sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Novidades em DVD/Now - As Golpistas (Hustlers)

De: Lorene Scafaria. Com Jennifer Lopez, Constance Wu, Julia Stiles, Lili Reinhart, Lizzo, Cardi B e Keke Palmer. Comédia / Drama, EUA, 2019, 110 minutos.

Por estar distante da nossa realidade, muitas vezes não percebemos como a crise financeira/imobiliária de 2008 nos Estados Unidos, atingiu os mais variados setores - e o filme As Golpistas (Hustlers) nos mostra como a queda no movimento afetou severamente os bares de strip tease, naquele período. Frequentados por figuras ligadas à Wall Street - investidores, banqueiros, empresários -, as boates eram local em que era despejado muito dinheiro, com as strippers tendo a segurança de ter o seu "ganha pão" garantido. Com o cenário economicamente desfavorável, muitos frequentadores deixaram de usar essa reserva e as profissionais ligadas ao sexo também assistiram à chegada do período das "vacas magras". Bom, isto até uma das dançarinas de nome Ramona (Jennifer Lopez) bolar um plano que visava dopar eventuais clientes bem sucedidos, para retirar o dinheiro deles meio que na marra. Um plano que, claro, tinha tudo para, em algum momento, dar errado.

Ainda que o filme seja sobre um tema sério - golpistas que induziam clientes a gastos excessivos com cartões corporativos que dificilmente poderiam ser cobertos -, o tom adotado é leve, eventualmente até divertido (o que pode ser explicado pelo fato de Adam McKay, diretor de Vice, ser um dos produtores da película). Na trama somos apresentados a uma outra stripper, a inexperiente Destiny (Constance Wu), que se aproxima de Ramona, faz amizade com ela, aprende a arte do strip tease, do pole dance e outras artimanhas e enriquece junto com ela - até o momento em que tem início a derrocada. No começo do filme Destiny está contando a sua história para a jornalista do periódico New York Magazine, Elizabeth (Julia Stiles). Com idas e vindas no tempo, compreenderemos como tudo aconteceu e os motivos pelos quais a amizade entre Destiny e Ramona entrou em colapso, com o sonho do dinheiro fácil e de uma vida de independência escorrendo pelo ralo.


Exuberante do ponto de vista visual - há uma grande fartura de objetos de desejo no mundo da moda (de bolsas a sapatos de grife, passando por casacos bastante elegantes), além de uma cenografia que valoriza uma vida refinada -, a obra da diretora Lorene Scafaria (do esquisito Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo), tem também nas participações especiais um de seus charmes (e confesso que achei bem legal assistir a Lizzo e a Cardi B utilizando o discurso de empoderamento que também passa pela escolha daquilo que a mulher faz com o próprio corpo). E, nesse sentido, talvez algumas pessoas se incomodem com os excessos de peitos, bundas e coxas que saltam da tela, mas a intenção também é a de mostrar que, neste universo em que se sobressaem os jogos de poder, elas parecem estar muito mais acima na "cadeia alimentar" do que aquele véio barrigudo ou o yuppie infeliz no casamento, que entrega facilmente seu dinheiro para uma garota de salto alto e com um belo decote. Quem tem PODER nessa equação, afinal?

E claro que isso não justifica aquilo que as golpistas fazem e que é retratado no filme. Mas o fato é que as tramoias e as estratagemas são tão bem engendradas e o elenco é tão carismático - ele é completado por Anabelle (Lili Renhart) e Mercedes (Keke Palmer) -, que, quando vemos, estamos torcendo pelo sucesso das protagonistas. E o fato de a gente se importar com elas, está diretamente relacionado ao seu bom funcionamento. Não quer dizer que o crime compense. Mas a gente se envolve. Há histórias por trás: uma mãe que precisa ajudar os filhos, outra que precisa apoiar a vó doente, uma terceira que é de origem humilde e por aí vai. Com JLo preenchendo a tela com aquele que é, disparadamente, seu melhor papel na carreira - por pouco ela não foi lembrada no Oscar - As Golpistas é aquele filme que se não é inesquecível, ao menos diverte e entretém. O que já o faz valer a pena.

Nota: 7,5

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Tesouros Cinéfilos - Holy Motors (Holy Motors)

De: Leos Carax. Com Denis Levant, Edith Scob, Eva Mendes Kylie Minogue e Michel Piccoli. Drama / Fantasia, rança, 2012, 115 minutos.

Devo confessar que obras como Holy Motors (Holy Motors), me causam verdadeiro fascínio. Aquele tipo de filme em que você não entende praticamente nada, mas que não sai da sua cabeça assim que termina a sessão. Que você fica buscando sentidos, ainda que isso não seja absolutamente necessário. Ao lado de Cidade dos Sonhos (2001), Donnie Darko (2001) e outros exemplares, tratam-se, muitas vezes, de películas sensoriais. Que utilizam o coletivo de imagens e de sons para nos assombrar sem uma lógica de começo meio e de fim estabelecida. Sem uma conexão clara, exata. Pois esse filme do diretor Leos Carax já começa esquisito: um homem desperta em um local que parece um hangar abandonado de um aeroporto (mas o barulho é o de um convés de navio). Ao lado, uma platéia  parece paralisada, em um cinema de aspecto sombrio, enquanto imagens sem sentido são evocadas. A história mal começou e já temos uma sensação de estranhamento meio generalizada.

Quando sai de sua casa (a casa parece uma embarcação, reparem) e entra em uma limusine, perceberemos aos poucos a natureza do "trabalho" do protagonista, um certo Monsieur Oscar (Denis Levant): durante todo o dia, encarnará figuras diferentes - uma mendiga idosa, um pai arrependido em seu leito de morte, um assassino profissional, um louco que vive nos esgotos, entre outros. Em cada uma das personalidades, detalhes diferentes, inflexões de voz, olhares, comportamentos, que tornam cada uma delas, única. Nesse sentido, se sobressai aquele que parece ser o primeiro e mais marcante aspecto da película: ela se trata de uma grande homenagem ao teatro e ao poder das artes (amplificado por vigorosas interpretações, que alcançam seu auge quando Oscar encarna o grotesco sujeito que sai do esgoto, entra em um cemitério, invade uma sessão de fotos de uma modelo famosa e a sequestra). Aliás, o que torna este instante tão especial, é perceber que todos ali estão interpretando - o que não diminui o nosso arrebatamento como espectadores.


Como parte da excentricidade quase surrealista da nossa experiência, é interessante notar como consideramos "crível" cada personagem de Oscar, mesmo assistindo a ele se preparando (usando perucas ou enxertos de peles falsas e se maquiando), na nossa "frente". Assim, uma outra análise pode ser feita: a de que ao viver tantas vidas diferentes em um único dia, Oscar esteja não apenas evocando a nossa própria existência - quantas vezes não encarnamos papeis no nosso dia a dia, afinal -, mas a levando a uma situação limite. Pobreza? Todos teremos, financeira, de espírito. Geração de repulsa? Basta não nos comportarmos ética ou moralmente de forma aceitável. Morte? Todos enfrentaremos. Medos? Idem. O dia de Oscar pode ser comparado a toda uma vida - suas alegrias, frustrações, anseios -, sendo os personagens, de forma metalinguística, funcionando como uma válvula de escape (aquilo para o que afinal, também se presta o cinema).

