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segunda-feira, 3 de março de 2025

10 Considerações Sobre o Oscar 2025

O Oscar 2025 ocorrido na noite de ontem fecha oficialmente a temporada de premiações iniciada no ano passado e, aqui no Picanha, também passamos a régua com as nossas considerações. Ainda de ressaca, ainda fazendo festa, ainda estando aqui celebrando esse momento mágico vivido pelo nosso cinema na noite de ontem!

 


1) Vimos a história acontecer! Nunca antes em 97 edições do Oscar havíamos assistido ao Brasil vencer a categoria Filme Internacional e ver a Penélope Cruz anunciando a nossa conquista foi incrível. Que a vitória de Ainda Estou Aqui tenha ocorrido no mesmo final de semana do Carnaval só pode ser a prova de que Deus existe e é brasileiro. Mais importante: só fomos nos tornando favoritos (em partes) conforme o tempo passava e a nossa campanha evoluía - e Emilia Pérez, o candidato francês, derretia (por conta de todas as polêmicas envolvendo a Karla Sofía Gascón). Uma campanha que teve, sim, grana da produção, mas teve muito boca a boca, muita sessão comentada, muito evento de apresentação mundo afora. Foi a forma encontrada para que os votantes tomassem conhecimento da obra. O que foi fortalecido pela vitória da Fernanda Torres no Globo de Ouro.

2) Importante, pessoal: copo MUITO cheio nessa conquista. Sei que muita gente ficou triste ou frustrada porque a Fernanda não faturou a estatueta dourada na categoria Atriz, mas, verdade seja dita, ela nunca foi uma favorita. Favorita, favorita MESMO, era a Demi Moore, por seu trabalho irretocável em A Substância. Com as vitórias nas prévias o cenário parecia bastante consolidado. Mas o caso é que, na reta final da campanha, os votantes meio que abraçaram oficialmente Anora como uma espécie de queridinho, concedendo a ele cinco prêmios. Entre eles Filme, Roteiro Original e Direção. 

3) Em tempo e ainda sobre a vitória do Brasil: ela chega em ótima hora, primeiro porque chama a atenção do mundo para um problema que tem assolado diversos países (e que envolve a ascensão das ditaduras militares de extrema direita e seu belicismo antidemocrático), e segundo pela oportunidade de dar uma maior visibilidade à nossa produção cultural, artística e fílmica para os próximos anos. Usando um jargão meio que de mercado, vencer o Oscar pode nos tornar um player mais significativo em termos de cinema, o que talvez nos torne presença mais recorrente em premiações mundo afora. Não apenas no Oscar, mas em Cannes, Veneza, Berlim e outros. Aliás, recentemente, e só pra ficar num exemplo, o ainda inédito O Último Azul, de Gabriel Mascaro, levou o Urso de Prata em Berlim e já desponta como um possível candidato para outras premiações durante o ano.

4) Voltando à categoria Atriz, penso ser importante não reduzir a vitoriosa Mikey Madison, a uma jovenzinha em um "filme de prostituta". Primeiro, que Oscar não é apenas relevância, senão todos os anos documentários sobre temas políticos e sociais venceriam as categorias máximas da noite. É campanha. É boca a boca. E, sim, também é lobby. Madison está perfeita em um papel dificílimo e extremamente físico, corporal (assim como era o da Demi). Ou vocês acham que aquelas cenas de sexo são fáceis de fazer? Ou as que envolviam longas discussões? É um trabalho grande e que, vá lá, tem seus méritos. Claro que aqui éramos sim, team Nanda, mas acho que pra Demi a dor é maior. Certamente o discurso antietarismo na indústria estava pronto e, ironias das ironias, ela foi perder o Oscar justamente pra uma garota de vinte e poucos anos. É pra render debates e teorias na mesa de bar.

5) Quem estava atento ao componente político, para além do artístico, pôde constatar que esse foi um Oscar que fez uma série de acenos e piscadelas à minorias diversas - estrangeiros, negros, LGBTs e outros. Sim, o apresentador Conan O'Brien pode não ter citado diretamente o governo Trump e toda a barbárie produzia por esses lunáticos da extrema direita, mas foi no transcorrer da premiação que vieram algumas respostas aos absurdos do laranjão. Como exemplo, podemos citar a vitória da animação Flow, que desbancou a Pixar (e seu Divertidamente 2) ou outras produções mainstream como Robô Selvagem. Aliás, Flow também deu à Letônia o seu primeiro Oscar da história, em sua primeira indicação. Um filme sem diálogos, com baixíssimo orçamento e feito com recursos modestos. Foi um instante bonito.

6) Outros momentos comoventes e com acenos aos imigrantes e a seu árduo esforço para colocar suas obras de arte no mercado, foram as vitórias do curta em Animação iraniano In the Shadow of the Cypress (e foi muito emocionante ver o pessoal da produção afirmando que até o dia anterior não tinha conseguido o visto pra chegar aos Estados Unidos) e do documentário No Other Land, uma produção Palestina sobre resistência do povo frente ao absurdo do deslocamento forçado de um povo por tropas israelenses. De forma complementar é possível ainda citar o Paul Tazewell, que se tornou o primeiro figurinista negro da história a vencer em sua categoria, por Wicked. E se não me engano ele também é gay.

7) uma coisa importante sobre Anora, galera: é muito legal ver um realizador saído do cinema alternativo e com grandes obras no currículo - como Projeto Florida e Red Rocket -, como o Sean Baker, dando também visibilidade pra esse cinema menos espetacularizado e pautado por grandes efeitos ou uso de inteligência artificial (polêmica que rondou O Brutalista, por exemplo). Fora o fato de que Baker foi o rei do carisma na noite, subindo ao palco trocentas vezes, já que ele não apenas dirigiu como editou, roteirizou e montou o filme! Dá uma escala 5x2 pro homem, por favor!

8) Sobre O Brutalista, Hollywood sempre gosta de uma história de ascensão, queda e volta por cima em termos de carreiras de atores e atrizes e foi legal ver o Adrien Brody, que andava relegado a uma espécie de segunda divisão das escolhas de papeis, de volta à linha de frente (lááá atrás, ele tinha faturado o carecão dourado por O Pianista). Ele aparece com mais ou menos umas duzentas horas de tela no interminável filme de Brady Corbet. Um papel de exigência.

9) Kieran Culkin e Zoe Saldaña eram as barbadas da noite, nos bolões mundo afora. A Verdadeira Dor e Wicked podem até ser filmezinhos qualquer nota, mas, Oscar, não é tanto sobre qualidade. No caso de Kieran seu papel tem aquele quezinho de Oscar bait que a Academia adora (ainda mais com ele dando meio que uma reprisada nos trejeitos do sujeito atormentado já visto em Succession). 

10) Em resumo, galera, foi um Oscar histórico pra nós, dinâmico, que passou voando e que nos reposiciona nesse mercado. Ano que vem tem mais e eu tenho certeza que com o olhar ampliado sobre nossa produção, temos chance de emplacar novamente uma short list. É cedo ainda! Mas o sonho não para, afinal, como diz a nossa diva, "a vida presta e MUITO!"

 

E, chora, Emilia Perez, filme horroroso que se torna o maior perdedor da história, com onze estatuetas não entregues!

sábado, 1 de março de 2025

Apostas Oscar 2025

A safra pode até não estar tão boa esse ano, mas a menos que você seja um alienígena que acaba de chegar à Terra, você já sabe que nós, brasileiros (e patriotas de VERDADE) temos todos os motivos do mundo para estar de olho na premiação máxima do cinema - que ocorre no próximo domingo, com a transmissão da TNT (e da Globo, que vai exibir o Oscar de forma concomitante com a primeira noite do Carnaval do Rio). E, sim, não é pra ter clima de Copa do Mundo mas vai ser lindo demais ver o Brasil vindo abaixo, com Marquês do Sapucaí e tudo, se a Fernanda (ou o filme) faturarem o carecão. Como projeto de cinéfilo fui meio negligente nesse ano e não consegui ver todas as produções - pequei principalmente em Documentário, que só assisti um. Ainda assim, a gente faz o trabalho aqui: pondera as premiações prévias, aciona a bola de cristal e faz as nossas projeções. De quem vence. E de quem queremos que vença. E que domingo seja TUDO NOSSO e NADA DELES! Bora!

 


 

 

FILME

Esse ano parece tudo meio imprevisível na categoria máxima, até mesmo porque a régua tá lá embaixo. É claro que Anora salta na frente, até mesmo por ter faturado uma série de prévias, como o PGA, o DGA, o WGA e o Critics Choice, além de outras premiações. Nessa altura do campeonato, o concorrente mais forte parece ser Conclave, que venceu o Bafta, que sempre é um bom termômetro. Sim, aqui nem precisa dizer que a gente torce demais pro Ainda Estou Aqui, mas vamos combinar que a simples lembrança entre os dez mais já é uma grande conquista. E nem precisa dizer o quão putos ficaremos se Emilia Pérez que, até certa altura parecia favorito a muita coisa, vencer. Ah, e Wicked também porque, vamos combinar, que bela BOMBA.

