Night Live duas semanas atrás.



- Os fãs de Indiana Jones e de Hans Solo, da série Star Wars, tiveram motivos de sobra para ficar preocupados. No dia de ontem o ator Harrison Ford sofreu um acidente de avião, o qual pilotava. O motor parou de funcionar, ocasionando a queda do veículo e diversos ferimentos e fraturas no ator, que passou por uma cirurgia mas, segundo informações, não corre risco de morte. Felizmente, ninguém mais se feriu, visto que o astro conseguiu desviar de casas e pessoas, aterrisando em uma área vazia de um campo de golfe. A aviação era um dos maiores passatempos de Ford, e não foi esta a primeira vez que o ator se envolveu em algo do tipo: em 1990 ele se envolveu em um acidente de helicóptero, mas não se feriu. Seria Ford um legítimo super-herói?


- Da série notícias curiosas: Sósia de ator de 'Breaking Bad' abre barraca de cachorro-quente temática. Nós, como fãs do Walter White e Cia, ficamos curiosos para frequentar a barraquinha do sujeito. Pena que o local onde é servida a iguaria fique na cidade de Campinas! Mas, convenhamos, aqui em Lajeado estamos bem servidos de lanches do estilo.

- Um pouco de música. O cantor alagoano Wado, cultuado no meio alternativo, surpreendeu todo mundo ao liberar, sem aviso prévio, seu novo disco no dia de ontem. O álbum, intitulado 1977, já pode ser ouvido na íntegra pelo Youtube. O disco promete. E em breve teremos a resenha aqui no Picanha.



Um excelente fim de semana à todos!

Disco da Semana: Wander Wildner (Existe Alguém aí?)

Eu devia de ter uns 15 ou 16 anos quando tomei contato pela primeira vez, por meio de um amigo da época, com o Baladas Sangrentas, disco de estreia do músico gaúcho Wander Wildner. Lembro até hoje de que se tratava de uma cópia demo, obtida antes do lançamento oficial do álbum, numa capinha laranja que nem o camelô mais desorganizado conseguiria fazer. O estilo não me era tão atrativo, um punk-rock-brega, com letras irônicas, românticas, engraçadas, sarcásticas e que, no fim, se configuraram como importante etapa da minha formação musical. E acho que é possível dizer com segurança que esse deve ser o sentimento de muitas pessoas de 30 e poucos anos que cresceram ao som de Bebendo Vinho, Lonely Boy, Tenho uma Camiseta Escrita Eu Te Amo e, claro, a indefectível Lugar Du Caralho - versão feita a partir da composição e outro gaúcho, Júpiter Maçã.

Mas era outra época. Em 1996 ainda não havia internet, os programas dominicais da TV aberta eram o grande assunto familiar e o país ainda se ressentia da morte de ídolos como Ayrton Senna, em 1994, e, especialmente, os Mamonas Assassinas, em 1995. O pop e o rock nacional passavam por uma espécie de entressafra que, curiosamente, parece ter afetado o próprio Wander - que na época surgia como um elemento "novo" do rock gaúcho pós-Replicantes. E uma audição mais cuidadosa de canções como Freira Desalmada tornarão possível, inclusive, uma aproximação com aquilo que bandas como Virguloides fariam um pouco mais tarde.



Ocorre que todos nós, de lá para cá, amadurecemos. Inclusive o Wander, que acaba de lançar o seu oitavo álbum da carreira, intitulado Existe Alguém Aí? Wander hoje está com 55 anos. E a proximidade da tão famosa "terceira idade" o tornou mais sério, o que se reflete nas letras políticas, reflexivas e em alguns momentos até sombrias do novo registro. Em entrevista a Zero Hora, ele chegou a dizer que este se tratava de seu primeiro disco conceitual - o que não deixa de ser verdade, já que os trabalhos anteriores, na maioria dos casos, se configuravam como um apanhado de canções que, ainda que soassem divertidas, roqueiras, sacanas, muitas vezes representavam um recorte um tanto desconexo, em uma análise mais global. "As músicas mostram a minha visão da sociedade atual" falou o compositor ao periódico. O que não deixa de ser verdade.

Por exemplo na densa Réquiem Para uma Cidade, que abre o trabalho, Wander fala de uma capital que vive uma realidade quase apocalíptica, onde só chove o tempo todo. Naquela Noite Ela Chorou fala das dores de uma derrota em uma eleição, quando, em muitos casos se vê a democracia acontecer, sem muito se ter o que fazer - e ele mesmo explicou que a letra se refere à derrota de Olívio Dutra para Lasier Martins, na corrida pelo Senado. Ainda que fale sério, o compositor em muitos casos, brinca, usando um jogo de palavras que, ao mesmo tempo em que faz pensar, é capaz de divertir - como na candidata a hit Uma Angústia Presa na Garganta. A parte instrumental é básica - até demais - e em muitos casos resulta em uma sensação de "mais do mesmo", como se estivéssemos ouvindo o tempo todo discos como Mondo Bizarro dos Ramones, algo que, inclusive, pode tornar a audição um tanto cansativa para quem não está tão familiarizado. E quem já ouviu bandas modernas como Cloud Nothings e Ex Hex - pra citar dois exemplos - sabe que é possível soar inovador e criativo, mesmo usando os básicos guitarra, baixo e bateria.

Nota: 7

quinta-feira, 5 de março de 2015

Pérolas do Netflix - Tiros na Broadway

De: Woody Allen. Com: John Cusack, Dianne Wiest, Jennifer Tilly e Chazz Palminteri. EUA, Comédia, 1994, 98 min.

