segunda-feira, 6 de julho de 2020

Novidades no Now/VOD - Ema (Ema)

De: Pablo Larraín. Com Mariana Di Girolamo, Gael Garcia Bernal, Santiago Cabrera e Catalina Saavedra. Drama, Chile, 2019, 107 minutos.

Disponível na plataforma Mubi, Ema (Ema) é um filme sobre um tema pouquíssimo explorado nas artes: no caso um processo de adoção que deu errado, após um trauma familiar. O que fez com que o casal adotante tivesse de "devolver" o jovem um ano após o início da experiência como uma nova família. Na realidade esse fiapo de história serve para que o diretor Pablo Larraín - de No (2012) e O Clube (2015) - discuta temas muito maiores, colocando em conflito o conservador e o moderno, o tradicional e o contemporâneo. É um filme hipnótico, sensorial e contemplativo, que funciona quase como se fosse uma grande instalação artística de pouco mais de uma hora e meia de duração, em que os conflitos dos personagens são desenrolados em meio a números de dança, apresentações coreografadas e diálogos absurdamente sinceros (e doloridos). É obra que discute a hipocrisia da sociedade e as mudanças políticas e culturais do mundo atual, aos quais se inserem, também, as novas configurações de família.

A meu ver trata-se de um formato narrativo muito criativo no debate sobre feminismo, papel da mulher na sociedade e liberdade. A Ema (Mariana Di Girolamo) do título é uma força da natureza - uma mulher complexa, enigmática, hipnótica e sensual. Não por acaso ela alerta as pessoas que se aproximam dela de "que elas poderão se queimar". Dançarina em uma companhia de danças que realiza apresentações de balé clássico, é casada com Gastón (Gael Garcia Bernal em sua terceira colaboração com Larrain), o coreógrafo e coordenador do coletivo. É com ele que Ema faz a adoção do filho - um jovem de nome Polo -, que não dá certo. Trata-se de um pré-adolescente de cerca de 10 anos e as acusações mútuas do casal dão conta de alguns motivos que podem ter levado ao ocorrido. Na realidade a gente nunca sabe o que acontece no íntimo de cada relacionamento. Mas, em geral, as pessoas são especialistas em julgar. E Ema passa a ser julgada como a vilã, como a mãe "desnaturada", a responsável por abandonar um filho.


Não por acaso, se desligará da escola em que atua também como professora - os alunos parecem gostar dela -, e ainda dará andamento ao processo de divórcio, já que, biologicamente, Gastón é incapaz de lhe "dar" um filho ("eu lhe dei", argumentará ele, sobre a adoção). Desmoralizado pelo serviço de assistência social, o casal passará a ser atacado TAMBÉM por aquilo que lhe apaixona: no caso, o teatro, a dança. Encarados como figuras à margem da sociedade, como vagabundos desregrados que estimulam a violência e as liberdades sexuais a partir de suas obras, serão considerados incapazes de criar um filho. E se afastarão. Fechado em seu mundinho meio retrógrado, Gastón não consegue perceber o anacronismo de seu ideal de arte mais "pura", ao passo que, Ema, desligada do grupo de dança, se envolverá em outra paixão: o reggaeton, a dança urbana, de rua, que tem no corpo um ente político, de expressão das pessoas mais simples. Ao mesmo tempo, descobrirá quem são os novos pais de Polo, resolvendo se aproximar deles. Se envolver. Assim como se envolverá com outras pessoas, colegas do grupo de dança, sua advogada. O corpo é dela. Ela é livre. E o filme mostrará isso sem pudores, sem julgamentos e sem atirar o panfleto na tua cara.

É um filme, afinal, cheio de camadas. E que nos faz perguntar o tempo todo sobre o que seria o certo naquele universo - ainda que a resposta fosse "não sabemos". Ema parece arrependida de sua decisão e fará de tudo para se reaproximar de Polo, adotando medidas extremas. Piromaníaca, ateará fogo em carros, prédios, no patrimônio público. É a metáfora mais óbvia para o caráter flamejante da personalidade da personagem. Quase funcionando como um contraste para a placidez sorumbática das vielas, das casas e dos morros da Val Paraíso, onde a obra foi filmada. Acreditando na inteligência do espectador, vai despejando seus temas em doses pequenas, homeopáticas, em diálogos mais expositivos, em sequencias em que a imagem fala mais do que as palavras. É uma obra também bonita do ponto de vista técnico: a música do ótimo Nicholas Jaar hipnotiza. O estilo de filmar de Larraín nos envolve, nos abraça, com seus planos em sequência, sua câmera que flana num vai e vem nem sempre convencional, mas orgânico, envolvente. Nem tudo se resolve plenamente, mas a gente se arrebata: e sai amando Ema exatamente pelo que ela é. Esse espírito livre, uma figura contemporânea, eventualmente hedonista, mas em busca da felicidade. Mesmo que a gente se queime.

Nota: 9,0

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