Ganha: Anora

Na torcida: Ainda Estou Aqui 


DIRETOR

Sean Baker levou o DGA que costuma ser o termômetro mais fidedigno para a categoria. Ainda mais com Anora pintando como o favorito ao prêmio máximo - o que junta aquela coisa do filmezinho independente com algum sentido social a mais. O maior entrave pra dobradinha parece ser Brady Corbet de O Brutalista, que andou ganhando uma série de prévias, inclusive o Bafta. Em matéria de torcida, iremos amar ver a Coralie Fargeat subindo ao palco para receber o Oscar por A Substância. Ainda que isso pareça um sonho distante.

Ganha: Brady Corbet, por O Brutalista

Na torcida: Coralie Fargeat, por A Substância 


ATOR

Aqui tudo indicava que o caminho estava aberto para Adrien Brody pelo seu trabalho na epopeia O Brutalista - ele venceu o Critics Choice, o Globo de Ouro e o Bafta nas prévias. Mas aí quando a taça estava garantida, o Timothée Chalamet voltou pro jogo ao faturar o SAG na última semana, pelo seu papel em Um Completo Desconhecido. Só que essa vitória pode ter sido tarde demais, já que os envelopes do Oscar já estavam selados. E a campanha também.

Ganha: Adrien Brody, por O Brutalista

Na torcida: Ralph Fiennes por Conclave

 

ATRIZ

O nosso coração está todo com a Fernanda Torres, todo mundo sabe e a gente fica torcendo desesperadamente para que o Globo de Ouro possa ter sido uma abertura de portas para que os votantes da Academia prestassem uma atenção A MAIS em Ainda Estou Aqui. Pode ser que tenha havido tempo para que a campanha encontrasse sua rota. Mas o problema é que tanto Demi Moore, de A Substância, quando Mikey Madison, de Anora, paparam todas as prévias mais relevantes - a primeira o Critics Choice e o SAG, além do Globo de Ouro em Comédia e Musical, a segunda o Independent Spirit e o Bafta. Em favor de Demi está também a disrupção de fazer um papel que parece ter sido escrito sob medida pra ela - o de uma estrela em decadência que busca uma forma de preservar sua juventude (e seus discursos sobre etarimso e ausência de papeis para mulheres mais velhas no setor, têm chamado a atenção e podem pesar). No mais, é VAI FERNANDA com força!

Ganha: Demi Moore por A Substância

Na torcida: acho que nem precisamos dizer! 


ATOR COADJUVANTE

A gente sabe que A Verdadeira Dor é um filmezinho qualquer coisa, mas a Academia tende a se assombrar com esse tipo de papel do sujeito atormentado, que é o que faz o Kieran Culkin aqui (mais ou menos reprisando o papel dele em Succession). Claro que ajuda bastante nessa projeção o fato de que o sujeito simplesmente patrolou nas premiações prévias, ganhando a maioria. Talvez essa seja uma aposta óbvia para o bolão. Por uma ironia do destino, o único que poderia ameaçar o prêmio de Culkin seria o Jeremy Strong, seu parceiro de Succession, e que se empenha em entregar uma boa interpretação no fraco O Aprendiz.

Ganha: Kieran Culkin, por A Verdadeira Dor

Na torcida: Edward Norton, por Um Completo Desconhecido

 

ATRIZ COADJUVANTE

Tudo parece indefinido nessa categoria que pode derrubar o Bolão. Em geral talvez aqui rolasse o prêmio consolação de Emilia Perez, já que Zoe Saldaña fez uma varredura de prêmios na temporada. Só que toda a polêmica do filme em si pode ter prejudicado a campanha e talvez uma estatueta para Isabella Rossellini por seu elegante papel em Conclave possa ser uma aposta mais segura (ainda que ela tenha pouco tempo de tela). Difícil arriscar. E ainda há a Monica Barbaro de Um Completo Desconhecido correndo por fora.

Ganha: Zoe Saldaña por Emilia Perez

Na torcida: Isabella Rossellini, por Conclave

 

ROTEIRO ORIGINAL 

Mais uma das categorias imprevisíveis, até mesmo porque os favoritos da noite se distribuíram nas prévias - A Substância, por exemplo, ganhou o Critics, ao passo que Uma Verdadeira Dor faturou o Bafta (sendo uma desvantagem não estar na categoria principal). E como se embolamento pouco fosse bobagem, Anora venceu o WGA, que costuma ser uma excelente prévia (é o prêmio do Sindicato dos Escritores). No mais, não dá pra betar muito nessa categoria não, porque tudo pode acontecer.

Ganha: Anora

Na torcida: A Substância 


ROTEIRO ADAPTADO

Talvez aqui esteja uma das barbadas da noite, já que Conclave arrematou as prévias do Globo de Ouro, do Critics e do Bafta - ele não era elegível pro WGA e nem o diretor parece saber o por quê. No mais, é correr pro abraço.

Ganha: Conclave

Na torcida: Conclave 


ANIMAÇÃO

Por mais que o Independente Flow seja uma pequena joia do cinema alternativo - tendo vencido o Annie em sua categoria, e também o Globo de Ouro -, a disputa é dura contra O Robô Selvagem, que pinta como um favorito meio que natural, depois da vitória no Critics e também no Annie em sua categoria. Um ponto a favor de Flow talvez pudesse ser a verdadeira comoção da Letônia com a indicação - com direito a estátua do gatinho no País e tudo. Ah, tem um detalhe: Wallace & Gromit: Avengança conquistou o Bafta. E, bom, vai saber.

Ganha: O Robô Selvagem

Na torcida: Flow 


DOCUMENTÁRIO

Como fã de cinema, essa foi a categoria que fui mais negligente: como dito no começo desse texto, só assisti um - no caso o excelente Sugarcane. Mas, pendências cinéfilas a parte, esta também parece ser uma categoria difícil de cravar o vencedor, até mesmo porque as prévias apontam uma espécie de empate técnico entre No Other Land e Porcelain War, com o segundo tendo uma leve vantagem, por ter faturado o DGA e o prêmio do Juri em Sundance (além do tema relevante, que envolve o conflito entre Rússia e Ucrânia).

Ganha: Porcelain War

Na torcida: Sugarcane

 

FILME INTERNACIONAL

Emilia Perez pode ter derretido no último mês com todas as polêmicas envolvidas à Karla Sofía Gascón, mas o filme segue sendo, sejamos justos, o favorito à categoria - até mesmo pelas vitórias em prévias importantes como o Bafta, o Prêmio do Júri em Cannes e o Critics Choice. Mas o Brasil, sabemos, está comendo pelas beiradas e sabendo se aproveitar da campanha desastrosa do filme francês (que se passa no México), ainda mais depois da vitória da Fernanda no Globo de Ouro. Sim, a gente tá sonhando com essa arrancada, esse sprint final, essa comoção. Que transformará o nosso Carnaval na maior festa da história!

Ganha: Ainda Estou Aqui (não consigo ser racional aqui, é clima de COPA DO MUNDO)

Na torcida: Ainda Estou Aqui 


FOTOGRAFIA

As vitórias no Bafta e no prêmio da Sociedade Britânica de Forografia deve garantir uma vitória mais ou menos segura para O Brutalista. Claro que o prêmio da Sociedade Americana de Fotografia para Maria pode embolar um pouco a disputa, que ainda tem como concorrente o Nosferatu, que faturou o Critics Choice. Ainda assim, a aposta segura está no primeiro.

Ganha: O Brutalista

Na torcida: Nosferatu 


EDIÇÃO

Com o prêmio American Cinema Editores (ACE), que poderia ser um bom termômetro, sendo revelado apenas após o Oscar, essa categoria fica meio que no escuro, por mais que uma ou outra prévia possam indicar alguma coisa - como no caso de Conclave, que venceu o Bafta. Aliás, particularmente iria simpatizar com essa vitória, já que a edição de Anora é meio confusa e, por vezes, quase faz com que nos percamos. Em tempo, nos bastidores há quem diga que Wicked tem boas chances nessa categoria. O que seria mais um daqueles momentos "vem meteoro", legítimos de nosso tempo.

Ganha: Conclave

Na torcida: Conclave

 

DESENHO DE PRODUÇÃO

Falando em "vem meteoro", esta é uma das categorias que deve dar Wicked com folga - e, justiça seja feita, é nisso aqui que o filme brilha. As vitórias no Bafta, no Art Directors Guild e no Critics Choice são boas credenciais. Se o mundo fosse justo, Conclave venceria nessa categoria, até mesmo porque vai reconstruir a Capela Sistina de forma fidedigna, pra ver?