Iniciando o mês de março o Netflix deu um presentão para os fãs de Woody Allen, adicionando ao catálogo diversos títulos do aclamado diretor. Dentre eles, podemos citar os impagáveis Desconstruindo Harry, Poderosa Afrodite, Todos Dizem Eu Te Amo, entre outros. Difícil escolher um dentre as várias obras da extensa filmografia de Allen, mas das novidades do serviço de streaming certamente este Tiros na Broadway (Bullets Over Broadway) é um dos mais bacanas!

O filme se passa durante os anos 1920 e, além de um roteiro divertidíssimo, conta com uma reconstrução de época belíssima. Na trama, John Cusack encarna a persona neurótica típica de Allen (que apenas dirige, sem aparecer como ator desta vez) como um autor de teatro que é obrigado por seu patrocinador, um gângster, a incluir a amante deste (Tilly) em sua peça. Detalhe, a moça é uma das piores atrizes a pisar em um palco da Broadway. Para piorar, o capanga Cheech (Palminteri), enviado pelo perigoso mafioso, decide opinar nas questões artísticas da peça. Soma-se ainda ao "elenco" um ator que não consegue controlar a sua gula, e uma atriz decadente mas que se autoconsidera uma das maiores artistas vivas. Esta última, por sinal, é interpretada por Dianne Wiest de maneira exemplar, fazendo referência à clássica personagem Norma Desmond, de Crepúsculo dos Deuses. O papel lhe valeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano de 1995.


Tendo sido indicado ao Oscar em sete categorias - incluindo diretor e roteiro original - Tiros na Broadway funciona como um ótimo passatempo para quem busca uma comédia leve, como um deleite visual para os apreciadores dos filmes de época, e também uma bela reflexão sobre o criar artístico e tudo que o envolve: o quanto um autor pode ser fiel à sua criação, agradando ao público e seus financiadores, para poder se manter no mainstream? Allen, um autor consagrado, possui total liberdade no fazer de suas obras, sorte essa que o seu alterego fracassado interpretado por Cusack tanto almeja, mas não obterá sem antes passar por uma série de situações absurdas que, por sinal, servem de mote para este altamente recomendável filme.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Cine Baú: Uma Rua Chamada Pecado

De: Elia Kazan. Com Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden. Drama, EUA, 1951, 125 minutos. 

Poucas vezes a vida de uma pessoa foi retratada de forma tão mesquinha, fútil e sem sentido como no caso de Blanche Dubois (Vivien Leigh, em interpretação espetacular), personagem da peça Um Bonde Chamado Desejo de Tenessee Williams - e que no cinema recebeu a tradução de Uma Rua Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire). Blanche é uma mulher decadente, dissimulada e ainda assim arrogante que, após perder a casa de campo em que morava com a família - em circunstâncias misteriosas - resolve ir morar com a irmã Stella (Kim Hunter) e com o cunhado Stanley Kowalski (Marlon Brando), em um minúsculo apartamento apertado, em um bairro da periferia de Nova Orleans.

Como é de supor, a vida do casal se torna um verdadeiro inferno com a chegada da nova moradora. Blanche, com sua personalidade delirante, insiste em viver de aparências, usando roupas e acessórios refinados, que geram desconfiança por parte de Stanley, vivido por Brando como um homem rude e explosivo, que não hesita em gritar e brigar na hora das discussões mais acaloradas - inclusive com a esposa. Na realidade, Stanley desconfia de que Blanche tenha vendido a casa e não a perdido, o que vai tornando a tensão dentro da casa a cada dia mais sufocante. Algo agravado pelo comportamento ardiloso e cheio de devaneios da cunhada que, para piorar ainda mais a situação, parece esconder um passado bem distante daquele que ela tenta a todo o custo "vender".



Como forma de tornar o clima ainda mais claustrofóbico dentro desse pequeno ecossistema, Kazan - que teve a obra roteirizada pelo próprio Williams - abusa de closes e de cenas pouco iluminadas, o que transforma a pequena casa em um ambiente ainda mais opressor. Com divisórias feitas de cortinas, o simples ato de ligar um rádio para ouvir música pode ser o estopim para discussões violentas e agressões físicas. Além destes elementos, o calor constante, reforçado pelo suor permanente no rosto (e no corpo) de Stanley, também reforça essa ideia. E é preciso que se diga que a versão do diretor - liberada anos depois e hoje facilmente encontrada em DVD - reforça o caráter sensual da obra, que não hesita em mostrar as mulheres com roupas "de baixo" e homens sem camisa, algo que resulta em uma tensão sexual permanente - especialmente entre o magnético Stanley e a lânguida Blanche.

O filme foi vencedor de quatro Oscar, sendo três para atores - Leigh e Hunter, além do ator Karl Malden, que interpreta um postulante a namorado de Blanche - e um para a direção de arte, o que serve como demonstrativo de que a grande força dessa obra-prima está nas inspiradas interpretações. Leigh, com suas frases de efeito insanas - "Sim, eu conto muitas mentiras, mas 50% do charme de uma mulher não está na ilusão?" -, é o destaque, mas é o conjunto de astros que faz este clássico funcionar. E é preciso que se diga que Marlon Brando talvez não tenha faturado a estatueta dourada apenas por ser jovem demais, já que estava somente em seu segundo filme. E por ter encontrado um inspirado Humphrey Bogart, por Uma Aventura na África, pelo caminho. Nada que apague o brilho do filme, que figura no 47º lugar na lista dos 100 melhores do American Film Institute.