De: Alan Ball. Com Sophia Lillis, Paul Bettany, Peter Macdissi, Margo Martindale. Drama, EUA, 2020, 101 minutos.
Road movie em que personagens utilizarão a viagem para se aproximar, aparar arestas, repensar caminhos. Em partes, Tio Frank (Uncle Frank) - novo filme da Amazon - é isso. Nesse sentido, a narrativa não chega a representar uma grande novidade. Ainda assim trata-se de um filme simpático, que discute preconceito e aceitação, em meio a relações familiares conflituosas. O tio Frank do título é vivido por Paul Bettany: saído de uma família conservadora do Sul dos Estados Unidos, vai morar em Nova York onde se torna professor universitário. Estamos nos anos 70 e distante do provincianismo da pequena cidade da Carolina do Sul, também pôde viver sua sexualidade de forma livre: gay, esconde esta informação da família como um segredo bem guardado no armário, com direito a namoradas fictícias e desculpas aleatórias para não casamentos não ocorridos e relacionamentos mais duradouros (e, não custa lembrar, famílias mais tradicionais não costumam abrir mão de convenções sociais como matrimônio, filhos, estabilidade).
Espécie de "confidente" de Frank, sua sobrinha Beth (Sophia Lillis, vista na ótima série Sharp Objects da HBO) o mantém em uma espécie de pedestal. Mais ainda, estimulada pelo tio intelectual, se muda para Manhattan para fazer faculdade. Só que ela nunca compreendeu muito bem os motivos de seu avô (o pai de Frank) Daddy Mac (o excelente Stephen Root) tratar tão mal seu tio - o que fica comprovado já na sequência inicial, que envolve um tumultuado aniversário em família. Frank tem comportamento amistoso e introspectivo, mas são os seus segredos que pesam nessa equação. Em Nova York, Beth e Frank receberão a triste notícia da morte de Daddy Mac - sem que o protagonista possa ter tido algum momento para se reconciliar com seu genitor. Será no retorno para "casa" que memórias virão à tona, com tudo se tornando mais complicado quando o carismático Walid (Peter Macdissi), namorado de Frank, se junta à dupla.
Em geral como eu já disse, já não há exatamente uma novidade aqui: o conflito está estabelecido pelo fato de Frank jamais ter conseguido revelar a sua homossexualidade à família, por mais esclarecido que ele seja. O medo das reações, das rupturas de laços, das quebras "contratuais" o afasta dessa opção. Mas quando Walid resolve ir para o funeral do nunca conhecido sogro, a tensão aumenta, claro. Mas isso não quer dizer que estejamos diante de uma obra sisuda ou excessivamente reflexiva: o próprio Walid surge como alívio cômico involuntário, com seus comentários espirituosos sobre toda a situação e sua persistência divertida (e que surge invariavelmente com um sorriso no rosto). Já para Frank, os flashbacks servirão para que nos desloquemos para o passado onde, na juventude, ele teve de lidar com uma tragédia envolvendo um de seus primeiros amores. Nesse sentido o filme não deixa de colocar o dedo na ferida sobre o absurdo do preconceito, do ódio e de intolerância - que segue em plena marcha nesse absurdo 2020.
Tecnicamente bem executada, a obra do diretor Alan Ball (responsável pela elogiada série A Sete Palmos) abusa da fotografia esmaecida - o que pode ser vista já na capa -, para estabelecer uma espécie de diálogo com o estado de espírito daqueles que assistimos (figuras que tem a sua essência meio "apagada", para se adequar aos padrões). Com um elenco de apoio espetacular - Margo Martindale emociona nos poucos momentos que aparece e eu cheguei a cogitar se não seria justa uma nominação ao Oscar como coadjuvante a ela, ao passo que Steve Zahn surge como o irmão resistente e metido a "durão", mas compreensivo -, Tio Frank dificilmente se tornará uma sessão inesquecível, mas certamente nos arrancará algumas lágrimas e outras tantas risada em uma hora e meia. E, bom, isso já faz valer a pena conferir.
Nota: 7,5
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