Ganha: Wicked

Na torcida: Conclave

 

FIGURINO

Aqui também teremos de aturar Wicked subindo ao palco para pegar seu Oscar. Sim, vocês já perceberam que eu não fui muito com a lata desse musical chôcho - e talvez vai ver eu não seja o público alvo nessa história. Ah, o Bafta, o Critics Choice e o Costume Design Guild são as credenciais que tornam essa uma das barbadas da noite.

Ganha: Wicked

Na torcida: Conclave 


MAQUIAGEM E PENTEADO

Aqui vai uma mistura de torcida com trabalho de impacto nesse setor - e quem já viu A Substância sabe do que estamos falando. Há um esforço geral dos outros indicados, mas nada que supere.

Ganha: A Substância

Na torcida: A Substância

 

SOM

Na premiação do CAS (o Cinema Audio Society) deu Um Completo Desconhecido e, sejamos justos, seria uma estatueta muito bem entregue. Claro, Wicked e Duna Parte Dois correm por fora e certamente tudo pode acontecer. Mas o CAS coloca o filme de James Mangold em vantagem.

Ganha: Um Completo Desconhecido

Na torcida: Um Completo Desconhecido 


TRILHA SONORA ORIGINAL

A trilha sonora de Robô Selvagem é maravilhosa e adoraria vê-lo como vitorioso. Mas como concorrer nessa categoria com filmes tão xaropemente musicais como Emilia Perez e Wicked? Ainda assim, tem apostador acreditando que O Brutalista corre por fora. É chute, por final.

Ganha: Wicked

Na torcida: Robô Selvagem

 

CANÇÃO ORIGINAL

A Diane Warren tem tentado ao longo dos tempos e a história dela com o Oscar (e as indicações) certamente daria um documentário - e a vantagem dela é que Sing Sing ao menos é um filme razoável e não apenas um Oscar bait qualquer. Só que, no mais, vai ficar meio chato se Emilia Pérez, com 13 indicações, sair de mãos abanando. Então pode cravar a vitória de El Mal aqui.

Ganha: El Mal, de Emilia Perez

Na torcida: Never Too Late, de Elton John Never Too Late

 

EFEITOS VISUAIS

Se a gente arremessar pra cima os indicados acho que fica entre Wicked e Duna Parte Dois. Essa é aquela hora de servir uma taça de vinho enquanto aguarda a premiação andar.

Ganha: Duna Parte Dois

Na torcida: Duna Parte Dois 


ANIMAÇÃO EM CURTA

A vitória no Annie e no Bafta dá uns pontinhos a mais pro bonito Wander to Wonder. E muito mais do que isso não tem como saber!

Ganha: Wander to Wonder

Na torcida: Wander to Wonder 


DOCUMENTÁRIO EM CURTA

Vamos combinar que os esforços da Netflix na campanha de divulgação podem fazer a diferença em uma categoria de baixa visibilidade, o que faz com que A Única Mulher na Orquestra esteja um pouco na frente. No mais, na maior categoria desempata bolão da história, tudo pode acontecer. Como a vitória de I'm Ready, Warden, por exemplo.

Ganha: A Única Mulher na Orquestra

Na torcida: A Única Mulher na Orquestra

 

CURTA LIVE ACTION

Por mais que eu goste de I am Not a Robot, talvez aqui o prêmio fique com Anuja. Ou com O Homem que Não se Calou. Ou The Last Ranger.  Boa sorte pra quem conseguiu ver todos.

Ganha: The Last Ranger

Na torcida: I am Not a Robot 


E pra vocês, quem ganha o quê? Vai Fernanda!


quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

7 Considerações Sobre os Indicados ao Oscar 2025

Bom, como vocês já sabem, a Academia divulgou na manhã desta quinta-feira os indicados ao Oscar 2025 - a premiação ocorre no dia 02 de março e, para nós brasileiros, promete ser o maior evento cinematográfico da história recente. Tanto que ainda estamos aqui e emocionados, pra elaborar essa rápida listinha com as nossas considerações sobre indicados, esquecidos, surpresas e tudo o mais!

1) Antes de mais nada PARA TUDO que Ainda Estou Aqui fez história ao ser indicado não apenas na categoria Filme em Língua Estrangeira - e até havia alguma dúvida de que alcançaríamos esse feito, dada a qualidade natural dos nominados (quase sempre a melhor produção do País naquele ano, ou a que mais merece reconhecimento) -, mas também na de Melhor Filme! MELHOR FILME! Em quase 100 edições do Oscar essa é a primeira vez que isso acontece - de um filme brasileiro ser lembrado na categoria máxima, o que aumento E MUITO as nossas chances. 

 


 

2) E a cereja do bolo é a indicação da Fernanda Torres como Atriz, aumentando a visibilidade e as expectativas, após a conquista do Globo de Ouro! A maior "rival" na categoria segue sendo a Demi Moore pelo trabalho espetacular em A Substância - o que comprova que nesse quesito o carecão de ouro vai estar em boas mãos. Claro que a gente vai estar na torcida pela nossa Fernanda totalmente INDICADA! Mas o que vier daqui pra frente, é lucro. Em tempo, fecham a categoria de Melhor Atriz Cynthia Erivo por Wicked, Mikey Madison por Anora e Karla Sofía Gascón por Emilia Perez.

3) Aliás, falando em Emilia Pérez ele é a nossa verdadeira pedrinha no sapato para a premiação desse ano. O filme, que ainda não assistimos, tem sido divisivo, gerado polêmica e uma sensação de ame ou odeie - o que nesse meio também pode ser positivo (para ele), por conta do buzz gerado. O filme que representa a França - mas se passa no México -, foi lembrado em 13 categorias. Claro que isso não significa vitória, ainda mais em um cenário de incerteza, como parece ser o desse ano. De acordo com o Dalenogare, no canal dele, o fato de Ainda Estou Aqui ter sido lembrado a Melhor Filme aumentas as chances nas outras duas categorias, já que tudo daqui pra frente, nesse mês todo, é um novo jogo.

4) Em tempo, O Brutalista, um épico histórico sobre a experiência imigrante, que ainda não conferimos, e Wicked, a versão cinematográfica de sucesso da Broadway - que estamos com ZERO ÂNIMO de conferir - receberam 10 indicações. Conclave, ótima surpresa do começo do ano sobre os bastidores da eleição do Papa - resenha em breve -, e Um Completo Desconhecido -, um olhar sobre os primeiros anos do Bob Dylan, foram lembrados em oito categorias, sendo esses os principais filmes na disputa. 

 


 

5) Claro que por mais emocionados que estejamos, não é difícil perceber que esse parece um ano meio fraco cinematograficamente falando, com poucas obras que se sobressaem ou que são unanimidade. A parte boa é que isso torna tudo ainda mais imprevisível - o que é bom para nós e para a nossa torcida.

6) Em relação às surpresas, vale comentar que o próprio A Substância é uma ótima surpresa na categoria máxima - um body horror exagerado, maravilhoso e repulsivo, que é um tipo de filme que não costuma ser atrativo entre os votantes. Talvez para os americanos e para alguns de nós, a Fernanda chegar à Atriz também seja surpreendente, por mais que o nosso patriotismo (o nosso, não o daqueles que batem continência pra bandeira estadunidense) estivesse em alta. E, bom, nem precisamos dizer no quão surpreendente foi a obra de Walter Salles chegar à categoria máxima!

7) Sobre os esnobados, penso que havia algumas certezas que parecem não ter se confirmado - caso das atrizes Pamela Anderson, por The Last Showgirl e Nicole Kidman, por Babygirl, além da Angelina Jolie por seu trabalho tão elogiado em María.  A ausência de Rivais, em Trilha Sonora, também surpreende, dada a ótima receptividade do trabalho de Trent Reznor e Atticuss Ross, premiados mundo afora. Aliás, Rivais acabou por ser uma decepção como um todo e a campanha de lembrança parece não ter funcionado. No mais, fora o esquecimento de diretores como Edward Berger por Conclave, numa categoria disputadíssima, não há grandes esnobadas a serem destacadas, ao menos inicialmente.

E, bom, que venha o Oscar!

