sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

25 Melhores Discos Nacionais de 2017 (+15 Menções Honrosas)

Reforma da Previdência. Reforma Trabalhista. Direitos há muito conquistados, sendo literalmente subtraídos. Aumentos de preços alarmantes. Corrupção degradante. Política pública ZERO. Dinheiro na mala. Grande acordo nacional. Sangria estancada. Compra de votos. Avanço do conservadorismo. Ódio. Preconceito. Machismo. Misoginia. Intolerância. Bolsomito. Burrice mesmo. Ignorância. Alienação. Se o Brasil de 2017 conta com um dos piores - e mais ultrapassados - cenários da história recente, o mesmo não se pode dizer da música. Aliás, ela nunca foi tão plural e democrática como nos dias de hoje. A propósito, todos os absurdos com que somos surpreendidos diariamente - com panelas caladas e camisetinhas da CBF guardadas - acabam, também, sendo a matéria-prima perfeita para grandes álbuns, como os do Djonga, do Rincón Sapiência e da Linn da Quebrada, por exemplo, e que integram a nossa lista. É claro que em meio ao caos cotidiano que vivemos, também tentamos sorrir, o que explica a presença do Maglore, nesse ano, na nossa primeira posição. Ou mesmo a presença de artistas como Plutão Já Foi Planeta e Vanguart em nossa relação. Se o mundo não anda fácil, a música se torna um belo refúgio. E, especialmente para aqueles ultrapassados saudosistas que, pasmem, ainda acreditam que não se faça mais música nacional como antigamente, segue a nossa lista de 25 Melhores Discos Nacionais de 2017 (+15 Menções Honrosas). Boa leitura!

Menções honrosas:

40) Viis (Canções de Bad))
39) Giovani Cidreira (Japanese Food)
38) Fernando Motta (Desde que o Mundo é Cego)
37) Garotas Suecas (Futuro do Pretérito)
36) Aldan (Dadadadadadadadadadadada...)
35) Cícero (Cícero e Albatroz)
34) Fabiano Nascimento (Tempo dos Mestres)
33) Don L (Roteiro Para Aïnouz, Vol. 3)
32) Nana (CMG-NGM-PODE)
31) Luiza Lyan (Oyá Tempo)
30) César Lacerda (Tudo Tudo Tudo Tudo)
29) Sofia Freire (Romã)
28) Isabel Lenza (Ouro)
27) Castello Branco (Sintoma)
26) Nina Becker (Acrílico)



25) Vitor Ramil (Campos Neutrais): há que se respeitar um sujeito que escreve versos, como, Tô viajando em loucos descaminhos / Como uma gota d’água num absinto / Sem árvores, sem pouso, sem um ninho / Sou pássaro de um mundo indistinto. Presentes na canção Labirinto - uma das peças centrais do décimo primeiro registro da carreira do compositor - as frases representam bem o cancioneiro do gaúcho, que se apropria de um clima bucólico, quase pastoril, para descarregar uma verborragia absolutamente poética, densa e nunca gratuita. Sim, em um mundo urgente e tecnológico como o que estamos, escutar um trabalho como este pode não ser uma experiência fácil - o álbum tem quinze canções e mais de uma hora de duração. Mas quem se aventurar pela estética tradicionalmente invernal do irmão menos famoso (!) de Kleiton e Kledir, certamente será recompensando.


24) Henrique Oliveira (Pouco de Muito, Muito de Quase Nada): chega a ser engraçado, pra não dizer patético, o fato de que este jornalista que aqui vos escreve - e resolve fazer uma lista de melhores discos do ano - sequer sabe tocar triângulo. Que dirá fazer um disco inteiro! O caso é que o meu parça aqui do Picanha, Henrique Oliveira, fez a sua estreia fonográfica nesse ano. E o mais legal, com muita qualidade. Em seu estúdio pessoal se trancafiou dia e noite para trazer gravar os instrumentos e compor as letras absolutamente confessionais, com direito a hits grudentos, caso de Revés, a melhor do trabalho. O registro é enxuto, mas o caldeirão de referências sonoras representa bem o que o artista escuta, sendo possível encontrar ecos de Pitty e Legião Urbana (Não Convence), Violins (Grande Mérito) e até Luneta Mágica (Muito Pouco). Para quem conhece a paixão desse cara pela música, pode-se dizer que o resultado é de encher de orgulho.


23) Vanguart (Beijo Estranho): existem discos que a gente vai ouvindo meio despretensiosamente, até que aparece aquela música que nos retira um bóóó e um sorriso no rosto. No caso do mais recente registro da banda capitaneada por Helio Flandres, a canção em questão é E o Meu Peito Mais Aberto que o Mar da Bahia. Melodiosa, a música nos faz ficar com aquele refrão quebrado - Quem diria que seria tão bonito assim viver? - por horas na cabeça. E quando percebemos que um trabalho possui uma canção assim tão preciosa e otimista, a gente acaba voltando os nossos olhos (ou ouvidos) para o restante, só para descobrir um álbum sempre esperançoso, primaveril e de uma simpatia sem fim. Homem-Deus não faria feio em um disco do Sá & Guarabyra. Já Casa Vazia remete ao Clube da Esquina. Não bastassem essas referências, também há espaço para o pop oitentista de refrão grudento, como no caso de Felicidades. E tudo com a marca registrada e a personalidade do quarteto.

22) A Banda Mais Bonita da Cidade (De Cima do Mundo Eu Vi o Tempo): quem não acompanha de perto a carreira dos curitibanos, é capaz de pensar que o quinteto não sobreviveu a pecha de one hit wonder, após o estrondoso sucesso de Oração. Mas não é o que acontece. Quem segue a Banda de perto, sabe que a legião de fãs os acompanha aonde eles forem para cantar juntos clássicos modernos, como Se Eu Corro, Uma Atriz e Boa Pessoa. Mais hermético, o mais recente registro parece ter pego certa parcela dos fãs (e até da crítica), de surpresa. Mas quem se aventurar pelo trabalho, encontrará mais uma bela coleção de canções espetacularmente interpretadas pela vocalista Uyara Torrente. A banda de apoio mostra maturidade e canções que são velhas conhecidas como Suvenir (composta por Ian Ramil) ou novidades como Trovoa (de Maurício Pereira) se transformam em verdadeiras gemas do cancioneiro nacional.