Divertindo por trazer ainda, aqui e ali, algumas mensagens sobre o absurdo da vida exibicionista em tempos de redes sociais (como no caso dos letreiros que, em um cemitério, solicitam uma visita ao site dos "mortos"), o filme ainda utiliza animais - macacos, cachorros -, para amplificar o aspecto irracional de nosso comportamento, muitas vezes alheios ao absurdo da experiência humana. Nunca fácil, o filme está o tempo todo mexendo com a nossa imaginação, nos fazendo buscar sentidos e conexões em sequências que não fariam feio em uma instalação de algum artista pós-moderno (como no caso da cena em que carros "conversam" entre si). Longe das soluções fáceis, a obra provoca, atiça, nos deixa curiosos. E mesmo quando parece mais lógica ou menos hermética, não abandona a iconoclastia e o desprezo pela arte previsível ou óbvia - e que seria capaz de fazer espectadores, como os do começo do filme, ficarem letargicamente paralisados.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Novidades em Streaming - Grimes (Disco)

Com Miss Anthropocene da Grimes podemos dizer que temos, oficialmente, o primeiro grande disco que irá figurar em todas as listas de melhores do final do ano. Muito mais desacelerado e sorumbático que o anterior, o ótimo Art Angels - que foi o nosso segundo colocado na lista de melhores de 2015 -, o novo trabalho mostra uma artista em evolução, capaz de flertar com os mais variados estilos, mas mantendo a personalidade na produção de uma eletrônica misteriosa, sexy, lânguida. Cada vez mais distante do experimentalismo do começo da carreira musical - que entregava canções enevoadas (e debochadas) como Genesis ou Oblivion -, a produção do álbum surge limpa, com o vocal de Claire Boucher sendo o veículo para a expressão de uma coleção de músicas politizadas, como a ótima My Name Is Dark ou sobre romance tortos e melancólicos, como na saborosa Delete Forever. Bom, a própria artista está chamando este novo momento de sua música - ela está no quinto disco da carreira - de "nu metal etéreo". Bom, se vocês aprovam ou não é só clicar pra conferir!


Picanha em Série: Feud: Bette and Joan

De: Ryan Murphy, Helen Hunt, Liza Johnson e Gwyneth Payton. Com Jessila Lange, Susan Sarandon, Judy Favis, Alfred Molina e Stanley Tucci. Drama / Comédia, EUA, 2017, 480 minutos.

Eis um dos mais representativos casos de "melhor série que ninguém viu" - e confesso a vocês que tive de pausar diversas vezes Feud: Bette and Joan pelo simples motivo de poder degustar melhor aquilo que estava assistindo, o que fez a produção de Ryan Murphy (Pose, American Horror Story) entrar diretamente no meu Top 5 das séries (minisséries, nesse caso), preferidas. A trama conta a história por trás de uma das mais improváveis parcerias que se tem registro em Hollywood - no caso, quando Joan Crawford e Bette Davis se juntaram para contracenar no clássico de Robert Adrich, O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962). Rivais fora das telas, ambas as atrizes tinham vivido os anos de ouro na Meca do Cinema, sendo premiadas e reconhecidas mundo afora. Mas no começo da década de 60, já não eram nomes que atraíam tão fortemente os holofotes, sendo relegadas à participações constrangedoras em programas de TV ou em peças de teatro de qualidade duvidosa - condição que anteciparia o inevitável ostracismo.

Como uma forma de tentar resgatar aquilo que parecia perdido, Joan (Jessica Lange) tem a ideia de apresentar à Aldrich (Alfred Molina), uma cópia do livro de Henry Farrell. O cinema de horror hagsploitation ainda não havia surgido como subgênero, mas o diretor enxergou ali uma oportunidade de ouro não apenas para ele - até então relegado ao segundo plano na indústria -, mas também para suas duas estrelas. Nesse sentido, a narrativa contada em oito capítulos trará o antes o durante e o depois dessa experiência, com um sem fim de embates homéricos entre Joan e Bette (Susan Sarandon). Tão iguais quanto diferentes, Bette sempre foi muito talentosa mas, nem tão bonita, parecia estar sempre precisando provar a sua capacidade de interpretação, ao passo que Joan sempre foi muito bela, o que fez com que ela precisasse provar o tempo todo que não era apenas um "rostinho bonito". As duas parte de uma engrenagem comandada por homens, num ambiente extremamente machista, definindo ou acabando com carreiras e reciclando ídolos a seu bel prazer.


E talvez esse seja um dos pontos fortes de Feud: Bette and Joan: inimigas quase mortais no set, percebem tardiamente que talvez pudessem ter sido amigas, se não tivessem sido fruto da manipulação extrema de produtores - como o chefão da Warner Jack Warner (Stanley Tucci) -, ou da imprensa sensacionalista - na série, caracterizada pela poderosa colunista social Hedda Hooper (Judy Davis). Para além desse aspecto (e, em partes, também por causa dele), a série é mais pura diversão metalinguística, com acontecimentos relevantes de bastidores sendo despejados na cara do espectador, resultando em um deleite não apenas visual - a fotografia e o desenho de produção são assombrosos -, e de roteiro, cheio de ótimos e espirituosos diálogos, mas também de esforço de interpretação da dupla central, que leva os trejeitos das figuras que encarnam quase na direção da homenagem (fugindo da paródia). E não deixa de ser paradoxal o fato de vermos duas atrizes que já ultrapassaram os 70 anos e que já venceram o Oscar - Lange por Céu Azul (1994) e Sarandon, curiosamente um ano depois por Os Ultimos Passos de Um Homem (1995) -, encarnando papeis para a TV, o que dá um exemplo quase excessivamente visual daquilo que a própria série pretende discutir.

Para quem gosta de O Que Terá Acontecido a Baby Jane? ou aprecia outros filmes da época - como A Malvada (1950), A Dama Enjaulada (1964), Almas Mortas (1964) e Com a Maldade na Alma (1964) -, bem como os astros e estrelas do período, a série se tornará ainda melhor, mais saborosa. Narrada em um formato de falso documentário, a história é contada pelas atrizes Joan Blondell (Kathy Bates) e Olivia De Havilland (Catherine Zeta-Jones) - esta última com papel centrar na trama, especialmente pela amizade com Davis. Com uma série de subtramas que discutem feminismo, papel da mulher na sociedade, sororidade e trabalho x maternidade, a minissérie é um verdadeiro espetáculo que tem o quinto episódio - o dos bastidores da cerimônia do Oscar de 1963 -, como central. Aliás, não foi por acaso que esse episódio foi indicado ao Emmy, com o show sendo lembrado ainda em nove outras categorias para a cerimônia de 2018 (infelizmente, nenhuma vencedora). Mas não ter vencido premiações não apaga o brilho da série, que coloca frente a frente duas mulheres de personalidade forte, ambiciosas, sinceras, orgulhosas, que nos farão rir e chorar o tempo todo em meio a ressentimentos, confissões e fraquezas.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Na Espera - The French Dispatch (Filme)

Mal o Oscar 2020 passou e já começam as projeções nas bolsas de apostas, sobre quais as produções que deverão estar na próxima premiação - e é muito provável que The French Dispatch, a nova empreitada do diretor Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste, Os Excêntricos Tenenbaums) esteja entre elas. Claro que ainda é cedo para falar qualquer coisa, mas julgar pelo grandioso elenco de nomes como, Frances McDormand, Adrien Brody, Bill Murray, Timothée Chalamet, Benício Del Toro, Tilda Swinton, Elisabeth Moss, Kate Winslet, Willem Dafoe e Christoph Waltz - isso só pra citar alguns -, e pela história que volta para o fim da Segunda Guerra Mundial para contar, com bom humor, uma coleção de narrativas publicadas por um jornal americano, na França, há grandes chances de a estatueta dourada ser algo palpável.


Aqui no Brasil, o filme estreia no dia 24 de julho de 2020 - fora da temporada de premiações em que o lobby é maior -, e, pelo trailer, é possível constatar que se trata de um exemplar típico do cinema andersoniano, com cenários coloridos que se intercalam com outros em preto e branco, figurinos (e personagens) excêntricos, diálogos debochados e muito humor nonsense. E há ainda a trilha sonora que, aparentemente, será um atrativo a mais, como comprova a inclusão de Aline, do cantor Christophe, no trailer. Bom, com ou sem Oscar os filmes do diretor sempre geram grande expectativa e, aqui no Picanha, já estamos Na Espera.

Cinema - O Jovem Ahmed (Le Jeune Ahmed)

De: Jean-Pierre e Luc Dardenne. Com Idir Ben Addi, Myriem Akheddiou, Claire Bodson e Olivier Bonnaud. Drama, Bélgica, 2019, 84 minutos.