 

Melhor Filme

    Anora
    O Brutalista
    Um Completo Desconhecido
    Conclave
    Duna: Parte Dois
    Emilia Pérez
    Ainda Estou Aqui
    Nickel Boys
    A Substância
    Wicked



Melhor Atriz

    Cynthia Erivo - Wicked
    Karla Sofia Gascón - Emilia Pérez
    Mikey Madson - Anora
    Demi Moore - A Substância
    Fernanda Torres - Ainda Estou Aqui

 

Melhor Ator

    Adrien Brody - O Brutalista
    Timothée Chalamet - Um Completo Desconhecido
    Colman Domingo - Sing Sing
    Ralph Fiennes - Conclave
    Sebastian Stan - O Aprendiz

 

Melhor Direção

    Sean Baker - Anora
    Brady Corbet - O Brutalista
    James Mangold - Um Completo Deconhecido
    Coralie Fargeat - A Substância
    Jacques Audiard - Emilia Pérez



Melhor Filme Internacional

    Ainda Estou Aqui
    A Garota da Agulha
    Emilia Pérez
    A Semente do Fruto Sagrado
    Flow



Melhor Atriz Coadjuvante

    Monica Barbaro - Um Completo Desconhecido
    Ariana Grande - Wicked
    Felicity Jones - Brutalista
    Isabella Rossellini - Conclave
    Zoe Saldaña - Emilia Pérez



Melhor Ator Coadjuvante

    Yura Borisov - Anora
    Kieran Culkin - A Verdadeira Dor
    Guy Pearce - Brutalista
    Jeremy Strong - O Aprendiz
    Edward Norton - Um Completo Desconhecido



Melhor Roteiro Original

    Anora
    Brutalista
    A Verdadeira Dor
    Setembro 5
    A Substância



Melhor Roteiro Adaptado

    Um Completo Desconhecido
    Conclave
    Emilia Pérez
    Nickel Boys
    Sing Sing 



Melhor Animação

    Robô Selvagem
    Divertida Mente 2
    Flow
    Wallace & Gromit: Avengança
    Memoir of a Snail



Melhor Documentário

    Black Box Diaries
    No Other Land
    Porcelain War
    Trilha Sonora Para um Golpe de Estado
    Sugarcane



Melhor Trilha Sonora Original

    O Brutalista
    Conclave
    Emilia Pérez
    Wicked
    Robô Selvagem



Melhor Fotografia

    O Brutalista
    Duna: Parte Dois
    Emilia Pérez
    Maria
    Nosferatu



Melhor Montagem

    Anora
    O Brutalista
    Conclave
    Emilia Pérez
    Wicked



Melhores Efeitos Especiais

    Alien: Romulus
    Better Man
    Duna: Parte Dois
    Kingdom of Planet of the Apes



Melhor Figurino

    Conclave
    Wicked
    Nosferatu
    Um Completo Desconhecido
    Gladiador II



Melhor Maquiagem e Penteado

    Um Homem Diferente
    Emilia Pérez
    Nosferatu
    A Substância
    Wicked



Melhor Direção de Arte

    Duna: Parte Dois
    Wicked
    O Brutalista
    Nosferatu
    Conclave



Melhor Som

    Um Completo Desconhecido
    Duna: Parte Dois
    Emilia Pérez
    Wicked
    Robô Selvagem



Melhor Curta-Metragem

    ALien
    Anuja
    I'm Not a Robot
    The Last Ranger
    The Man Who Could Not Remain Silent



Melhor Curta Animado

    Beatuitul Men
    In the Shadow of the Cyrpess
    Magic Candles
    Wander to Wonder
    Yuck!


Melhor Curta Documentário

    Death by Numbers
    I am Ready, Warden
    Incident
    Instruments of a Beating Heart
    The Only Girl in the Orchestra



Melhor Canção Original

    "El Mal" - Emilia Pérez
    "The Journey" - The Six Triple Eight
    "Like a Bird" = Sing Sing
    "Mi Camino" - Emilia Pérez
    "Never Too Late" - Elton John: Never Too Late


terça-feira, 17 de dezembro de 2024

30 Melhores Discos Nacionais de 2024

A nossa relação favorita do ano é sempre a mais difícil de elaborar. Primeiro porque, como de praxe, nunca conseguimos acompanhar tudo o que gostaríamos, com a devida atenção. Afinal, para ouvir um álbum nacional com atenção, é preciso mais do que o play enquanto lavamos a louça ou limpamos a casa. Sim, esse pode ser o ponto de partida de tudo, até porque ninguém é de ferro. Mas lá pelas tantas eu tenho por hábito abrir o meu caderno e, mesmo sendo leigo, fazer anotações disco por disco, música por música, destacando elementos que agradam, outros nem tanto. É a forma de tentar, minimamente, organizar esse levantamento para torná-lo, de alguma forma, satisfatório. Mas, como eu disse no começo: ele nunca estará completo. Até por que, por mais que ouçamos horas e horas de material, nunca chegaremos a uma conclusão definitiva.


 

E, nesse cenário, há ainda um outro problema: o de que estamos em uma bolha em que prestamos atenção somente àquilo que chega até nós, no nosso nicho. O que resulta em estilos ignorados, gêneros que passam ao largo e grandes e pequenos artistas que, sem querer querendo, são deixados de lado. Sim, parece que a gente já tá pedindo desculpas por qualquer equívoco ou ausência ocorrida, mas é mais ou menos isso mesmo. Talvez não seja proposital. Algo deliberado. Apenas aconteceu. Ainda mais em um ano tão espetacular para a música brasileira, como esse 2024. A nossa produção, afinal, nunca foi tão democrática, tão diversa, tão cheia de possibilidades. Cabendo a nós, ouvintes, buscar aquilo que se faz para além do agronejo milionário, que ocupa absolutamente todas as paradas. De Céu à Liniker, passando por Duda Beat e Tuyo, eis o nosso pequeno recorte.


 


 

30) Irmão Victor (Micro-Usina): O conceito de uma usina - um tipo de estabelecimento industrial equipado de máquinas, onde se processa e se transforma a matéria-prima -, parece totalmente adequado ao que encontramos no quinto trabalho do gaúcho Marco Benvegnú, o nome por trás do Irmão Victor. Seja pela dificuldade em categorizar o som - que mescla estilos distintos indo da psicodelia sessentista, passando pelo soft rock da década seguinte, até chegar ao jangle pop moderno -, pela complexidade dos arranjos ou pela poética torta, tudo parece elaborado em um processo contínuo de (des)construção, como ele explicou em entrevista ao Tenho Mais Discos Que Amigos. "Eu costumo sair para caminhar na rua, paro em algum parque, alguma praça e escrevo algumas ideias" salientou a respeito do processo criativo. O resultado são canções de letras divertidas e literárias que aludem de Mutantes a O Terno, como é o caso da ótima Amarrado no Pulso do Cão (É uma febre ao contrário / Desencantando a cada passo / Sempre mastigando gelo). Aliás, os títulos curiosos também são um capítulo a parte, sendo meio impossível ficar alheio a Miska Bella Foi a Missa, Rua da Catequese e, especialmente, a excêntrica e estranhamente onírica Canção de Ninar Landinense

 


 

29) A Banda Mais Bonita da Cidade (O Futuro Já Está Acontecendo): "Meu amor / Sou teu companheiro / Pra subir montanhas / E atravessar o mar", "Se tudo mudou / Já não tem mais jeito de voltar / Mas todo movimento é circular", "Toda brincadeira tem um fundo de verdade / O amor me traiu / E me deu o mundo". Pode até não haver um conceito definido no quarto trabalho da adorada Banda Mais Bonita da Cidade. Mas não dá pra negar que parece haver certa lógica, uma organização, quando a gente observa as frases acima, que se espalham em meio as oito canções do disco. Claro, com quinze anos de estrada, o quinteto de Curitiba já passou por muitas coisas em suas vidas - experiências traumáticas ou não, desafios, anseios, conquistas. E a maturidade parece também aparecer em cada curva do registro, com suas composições sólidas, menos apressadas e que parecem ir na contramão desse mundo tão acelerado que vivemos. "Acho que é um reflexo de como a gente tem sentido a vida mesmo", explicou a vocalista Uyara Torrente em entrevista ao site Marramaque, a respeito da escolha do repertório - e das letras que combinam simplicidade com uma verve mais filosófica, de reflexão sobre o mundo, suas idas e vindas, movimentos de retorno, de chegadas e de partidas. 

 


 

28) Luiz Amargo (Amor de Mula): Esse é aquele que entra na lista dos discos nacionais que ninguém ouviu - mas que ainda está em tempo de descobrir. Debochado e com certa disposição à zoeira, o artista é daqueles que tem um estilo descritivo, literário e irônico para abordar as particularidades do amor. Aliás, mais do que particularidades, as irracionalidades. O próprio título do registro alude aos exageros proporcionados pela paixão arrebatadora. Que o artista converte em nove canções que trafegam pelo jangle pop, indie, folk e pela música de vanguarda paulistana de forma leve, fluída. Claro que esse perfil mais descontraído, jamais significa alienação. Aliás, o músico é neto de perseguidos políticos pela ditadura e as questões políticas e dilemas sociais aparecem, salpicadas aqui e ali, como no caso da ótima Amor, Cadê a Mula? (Você, vassalo / Ralou até o talo / Depois vestiu / A roupa de espantalho), que flerta com a psicodelia setentista, ainda que em sua alma resida o fiapo do sertanejo. O expediente se repete em outros momentos, como em Fruta Madura, um rock de influência paraguaia e de letra que quase fornece um resumo do estado das coisas no Brasil atual (Nesse mundo em crise, todo sequelado /Falei pra não investir na bolsa / Faz um poço artesiano, horta, boi, arado).