21) Bel (Quando Brinca): recheado de participações especiais - Laura Lavieri, Rafaela Prestes - o disco de estreia da cantora carioca (que também é compositora, produtora cultural e escritora), trafega no limite entre o popular e o clássico para trazer uma série de músicas repletas de reflexões sobre o mundo moderno - e sobre a presença da mulher nesse contexto. No diálogo com o jazz e com o R&B contemporâneos, o que se sobressai é a voz de Bel em meio aos arranjos minimalistas que contam, aqui e ali, com uma base eletrônica nunca exagerada. É um disco gosto de ouvir, aconchegante, levemente sedutor e versátil e que tem na colisão de gêneros e de temáticas a sua força. Baby, não vamos chorar / Relaxa pra rodar, rodou, e o pior já passou canta Bel em Real Grandeza. É como se fosse uma espécie de convite para o ouvinte sentar, relaxar e se divertir. Difícil resistir.


20) Nevilton (Adiante): o disco mais recente dos curitibanos segue a mesma lógica efervescente e divertida do trabalho anterior, Sacode (2013). Nesse sentido, o power pop recheado de letras simples e refrões assobiáveis segue intacto, com cada canção se transformando em uma obra original e de ampla capacidade de se tornar hit. Corais de vozes, palminhas, lá lá lás, tchururus e outros efeitos reforçam o clima primaveril, que mistura Jovem Guarda (Confuso), com Teenage Fanclub (Indiscutivelmente). É um disco fácil de ouvir, mas que melhora a cada audição, fazendo com que percebamos, aqui e ali, detalhes que anteriormente poderiam passar despercebidos. E, quando menos esperamos, estamos replicando mentalmente, em loop infinito, os versos crescentes de canções como Amarela - Vai amanhecer de novo. Alternando momentos inegavelmente otimistas (Flores) com outros nem tanto (Lua e Sol), o novo registro da banda a consolida como uma das mais bacanas da atualidade.

19) Kafé (Kafé): R&B com a qualidade apresentada pelo cantor baiano Kafé, vamos combinar que não é sempre que se encontra. E só de fugir de estilos ou mesmo de batidas mais óbvias, sem nunca soar anacrônico ou brega, esse ótimo registro já merece figurar nessa lista. Sempre consumi música pop em geral, mas acredito que a influência que Michael Jackson trouxe ao mundo é o que causa comparações naturais entre artistas de gerações seguintes, afirmou em entrevista ao site A Gambiarra, dando uma dica sobre as suas influências. Mas não é só. Se utilizando de beats e de outros efeitos modernos, o artista dialoga com a música da atualidade imprimindo ainda uma boa dose de personalidade as suas canções ao mesmo tempo românticas, pegajosas e de alta sensibilidade poética. Difícil não pensar em The Weeknd ao ouvir Quando Chegar ou Justin Bieber na melhor fase em Nós 3. Não é pouco.


18) Lucas Santtana (Modo Avião): como é de praxe, em seu mais recente registro, o baiano desfila toda a sua versatilidade e virtuosismo em um disco totalmente conceitual, sobre dois estranhos que se conhecem durante um voo. Discussões sobre tecnologia em uma época de amores líquidos, de urgência e de pós-modernidade, formam o amálgama de temas que dialogam com o passado e com a simplicidade da vida, como podemos perceber na singela Um Enorme Rabo de Baleia. Nunca óbvios, os arranjos de cordas encontram os sintetizadores formando um espectro sonoro que contribui para organizar, ainda que inconscientemente, cada etapa deste delicado registro. É um álbum metafórico, ao mesmo tempo complexo e inocente e que ainda "força" o ouvinte para uma segunda audição, de uma faixa-bônus guardada no fim do disco, como se fosse uma espécie de instalação sonora que conecta todas as partes. Aquele tipo de coisa que raros artistas conseguem.


17) Boogarins (Lá Vem a Morte): tudo que o mais recente trabalho dos goianos tem de pequeno - são apenas oito faixas e 27 minutos de duração - ele tem de imponente. Mantendo, como é de praxe, o diálogo com veteranos da música psicodélica, a banda imprime uma personalidade toda própria, por vezes torta, eventualmente caótica e invariavelmente zombeteira. Se Foi Mal brinca com as percepções sobre vontades sexuais - Foi mal se / Eu / Ainda desejo corpos / Que não o seu -, Onda Negra traz a tona os medos que povoam nossos pensamentos - O meu temor não são mil demônios / Mas lembrar de ti. Altamente experimental (por vezes quase nem é possível entender o que canta o vocalista Dinho Almeida Filho), a banda se vale de guitarras sinuosas e sintetizadores etéreos para criar um registro coeso, ainda que nada linear. E que versa, entre outros, sobre o ocaso de nossa existência.


16) Letrux (Letrux Em Noite de Climão): Já tive tudo com você / Dois filhos com você / Na minha cabeça com você / Tudo com você / Conta conjunta com você / Suruba com você / Uma planta com você. De alguma forma pode-se dizer que os versos acima, presentes em Ninguém Perguntou Por Você, segunda canção do primeiro disco em carreira solo da ex-integrante do Letuce, Letícia Novaes, resume bem a obra. Separada do ex-namorado e parceiro musical Lucas Vasconcellos, Letícia cria personas diversas, teatrais, para exorcizar o término. Aliás, tudo que o Letuce tinha de primaveril e diurno, o Letrux tem de quente e noturno. Apostando em guitarras e muitos sintetizadores, a artista - que também é escritora, como é possível perceber nas letras verborrágicas e alegóricas - esbarra em Marina Lima e Rita Lee para criar um disco único sobre aquele climão, que todo o mundo sabe como é.


15) Beto Cupertino (Tudo Arbitrário): fruto de um financiamento coletivo, Tudo Arbitrário é o primeiro disco solo do compositor goiano Beto Cupertino, líder da cultuada banda Violins. Aqui, Cupertino nos brinda com belas canções em um disco enxuto - são apenas oito faixas e cerca de  trinta minutos de duração -, mas que não decepciona os fãs de longa data, que aguardam novo trabalho de sua extinta banda que, a propósito, já anunciou seu retorno para 2018. Ouça Memes (E quem pensei admirar se revelou um juvenil / Um meme pra gente rolar de rir ou lamentar), Solidão é um Nome (Solidão é um nome / Que inventaram pra te convencer /Que não basta ser humano / é preciso sempre pertencer) e a faixa-título (É tudo arbitrário / E não contém glúten / Pode engolir calma / Prece é inútil) e renda-se a um dos maiores compositores do rock nacional em muito tempo.