O tema de O Jovem Ahmed (Le Jeune Ahmed) é o fanatismo religioso e como ele pode ter um potencial altamente destrutivo, especialmente quando direcionado a pessoas em vulnerabilidade emocional, inseguras ou fragilizadas. Aliás, de alguma forma a película dos sempre ótimos Irmãos Dardenne (O Filho, O Garoto da Bicicleta) dialoga com essa onda conservadora e extremista que tem gerado um sem fim de grupos que visam a "limpar" a população daquilo que consideram religiosa ou politicamente diferente - e na Bélgica, País em que se desenrola a narrativa, isso parece ocorrer com ainda mais força. Na trama o jovem Ahmed do título original (o ótimo Idir Ben Addi) é um garoto de 13 anos que, ao invés de jogar videogame, futebol e se masturbar, prefere seguir a risca o Corão, cumprindo uma rotina de comportamentos introspectivos, que incluem rezas em horas marcadas e uma vida de privações - tudo para seguir o que pede o "Imã", uma espécie de guia espiritual, encarregado da mesquita.

Em nenhum momento fica claro onde foi que Ahmed se perdeu para o extremismo religioso - ainda que a chave pareça estar em um falecido primo do menino que, aparentemente, tinha alguma ligação com o jihadismo. O caso é que o rapaz leva a palavra do Corão a risca, tanto que compra briga com a professora de seu colégio, uma senhora de nome Inès (Myriem Akheddiou), que resolve ensinar a língua árabe de forma menos ortodoxa (com canções e outros recursos linguísticos). Tudo piora quando Ahmed descobre que a educadora possui um namorado judeu e, considerando-a impura (uma apóstata), resolve que precisa assassiná-la. Sim, matá-la. Bom, o plano não sai como ele imaginava e ele acaba indo parar numa espécie de centro de detenção juvenil, onde, com o apoio de um coletivo de instrutores, aprenderá pequenos ofícios, que lhe afastem de ideias extremistas e lhe possibilitem uma vida normal em sociedade.


Como sempre ocorre no cinema dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, eles se ocupam de um pequeno recorte que nos possibilitará, enquanto espectadores, um olhar para o todo. Ainda que tome partido, o filme faz questão de deixar claro que o problema está no extremismo e não na religião muçulmana em si - tanto que em uma cena de uma reunião da escola, pais e alunos de mente mais aberta (ou progressista), discutem a importância do aprendizado da língua árabe no colégio, em equilíbrio com a da Mesquita, já que a intenção é formar cidadãos para o mundo (que possam ler, viajar, levar vidas normais e não apenas para, cegamente, rezar). E ainda que o tapa no conservadorismo ou nos excessos religiosos exista, a gente não consegue deixar de ter pena do protagonista, uma figura que é recrutada por adultos que adotam um discurso radical para ao mesmo tempo assustar, incitar a violência e incluir os jovens (vale para políticos que vociferam ódio também).

Com o naturalismo de sempre, o olhar dos Dardenne para aquele microcosmo ganha um ar documental, com uma infinidade de planos-sequência e utilização de câmera subjetiva, que muitas vezes aparece "grudada" ao rosto de seus personagens (especialmente de Ahmed). E, aqui, vale uma menção para o trabalho espetacular do jovem Idir Ben Addi, que consegue transmitir fragilidade, insegurança e determinação com apenas algumas poucas variações de comportamentos (e olhares). Figuras já tradicionais no Festival de Cannes, os Irmãos Dardenne faturaram na última edição (a mesma em que Bacurau ganhou o Prêmio do Júri e Parasita faturou a Palma de Ouro), a estatueta de Melhor Direção. E é sempre muito prazeroso assistir a qualquer película dos realizadores, especialmente pela capacidade de analisar a nossa sociedade de forma sutil, levantando bandeiras (mas nem por isso as esfregando em nossas caras). Imperdível.

Nota: 9,0

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Foi Um Disco Que Passou Em Minha Vida - The Beatles (Help!)

Eu não me lembro qual era a minha idade. Talvez nove ou dez anos. Eu já era fã dos Beatles nessa época - por fã leia-se viciado em uma fitinha K7 com vinte músicas deles, uma espécie de coletânea que passava as tardes ouvindo -, quando fomos visitar o tio Rogério, irmão da minha mãe que mora em Estância Velha. A casa do tio Rogério sempre foi simples e cultural. No local há uma pequena biblioteca, que é de propriedade de um outro irmão, o tio Zeza (que é escritor no underground portoalegrense). Nas estantes, discos e fitas. Muita coisa brega, provavelmente. Mas lá no meio, meio perdida, uma fitinha do álbum Help!, instalada, meio empoeirada. Nessa época as fitas "originais", reproduziam a arte do disco de vinil, as fotos, tudo mais. Em uma versão pequena, claro. Lembro que pirei com aquilo. Já conhecia a música Help!, e algumas outras que estavam no álbum, mas eu precisava dele com todas as minhas forças.

Bom, eu não sei como era o processo pra comprar disco de vinil no final dos anos 80 e início dos 90, mas as lojas certamente se espalhavam pela cidade. E foi numa delas que o meu pai, o seu Ênio, achou a versão em vinil para me presentear no aniversário seguinte. Eu simplesmente enlouqueci com aquilo. Eu queria ter qualquer disco dos Beatles. Até umas imitações que eram vendidas no mercado local me faziam feliz, então imagina poder ouvir Help!, Ticket To Ride, You've Got to Hide Your Love Away e The Night Before todas juntas em um mesmo álbum. Mas eu lembro que a descoberta MESMO veio com o lado B. Aquelas músicas um pouco diferentes, mesclando folk, country, outros instrumentos, um vocal que não era necessariamente do John Lennon ou do Paul McCartney, alguma quebra de lógica no andamento de algumas canções - caso de It's Only Love ou Tell Me What You See. Bom, aquilo foi a minha trilha sonora por alguns pares de meses - ou até anos. E, de vez em quando, eu ainda volto a ele, evidentemente.


Foi bem mais tarde que eu fui compreender que o disco fazia parte de um filme dos Beatles. E que nem de perto ele estava entre os favoritos dos fãs da banda - normalmente o Revolver (1966) e o Sgt. Pepper's Lonely Heart Club Band (1967), costumam ser os mais citados. Mas o que talvez as pessoas não lembrem, é que Help! pode ter pavimentado o caminho para esse processo de desconstrução total que os fab four passariam em seus grandes trabalhos. Em 1965, o Ié Ié Ié dos primeiros álbuns da carreira já andava meio saturado e grupos como os Rolling Stones e o The Animals, já começavam a ocupar o lugar no coração dos fãs de boa música. Assim o movimento de troca, de distanciamento de um estilo/vertente, que era proposital ou não, ainda entrega uma grande coleção de canções na primeira parte do disco, com os temas de amor que lhes eram caros - gosto de pensar na espetacular You're Going To Lose That Girl como um momento derradeiro disso, uma canção febril que já acenava para algum tipo de melancolia diferente -, para, na segunda metade do registro, apresentar com mais força aquilo que viria dali pra frente.

E pra este que vos escreve não existe exemplo melhor desse movimento do que a música que é cantada por Ringo Starr, logo na abertura do lado B - e juro a vocês que Act Naturally tá no meu top 5 de preferidas! A letras é sobre um cara que vai entrar pro cinema e acha que pode ganhar um Oscar por um motivo prosaico (Eles vão me colocar no cinema / Eles vão me transformar numa grande estrela / Faremos um filme sobre um homem triste e sozinho / E tudo o que tenho que fazer é agir naturalmente). E tudo com um violãozinho country que remete aos filmes de faroeste do mesmo período! A letra fugia da romantização quase paranoica do começo da carreira - sim, a gente ama She Loves You, Love Me Do, And I Love e Hard Day's Night, mas era necessário, lembremos, um passo diferente. Para além dos gritinhos ensandecidos do auditório nas apresentações em estúdios de TV americanos. E, a meu ver Help!, o disco que fez um piá de dez anos pirar num domingo despretensioso na casa de um tio, é esse registro. Que pra sempre estará em local privilegiado na minha estante!