 


 

27) Melly (Amaríssima): Pode soar meio estranho, mas amaríssimo é o superlativo de amargo. E ouvindo as músicas do primeiro registro de inéditas da baiana Melly, que trafegam com suavidade pelo R&B, o samba reggae, o soul e o rap, o termo não parece combinar muito. Há uma leveza ali, é inegável. Que ondula pelas melodias nunca exageradamente expansivas. Ainda assim, talvez as aparências enganem. Versátil, a artista passa por temas de crescimento pessoal e amor com uma franqueza surpreendente - ainda mais pra quem se diz tímida. "É que amadurecer, sinestesicamente, me remete ao amargo", explicou em entrevista à Rolling Stone. Sim, sair da adolescência pra vida adulta, quase sempre é desconfortável. No caso da artista, mesmo com apenas 22 anos, ela converte dilemas existenciais, paixões fugazes e reflexões cotidianas em um conjunto homogêneo de canções - diretas, bem produzidas e cheias de personalidade. Um bom exemplo desse conjunto, pode ser encontrada na bela Rio Vermelho, parceria com Russo Passapusso, uma verdadeira ode à tranquilidade e à cura emocional proporcionada pela natureza, que é reforçada pela letra filosófica sobre a passagem do tempo (Manhã de Sol, deixa queimar / Preocupações, soltas no ar / Já que é amanhã, deve esperar).

 


 

26) Oruã (Passe): Definir o tipo de som feito pelos cariocas do Oruã não é tarefa muito fácil. Para além da mais evidente psicodelia setentista de guitarras ondulantes, o coletivo mescla kraut rock, afrobeat, free jazz, candomblé, Clube da Esquina e indie pop anos 90 de uma forma única e homogênea. Em linhas gerais, quem acompanha o trio formado por capitaneado por Lê Almeida parece saber exatamente o que vai encontrar a cada registro: um som colorido mas nunca artificial, cru e sem neurose. "O Oruã é filho do centro do Rio de Janeiro, nasceu à noite e frequenta os bailes pela madrugada", resume o coletivo, nos materiais de divulgação. Para quem se aventura por esse quarto álbum os caminhos podem ser inesperados, contraditórios, como uma metáfora para a cidade. O mar e o litoral que contrastam com a decadência do centro, a riqueza dos bairros nobres em desacordo com as favelas e a periferia, o surfe idílico de comunhão com a natureza, batendo de frente com o concreto e a aspereza das ruas. Há algo evocativo, quase como uma miragem que faz colidir o cartão postal com a pobreza, a injustiça e a violência. E canções de títulos quase autoexplicativos como Caboclo, Escola Construtivista, Insensatez Abolição e Análise da Conjuntura contribuem para a formação desse cenário denso, complexo e enevoado da metrópole borbulhante. Um sopro de criatividade.


 

25) Maria Beraldo (Colinho): Um disco que cresce a cada nova audição. E que clama pela repetição, dada a quantidade de elementos espalhados em cada canto. De essência heterogênea, especialmente pela variedade de estilos - que resultam em uma sonoridade inquietante, que lembra uma mistura de FKA Twigs com Fiona Apple -, esse segundo registro da artista parece ampliar ainda mais as discussões sobre sexualidade lésbica, identidade queer e questões ligadas à gênero, sempre de forma sedutora, retirando o ouvinte da zona de conforto. "Me leva no dedo molhado, o cheiro, o gosto da minha / Viaja essе mundo lembrando do peso da minha bunda no teu / Colinho", provoca já na arrancada, com a faixa título - canção de melodia fragmentada, capaz de gerar estranhamento. Esse sentimento de fuga do óbvio percorre todo o registro, que navega em meio ao jazz, ao pop de vanguarda, ao funk e à eletrônica, de forma criativa, torta. As raras candidatas à hit, caso de Truco, que fez parte da trilha sonora do filme Regra 34, tem versos repetidos quase como um mantra, enquanto a base instrumental hipnótica parece se expandir. Com inspiração em outras artes, como a literatura - e em autores como Jorge Amado e James Baldwin -, a musicista constrói uma obra teatral, política e cheia de vigor.

 


24) Bebe (SALVE-SE!): "Quem vai me salvar? A não ser eu mesmo?". A pergunta que fica ao final da introdutória faixa título do segundo registro de estúdio de Bebe, parece pavimentar as ideias que se espalharão pelo disco. A canção é doce, quase mântrica - o que é reforçado pelo coralzinho gospel. Mas nela reside uma potência provocativa, que dialoga com uma artista que não apenas está mais madura, mas também mais confiante de suas escolhas. "Quando as pessoas chegam na minha idade, começam a viver conflitos, e a gente vai conseguindo aprender a mudar o nosso comportamento em relação a essas coisas. Tentar se posicionar mais, entender que a gente não tem controle sobre tudo, conseguir separar necessidades humanas reais e necessidades impostas pra gente", detalhou, em entrevista à Revista Noize. Experimental, harmônico, sofisticado e muito bem produzido, o álbum é mais um a mesclar R&B, rap, jazz e pop eletrônico, com um resultado moderno, futurista. É um tipo de música que se não chega a ser totalmente inovadora, no mínimo dialoga com a contemporaneidade. O que pode ser comprovado nas ótimas Assome e De Ponta Cabeça, esta em parceria com o rapper BK. "Quero me relacionar, ser ouvida por pessoas da minha idade, e talvez fomentar a cena que está a fim de estar aberta", comentou.

 

 


23) Chico Bernardes (Outros Fios): Canções que parecem ganhar cores mesmo em meio à melancolia. Letras poéticas que refletem sobre passado e futuro ou a respeito da transição do tempo - mas sem nunca soarem meramente nostálgicas. Melodias que crescem para além da voz e do violão minimalista que marcariam o autointitulado registro de estreia, lançado em 2019, o que permite alcançar outros lugares sonoros. Em linhas gerais, são muitos os elementos que evidenciam o amadurecimento do cantor e compositor, que parece mais iluminado, com brilho próprio. Experimental mas acessível - especialmente pelo uso de sintetizadores solares - esse segundo álbum parece também mais existencialista que o projeto anterior - o que certamente tem a ver com as transformações ocorridas em um período de pandemia, de isolamento, de ausência de laços, de trocas e de afetos. "No geral, acho que abriu (o disco) ao ouvinte uma viagem solitária, de maneira pessoal. Imagino que vá ressoar diferente para cada um", explicou em entrevista ao site Tracklist. Um bom exemplo do conceito do trabalho pode ser percebido em canções como Até Que Enfim, em que a transitoriedade da vida se torna palpável (A vista é bem melhor do que era antes / Mas nos custa entender / Passagem).

 


 

22) Pietá (Nasci no Brasil): Exaltar a música brasileira. O que veio antes, o que existe agora e o que vem depois. O passado e o futuro, a tradição e modernidade, em busca de construir uma uma sonoridade e poesia únicas, que se conectem com as pessoas. Que lhes aproxime da arte, para além da música. Se fosse possível descrever o objetivo do terceiro álbum do sempre ótimo coletivo Pietá, penso que ele se aproximaria disso. Afinal, poucos grupos nacionais fazem tão bem a aproximação entre temas folclóricos, ancestrais e regionalistas, com assuntos mais amplos ligados à política, a sociedade e à cultura. Há um apelo ao popular que, nesse 2024, fez a banda capitaneada por Juliana Linhares furar a bolha, já que a linda Perfume de Araçá (Quando ponho os olhos em você / Vem essa alegria me tomar), foi trilha sonora da novela No Rancho Fundo da Globo. Mas há ao mesmo tempo um componente erudito, que tem a ver também com a formação acadêmica do trio, completado por Fred Demarca e Rafael Lorga. "O álbum é uma afirmação das belezas que brotam das dúvidas, das sombras e das mazelas de um País. Ao que ainda é possível de ser vivido e transformado", resumiu a banda, no material de divulgação. Se você tem dúvidas, tente não se emocionar com Temquitê ou O Tempo É Uma Pessoa.


 

21) Tuyo (Paisagem): A contemplação do comum como tema central. Em alguma medida, assim pode ser resumida a experiência com o terceiro registro de estúdio dos curitibanos da Tuyo - um álbum que tem a simplicidade como matéria-prima, mas sem jamais incorrer na mera banalidade. Mesclando novamente a soul music com o hiperpop, o R&B e o house, o trio formado pelas irmãs Lio e Lay Soares (vozes) e pelo músico Jean Machado, nos transporta para cenários idílicos, em que a passagem do tempo funciona como uma alegoria para o método artístico do grupo. "Fincamos o pé em coisas pelas quais a gente tem paixão e outras coisas que a gente nega, como as tendências à megalomania, a hiper configuração de palcos, a saturação do que é grandioso e monumental", explicou Lio em entrevista à Rolling Stone, justificando o processo mais lento, em tempos tão velozes. Aliás, a alternância entre a calma e a pressa, o silêncio e o grito percorrem o registro, que convida o ouvinte para adentrar um território conhecido, mas sob uma nova perspectiva. O resultado são canções magnéticas, como Devagar, Escuro Total e Dentro Dessa Noite, que equilibram na medida certa os ritmos brasileiros, com certo experimentalismo eletrônico - o que é reforçado pelos sintetizadores enevoados e primaveris.