14) Plutão Já foi Planeta (A Última Palavra Feche a Porta): das bandas alternativas que buscam um lugar ao sol e que trafegam no limite entre o rock e o indie pop, esta certamente é uma das mais simpáticas da atualidade. Após um EP de sete faixas e um vice-campeonato no programa Superstar da Rede Globo, o quinteto de Natal finalmente lançou um disco cheio de canções pop românticas, de versos altamente confessionais e com um clima ensolarado de final de tarde, naquela cafeteria descolada que fica no centro da cidade. Utilizando instrumentos não tão convencionais - como ukulelê e escaleta - a banda acerta o tom ao transformar as suas canções nas canções de todos nós. E quando eu chegar / Me espere em sua porta / E não me deixe ir / Se sabe que eu não volto canta a vocalista Natália Noronha na singela O Ficar e o Ir da Gente, naquele tipo de dualidade típica dos jovens amores. Difícil não se identificar.


13) Linn da Quebrada (Pajubá): como forma de disfarçar o seu preconceito, as famílias de bem encarnaram, nas últimas semanas, a sua porção "crítico especializado em música" para dizer que Pablo Vittar não canta bem, que ela desafina, que a música não é boa. Espera só até essas mesmas famílias batedoras de panelas escutarem essa imperdível rapper carioca. Utilizando-se do corpo como organismo político, Linn da voz a travestis, bichas, putas, drag queens, pobres e outros grupos a margem da sociedade, escancarando temas como masculinidade frágil (Transudo), violência urbana (Bomba Pra Caralho) e preconceito (Enviadescer). Em seu rap urbano e urgente, que trafega no limite entre o deboche e a provocação, o que vale mesmo é o discurso direto, cheio de rimas vivas e vibrantes, que chamam a atenção apelo forte apelo sexual. "Estou tentando formular um novo tipo de experiência, positiva, para as pessoas que tem corpo semelhante ao meu", disse em entrevista e revista Rolling Stone. Ponto.


12) Kiko Dinucci (Cortes Curtos): caótico, esquizofrênico, divertido - ainda que o sorriso possa ser meio amarelado. Assim é o primeiro registro completo de inéditas do cantor e compositor paulistano Kiko Dinucci. Famoso pelas colaborações com o Metá Metá, o artista parece ampliar algumas das ideias conceituais apresentadas no coletivo, para entregar ao público um registro urgente, barulhento e, inegavelmente, relevante. No trabalho, cada canção, ainda que funcione como fragmento individual, forma um caldeirão de ruídos heterogêneo que nos remete a um daqueles filmes de comédia de ação que sempre surpreendem na temporada. Repleto de letras curtas - muitas delas lembram pequenos aforismos - o disco utiliza um naipe de metais nunca óbvio que faz o álbum trafegar no limite entre o regionalismo e o punk rock. Ouça no volume máximo!


11) Mallu Magalhães (Vem): a cantora paulista, todos sabemos, falou um monte de merda a cada vez que foi pra televisão nesse ano - além de provocar polêmica ao protagonizar um clipe considerado racista para a canção Você Não Presta. Mas aqui a intenção é separar a artista de suas opiniões - se é que isso é possível -, para dizer que a Mallu está cantando e compondo demais. Primeiro disco de inéditas em seis anos, desde Pitanga (2011), a artista mostra maturidade nas letras românticas (e até no timbre alcançado), como no caso da imperdível Casa Pronta (Belo dia será quando você chegar / Um travesseiro, um cobertor / E o carinho que dá e sobra) e na linda e sincera Vai e Vem (Sei que cê não gosta dessa história de vai e vem / Tudo bem, a gente fica mais em casa). Mas é no flerte com a Jovem Guarda e em canções como Navegador e Será Que Um Dia, que a cantora brilha de fato, ao se apropriar com tanta autoridade de uma vertente tão consagrada.


10) Otto (Ottomatopeia): deixando para trás as eletronices modernosas presentes em seus registros anteriores, o pernambuco abraça de vez (e sem vergonha alguma), o cancioneiro brega. A sensação ao ouvir o trabalho é a de nostalgia das tardes quentes em que, em algum lugar, se escuta um radinho de pilha tocando alguma canção popular dos anos 80. Eu acho que esse disco merece isso. Tem uma sonoridade diferente, uma musicalidade que nunca tive. Quero que as pessoas me escutem mais. Eu nunca me senti assim tão contente, disse o cantor e compositor em uma entrevista de divulgação ao Estadão. Mas música mais acessível ou próxima do público jamais significa obviedade, como comprova a sinuosa Carinhosa, séria candidata a canção do ano. Em seu sexto álbum, Otto deixa os "sonhos intranquilos" de outrora para trás. E fala de forma natural até demais sobre o amor. O público agradece.


9) Chico Buarque (Caravanas): não que isto importe aqui nesta relação, mas sou suspeito em falar em Chico, já que fiz o meu trabalho de conclusão do Curso de Jornalismo sobre a sua obra. Então, pela relevância histórica, política e social do artista - que foi exilado durante a ditadura militar -, ele sempre terá cadeira cativa em qualquer lista de melhores - talvez até se ele lançar um álbum de sertanejo universitário. Sim, não se trata de um novo Construção (1970) e nem escutaremos canções parecidas com as inesquecíveis Apesar de Você, Vai Passar ou Meu Caro Amigo. Mas, em um período de grande turbulência no País, o 38º trabalho de estúdio do compositor é Chico sendo Chico, provocando alguma polêmica e utilizando-se de seus mais tradicionais expedientes - o eu lírico feminino (na divertida Blues Pra Bia), o futebol (Jogo de Bola) e o romantismo exacerbado (Dueto). Tudo pontuado por uma base instrumental econômica e certeira.

8) Djonga (Heresia): ouvir um disco como este, do rapper mineiro Djonga, é estar disposto a levar um tapão atrás do outro e aguentar quieto. Calado. Como quem deixa ouvir o desabafo de alguém que precisa MESMO usar o verbo como um recurso para exorcizar todos os dramas que atravessam as periferias Brasil afora. E que envolvem a convivência diária com o preconceito em todas as suas formas. Religião, sexo, violência. É nos versos aparentemente desordenados e diretos de Djonga que reside a força desse registro, que se ocupa de uma base absolutamente minimalista, sutil, para deixar ecoar mais forte a voz potente do artista. Neste trabalho, o que se assiste é uma subversão da ordem, fazendo emergir em meio ao caos das rimas uma série de histórias e personagens muito próximas da realidade. É que as ruas me lembram Massacre da Serra Elétrica / Eles tentam roubar, é o massacre da cerca elétrica canta em O Mundo É Nosso. É assim, no jogo de palavras que brinca com as referências, que Djonga transforma este em um dos grandes trabalhos do ano.