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Pérolas da Netflix - Joias Brutas (Uncut Gems)

De: Ben e Joshua Safdie. Com Adam Sandler, Eric Bogosian, Julia Fox, Lakeith Stanfield, Kevin Garnett e Idina Menzel. Comédia / Drama, EUA, 2019, 135 minutos.

Joias Brutas (Uncut Gems) está sendo "vendido" como o filme em que Adam Sandler faz uma boa interpretação e, sim, ele faz. O ator encarna um certo Howard Ratner, um trambiqueiro que se traveste de vendedor em uma loja de peças de valor e que se vê em maus lençois quando um grupo de capangas aparece para cobrar uma dívida de pouco mais de US$ 100 mil. Enquanto ele vai engambelando os credores - e tenta evitar apanhar (e até morrer) -, ele recebe pelo correio uma encomenda que pode mudar a sua vida: uma preciosíssima Opala retirada por mineiros de um País africano e que, de acordo com o seu conhecimento, pode valor perto de US$ 1 milhão. Interpretando a si mesmo, o astro do basquete Kevin Garnett se apresenta como o principal interessado no objeto - ele acredita que a pedra preciosa tenha poderes mágicos para fazer ele jogar ainda melhor (mesmo sendo um veterano). Mas Howard não está interessado em vender a peça, já que ela será leiloada, podendo ser arrematada por um valor altíssimo.

Esse primeiro parágrafo do texto não consegue dar conta de um dos aspectos mais marcantes de Joias Brutas: o de que tem SEMPRE muita coisa acontecendo ao mesmo tempo no filme (o que numa obra dos irmãos Ben e Joshua Safdie, que dirigiram o caótico e urgente Bom Comportamento, não surpreende). Howard está sempre no centro de tudo e Adam Sandler, com um cavanhaque mequetrefe, óculos esquisitos, próteses dentárias e sem nenhum maneirismo, aparece em praticamente todas as cenas. Ele é uma figura complexa, e por mais que esteja o tempo inteiro fazendo escolhas erradas, a gente acaba torcendo pelo embusteiro, que emana um excêntrico carisma. Em sua loja, e como parte de uma conjunção que visa apenas a trapaça, também "trabalham" Demany (Lakeith Stanfield) e Julia (Julia Fox), que se empenham em levar ao estabelecimento figuras que possam realizar grandes aquisições (como é o caso de Garnett). Aliás, sobre a Opala, Garnett, impedido de comprá-la, a pega emprestada. E, bom, é aí que a coisa desanda de vez.


Com ecos de O Pagamento Final (1993) e de obras iniciais do cineasta Guy Pearce, o filme traz a velha e conhecida mensagem de que o crime não compensa. E nem a ambição, já que sempre que Howard se aproxima de resolver de uma vez por todas os seus problemas, ele acha que ainda pode persistir um pouco mais, o que faz com que ele se afunde em uma espiral de desastres, que lhe faz perder dinheiro, saúde, família, trabalho. Aliás, a anarquia e a confusão que é a vida do sujeito, transparece o tempo todo também na parte técnica da película, seja em cortes e enquadramentos bruscos, secos, seja na trilha sonora onipresente e angustiante ou seja na claustrofobia provocada pela lojinha do protagonista, tão pequena que o tempo todo as pessoas que estão lá dentro parecem espremidas em um pandemônio de vozes, de gritos e de intenções. É a algazarra em forma de filme. E que funciona muito bem, por sinal!

Aliás, a algazarra é tanta que lá pelas tantas a gente quase se perde entre credores (são mais de um), potenciais compradores, empregados, família e todo o resto. A vida de Howard é confusa e ele não aprece muito interessado em sanar essa confusão. Pródiga em utilizar o humor para escancarar o absurdo da existência do protagonista - como no caso da impagável sequência que envolve o cantor The Weeknd interpretando a si mesmo, ou mesmo a cena em que capangas prendem Howard de forma constrangedora em um porta malas -, a obra não procura passar pano para a malandragem como um estilo de vida, algo comprovado pela sequência final. Mas, no mais, trata-se de um filme divertido, escapista, eventualmente surreal (como nas cenas que mesclam vísceras e gemas de joias) e que ainda mostra que Adam Sandler, com um bom papel em mãos, pode ser, sim, um bom ator.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Curta Um Curta - In The Absence

Indicado ao Oscar na categoria Documentário em Curta Metragem, In The Absence é a inacreditável história da inépcia do governo da Coréia do Sul, diante de um grave incidente que levou a embarcação Sewol a naufragar, em 2014. No barco estavam quase 500 pessoas, a grande maioria delas estudantes. Quando a estrutura começou a ceder (parece que havia excesso de peso) e a nau começou a virar, os responsáveis pelo resgate ficaram mais preocupados com a imagem ou sobre como a situação ia aparecer na mídia ou nos canais oficiais do que com o salvamento em si. Resultado: um evacuamento que poderia ter sido tranquilamente realizado, não foi e quase 300 pessoas morreram, no que se tornou uma das grandes tragédias recentes do País. No filme de apenas 29 minutos dirigido Yi Seung-jun, são mostradas imagens de arquivo do ocorrido - as mensagens por pessoas que estavam no barco são comoventes -, além de entrevistas com familiares, especialistas e mergulhadores civis que se empenharam por meses no resgate, diante da passividade, do despreparo e da ineficiência dos agentes oficiais. Uma obra inacreditavelmente triste e dolorida - e pra mim uma das melhores entre os curtas indicados à maior premiação do cinema.

Livro do Mês - Como Se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas (Elvira Vigna)

É muito provável que poucos autores consigam dissecar a essência da escrotidão do macho hétero topzera como a Elvira Vigna, em seu Como Se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas. Bom, antes de mais nada é preciso fazer um parêntese sobre o "palimpsesto" em si: eu nunca tinha ouvido essa palavra antes na vida e confesso que comprei o livro TAMBÉM pela excentricidade do título (sim, eu faço isso de vez em quando), quando o vi em uma lista publicada pela Revista Bula. Bom, no dicionário o palimpsesto é descrito como uma espécie de pergaminho que tem o seu conteúdo de origem raspado, para dar lugar a outro texto. No caso da obra de Elvira, o vocábulo surge como uma forma de definir o tipo de relação que duas pessoas completamente estranhas passam a ter, quando uma delas começa a fazer a outra uma série de relatos sobre encontros frequentes com prostitutas. Como num palimpsesto, as histórias e seus detalhes se sobreporão, formando um pequeno painel sobre a falência completa dos relacionamentos, bem como suas mentiras e jogos de poder.

Quem narra a história é uma designer de que não sabemos o nome. Contratada pra tentar dar um upgrade em uma editora que se encaminha para o processo de falência, conhece João nas tardes em que ele trabalha para informatizar o local. Em cada história ouvida pela nossa interlocutora - saídas diretamente de inferninhos, de prostíbulos de quinta categoria e de hotéis decadentes - os detalhes narrados com uma autoestima constrangedora, ainda que as pontas soltas (e que são realinhadas e ressignificadas pela protagonista), deem conta de desmantelar o suposto ar superior com que João desnovela seus relatos. Faltam detalhes, as tramas parecem contadas pela metade e é dessa forma que se sobressaem pequenas inseguranças em que a masculinidade frágil parece se espalhar com toda a sua força. João supre o vazio de seus dias em um casamento infeliz comendo putas. Andando pelo submundo, num comportamento quase paranoico do ponto de vista sexual. Pensa estar no comando ao pagar alguém para transar com ele. Não está.


João se sente a vontade para contar as histórias para a sua colega designer, porque ela mora com uma prostituta de nome Mariana - um tipo de arranjo provisório que desafoga as despesas de ambas. Ele está separado no momento, mora em um pequeno apart hotel e acredita que a "amiga", por morar com Mariana, está familiarizada com o tema. Não está. Não fala que não está e faz pouco para mudar esse contexto. Apenas ouve as histórias. E ouve mais um pouco. Tece algumas análises perspicazes e até eventualmente existencialistas sobre a relação homem x mulher. Utiliza algumas referência culturais - como é o caso da Eneida, do poeta Virgílio -, para estabelecer alguns paralelos com aquilo que escuta. E utiliza metáforas consolidadas, como aquela que compara as "carnes no açougue", com os corpos expostos em um prostíbulo, seus peitos, suas coxas e suas bundas. É uma obra que não faz concessões, tratando com naturalidade estonteante a temática do "sexo pago" e do universo masculino em redor dele.

