terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Cinema - 1917 (1917)

De Sam Mendes. Com George Mackay, Dean-Charles Chapman, Benedict Cumberbatch, Colin Firth e Mark Strong. Guerra / Drama, EUA / Reino Unido, 2019, 119 minutos.

Quando assistimos a uma produção como 1917 (1917) passamos a ter a certeza de que não, o tema da guerra no cinema NÃO SE ESGOTOU e sempre haverá espaço para que ele nos surpreenda ou nos traga um novo ponto de vista. Somente nas premiações desse ano temos duas películas de relevância que revisitam os dois maiores e mais trágicos eventos do tipo, ocorridos no começo do século passado. Se em Jojo Rabbit o humor serve para, a partir do ponto de vista de uma criança, denunciar o absurdo por trás do ideal nazista, na obra de Sam Mendes (Beleza Americana), o que se sobressai é a pasmaceira realista que nos coloca dentro de um episódio que poderia ter ocorrido durante a Primeira Guerra. E acompanhar a jornada de dois homens do exército inglês que devem levar uma carta de um ponto a outro do front - o que poderá evitar a morte de 1.600 aliados -, a pé, adentrando o território inimigo (no caso, os alemães), é algo que nos deixa sem fôlego mais ou menos pelo TEMPO TODO.

E isso tem sim a ver com a parte técnica. Muitas pessoas (a crítica inclusive), tem se empenhado em falar do suposto plano-sequência que nos conduz em um território acinzentado, abandonado, melancólico, lamacento, com cheiro, gosto e cara de morte, com corpos apodrecendo, ratos pestilentos, trincheiras sujas, secas ou úmidas. E de pouca esperança. E de absurdo em um conflito sem lógica. Mas eu digo a vocês que pouco importa o plano-sequência - e quem assistiu filmes como Festim Diabólico, do Alfred Hitchcock, vai sacar direitinho onde estão os cortes: o que importa mesmo é a imersão. É estar com a câmera grudada naqueles dois sujeitos que avançam em território inóspito, sem nenhuma previsão do que vai acontecer. Se serão atacados, mortos, surpreendidos por alguma tática de guerra. Se superarão limites. Se morrerão ou encontrarão alguém. Se voltarão para casa ou para as suas famílias. E é o combo fotografia + figurinos + edição e mixagem de som + desenho de produção que faz isso. Sim, os longos planos também fazem e muitos deles são simplesmente inacreditáveis. Mas eles não "acontecem" sozinhos.


Sobre o desenho de produção ele é simplesmente um espetáculo a parte. Da saída de sua própria trincheira, ao avanço pelo descampado imprevisível, há uma grande riqueza de detalhes na apresentação dos destroços de uma guerra - seus cadáveres, seus terrenos acidentados, cheios de pocilgas, de aclives e de espaços que por si só também se transformam em inimigos, nos causando até mesmo certa vertigem. Como se avançássemos por um jogo de videogame, com a câmera "caminhando" conosco, buscando o melhor ângulo para se posicionar, estamos sempre no aguardo da hostilidade que é, metaforicamente, apresentada no formato de cenários destruídos, vidas despedaçadas e tristeza onipresente. Em poucos filmes os horrores da guerra foram apresentados de forma ao mesmo tempo sutil e gritante como em 1917. Mais ou menos como na sequência em que os cabos Shofield (George MacKay) e Blake (Dean-Charles Chapman) cruzam por um belíssimo jardim de cerejeiras perdido no meio do nada, para no instante seguinte serem confrontados, da forma mais cruel possível, com o absurdo do conflito.

Fora aquele crítico que vai dizer que "blablabla, a parte técnica não está a serviço do filme (what?)", duvido o espectador médio (meu caso) não se sentir absurdamente envolvido por essa grande obra - que deverá com justiça faturar o Oscar no próximo domingo. É aquele tipo de filme que vale a pena ver no cinema e fora um ou outro excesso cometido pela trilha sonora (que eventualmente tenta ditar as nossas emoções ou o que devemos ou não sentir em certo momento), a película nos faz sentir de tudo da melhor forma - seja por meio da edição de som que nos faz perceber respirações e tensões, seja na fotografia que modifica sensivelmente a sua paleta de cores de acordo com o "momento" vivido pelos dois cabos. Com interpretações corretas, sem deslizes, e com boas surpresas no elenco de apoio, 1917 consegue renovar o fôlego para os filmes do gênero - especialmente no retrato da Primeira Guerra, que nem sempre é lembrada. E por mais que a história pareça ser simples e com avanços mais espaçados do que convencional, bastará uma explosão meio sem aviso para que a gente se lembre do quão estúpidos nós, os humanos, podemos ser.

Nota: 9,5

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