7) Flora Matos (Eletrocardiograma): primeiro disco de inéditas da rapper brasiliense, o álbum é uma verdadeira combinação de ritmos dançantes - da eletrônica minimalista (e classuda) às batidas de hip hop urbano - que formam a base perfeita para as letras confessionais, que trafegam com naturalidade por todas as etapas de um relacionamento. Da euforia contagiante de uma nova paixão (Me Ame em Miami), a decepção de um vínculo que se desgasta (10:45), o álbum vai se desenrolando melancolicamente, como se estivéssemos assistindo um filme em que soubéssemos que o final não seria feliz. É claro que, em sua lírica, sempre haverá o tempo para sacudir a poeira e recomeçar, como mostra a ótima Comofaz. Ah, e o registro ainda se encerra com o clássico moderno Preta da Quebrada - aquela do grudento refrão Se você não liga, não entendeu nada / Vou resolver o problema dessa mina machucada.


6) Baco Exú do Blues (Esu): já começa pela capa, com a palavra Jesus, com as letras J e S riscadas, que formarão um novo vocábulo: Esú, que é o orixá dos caminhos, capaz de fazer as pessoas se encontrarem. É dessa forma, misturando iconoclastia religiosa, sexualidade latente e crítica social, que o rapper apresenta um verdadeiro caldeirão de referências, do trap ao hip hop, passando pela eletrônica e até pelos corais gospel. Ti Amo Disgraça pode até ser a canção que se sobressai, em uma primeira audição. Mas é com En Tu Mira e seu pathos todo particular, que o soteropolitano mostra a que veio. Por que cê fala tanto de Deus? / É porque eu sou humano! / O público não entendeu / Por que você fala tanto de Deus /É porque sou um mano, canta Baco num grito rasgado, como que num pedido de socorro. Impossível não sair impactado.


5) Tim Bernardes (Recomeçar): Olha nós dois / Desgastados, sem se querer / A gente se melhorou / Pra que por tudo a perder? Dolorido como o mais traumático fim de relacionamento. Assim pode ser resumido o clima do primeiro disco solo do vocalista do Terno - que abandona de uma vez por todas o clima de zoeira de 66 e Zé Assassino Compulsivo. A letra acima, da extraordinária Calma, funciona muito bem sozinha. Mas a verdade é que ela mais parece parte de uma grande ópera sobre perdas, desilusões amorosas e recomeços (com o perdão do trocadilho), com cada canção se conectando de maneira orgânica e homogênea. Bernardes gravou boa parte dos instrumentos sozinho e dá um verdadeiro show nos arranjos, podendo ser ouvida a cada curva do registro, uma nota bem pontuada de piano aqui e uma harpa melodiosa acolá. Hoje em dia é possível dizer que houve uma certa banalização da palavra "talento". Pois eu diria que ela se aplica bem ao artista.


4) Xênia França (Xenia): percussão tribal, eletrônica minimalista, arranjos de cordas bem pontuados. Um vocal potente, limpo, imantado ao instrumental - como se este fosse uma extensão natural da sonoridade do registro, nunca desconectada. É simplesmente impossível não ser envolvido de todas as formas por este primeiro trabalho da baiana Xênia França. Regionalismo e religiosidade marcam presença em meio a outros temas relevantes, como igualdade de gênero e racismo. Tudo embalado em um R&B classudo, que encontra no jazz e no soul o passaporte para um encontro com as divas do passado. Vamos ser francos / Pois quando um preto fala / O branco cala ou deixa a sala / Com veludo nos tamancos, entoa a artista em Respeitem Meus Cabelos, Brancos, canção que utiliza o jogo de palavras para discutir a importância de se respeitar as diferenças. Em época de Bolsonaro não poderia ser mais fundamental.


3) Rincón Sapiência (Galanga Livre): metáfora perfeita para a nossa realidade, as canções de rap e hip hop servem para dar voz àqueles sujeitos que vivem a margem da sociedade. E que encontram, no poder da rima, uma forma de catalisar as suas angústias, anseios, medos e clamores, na tentativa de sair das ruas para alcançar outros lugares. São trabalhos ambivalentes, que gritam forte, mas que, na maioria dos casos, encontram eco em lugares restritos, em nichos específicos, nas comunidades, nas quebradas. É mais ou menos como a vida. Escutar uma canção como A Volta Para Casa é se emocionar e pensar em milhões de trabalhadores que enfrentam uma rotina exaustiva e perigosa, pelo pão de cada dia. Mas essa é UMA música. No disco que narra a fictícia história de um escravo que mata o seu senhorio, a potência tá no verso e no debate permanente sobre racismo, conquistas sociais e igualdade de gênero. Um álbum moderno e fundamental.


2) Criolo (Espiral de Ilusão): desde Nó na Orelha (2011) - verdadeira miscelânea de sons, capaz de misturar afrobeat (Bogotá), MPB (Não Existe Amor em SP), hip hop (Grajauex) e brega (Freguês da Meia-Noite) -, os fãs já sabem que o paulista trafega bem pelos mais variados estilos. Agora, que ele lançaria um álbum INTEIRO só de sambas, meio de surpresa, acho que poucos imaginariam. E que disco! O álbum simplesmente grudou na nossa vitrola, nos divertiu, nos fez refletir e nos fez apertar o repeat diversas vezes. "Para mim, fazer rap sempre foi algo meio solitário. No samba tem muita gente. E o samba é universal, é o Big Ben da música brasileira. Até quem não gosta sente alguma coisa", afirmou ele à época do lançamento, em entrevista e Revista Rolling Stone. Caso você ainda esteja em dúvida, ouça Lá Vem Você, Menino Mimado e Nas Águas. Com aquela cervejinha gelada do lado, a noite tá garantida!