20) Papisa (Amor Delírio): "Pode acreditar / Nem tudo é deserto / Depois da noite escura / Outro dia vai nascer / E quando acontecer / O sol brilhará". A janela abriu e o sol entrou. E tudo está mais aquecido, vivo. E não é que Fenda (2019), a estreia em disco da cantora paulista Rita Oliva, a Papisa, fosse excessivamente melancólico ou sombrio. Talvez ele fosse mais íntimo, com uma sonoridade mais densa, que unia misticismo e introspecção - aliás, a própria capa já entregava esse componente mais ritualístico (nas vestes, nas cores, nos adereços e maquiagens). Só que tudo isso foi há cinco anos, antes da covid-19 e de uma inesperada interrupção de tudo aquilo que estava programado. "Fiquei em um momento de luto pela pandemia – pelo mundo inteiro, pela música que tinha parado. Depois disso, percebi que eu queria realmente a música como um recurso para trazer encantamento para a vida, trazer sol, e foi essa a minha busca", explicou a artista em entrevista ao Scream & Yell. E esse aspecto mais ensolarado pode ser percebido não apenas nas melodias, que mesclam psicodelia moderna com o dream pop noventista, mas também nas letras, mais otimistas - o que pode ser constatado em canções como Vai Passar (do trecho que abre essa pequena resenha).

 

 


19) Pluma (Não Leve a Mal): O disco de estreia dos paulistanos da Pluma permite dizer que o pop nacional respira. Mas nunca o pop óbvio, previsível, que em duas ou três semanas já estará esquecido, frente a enxurrada de lançamentos. Não. Por que por mais acessível que o som do quarteto capitaneado pela vocalista Marina Reis possa parecer - serão muitos os refrãos na cabeça após duas ou três audições -, o registro também é marcado por certo experimentalismo que leva a sonoridade do minimalismo à expansão, promovendo uma mescla de indie rock, dream pop, neo soul e R&B. De Rita Lee à Tame Impala, as referências do coletivo parecem ser várias, unindo passado, presente e futuro com personalidade e uma aura própria. "Muitas vezes começamos com a parte instrumental, com ritmos quebrados, harmonias doidas, e eu sentia uma vontade de trazer algo que segurasse a música, que as pessoas tivessem mais facilidade em acompanhar", salientou Marina em entrevista à Revista Noize, a respeito do processo criativo do grupo e dessa busca pelo equilíbrio entre o popular e o virtuoso. O resultado são canções sólidas e primaveris, como Corrida!, Plano Z e Não Leve a Mal - esta última uma das mais perfeitas letras sobre a insegurança em uma nova paixão (Não leve a mal se não te olhei / Se desviei).

 


 

18) Rafael Castro (Vaidosos Demais): Vamos combinar que a espera por um novo disco do paulista Rafael Castro valeu a pena. São nove anos desde Um Chope e Um Sundae (2015) que, a despeito de ser um trabalho divertido  - aliás, marca registrada do artista -, parece produto de uma época que não existe mais. Um período mais ingênuo talvez. Em que assuntos políticos, sociais e religiosos mal e mal apareciam - e é difícil ignorar esses temas hoje em dia. Aqui, o músico retorna em boa forma, apostando em letras ácidas, provocativas e em uma mescla de estilos que vai no limite entre o brega o o indie. A abertura, com a engraçadíssima Bar e Lanches, já dá o tom, ao dar aquela avacalhada na cultura hipster branquela de classe média, com seus hábitos gourmetizados e afetações de todo o tipo, mas que pagam vale de bacanas frequentando locais "raiz" (Um pico bom pra ser descoladex / E postar que é bom demais se misturar). O álbum pode até perder um pouco de força na segunda metade, justamente quando o músico resolve falar mais sério. Mas nada que apague o brilho de canções como O Algoritmo Te Escolheu (sobre a busca incessante dos influenciadores pelos holofotes), ou na autoexplicativa A Esquerda Errou Nesse Sentido (sobre os equívocos do progressismo cirandeiro).

 

 

17) Exclusive Os Cabides (Coisas Estranhas): Junte uma pitada do rock divertido da Superguidis, adicione uma dose da psicodelia moderna de grupos como o MGMT e acrescente ainda uma porção da sonoridade noventista de coletivos como Pavement ou Pixies e talvez consigamos resumir o tipo de som feito pelos catarinenses do Exclusive Os Cabides. Devo admitir que, em pleno outubro de 2024, tenho um pouco de ranço de banda metida a engraçadinha - mas o caso é que o completo descompromisso do segundo álbum do grupo, foi me cativando a cada nova audição. Sabe aquele sentimento de "já ouvi isso antes, mas parece totalmente novo" que, muitas vezes, ocorre diante de um novo álbum? Foi exatamente o que rolou aqui. Já escutei isso aqui dezenas de vezes. Mas bora lá escutar de novo. Meio que viralizado no Tik Tok por conta do single Lagartixa Tropical, o grupo é daqueles que mistura cenários improváveis, objetos inanimados, amores tortos e animais estranhos (e marinhos) em um conjunto que, curiosamente, forma uma unidade - um bloco que faz sentido. Pra quem quiser começar, recomendo ir direto em Luminária de Lava. Será um caminho divertido, ensolarado e sinuoso, que alternará melancolia e bom humor de forma certeira.

 


 

16) Duda Beat (Tara e Tal): Um pouco mais de safadeza e menos de sofrência. Talvez seja a maturidade e a confiança de chegar ao terceiro álbum, mas Duda Beat parece disposta a investir em um lado mais vivo, mais dançante, mais sensual, como um contraponto a certa melancolia brega, que marcaria o início da carreira. Em alguma medida, o título do projeto já evidencia esse processo de transformação, de uma cantora que mergulha em sentimentos mais intensos, mais potentes. "A 'tara' é o desejo de me libertar, de me jogar, e o 'tal' é o que vem depois, seja isso bom ou ruim", explicou em entrevista à Veja São Paulo, sobre aquele que parece ser também o seu disco mais eletrônico, dançante. Todas essas percepções são reforçadas frente a canções como as divertidas e ousadas Preparada e Saudade de Você, que conseguem ser românticas e hedonistas em igual medida, esta última culminando naquele que talvez seja o grande refrão da temporada (Saudade de você aqui agora / De noite vou te ver / Quero rebolar em cima de você / Bem melhor, bem melhor, bem melhor). São canções de melodias ricas, complexas, que jogam o ouvinte para o inferninho da pista de dança hipnótica e da noite fervilhante, mas sem ignorar aquele fundinho de melancolia que pode aparecer quando a madrugada avança.

 

 


 

15) Sofia Freire (Ponta da Língua): Batidas eletrônicas minimalistas, percussão cadenciada, teclados sobrepostos, uma voz enevoada e limpa - tudo no terceiro registro da pernambucana Sofia Freire exala modernidade e personalidade. Ativa em uma série de projetos paralelos - seja como instrumentista da banda de Gilberto Gil ou como integrante da banda Eddie -, a artista avança para outros territórios com seu pop levemente torto, nunca óbvio, que marcaria os registros anteriores. Nas entrevistas de divulgação, a cantora foi bastante honesta ao falar do bloqueio criativo que marcaria o período pandêmico. "Parecia que o que eu queria falar estava na ponta da língua, mas não saía", afirmou, a respeito do conceito por trás do registro. O resultado é um conjunto de canções de versos poéticos, repletos de jogos de palavras e de figuras de linguagem, que falam de forma bastante íntima sobre amadurecimento, relações humanas e inquietações sociais - como no caso da sinuosa Arrebento (Como uma criança / Em sincera indisciplina / Ri e chora estourando / Os balões cheio de ar), que tem uma vibe meio Céu fase Tropix (2016). "Me sinto realmente uma pessoa muito diferente do que há sete anos atrás, liberta de muitas coisas, e o PDL é um retrato disso", resumiu em entrevista ao site O Grito!

 

 

14) Carne Doce (Cererê): "Mais uma vez está na hora de partir / Pra ver se a distância pode nos unir". Poucas bandas exploram tão bem a dualidade da experiência humana como o Carne Doce. Em alguma medida é possível afirmar que delicadeza e selvageria caminham lado a lado com o pudor e a perversão, o bucólico e urbano, o amoroso e o sexy - o que é evidenciado não apenas nos versos cheios de antagonismos, mas também nas melodias que se alternam entre instantes urgentes e contemplativos. "É uma inclinação dela, dos autores que ela lê, de como ela vê a vida, e que ela acabou aprimorando com o exercício da composição” resumiu em entrevista ao Diário da Manhã, o guitarrista Macloys Aquino sobre sua parceria de grupo - e também de vida - Salma Jô. Nesse sentido as letras eventualmente reflexivas da compositora muitas vezes recebem como complemento uma sonoridade perfumada, primaveril, com guitarras melódicas e um apelo à natureza de sua região de origem, no caso o Centro Oeste. Com dez anos de carreira e um cancelamento nas costas - uma acusação de abuso sexual do baterista -, o coletivo chega ao quinto trabalho, Cererê, com suas principais atributos intactos, como comprovam as ótimas Noite dos Tristes, Suspiro, Na Bad e Festa.