Com um textos cheio de frases curtas, fragmentadas, o estilo de Elvira é urgente e denso, mas ao mesmo tempo divertido, conciso. Com uma série de frases de efeito, utiliza as idas e vindas no tempo de forma fluída para construir uma colcha de retalhos em que ainda aparecem outras personagens, como a transexual Lurien e Lola - vizinha e ex-mulher de João respectivamente. Lola tem papel importante em uma espécie de reviravolta que alterna a noção de "poder" estabelecida entre os sexos - e que o terno bem cortado de João não dá conta. Nesse sentido a história pode também ser considerada debochada na análise do suposto predatismo do homem moderno, que busca compensar e deslocar ausências afetivas que lhe atingem em outras esferas. Nunca havia lido um livro da Elvira Vigna - que nos deixou cedo, vítima de um câncer de mama em 2017, com apenas 69 anos. Mas este pode ser a porta de entrada para o contato com outros títulos, como o elogiado O Que Deu Para Fazer em Matéria de História de Amor - aliás, mais um livro com título instigante.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Novidades em Streaming - Tame Impala (Disco)

Acho que com o lançamento de The Slow Rush, novo disco dos australianos do Tame Impala, podemos dizer que, oficialmente, o ano musical começou, já que trata-se do primeiro grande álbum a chegar ao mercado nesse primeiro semestre. Nas primeiras audições, a constatação de uma pequena diferença nas canções, que mantêm as emanações psicodélicas setentistas (uma das marcas registradas), as distorções e o colorido onírico, mas também se aproxima (ainda mais) da sonoridade oitentista, especialmente no apuro do uso dos sintetizadores. Isso talvez signifique um pouquinho menos de hermetismo, o que poderá atrair novos ouvintes, que porventura ainda não conheçam o coletivo comandado por Kevin Parker. Aliás, uma boa porta de entrada pode ser o single Borderline que, com sua letra melancólica (Eu serei conhecido e amado? / Há alguém em quem possa confiar?) e seu refrão grudento, nos pegam para não soltar mais.


Novidades em DVD/Now - Ford vs Ferrari (Ford vs Ferrari)

De: James Mangold. Com Matt Damon, Christian Bale, John Bernthal e Josh Lucas. Drama / Biografia, EUA, 2019, 153 minutos.

No começo dos anos 60, a empresa Ford se via numa espécie de encruzilhada: com a venda de seus "comportados" automóveis em baixa, precisava de alguma ideia inovadora que pudesse representar um upgrade que evitasse a falência que parecia se aproximar. Algo que desse visibilidade, que atraísse o público e que oxigenasse efetivamente a fabricante do Mustang e do Fiesta. Foi nessa época que um de seus executivos teve a ideia de levar a Ford para o universo do automobilismo, das corridas - que, na época, eram dominadas por uma certa Ferrari, que vinha de uma imponente sequência de vitórias em provas tradicionais do período, como as famosas 24 Horas de Le Mans. Tentar bater a escuderia capitaneada por Enzo Ferrari se tornou uma verdadeira obsessão para a segunda geração da família Ford. E é justamente essa a história, com todas as suas licenças poéticas, que é contada no ótimo Ford vs Ferrari (Ford vs Ferrari), mais recente película do diretor James Mangold (Johnny & June e Os Indomáveis).

Indicada ao Oscar na categoria máxima - acho que foi uma certa surpresa até pra equipe do filme -, a obra é uma mistura de história de superação com drama familiar, daquelas que costuma cair facilmente no gosto do espectador. Christian Bale é o mecânico metido a piloto Ken Miles, um sujeito meio esquentadinho que não hesitará em usar de certa violência (como na cena em que ele arremessa uma chave de boca na direção de outra personagem), para tentar provar seu ponto de vista. Já Matt Damon é o promissor piloto Carrol Shelby, que vê a sua carreira interrompida precocemente por conta de problemas cardíacos. Bom, serão essas duas figuras distintas que serão recrutadas por um grupo de gestores da Ford - entre eles o irritante playboyzinho Leo Beebe (Josh Lucas) -, para tentar dar essa repaginada na cara meio quadrada da Ford. Bom, não é preciso ser muuuito ligado para saber que serão justamente as diferenças de personalidade entre todos, somada as dificuldades gerais do projeto, que farão com que tenhamos, de fato, um filme. E um bom filme, diga-se.


Pra começo de conversa a história é toda muito bem costurada - e não é por acaso que o filme venceu a categoria Montagem no Oscar (em trabalho dos montadores Andrew Buckland e Michael McCusker). Tanto que mesmo que tenha muita coisa acontecendo ao mesmo tempo - a aposentadoria de Shelby e o investimento em outra fonte de renda, s problemas financeiros e familiares de Miles, o dilema dos empresários da Ford e até a empáfia dos executivos da Ferrari -, tudo vai se intercalando de forma organizada, até chegarmos no estágio em que todos trabalharão juntos, no simples intuito de tornar a Ford uma vencedora de Le Mans. O que envolverá, claro, o descrédito de Miles pelo seu temperamento, uma série de disputas internas, alguma lamentação e muitas cenas legais de corrida, com direito a suor, lágrimas, sangue, carros desgastados, pistas perigosas e tudo o mais. É a obra completa - e fãs de filmes de "corrida" ficarão genuinamente extasiados. E mesmo este jornalista que vos tecla, que não gosta desse esporte, se viu envolvido!

Com ótimas interpretações - Christian Bale dispensa comentários, Matt Damon está ok e Jon Bernthal (o Shane de Walking Dead) finalmente não faz o "porra louca" -, a obra talvez só erre um pouquinho no tom ao vilanizar demais a Ferrari (seus executivos e pilotos sempre surgem em tela com cara de poucos amigos, nada amistosos, com aquele sangue nozóio meio exagerado). Mas ainda será uma obra que diverte, nos deixa apreensivos e ainda reserva uma pequena surpresinha para o final, que quebra um pouco a expectativa por trás do supostamente desejado "final feliz" para tornar tudo ainda maior. Sim, a gente sabe que a indicação ao Oscar foi um prêmio de consolação - houve ainda o prêmio para a Edição de Som -, mas James Mangold sabe conduzir bem uma história e o faz de forma correta, livre de amarras, trazendo personagens carismáticos, complexos e que nos faz gostar deles não por sua ética simplesmente inabalável, mas por eles serem apenas... humanos (que erram, acertam e tentam de novo). E se eu pudesse mudar só uma coisinha eu tiraria aquela ceninha mequetrefe da "briga" entre os protagonistas. É completamente deslocada e tenta fazer humor onde não parece existir graça. Mas é um deslize que, de forma alguma compromete!

Nota: 8,0

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Curta Um Curta - Nefta Football Club

Nefta Football Club pode até não ter ganho o prêmio do Oscar na categoria Curta Live Action (perdeu para Neighbor's Window), mas por ser tão divertido e inacreditavelmente surpreendente merece ser conferido. Na história dois garotos encontram uma mula perdida no meio do deserto, com fones de ouvido (que tocam uma música da Adele) e uma carga bastante suspeita. Enquanto dois homens debatem sobre o fato de terem perdido o anima de vista, os dois meninos levarão parte do material que está com ele. Verdadeira homenagem ao futebol e a ingenuidade das crianças, a película de estréia do diretor francês Yves Piat tem ótima trilha sonora, belíssima condução de câmera e um roteiro meio inesperado, que torna o desfecho ainda mais engraçado. No Youtube é possível assistir com legendas em inglês - e mesmo quem não é tão expert assim na língua americana, captará a essência do filme. Vale clicar!