1) Maglore (Todas as Bandeiras): como se não fosse possível qualificar ainda mais aquilo que já estava sendo muito bem feito, o quarteto pernambucano encontra no limite perfeito entre o rock alternativo e a MPB a matéria-prima para mais dez composições feitas sem firulas, com ótimas melodias, grandes refrões e letras valiosas. Se no registro anterior intitulado III (2015) parecia haver um permanente ar de "melancolia psicodélica" aqui e ali - talvez até resultado de uma sutileza maior -, agora, o grupo pontua o trabalho com arranjos e outros elementos multicoloridos e ensolarados. E que são capazes de, em muitos casos, formar uma mistura de referências que, propositais ou não, nos jogam diretamente para os anos 80 de bandas como The Smiths e Paralamas do Sucesso. E tudo sem jamais soar como algo anacrônico ou deslocado de seu tempo. Um (quarto) disco cheio de personalidade, melodioso e irresistível, como mostram as ótimas Aquela Força, Clonazepam 2mg e Valeu!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

25 Grandes Filmes de 2017 Lançados em Cinema ou DVD (+15 Menções Honrosas)

Falar que não é tarefa fácil elaborar listas - ainda mais de filmes - é meio que chover no molhado. Mas o caso é que é praticamente impossível acompanhar com atenção TUDO aquilo que é lançado em termos de sétima arte num período de 365 dias - são centenas de películas disponibilizadas e fica difícil acompanhar tudo (por mais que quiséssemos). Assim, fazer uma Lista de 25 Grandes Filmes de 2017 Lançados em Cinema ou DVD (+ 15 Menções Honrosas) tem a ver muito mais com sugestões de obras bacanas a serem apreciadas do que com o esforço de tentar impôr qualquer ideia. Até mesmo porque, é preciso que se admita, estamos bem longe de ter assistido a tudo o que chegou ao mercado nesse ano - o que talvez explique a ausência de películas óbvias em nossa lista. Ainda assim fica o registro e o convite para a leitura! Ah, e comentários e sugestões são mais do que bem-vindas!

Menções honrosas:

40) A Corte (L'Hermine)
39) Em Ritmo de Fuga (Baby Driver)
38) Já Não Me Sinto Em Casa Nesse Mundo (I Don't Feel At Home In This World Anymore)
37) Um Homem Chamado Ove (En Man Som Heter Ove)
36) Vida, Animada (Life, Animated)
35) A Tartaruga Vermelha (La Tortue Rouge)
34) Loving (Loving)
33) Estrelas Além do Tempo (Hidden Figures)
32) Dunkirk (Dunkirk)
31) Corpo Elétrico
30) Animais Noturnos (Nocturnal Animals)
29) O Filme da Minha Vida
28) Mulher Maravilha (Wonder Woman)
27) Terra de Minas (Under Sandet)
26) Os Meninos que Enganavam Nazistas (Un Sac de Billes)

25) O Lagosta (The Lobster): não é por acaso que esse ótimo filme do diretor grego Yórgos Lánthimos (do excelente Dente Canino) recebeu uma indicação na categoria Roteiro Original. O filme, uma ficção científica absolutamente melancólica, se passa em um futuro próximo em que existe uma lei que proíbe as pessoas de ficarem solteiras. Assim, qualquer homem ou mulher que não estiver em um relacionamento é preso e enviado ao Hotel, onde terá o prazo de 45 dias para tentar encontrar um(a) parceiro(a). Caso isso não ocorra, os abnegados solteiros são transformados em algum animal de sua preferência e soltos em meio a uma floresta. A lagosta do título original é o animal escolhido pelo protagonista vivido por Colin Farrel neste filme que se utiliza de um humor peculiar para discutir, entre outros temas, a artificialidade dos relacionamentos modernos.



24) Até o Último Homem (Hacksaw Rigde): filmes de guerra baseados em fatos reais sempre são um convite para as indicações ao Oscar e, com a mais recente obra de Mel Gibson, não foi diferente. A trama se passa durante a Segunda Guerra Mundial, onde o médico do exército Desmond Toss (Andrew Garfield) vive em pé de guerra com o sargento Howell (Vince Vaughn) por se recusar a pegar em uma arma para matar pessoas. Pacifiista, dedica-se a trabalhar na ala médica, sempre sob o olhar desconfiado dos superiores, até o dia em que salva um amontoado de soldados na conhecida Batalha de Okinawa. Ainda que o desenho de produção seja elegante no resgate histórico, o diretor, como já é de praxe, não poupa nas cenas de violência e nos corpos dilacerados, promovendo um verdadeiro banho de sangue. A ideia é transmitir uma ideia antibelicista, ainda que o exagero e a exaltação do campo de batalha, quase promovam o efeito inverso.



23) Bom Comportamento (Good Time): divertido até dizer CHEGA, esse filme improvável conta a história de dois irmãos que querem assaltar um banco e descolar uma certa quantia de dinheiro. Nada sai como o planejado, especialmente pelo fato de Nick (Ben Safdie) possuir algum tipo de deficiência mental que o deixa em pânico quando as coisas começam a dar errado. Mas o caso é que Connie (Robert Pattinson em, acredite, grande interpretação) quer incluí-lo em suas "atividades" diárias pelo fato de o amar e por acreditar em seu potencial. Para tentar resgatar o irmão ele empreenderá uma verdadeira jornada contra o relógio, sendo que ele mesmo também está sendo perseguido pela polícia. Um filme tenso, frenético, violento, urgente. E cheio de personagens secundários insanos. A trilha sonora pulsante - da banda Oneohtrix Point Never -, a fotografia granulada e a câmera sempre próxima dos atores, parecem tornar tudo ainda mais delirante.



22) Frantz (Frantz): um dos diretores mais prolíficos da atualidade, o francês François Ozon (dos imperdíveis Dentro da Casa e Uma Nova Amiga) aposta no drama de guerra em sua mais recente película. A trama nos joga para uma pequena cidade alemã, onde a viúva Anna (Paula Beer) passa os dias chorando diante do túmulo do noivo, morto em uma batalha na França, durante a Primeira Guerra Mundial. Um outro jovem que também coloca flores no mesmo túmulo e que parece guardar segredos do passado, despertará a atenção de Anna. Filmado num elegante preto e branco, a obra conta duas histórias paralelas - a atual e aquele que envolve os dias de front - e possui boas reviravoltas, surpreendendo no quesito mistério. E mais: ao abordar, de forma transversal, temas como a tolerância e a importância do perdão, Ozon transforma Frantz em um pequeno documento sobre os tempos que vivemos.