 


 

13) Cátia de França (No Rastro de Catarina): "Em nossa casa podia faltar manteiga, mas nunca faltaria um livro". A frase dita por Cátia de França em mais de uma entrevista, serve pra dar conta da importância não apenas da educação, mas também da cultura em sua vida. Sua mãe, Adélia de França - a primeira professora negra da Paraíba -, sempre manteve a humilde residência da família "alimentada" por nomes como João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa e José Lins do Rego. E toda essa bagagem literária - que se une a uma formação musical completa -, permite à artista, atualmente com 77 anos, a construção de verdadeiros poemas em forma de canção, como aqueles que podem ser vistos nesse majestoso álbum, o oitavo da carreira da compositora. Unindo passado e presente e resgatando memórias que permanecem atuais, o projeto mescla pop, rock, reggae, bolero, samba e outros ritmos, traduzindo em alguma medida as incertezas dos nossos tempos. Nesse sentido, verdadeiros hinos como a feminista Espelho de Oloxá, escrito em 2017, seguem mais necessários do que nunca ("No meio da praça, que existe aqui dentro / Me vejo em protesto, nem tô me cabendo / Demandas do mundo, me importo, pertenço / Creio piamente na mudança dos ventos"). Pra ouvir sem pressa.


 

12) Nabru (Desenredo): "Saberemos viver uma vida melhor que esta / Quando mesmo chorando é tão bom estarmos juntos?". Não é por acaso que o poema Desenredo, da filósofa e romancista mineira Adélia Prado parece ser central na hora de conceituar o álbum de estreia da rapper Nabru. Nas curvas sofisticadas e cheias de ambiguidades da obra da poetisa, está o caminho para a artista desemaranhar: histórias, vivências, a coletividade, a vida na periferia, os relacionamentos e as conquistas. E a paixão pela literatura, claro, que fica evidenciada não apenas nos versos engenhosos, mas na quantidade infinita de referências literárias, muitas delas servindo de inspiração para o registro. Um bom exemplo nesse sentido pode ser encontrado em Letramento, uma pequena faixa lo-fi de flow cadenciado, enevoado e urbano, em que a experiência comunitária se une à importância da alfabetização, já que Nabru é estudante de letras na USP (A minha vida é um romance estilo Jorge Amado / Por isso faz todo o sentido Tereza Batista). "A minha mãe ama ler! [...] Então, leio desde sempre, às vezes não tinha comida na minha casa, mas sempre tinha livro", explicou em entrevista ao Monkeybuzz. O resultado são canções potentes, reflexivas e também bem humoradas, como 4Shared, Cidade Encantada e Jeguerê.


 

11) Adorável Clichê (Sonhos que Nunca Morrem): Seis anos entre um lançamento de disco e outro para uma banda pode ser um hiato bastante longo - ainda mais em tempos tão urgentes, apressados e cheios de acontecimentos relevantes como os que vivemos. Ainda assim, esse foi o período levado pela Adorável Clichê para maturar o seu segundo registro de inéditas - trabalho que parece mais polido, com os vocais mais destacados, do que na enevoada estreia O Que Existe Dentro de Mim. Na essência, pouca coisa mudou no shoegaze psicodélico de guitarras primaveris - uma das marcas registradas do quarteto. O que para os fãs certamente é um atrativo. Com apenas nove músicas e 34 minutos de duração, esse é daqueles discos que por vezes parecem nostálgicos, familiares - especialmente pelas melodias açucaradas, que servem de base para as letras enigmáticas, que se organizam como pequenos fragmentos poéticos. Um bom exemplo está na ambígua Devagar, que parece uma canção sobre amores apressados, mas talvez seja apenas a respeito da importância da conscientização no trânsito (E eu confio tanto em você / Mas eu não quero te perder / Então vá devagar). Atmosférico em alguns momentos, barulhento em outros, esse é daqueles pra ouvir repetidamente.

 


 

10) Tássia Reis (Topo da Minha Cabeça): Talvez o ouvinte mais desavisado tenha sido pego de surpresa com o novo direcionamento da cantora e compositora Tássia Reis, em seu quarto registro de inéditas. Afinal de contas, quem se acostumou com a mistura de trap, soul e R&B de fluidez sofisticada, que sempre foram a marca da artista, vai encontrar aqui uma variedade ainda maior de estilos, que podem ir do jazz ao samba, passando pela bossa nova e pelo funk - às vezes até na mesma música. Em alguma medida, Tássia trafega muito bem em cada gênero, o que tem a ver com a sua formação musical, já que ela começou a frequentar as quadras das escolas de samba ainda na adolescência, quando dançava, desenhava fantasias e escrevia poemas que, mais adiante, se converteriam em canções. Sem jamais deixar para trás a sua tradição ancestral - o que é expresso também em seu visual, nos seus figurinos e no estilo como um todo (ela é designer de moda de formação) - a musicista é um dos expoentes da música contemporânea negra. O que se reflete nas músicas, que abordam assuntos diversos sobre espiritualidade (Nós Vestimos Branco), realidade da periferia (Asfalto Selvagem) e autoaceitação (na faixa título). Claro que nem tudo é militância, como comprova a sensualíssima Tão Crazy. Uma joia.




9) Gracinha (Corpo Celeste): "Sempre fui fascinada pelo espaço sideral e o disco em sua completude permeia esse tema, fazendo uma analogia em relação a um corpo celeste que flutua no espaço sozinho, mas que ao mesmo tempo faz parte de um todo". A explicação dada por Isabela Graça - em entrevista ao site O Inimigo -, a respeito do conceito por trás de seu disco de estreia, faz todo o sentido no momento em que apertamos o play. Com sintetizadores atmosféricos e efeitos eletrônicos etéreos, a curta Vênus (Estrela D'alva), que abre o trabalho, nos conduz por um cenário espacial e onírico em que a letra parece fundir temas íntimos com assuntos mais amplos, de questões ancestrais, de raça e de gênero (Sonhos desaparecidos no meio de nós / Cantando que não vão calar minha voz / Soberana flor, regada por sóis). Esse é só o ponto de partida de um trabalho rico não apenas no arcabouço melódico, mas também em seus versos, que podem ser divertidos, como em Fantasma, com sua letra sobre as dores de sofrer um ghosting (Porque era só ectoplasma / Não era nada palpável / Não passava de um fantasma), sensuais (na safadíssima e metafórica V.O.) ou românticos (Farol, em que ela fala sobre a paixão à primeira vista por uma mulher e o desejo de escrever uma canção pra ela).

 


 

8) Zé Manoel (Coral): Lembranças de infância, memórias da juventude, sonhos que parecem se materializar. Na refinada tapeçaria que compõe o quinto trabalho do pernambucano Zé Manoel, parece haver uma nostalgia de algo sempre pronto a transbordar. Um devaneio que transpõe os limites pra se tornar algo palpável. Quem acompanha a carreira do compositor e pianista deve ter lido nas entrevistas de divulgação a explicação sobre a faixa título, canção que teria sido "soprada" em sonho por Dorival Caymmi ao músico. "Tanto a palavra, quanto a melodia vieram por Caymmi, que cantava ‘Coraaal…’. Fiquei pensando no que ele queria me dizer, e entendi que, se Dorival estava me dando essa canção, não era para eu fazer o que ele faria, era para fazer do meu jeito", comentou em entrevista ao Monkeybuzz. Do seu jeito, Zé Manoel entrega um registro que mescla idiomas e ritmos, fluindo com leveza solar e celebrando, acima de tudo, a negritude - reforçada por participações especialíssimas, como as de Luedji Luna, Liniker e Alessandra Leão. Standards americanos dos anos 70 (Golden), música africana (Malaika), ritmos regionalistas (Menina Preta de Cocar), pop de vanguarda (Canção de Amor Para Johnny Alf), tudo se mistura formando um conjunto único.