Novidades em DVD/Now - Link Perdido (Missing Link)

De: Chris Butler. Com Hugh Jackman, Zoe Saldana, Zach Galifianakis, Emma Thompson e Timothy Oliphant. Comédia / Aventura, Canadá / EUA, 2019, 94 minutos.

Eu sempre achei que filme em stop motion deveria ser "isento de crítica". Sim, por que tentem imaginar vocês a trabalheira que deve dar para fotografar mais ou menos uns três trilhões de quadros para, depois, juntar cada frame um no outro, com a intenção de transformar isso em uma obra de uma hora e meia. Com sentido. Com detalhamento. Com lógica. Só a ideia de uma película com essa técnica, já concede na ARRANCADA a aprovação pro material. Bom, o Estúdio Laika, pródigo na produção de filmes nesse padrão - é dele os ótimos (e sombrios) Coraline (2009) e Paranorman (2012)  , é a desenvolvedora deste Link Perdido (Missing Link) que faturou o Globo de Ouro em sua categoria, deixando para trás as duas grandes obras da Disney (Frozen 2 e Toy Story 4). Para muitos uma surpresa, especialmente pelo fato de a recepção da crítica ter sido meio morna e a bilheteria não ter empolgado tanto assim.

Bom, a gente sabe que o Globo de Ouro não é lá muito padrão pra alguma coisa, mas Link Perdido tem alguns méritos, especialmente no que diz respeito ao sempre relevante debate sobre respeito às diferenças. Na jornada do herói, o investigador de mitos e monstros Lionel Frost (Hugh Jackman), também é possível reconhecer o amadurecimento de quem, nunca tardiamente, percebe as suas falhas, comprometendo-se a melhorar como ser humano. São mensagens simples, quase prosaicas mas que, embaladas em uma animação simpática e de fácil compreensão, certamente se encaixarão direitinho para o público ao qual se destina o filme (crianças de 11 ou 12 anos). Para os adultos uma oportunidade de se maravilhar com uma animação que atinge o padrão de excelência no stop motion - que começou láááá atrás, com A Fuga das Galinhas (1995) -, que faz uma mescla com computação gráfica, que torna o resultado soberbo. E há ainda um ou outra piadoca mais "sapeca".


Na trama, como já citado, Jackman é o investigador de mitos que não é levado a sério pelos seus pares. Existe um grupo exclusivo - meio que uma maçonaria de grandes caçadores de monstros -, da qual Frost deseja fazer parte a todo o custo. A oportunidade de ouro surge quando o próprio Pé Grande (Zach Galifianakis) em "pessoa", lhe manda uma carta. Sem saber, o protagonista se envolverá em uma grande aventura que lhe levará até Katmandu, no Nepal, na tentativa de encontrar o Abominável Homem das Neves - que o Sasquatch acredita que possa ser um tipo de "parente distante" (ele está só, afinal). Claro que é tudo desculpa para que tenha início uma série de perseguições de rivais com interesses escusos - entre eles um caçador de recompensas (Timothy Oliphant) e de uma série de situações divertidas na tentativa de chegar ao destino. Na jornada, se juntará ainda a ex-aventureira Adelina (Zoe Saldana).

É uma boa animação? É. Vai mudar o mundo? Não, definitivamente não vai. Especialmente pelo fato de faltar um pouquinho mais de profundidade para os temas importantes que são abordados apenas de passagem - e, talvez nesse quesito, as obras da Pixar estejam realmente nos deixando mal acostumados. Ainda assim, as cenas de ação são realmente tensas e bem construídas - consegui ficar verdadeiramente apreensivo em uma sequência envolvendo a possível queda dos personagens de uma ponte muito alta no terço final! Tudo isto não foi suficiente para uma vitória em sua categoria na noite do Oscar (o ganhador foi Toy Story 4). Mas que a vitória no Globo de Ouro foi um belo "prêmio de consolação", isso não podemos negar.

Nota: 7,0

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Cinema - Judy: Muito Além do Arco-Íris (Judy)

De Rupert Goold. Com Renée Zellweger, Rufus Sewell, Jessie Buckley e Finn Wittrock. Drama / Musical, Grã Bretanha / Irlanda do Norte, 2019, 118 minutos. 

Quando ganhou o Globo de Ouro no começo desse ano, Renée Zellweger brincou com os presentes ao dizer que estava feliz em reencontrar todo mundo "dezessete anos depois". Bom, não é que a atriz tenha parado completamente, mas foi quase isso - especialmente após problemas relacionados à depressão e ao preconceito da indústria pelo fato de ela, a certa altura da carreira, estar acima do peso. Nesse sentido, a entrega a uma performance inesquecível em Judy: Muito Além do Arco-Íris (Judy), talvez seja mais um daqueles casos de "vida imitando a arte", ou vice e versa. No filme vemos uma Judy Garland já veterana, tentando dar um novo rumo para a sua carreira em Londres - os ingleses sempre foram muito apaixonados por ela. Mas Garland, assim como muito provavelmente a própria Renée, precisava superar a insegurança, a baixa autoestima e a necessidade (inclusive financeira), que praticamente lhe obrigava a TER QUE dar certo.

E talvez tudo isso explique a entrega comovente da atriz na hora de encarnar uma figura tão icônica. Muito mais econômica nos trejeitos e tiques que em algum momento foram a sua marca registrada (eu sempre achei aquele Oscar por Cold Mountain meio exagerado), Renée vira uma Judy Garland capaz de ser pequena (ela era baixinha, com 1,51 de altura) e grande ao mesmo tempo (no palco a transformação era imediata). Seu comportamento intempestivo, seu gestual repleto de inflexões com a cabeça e olhares surpreendidos, sua voz marcante, tudo está lá, em um trabalho claramente estudado e profissional acima de tudo. E, como se já não bastasse a interpretação que não é só de corpo, é também de alma, Renée ainda tratou de cantar todas as canções - e a reinterpretação que ela faz do maior clássico de Garland, Over The Rainbow, quase a final do filme, é daquelas para ficar marcada na memória de qualquer cinéfilo.


A trama em si tem um bom componente de bastidores da indústria, com esta surgindo como uma grande vilã. Impedida de comer aquilo que gosta ou de simplesmente se atirar em uma piscina se assim tiver vontade, Garland cresceu sendo entupida de comprimidos reguladores de apetite e emagrecedores porque estava descartada a hipótese de ela engordar (lembram do preconceito com Renée). Em uma vida de privações e de sucesso, Garland vê sua carreira entrar em declínio e desmoronar após os 40 anos - aliás, algo que é bastante comum na máquina recicladora de astros que é Hollywood (sempre ávida pelos mais novos rostinhos bonitos que servirão para gerar bilheteria e rios de dinheiro). Sem grana para sequer pagar um hotel ou uma moradia para seus filhos, a atriz entrará em choque com o ex-marido Sidney Luft (Rufus Sewell), que pedirá a guarda das crianças - o que motivará Judy a tentar um recomeço para a sua carreira na Europa.

Cheio de idas e vidas no tempo, o filme do diretor Rupert Goold intercalará imagens da juventude da promissora estrela (em um universo colorido, quase de sonho), com o clima frio, acinzentado da atualidade, com a atriz lutando para ser novamente reconhecida, em um ambiente que parece pronto a lhe engolir por qualquer deslize que seja. E por mais que a obra seja essencialmente "musical" (o que é inevitável), trata-se de uma narrativa sobre solidão, sobre persistência e sobre a tentativa de dar a volta por cima (e talvez esse clima meio "autoajuda" do roteiro tenha desagradado alguns críticos, bem como o excessivo endeusamento de sua biografada, que aparece como uma figura facilmente manipulável e com poucos desvios de caráter). Ainda assim, especialmente pela entrega de Renée (que anteontem ganhou seu justo Oscar), não há como apagar o brilho que se sobressai de uma obra dessas: bem conduzida e bem editada, fotografada com certo glamour e riquíssima do ponto de vista musical. Vale conferir.