21) Como Nossos Pais: aquelas pessoas que ainda insistem em questionar a qualidade do cinema nacional deveriam, como tema de casa, assistir aos filmes da Laís Bodanzky. Mestre em apresentar pessoas em seus cotidianos, de forma naturalista, a diretora aposta na força do diálogo como fio condutor para histórias que, em muitos casos, partem de fiapos de roteiro. Foi assim com Chega de Saudade (2007), As Melhores Coisas do Mundo (2010) e, agora, com esta verdadeira pérola chamada Como Nossos Pais. O título do filme - emulando o hino do cantor Belchior sobre a letargia de uma geração inteira que vê vida passar, como que paralisada - dá a deixa para o conflito estabelecido. Maria Ribeiro é Rosa, designer que, para ser mãe, abre mão de seus sonhos e vive um casamento de acomodação e com pouco espaço para a emoção ou para a novidade. E os conflitos com a mãe Clarice (a ótima Clarice Abujamra), tornam tudo ainda pior. Simples. Direto. E tocante.



20) Um Limite Entre Nós (Fences): vamos combinar que já seria motivo suficiente para assistir a esse filme, o fato de termos Denzel Washington e Viola Davis como o casal de protagonistas. E, mais ainda: construindo personagens absolutamente complexas e multidimensionais. A trama se passa nos anos 50, onde Troy (Washington) e Rose (Davis) moram, junto com o filho mais novo, Cory (Jovan Adepo). Troy trabalha recolhendo lixo das ruas e batalha na empresa para que consiga migrar para o posto de motorista do caminhão de lixo. Ressentido por não ter conseguido se tornar jogador profissional de beisebol, devido à cor de sua pele, ele luta para que o filho possa seguir como esportista. Isto faz com que o jovem bata de frente com o pai em muitos momentos, nesse filme verborrágico, cheio de frases espirituosas, interpretações marcantes e reflexões sobre preconceitos.



19) Mulheres do Século 20 (20th Century Woman):  com idas e vindas no tempo, essa saborosa obra de Mike Mills (Toda Forma de Amor) procura, não sem certa ambição, abarcar um século inteiro de vida - bem como suas guerras, movimentos culturais, conquistas sociais e avanços tecnológicos - colocando em análise o papel da mulher na sociedade, em meio a tudo isso. Ainda que não seja pouco, o filme nunca se torna chato ou excessivamente didático. Um ou outro flashback aqui e ali, ou mesmo uso de câmera lenta para delimitar determinada sequência, e a trama já nos traz de volta para o ano de 1979 - período em que se passa o filme -, sendo as interações entre os personagens, seus diálogos e considerações sobre o mundo a grande força motriz da película. Na trama, o jovem Jamie está rodeado por três grandes mulheres, vividas por Anette Bening, Greta Gerwing e Elle Faning. É no roteiro absolutamente original e descolado que está uma das forças da película.



18) Loveless (Nelyubov): indicado da Rússia na categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira para a edição de 2018, esse filme do diretor Andrey Zyagintsev - o mesmo de Leviatã (2015) - tem como arco central a história de um casal que está se separando, ao mesmo tempo em que decide, nesse contexto, qual será o destino do filho de apenas 12 anos. Distantes do filho, emocionalmente, ambos parecem mais preocupados com as suas novas vidas: ele, com uma nova namorada que está grávida e ela com um novo parceiro rico. Não demora para o jovem, sentindo-se desprezado, desaparecer misteriosamente. Mas o sumiço foi deliberado? Ele quis fugir de casa? Ninguém consegue conviver com o desamor, e Zyagintsev inunda a tela com imagens gélidas, de fotografia acinzentada, que transformam até mesmo a euforia das novas relações em convenientes atos individualistas e hedonistas. Um filme duro, amargo e, é preciso que se diga, surpreendentemente honesto.



17) Okja: Esse é aquele tipo de filme que fica por dias na nossa cabeça. A trama nos joga de volta para o ano de 2007, quando a CEO de uma poderosa empresa Lucy Mirando (Tilda Swinton, soberba) apresenta ao mundo uma nova espécie animal que teria sido descoberta no Chile. Apelidada de "super porco", ela é cuidada em laboratório até o momento em que 26 animais enviados para países distintos para serem apresentados a cultura local. A ideia espalhar os animais ao redor do planeta por 10 anos sendo que, após este período, participarão de um concurso que escolherá o melhor deles. Isso significa que, uma década depois a jovem Mija (Seo-Hyun Ahn), que convive desde a infância com Okja, está prestes a perder o super porco fêmea criado pelo avô. Ainda que seja nonsense, fantasioso e até levemente infantil em alguns momentos, as discussões sobre direitos dos animais, sustentabilidade ambiental e ganância das grandes corporações, tornam a obra mais do que atual.



16) Era o Hotel Cambridge: em um ano em que a notícia da reintegração de posse da ocupação Lanceiros Negros, no último mês de agosto, pegou a todos os gaúchos de surpresa, um filme como este Era o Hotel Cambridge vem bem a calhar. Misto de drama e documentário, a obra mais recente da diretora Eliane Caffé (do esplêndido Narradores de Javé) narra a rotina dos ocupantes de um velho edifício abandonado no centro de São Paulo. Lá estão refugiados recém-chegados ao Brasil, que dividem o espaço com um grupo de sem-tetos. Além da tensão diária que a ameaça de despejo causa, os moradores do prédio lidam com seus dramas pessoais e aprendem a conviver com pessoas que, apesar de diferentes, enfrentam juntos a vida nas ruas. Mas não é um filme excessivamente melodramático. Ainda que a discussão seja importantíssima, há espaço, ao menos em partes, para um clima otimista e de perseverança. E o José Dumont, como sempre, está hilário!



15) Lion: Uma Jornada Para Casa (Lion): indicado ao Oscar na categoria principal desse ano, a obra parte de ma estatística estarrecedora, que dá conta de que 80 mil crianças desaparecem POR ANO, na Índia. O que o filme pretende é contar uma dessas histórias e, vamos combinar que este é um roteiro que nasceu pra ser filmado em Hollywood, já que conta com um arco dramático potente, boas atuações e doses generosas de comoção, mas sem nunca parecer excessivamente piegas. Na trama, Saroo (o espetacular Sunny Pawar) é um menininho de apenas cinco anos que entra por engano em um vagão de trem que lhe conduzirá até Calcutá - mais de 1.500 quilômetros de distância de onde mora. Sem falar Bengali - a língua local -, o jovem se torna incapaz de explicar de onde vem, para onde vai e o que exatamente está fazendo ali. A sua jornada na tentativa de voltar as suas origens, certamente rende algumas das mais tocantes sequências do ano.



