segunda-feira, 25 de maio de 2020

Novidades no Now/VOD - Harriet (Harriet)

De: Kasi Lemmons. Com Cynthia Erivo, Janelle Monáe, Leslie Odom Jr., Joe Alwyn e Jennifer Nettles. Drama / Biografia, EUA, 2019, 125 minutos.

Histórias como a de Harriet Tubman são praticamente desconhecidas da maioria das pessoas, então há de se celebrar a existência de obras como Harriet (Harriet) - mesmo que haja um certo exagero nas tintas e uma solenidade que vai no limite da cafonice na condução da narrativa. Nesse sentido vale muito mais a intenção de jogar alguma luz aos eventos cinematográficos vividos pela protagonista - que é interpretada por Cynthia Erivo (em papel que lhe deu uma indicação ao Oscar) -, e que possuem grane relevância, quando analisados em perspectiva. A trama volta no tempo para o período que antecede a Guerra da Secessão norte-americana, que durou de 1861 a 1865. Eram tempos meio confusos em que o conflito entre norte e sul se ensaiava no mesmo compasso em que mais e mais escravos conseguiam a sua carta de alforria e mais e mais patrões ficavam desgostosos. Tudo isso antes de Lincoln e dos atos que emancipariam os negros norte americanos.

É nesse cenário que Harriet surge. Perto do ano de 1850 ela é impedida pelo seu senhorio de se casar - e de se ver oficialmente livre. Mesmo tendo documentos. Mesmo com um advogado a seu favor. E é contrariando todas as possibilidades que ela resolve fugir, saindo da fazenda localizada no Estado de Maryland, para 160 quilômetros adiante, suja, cansada, com fome, ser acolhida na Filadélfia, já na Pensilvânia. No meio do caminho ela confronta os seus antigos patrões - representados pela figura do mimadinho filhinho de papai Gideon (Joe Alwyn) e conta com o apoio de ajudantes que operam na clandestinidade. Na Filadélfia um novo mundo se abrirá, quando ela for recebida por Marie (Janelle Monáe) que, junto com William (Leslie Odom Jr.) recebem escravos fugitivos, abrigando-os em uma espécie de instituição de apoio. No local são alimentados, podem tomar banho e vestir roupas. São encaminhados a trabalhos. Enfim, são tratados como humanos. Como iguais.


Só que um ano depois disso, Harriet não está completamente feliz e decide voltar ao seu local de origem para resgatar o seu marido. Chegando lá, descobre que ele se casou com outra por acreditar que ela estivesse morta. Mesmo desiludida, a protagonista altera um pouco a sua missão: ajuda seus irmãos, sobrinhos, cunhados e amigos a atravessar a fronteira em jornada semelhante a que ela realizou. É nesse momento que se inicia uma das maiores operações de resgate de escravos daquele período. Somente Harriet teria contribuído para que dezenas de escravos fossem libertados dos maus tratos ocorridos em propriedades mais ao Sul. Outros tantas pessoas contribuíram nessas operações. Operações que deixaram a aristocracia e os extratos mais ricos da sociedade desgostosos: sem escravos que trabalhassem para eles, viram suas receitas (e suas propriedades) minguarem, como no caso de Gideon e de sua hipócrita mãe Eliza (Jennifer Nettles). Bom, estava desenhado o cenário de crise político e institucional que transformaria os Estados Unidos em um verdadeiro barril de pólvora. E ainda que esse bastidor não apareça de forma mais pungente no filme, a gente sabe: ele está lá.

Em tempos de cassação de direitos, de ódio, de preconceito e de intolerância como os que vivemos - com figuras como Trump e Bolsonaro no poder -, nunca é demais recordar a história, para que não tornemos a repeti-la. Não foi sem dor que Harriet alcançou algumas de suas pequenas vitórias. E é esse contexto que vai sendo descortinado na tela - um contexto em que capitães do mato não hesitam em auxiliar os proprietários de terras, ao passo em que música e religião se fundem em meio a sonhos difusos de liberdade entre os escravos negros. Há algo quase ritualístico na forma com que Harriet é retratada, como se ela fosse tão destemida quanto sagrada - e eu, sinceramente, não vejo problema nisso já que eu imagino que o contexto daquela época fosse ainda pior do que as imagens amenizadas e bem produzidas que assistimos. Aliás, sobre isso o filme dá um pequeno show na parte técnica: a fotografia parece sempre pronta a nos manter otimistas (com suas cores vivas, marcantes), ao passo que o desenho de produção e a trilha sonora são exemplares. Aliás, a música Stand Up, com sua letra cheia de significados, também recebeu uma nominação no último Oscar. Não ganhou. Mas que nos tocou fundo no coração, isso tocou.

Nota: 8,0

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