Nota: 7,5

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Oito Considerações Sobre o Oscar 2020

O Oscar foi ontem no final da noite e ele segue rendendo conversa no dia seguinte a premiação. Seguem as nossas considerações!


1) Acho que não há quem não tenha ficado surpreso, maravilhado, feliz, com a vitória de Parasita - que desbancou o favorito 1917. A celebração à obra sul coreana, que faturou o prêmio máximo da noite, representa uma quebra de paradigma histórica, já que jamais um filme estrangeiro havia vencido na categoria Melhor Filme. E isto pode representar uma abertura de "portas" para a produção estrangeira, com a Academia cada vez mais prestando atenção naquilo que se faz no cinema, ao redor do mundo. O próprio diretor Boon Jong-ho já havia brincado sobre isso ao vencer o Globo de Ouro ao dizer a já histórica frase "quando vocês superarem a barreira das legendas, descobrirão filmes incríveis". Pois é, pode ser o começo!

2) E se Parasita foi o grande vencedor da noite - foram quatro estatuetas (além de Filme, Filme Estrangeiro, Diretor e Roteiro Original) -, O Irlandês foi o maior derrotado: saiu de mãos abanando, a despeito das 10 indicações ao Oscar, em nove categorias distintas.

3) No mais foi um Oscar sem muitas surpresas, com as premiações sendo divididas entre vários filmes. Jojo Rabbit, por exemplo, pegou Roteiro Adaptado. Já Ford v. Ferrari, Montagem e Edição de Som. Adoráveis Mulheres, Figurino. Era Uma Vez em Hollywood, Ator Coadjuvante (Brad Pitt) e Desenho de Produção. E por aí vai. Se alguém deve ter se sentido derrotada nesta edição, certamente foi a equipe de 1917, que até ganhou prêmios técnicos, mas imaginava alçar voos mais altos, certamente.

4) Sobre as categorias de interpretação foram a barbada da noite, no Bolão, já que até aquele seu vizinho que não dá muita bola pro Oscar, sabia que Joaquin Phoenix (por Coringa) e Renée Zellweger (por Judy), faturariam o prêmio. Sobre Phoenix, havia uma grande expectativa pelo seu discurso - tem sido a marca registrada dele, na temporada -, e apesar de se embolar em meio a vários assuntos, acho que valeu a pena. Em sua fala, valorizou a oportunidade dada pela indústria de usar a voz para os que não têm voz. "Acho que às vezes sentimos ou somos feitos para sentir que defendemos causas diferentes. Eu acho que, se estamos falando de desigualdade de gênero, racismo ou direitos LGBTQI, direitos indígenas ou direitos dos animais, estamos falando sobre a luta contra a injustiça", enfatizou, para aplausos de todos.


5) Não deu pra Petra Costa que fez uma campanha bonitaça, levando ao conhecimento do mundo a história sobre o Golpe no Brasil, que resultou no maravilhoso documentário Democracia Em Vertigem. Ganhou o favorito Indústria Americana, que tem uma história sobre a importância da sindicalização em meio ao enfraquecimento de direitos trabalhistas (e os minions ficaram tão preocupados em celebrar a derrota do filme brasileiro, que nem perceberam que o vencedor é tão ou mais esquerdista/comunista/marxista ou outra alcunha que eles queiram dar, quando o Democracia).

6) Foi uma cerimônia leve, com ótimo andamento e bastante musical. Além das apresentações das canções originais - e adorei que o Elton John ganhou -, também houve a participação especialíssima de Eminem (cantando Lose Yourself) e da estrela Billie Eilish (cantando Yesterday dos Beatles, durante o In Memorian). E, falando em quebra de paradigmas, houve mais uma neste ano, quando a maestrina Eímear Noone apareceu para conduzir a orquestra que tocou cada um dos trechos das trilhas sonoras originais. Acreditem: em 92 anos de Oscar, nunca uma mulher havia conduzido a orquestra.

7) No mais, o clima de bom humor também dominou a cerimônia e confesso que me diverti bastante com Chris Rock e Steve Martin que fizeram um mini monólogo de abertura e brincaram com o fato de de terem gostado, por exemplo, da primeira temporada de O Irlandês.

8) E deixo aqui um último pitaquinho: procurem assistir os indicados nas categorias de Curta. Quaisquer deles. Tem cada achado que vale muito a pena. Como é o caso de Hair Love, que faturou a estatueta de Melhor Curta de Animação.

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Especial Oscar 2020 - Nossas Apostas

E eis que chegou o grande dia do Oscar 2020. Após uma pequena maratona e um esforço para assistir a grande maioria dos filmes indicados - inclusive os curtas - eis a nossa relação de quem a gente acha que ganha e de quem a gente gostaria que ganhasse! Hora de colocar o Bolão em dia!


FILME

Na categoria máxima, as prévias mostram que a disputa está mesmo entre 1917 e Era Uma Vez em Hollywood, com a produção comandada por Sam Mendes levando uma ligeira vantagem - especialmente por ter faturado o PGA Awards, o Bafta e o Globo de Ouro. Nas bolsas de apostas a obra de Quentin Tarantino surge como uma possibilidade por ter vencido o Satellite Awards e o Critics Choice (além do fato de o diretor jamais ter vencido a principal premiação do Oscar, o que poderia acontecer agora, próximo de sua tão anunciada aposentadoria). Correndo por fora, o surpreendente Parasita tem ganho força pelas vitórias em premiações menores como as dos críticos de Chicago, de Boston e de Londres por exemplo. Qualquer coisa diferente desses três pode ser considerado uma ZEBRAÇA.

Quem gostaria que ganhasse: Parasita
Quem ganha: 1917

DIRETOR

Após vencer o DGA Awards - a premiação dos diretores -, Sam Mendes dá um pulo na frente dos demais e deve, muito provavelmente, levar o carecão dourado para casa por conta de seu trabalho tecnicamente impecável em 1917. Tarantino e Joon-ho Bong se espalharam em premiações menores e periféricas e correm por fora. O primeira é um veterano em indicações, ainda que nunca tenha faturado a estatueta como diretor. Já o coreano transformou seu Parasita em um objeto de adoração e a indicação acaba sendo um "prêmio de consolação".

Quem gostaria que ganhasse: Quentin Tarantino, por Era Uma Vez Em... Hollywood
Quem ganha: Sam Mendes, por 1917

ATOR

Aqui não aprece haver nenhum dúvida: Joaquin Phoenix é unanimidade por sua caracterização em Joker e deve ser aclamado com o Oscar, depois de passar o rodo nas premiações prévias (como o Sag, o Bafta e o Globo de Ouro, entre outras). Bom, e sobre o Adam Driver, ele até fez um belo trabalho com seu papel em História de Um Casamento, mas deve assistir apenas assistir ao Joaquin ganhar.

Quem gostaria que ganhasse: Joaquin Phoenix, por Coringa
Quem ganha: Joaquin Phoenix, por Coringa

ATRIZ

Falando em favoritas, aqui está mais uma categoria que não parece haver muitas dúvidas: a crítica está babando pela entrega comovente de Renée Zelweger, no papel de uma Judy Garland já decadente e, Judy - e não deem bola para o que a crítica tem falado, já que trata-se de uma grande obra! Após vencer praticamente todas as prévias (entre elas o Globo de Ouro e o SAG Awards), Renée deverá voltar a receber a estatueta dourada - ela já tinha ganho como Coadjuvante por Cold Mountain, em 2004. Sobre as demais concorrentes? Não, ninguém tem chance.

Quem gostaria que ganhasse: Scarlett Johansson, por História de Um Casamento
Quem ganha: Renée Zellweger, por Judy

ATOR COADJUVANTE

Essa é uma categoria que tá cheia de gente legal no páreo e deverá levar os votante do Bolão à loucura. Mas ainda assim, quem salta na frente como um provável favorito é o Brad Pitt, por ter ganho prévias importantes, como o SAG Awards. Joe Pesci e Al Pacino correm por fora por seus papéis em O Irlandês e Anthony Hopkins (Dois Papas) e Tom Hanks (Um Lindo Dia na Vizinhança) tiveram a nominação como prêmio de consolação.