14) A Qualquer Custo (Hell Or High Water): nesse filmaço indicado ao Oscar na categoria principal, somos apresentados aos irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner (Bem Foster), que vivem de pequenos roubos a bancos, com o objetivo de levantar grana para saldar a hipoteca atrasada do terreno da falecida mãe. E para garantir o futuro dos filhos de um deles, é necessário quitar a dívida, a qualquer custo, sob pena de perder o único bem da família. A trama é simples, mas isso não significa filme preguiçoso. Aliás, muito pelo contrário. David Mackenzie (do sensível Sentidos do Amor)  mostra versatilidade ao incluir símbolos e signos que conferem à obra um tom quase premonitório sobre o que se imagina de uma América que vá ser "grande de novo" - como espera o inexplicável e eleito presidente Donald Trump. Em um lugar em que todo mundo anda armado, até na igreja se for o caso, o racismo e o preconceito ainda fazem parte da rotina, nessa obra surpreendente.



13) Toni Erdmann: Ines (Sandra Hüller, em excelente interpretação) é uma bem sucedida mulher de negócios que trabalha em Bucareste, na Romênia. Um trabalho burocrático, que lhe deixa infeliz, mas lhe possibilita uma vida de luxo, de bons restaurantes, de festas e de homens ricos - ainda que pobres de espírito. É nesse ambiente atribulado e cheio de códigos de etiqueta que Ines receberá o seu pai Winfried (o impágável Peter Simonischek) para o seu aniversário. Winfried é um idoso de espírito leve, sempre pronto para fazer alguma brincadeira ou pregar alguma peça nos demais. É evidente que o mundo lúdico de Winfried, um pianista aposentado com tempo para ficar um mês ao lado da filha, entrará em choque com o comportamento frio de Ines e suas reuniões sisudas, almoços de negócios e metas de trabalho a serem cumpridas. Indicado ao Oscar na categoria Filme Estrangeiro essa obra tocante toma por base essa dualidade, para nos faz refletir sobre o que, de fato, importa nessa vida.



12) Moana: Um Mar de Aventuras (Moana): a animação pode até não ter ganho o Oscar em sua categoria nesse ano - o vencedor foi o divertido Zootopia (2016) - mas com certeza ele é aquele filme que traz as melhores mensagens. Quer dizer, uma animação não sobreviveria somente de mensagem, se o traço não fosse bom, se o roteiro não tivesse diálogos inteligentes e se a obra não fosse enfim, divertida e com boas piadas (sem falar da música)! A Moana do título é uma jovem cheia de coragem, que vem de uma longa linhagem de navegadores em uma tribo da Oceania. Curiosa, quer descobrir mais sobre seu passado e sobre os habitantes de uma ilha mítica em que teriam vivido seus ancestrais. Ocorre que seu pai super protetor não é muito favorável a ideia. Mas aí pode ter certeza de que ela dá um jeito. Ver um pequeno grande filme desse tipo discutindo de forma tão inteligente a questão do respeito a igualdade de gêneros, torna ele maior e mais atual do que muitos por aí.




11) O Cidadão Ilustre (El Ciudadano Ilustre): nessa verdadeira pérola do cinema argentino, somos apresentados ao escritor Daniel Mantovani (o ótimo Oscar Martinez), sujeito bem ambientado aos modos cosmopolitas e a rotina nas grandes metrópoles. Radicado há 40 anos na Europa, é um dos mais celebrados autores argentinos - ganhou inclusive o Nobel de Literatura. Em certa altura do ótimo (e divertido) roteiro, ele é convidado pelo município interiorano de Salas (onde nasceu) para receber uma homenagem. Não é preciso ser nenhum adivinho para saber que o retorno a sua cidade natal desencadeará uma série de situações - muitas delas constrangedoras - que o tornarão uma presença bem menos desejada do que no começo. Sem tomar partido, os diretores Gaston Duprat e Mariano Cohn (do igualmente bom O Homem ao Lado) discutem temas diversos que envolvem a vaidade de um autor celebrado em "conflito" com uma comunidade tida por ele como provinciana.



10) La La Land: Cantando Estações (La La Land): esse é o filme por excelência sobre pessoas em busca de sonhos, as custas de muito suor, sangue, lágrimas (e dança). Na trama, Ryan Gosling é o pianista de jazz Sebastian que, apaixonado por tal vertente musical, sonha em abrir um bar em Los Angeles, com o objetivo de fazer reviver nomes como Charlie Parker, Ella Fitzgerald e Miles Davis. Já Emma Stone vive Mia, atriz iniciante que deve conviver com a rotina cansativa de "nãos" em audições entediantes, enquanto se vira nos trinta como atendente de um bar próximo a Hollywood. As vidas de ambos se cruzarão, como é de se supôr, em uma obra absolutamente leve, cheia de cenários multicoloridos, claramente nostálgica, excessivamente otimista e recheada de bons números musicais. Aquele seu amigo presunçoso metido a cinéfilo disse que não gostou? Ignore. O novo trabalho de Damien Chazelle - que QUASE fatura o Oscar - é a mais pura diversão!



9) O Apartamento (Forushande): ainda que não seja o melhor trabalho do iraniano Asghar Farhadi - dos ótimos Procurando Elly (2010) e A Separação (2012) -, a obra vencedora do Oscar 2017 na categoria Filme em Língua Estrangeira se aproveita de seu pano de fundo para, novamente, tecer comentários sobre a sociedade em que todos estão inseridos. Uma sociedade, diga-se, machista, conservadora, patriarcal. Na trama o casal de atores Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) se vê obrigado a se mudar, após um alerta para que todos os moradores do prédio em que vivem, deixem o local imediatamente por risco de desabamento. No novo local em que passam a residir, Rana é surpreendida (e agredida) por um estranho, no momento em que estava no banho. O trauma afetará os dois - que encenam a montagem da peça teatral A Morte do Caixeiro Viajante - fazendo com que Emad empreenda uma verdadeira jornada atrás do homem que atacou a esposa.



8) Corra! (Get Out): uma das boas surpresas entre os alternativos da temporada, esse ótimo filme de estreia do diretor Jordan Peele é um verdadeiro tratado sobre o racismo estrutural. Chris (Daniel Kaluuya) é um jovem negro que está prestes a conhecer a família de sua namorada caucasiana Rose (Allison Williams). O que era para ser um saudável encontro se torna um filme de terror para o protagonista, que logo percebe haver algo de muito errado no comportamento excessivamente amoroso da família da namorada - que possui apenas empregados negros. "Meus pais não são racistas, se eles pudessem votariam no Obama mais uma vez", comenta Rose em certa altura do filme. A trama trata justamente sobre isso: sobre aquele tipo de racismo velado, escondido em cada canto da vidinha tranquila das "famílias de bem" e que está pronto para vir à tona da forma mais perturbadora e preconceituosa possível.