 


 

7) Luiza Brina (Prece): A oração menos no sentido estrito da religião e mais como uma súplica ligada à música, às artes e suas conexões. O que envolve também a sua capacidade de cura. Assim pode ser resumido, em alguma medida, o conceito por trás do do sofisticado, grandioso e poético quarto trabalho de estúdio da mineira Luiza Brina. Numa entrevista ao podcast Vamos Falar Sobre Música, a artista explicou que começou a escrever as suas orações - parte delas norteia o disco -, após uma severa crise de pânico ainda em 2010. Repleto de participações especiais - de Silvana Estrada a Iara Rennó -, o projeto parece reforçar a importância da coletividade no processo de construção das manifestações culturais. O que se observa não apenas na profusão de vozes, mas na riqueza das orquestrações. Ainda assim, por mais amplo e cheio de curvas surpreendentes que seja o registro, de forma alguma isso significa excesso de hermetismo. Com uma leveza quase onírica, a cantora converte cada canção em um fragmento de tapeçaria fina, capaz de se conectar com temas diversos ligados à MPB de fora do eixo - e que unem o o folclore, o encontro com a natureza e o aceno às religiões de matriz africana. Claro, os temas mundanos não ficam de fora, como comprova a imperdível Oração 18.


 

6) Edgar (Universidade Favela): Um disco muito mais pessoal e sobre si - e talvez mais distensionado na abordagem política ou de problemas sociais. Assim pode ser encarada a experiência com o quarto registro de estúdio do rapper Edgar. Porque o fato é que, por mais ativista que a pessoa seja, em muitos casos ela também quer relaxar, viver a vida, curtir, transar - especialmente após o Brasil se livrar de uma pandemia brutal e de uma extrema direita que parecia só se fortalecer. Nesse sentido, talvez não seja por acaso a abertura do álbum já ser com a movimentada Descansa Militante, em que os versos descontraídos e sensuais funcionam quase como uma carta de intenções a respeito do trabalho (Eita, caralho / Olha só, mas quem diria / Comecei na militância / E acabei na putaria). O expediente se repete em outros momentos em que a urgência da vida periférica, com suas ameaças e caminhos incertos, se cruza com a diversão, a festa e os prazeres, como no caso da imprevisível Perigos Noturnos, em que uma madrugada vertiginosa é descrita como uma explosão de dança, sexo, dores e preconceitos. Misturando estilos distintos como trap, dancehall, grime, funk e reggaeton, Edgar consegue ser universal e particular em igual medida, ao retratar a quebrada como um espaço de profusão cultural, que encontra outras artes, línguas e experiências.


 

5) Bruna Alimonda (Estado Febril): Não sei como é pra vocês a experiência de ouvir música mas, no meu caso, na maioria das vezes a audição de um novo álbum vem acompanhada de alguma outra atividade - uma louça lavada, uma caminhada de fim de tarde, um texto elaborado no trabalho. Essa operação, em muitos casos, eu repito - e não são raras às vezes que o descompromisso se converte em paixão instantânea. E é esse o caso do registro de estreia de Bruna Alimonda. Um disco que propõe uma saborosa mescla de MPB, indie pop e latinidade, com letras divertidas que utilizam metáforas gastronômicas para falar das dores do amor, como no caso das ótimas Cebola (Eu to cortando cebola pra não chorar só por você) ou na autoexplicativa Janta e Põe a Mesa (A tua presença janta e põe a mesa / É como a xepa na segunda feira / Tempero bom que faz arder de amar). E aí é lá pelo meio do trabalho que surge a imperdível Para de Me Curtir e Me Ama, que é aquele tipo de música que faz com que a gente pare tudo o que está fazendo para prestar atenção. Da letra safadinha ao refrão grudento, passando pela sonoridade primaveril e sofisticada, tudo parece tão perfeito aqui, que esse é o tipo de canção que, quase sozinha, eleva o disco para um outro patamar.

 


4) Liniker (CAJU): "Quando eu alçar o voo mais bonito da minha vida / Quem me chamará de amor, de gostosa, de querida? / Que vai me esperar em casa, polir a joia rara / Ser o pseudofruto, a pele do caju". Muito provavelmente não há um ser humano vivo que não tenha, em algum momento de 2024, se pego cantando os versos da envolvente faixa-título do segundo disco em carreira solo da Liniker. E esse foi realmente o registro que deu um upgrade na carreira da artista, fazendo-a furar a bolha para encontrar outros públicos - com direito a aclamação também da crítica. Do leve experimentalismo do trabalho anterior, o igualmente belo Indigo Borboleta Anil (2021), o que fica neste novo projeto é a fusão de estilos - jazz, sou, disco, R&B, eletrônica, pagode, brega - como uma de suas marcas. Reflexões sobre amor, inseguranças, a complexidade dos relacionamentos e até a transitoriedade da vida surgem, aqui e ali, salpicadas em músicas que esbanjam intensidade e vulnerabilidade em igual medida - casos das ótimas VELUDO MARROM, ME AJUDE A SALVAR OS DOMINGOS e FEBRE. "Às vezes, minha essência e meu trabalho me colocam neste lugar intocável. A deusa, a musa. E não, só quero sair e tomar uma cerveja com as minhas amigas", resumiu, em entrevista ao UOL.

 


3) Paula Cavalciuk (Pangeia): Ainda somos capazes de nos maravilhar com a nova MPB? Com tantos artistas que, por vezes, parecem se repetir, requentando fórmulas já meio batidas? Admito que volta e meia essas questões passam pela minha cabeça. Mas aí acontecem coisas lindas como esse Pangeia, o segundo registro de inéditas de Paula Cavalciuk e a gente percebe que, sim, há muito espaço para esse tipo de som - e, a realidade é que, quanto mais melhor. Nascida na pequena Tapiraí, em São Paulo, a compositora toma por base a viola caipira, seu instrumento desde sempre, para compor uma sonoridade que vai no limite entre o bucólico e o onírico, o artístico e o comercial. Um bom exemplo disso pode ser percebido no lindo single Dança do Vento, em que a sua voz doce flana com leveza, o que converte os versos simples cobertos por uma aura regionalista, em uma experiência quase transcendental (Vento que tirou a flor pra dançar / Me chamou também / Vento que empurrou cortina na janela / Me puxou tão bem). Tradicional e contemporâneo em igual medida, esse é daqueles registros pra colocar no repeat e ir desvendando aos poucos. Há muita beleza envolvida. O que pode ser comprovado por outros instantes irresistíveis, casos da provocativa Deus da Internet e a roqueira faixa título.




2) Céu (Novela): "Um disco humano, cheio de vulnerabilidades, gravado sem computador". Marca registrada dos trabalhos recentes da cantora Céu - como Tropix (2016) e Apká (2019) -, a ambientação mais digital ou tecnológica parece ter sido deixada de lado em favor de uma experiência mais orgânica com seu sexto trabalho. Claro que isso não significa que a artista abandonou a sua MPB envolvente e sofisticada, que mescla efeitos eletrônicos minimalistas, batidas econômicas e vocais enevoados. Está tudo lá, com a elegância e a brasilidade de sempre - mas talvez com algum tipo de naturalismo a mais. E que pode ter a ver com a própria nostalgia temática do disco, com seu romantismo meio anos 80. "Eu sou / A protagonista da minha novela", brinca na faixa Into My Novela, um rock contemporâneo que talvez não fizesse feio na trilha sonora de algum projeto de Silvio de Abreu. Outra música que tem uma energia novelesca estilo Jovem Guarda é a deliciosa Crushinho. Romântica, moderna, contraditória, divertida, ela fala das complexidades do relacionamento para culminar no refrão mais adocicado (e safado) da temporada: "Vem aqui ouvir / Tu é meu crushinho / Eu só quero dar, dar muito carinho". Mais um ótimo registro que consolida Céu como uma das mais interessantes artistas de nosso País.


 

1) Amaro Freitas (Y'Y): Não são necessários nem quinze segundos Mapinguari (Encantado da Mata), canção que abre o quarto registro de estúdio do pianista Amaro Freitas, para que sejamos transportados para um universo bucólico, místico, em que florestas, córregos e outros elementos da fauna e da flora se convertam em unidades concretas, palpáveis, dotadas de uma nitidez límpida. A música tem pouco mais de um minuto e meio de duração, mas funciona como uma perfeita carta de apresentação daquilo que encontraremos no transcorrer dos 43 minutos de duração do álbum. Conexão com a natureza, ancestralidade, religiosidade - no piano sofisticado e cheio de possibilidades do artista parece sempre haver espaço para a colisão de ideias abstratas e corporificadas, primitivas e contemporâneas e que resultam de uma viagem feita pelo compositor à Amazônia, em 2020. Lá, ele ouviu o som do encontro dos rios Negro e Solimões, o canto dos pássaros diante das nuvens carregadas de chuvas, as gotas espocando nas vitórias-régias. "Ouvir a Amazònia foi como conhecer um outro Brasil", resumiu em entrevista à Revista Piauí. O resultado é um disco sólido, meditativo e transcendental, que faz com que ninguém saia igual da experiência de escutá-lo.


Bom, não foi fácil finalizar essa lista e talvez na semana que vem ela já fosse outra. A nossa música respira, como um organismo vivo - e isso é um grande mérito. Dos artistas, de quem os consome, e dos veículos que lhes dão espaço. E que venha 2025.