7) Manchester à Beira-Mar (Manchester By The Sea): Casey Affleck já tinha entregado grandes interpretações em sua carreira, mas no papel que lhe deu o Oscar de Melhor Ator nas premiações desse ano vive um zelador de prédio, de nome Lee Chandler, reprimido, apático e abalado emocionalmente. De volta a sua cidade natal após a precoce morte do irmão, Chandler é incumbido de cuidar de seu sobrinho (o ótimo Lucas Hetges). Ainda que a dinâmica entre ambos seja boa - especialmente pelo carisma do jovem - o protagonista parece guardar uma série de segredos do passado que, aos poucos, virão a tona, e explicarão parte de seu ódio a tudo que o rodeia. Não é um filme fácil - é bom se preparar com os lenços, especialmente em certa cena que a ex-esposa, vivida de forma tocante por Michelle Williams, aparece. Mas jamais é excessivamente melodramático ou piegas.



6) Bingo: O Rei das Manhãs: o nosso enviado oficial para a categoria Melhor Filme em Língua Estrangeira no Oscar pode até não ter se classificado para a final. Mas é um filmaço! Vladimir Brichta está insano como o protagonista, inspirado na vida de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo, no programa matinal de nome homônimo exibido pelo SBT durante a década de 80. E a história não poderia ser mais convidativa para virar "A" cinebiografia. Ator de chanchadas, Barreto alcançou fama com o personagem. Mas a frustração por jamais ser reconhecido pelas pessoas por estar sempre fantasiado, aliada as dificuldades de relacionamento - com a equipe, com o filho - formaram o combo perfeito para uma vida hedonista e de muito uso de crack e cocaína. A recriação de época é perfeita e as referências divertirão todos os que cresceram na década. Assim como os coadjuvantes, entre eles o querido Domingos Montagner, em seu último trabalho.



5) Mãe! (Mother!): obra cheia de metáforas sobre o processo criativo (e sobre a concepção), a mais recente película do diretor Darren Aronofsky conta a história de um casal que vive em um imenso casarão no campo. Parece simples, mas ambos estão ali para que o marido (vivido por Javier Bardem) possa recuperar a inspiração para um novo livro de poesias. Já a esposa (Jennifer Lawrence, que será a injustiçada da vez na cerimônia do Oscar 2018) anda pelos cômodos fazendo pequenas arrumações, consertando alguma coisa aqui e ali. A chegada de dois visitantes - vividos com histrionismo por Ed Harris e Michelle Pfeiffer - virará a vida (e a casa) de ambos de ponta cabeça. Parece um suspense e até é um suspense. Mas a complexidade das subtramas, que falam de temas como submissão, fanatismo religioso, conflitos internos e sexualidade reprimida, entre outros, transforma esta em uma experiência cinematográfica única.



4) Corpo e Alma (Teströl és Lélekröl): classificado para a final na categoria Filme em Língua Estrangeira no Oscar, essa obra húngara vencedora do Urso de Ouro no último Festival de Berlim conta uma curiosa história de amor que começa num sonho, literalmente. Após um crime sexual ocorrer nas dependências de um frigorífico, uma psicóloga é acionada para identificar os responsáveis pelo ato. Em uma série de entrevistas percebe que duas pessoas relatam terem sonhos exatamente iguais. Nesse mundo paralelo de fantasia - ambos surgem como cervos em meio a uma densa (e gelada) floresta - eles acabam se encontrando diariamente todas as noites. Na vida real nem tudo será fácil na curiosa relação entre ambos. Ela é extremamente fechada. Ele é eventualmente grosseiro. Só que o amor idealizado sempre será diferente daquele que, de fato, vivemos, como nos mostra esse grande filme.



3) Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight): toda a confusão ocorrida no final da cerimônia do Oscar desse ano não apaga o fato de que a obra dirigida por Barry Jenkins merecia e MUITO a principal estatueta da noite de premiações. Película desenvolvida de forma fluída, sem exageros, nos mostra três momentos da vida de Chiron, um jovem negro morador de uma comunidade pobre de Miami. Do bullying da infância, passando pela crise de identidade da adolescência e a tentação do universo do crime e das drogas, essa verdadeira obra-prima moderna, realiza um belo estudo de personagem. Nunca estereotipado, Chiron é mostrado como alguém que alcança certo status, mas que guarda para si uma série de segredos, resultado de uma sociedade preconceituosa e racista. O terço final, absolutamente poético e romântico, está entre os grandes momentos do cinema moderno.



2) Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake): a burocracia para tentar acessar políticas públicas de amparo ao trabalhador não é exclusividade nossa, como nos mostra essa obra vencedora do última Palma de Ouro, em Cannes. Na trama, o sempre engajado diretor Ken Loach nos apresenta ao personagem-título que, após sofrer um ataque cardíaco e ser desaconselhado pelos médicos a retornar ao trabalho busca, de todas as formas, receber os benefícios concedidos pelo Governo àqueles que estão nessa situação. A jornada de Daniel Blake (Dave Johns) na busca por seus direitos será tão ultrajante, que a vontade do espectador será a de ENTRAR na tela pra tentar resolver de alguma forma a situação. Não bastasse o drama pessoal do protagonista, a obra ainda nos apresentará a cena mais emocionante do ano, envolvendo uma mãe solteira de dois filhos (vivida de forma tocante por Hayley Squires), que está morta de fome. Triste é pouco.



1) A Ghost Story: com ares de filme de terror, esse surpreendente exemplar do cinema alternativo nos mostra como é possível fazer uma grande obra com um fiapo de história. Na trama, Casey Aflleck é um sujeito que morre num acidente automobilístico e "retorna" para a sua antiga casa como um fantasma (bem naquele estilo que se vê nos desenhos animados, com lençol branco e olhos escuros) para tentar se reconectar de alguma forma com a viúva, vivida de maneira comovente por Rooney Mara. De saída parece um filme de terror ou de suspense convencional. Mas é muito mais do que isso: é um verdadeiro tratado sobre resiliência e sobre a capacidade (ou não) de superar perdas. Tocante, sutil, minimalista, amargo até dizer chega... essa é uma película diferente de TUDO o que já vimos. E, por isso, merece estar na nossa primeira posição.


Gostaram da lista pessoal? Qual filme que faltou nela? Diga pra gente! =D