Quem gostaria que ganhasse: Brad Pitt, por Era Uma Vez em Hollywood
Quem ganha: Brad Pitt por Era Uma Vez em Hollywood

ATRIZ COADJUVANTE

Mais uma barbada da noite, já que a Laura Dern tem passado o rodo nas prévias, por seu papel em História de Um Casamento. E, aqui, há um componente a mais: é apenas a terceira indicação da atriz, a despeito da sua inegável entrega - o que pode ser a chance de ouro para a Academia lhe consagrar. A única que pode tirar a sua vitória é Scarlett Johansson, pelo trabalho em Jojo Rabbit. E eu, particularmente, adoraria ver a Florence Pugh ganhar.

Quem gostaria que ganhasse: Florence Pugh, por Adoráveis Mulheres
Quem ganha: Laura Dern, por História de Um Casamento

ROTEIRO ORIGINAL

Essa é a minha categoria preferida e muito provavelmente Parasita salta um pouquinho frente, por ter vencido o WGA Awards - o prêmio do Sindicato dos Roteiristas (além de sr um roteiro originalíssimo, claro!). Mas há uma particularidade aqui: por não integrar o Sindicato, Tarantino não concorreu neste ano, nesta categoria e ele corre por fora, após ter vencido o Globo de Ouro e diversas outras premiações -  como o Critics Choice. Ou seja: tudo pode acontecer!

Quem gostaria que ganhasse: Parasita
Quem ganha: Parasita

ROTEIRO ADAPTADO

Por ter vencido o WGA, Jojo Rabbit deve ter este como um belo prêmio de consolação na noite do Oscar. Mas o sempre adaptado Adoráveis Mulheres tem feito uma campanha forte, tendo faturado premiações periféricas como o Critics Choice (além de ser de fato uma adaptação que, dizem, chega a MELHORAR o original). O resultado disso tudo é que é difícil cravar quem ganha. Mas a gente tenta! E acredita que o peso político de Jojo também possa o favorecer.

Quem gostaria que ganhasse: Jojo Rabbit
Quem ganha: Jojo Rabbit

FILME EM LÍNGUA ESTRANGEIRA

Parasita foi simplesmente indicado em seis categorias do Oscar, entre elas Filme, Diretor e Roteiro Original - algo raríssimo para um filme estrangeiro. Isso o credencia como a maior barbada da noite, no Bolão - no site Termômetro Oscar ele aparece com 99% de chances de vitória! Pode colocar sem erro.

Quem gostaria que ganhasse: Dor e Glória (isso por que coloquei o desejo de que Parasita ganhasse a principal categoria da noite, lá em cima)
Quem ganha: Parasita

ANIMAÇÃO

Existe um prêmio que se chama Annie Awards que é o maior termômetro para esta categoria, e ele foi vencido pelo belíssimo Klaus - o que lhe coloca automaticamente como o favorito. Ainda que não tenha vencido a premiação máxima do Annie, o experimental Perdi Meu Corpo - o meu preferido -, venceu outras categorias da premiação (entre eles Melhor Longa Independente), o que lhe mantém em alta cotação para tentar pegar o carecão dourado. E o que dizer de Toy Story 4, que até poucos dias era o preferido? E o Link Perdido que faturou o Globo de Ouro? Bom, digam vocês. Eu já não sei mais nada.

Quem gostaria que ganhasse: Perdi Meu Corpo
Quem ganha: Klaus

DOCUMENTÁRIO

A gente bem que deseja com todas as forças que o Democracia Em Vertigem leve a estatueta pra casa mas, apesar da bela campanha e do falatório nas redes, é muito provável que o prêmio fique nas mãos da produção da Netflix Indústria Americana (que ainda não vi) e que venceu 16 prêmios dos 57 a que foi indicado (entre eles o do Festival de Sundance). Mas isso não nos impedirá de torcer. Com todas as forças.

Quem gostaria que ganhasse: Democracia Em Vertigem
Quem ganha: Indústria Americana

DIREÇÃO DE ARTE

Eu fiquei simplesmente embasbacado com a Direção de Arte de 1917 e tô torcendo pra que seja o vencedor, ainda que as prévias sugiram uma espécie de empate técnico com Era Uma Vez em Hollywood e Parasita, que ganharam nas categorias Filme de Época e Filme Contemporâneo, respectivamente, no ADG Awards, que premia os diretores de arte. O filme do Tarantino tem uma série de outros pequenos prêmios nesse setor, enquanto 1917 se segura no sempre relevante Bafta.

Quem gostaria que ganhasse: 1917
Quem ganha: Era Uma Vez em Hollywood

FIGURINO

Vamos combinar que o figurino de Adoráveis Mulheres realmente é um dos destaques, o que o coloca em vantagem - também por ter ganho premiações no setor, como Bafta. Já o Jojo Rabbit ganhou o prêmio do Sindicato dos Figurinistas - sim, isso existe - na categoria Filme de Época, que, sabe-se lá por que, o Adoráveis não tava nem concorrendo. Já o Era Uma Vez em Hollywood corre por fora.

Quem gostaria que ganhasse: Adoráveis Mulheres
Quem ganha: Adoráveis Mulheres

MAQUIAGEM

O Escândalo foi o vencedor no Make-Up Artists and Hair Stylists Guild Awards, o que o coloca em vantagem - e a transformação, especialmente do ator John Lithgow, realmente se sobressai. Judy e Coringa correm por fora, mas não devem levar.

Quem gostaria que ganhasse: O Escândalo
Quem ganha: O Escândalo

FOTOGRAFIA

É sempre uma categoria disputada, mas o trabalho feito por Roger Deakins em 1917, deve ser consagrado (e as pilhas de premiações prévias comprovam essa teoria). Coringa corre por fora e seria uma boa surpresa.

Quem gostaria que ganhasse: 1917
Quem ganha: 1917

EDIÇÃO

Parasita e Jojo Rabbit faturaram o Eddie Awards, nas categorias Edição em filme de Drama e de Comédia respectivamente. Ainda assim há quem acredite que essa categoria possa representar a oportunidade de dar ao ótimo Ford v. Ferrari um prêmio de consolação (a obra faturou o Bafta e o Satellite Awards nessa categoria). É meio imprevisível.

Quem gostaria que ganhasse: Ford v. Ferrari
Quem ganha: não faço a mínima ideia!

EFEITOS VISUAIS

Taí uma categoria que não dei muita bola nesse ano - aliás, quase nunca dou. Acho que o Vingadores ganha pelo apelo da série (não vi o filme).

Quem gostaria que ganhasse: 1917
Quem ganha: Vingadores Ultimato

CANÇÃO ORIGINAL

Numa categoria que tem uma música original do Elton John, no filme que é o maior injustiçado do Oscar, acho que não há mais muito o que se falar, né? Ainda mais depois de já ter faturado o Globo de Ouro. Superação: O Milagre da Fé? Frozen 2? Não, né?

Quem gostaria que ganhasse: (I'm Gonna) Love Me Again, de Rocketman
Quem ganha: (I'm Gonna) Love Me Again, de Rocketman

TRILHA SONORA ORIGINAL

Mais uma categoria que coloca frente a frente 1917 e Coringa - mas a trilha que se sobressai MESMO é a do filme capitaneado por Joaquin Phoenix (ainda mais depois do Globo de Ouro, do Bafta e de outros prêmios nas prévias).

Quem gostaria que ganhasse: Coringa
Quem ganha: Coringa

EDIÇÃO DE SOM

Pelos prêmios no Sindicato dos Editores de Som, Ford v. Ferrari e 1917 tem vantagem. Mas como o filme de Sam Mendes é tão arrebatador na parte técnica, deve levar a estatueta.

Quem gostaria que ganhasse: 1917
Quem ganha: 1917

MIXAGEM DE SOM

Aqui, foi a vez de Ford v. Ferrari faturar o prêmio dos mixadores de som - e como 1917 sequer concorria, acho que a obra de James Mangold tem vantagem nessa.

Quem gostaria que ganhasse: Ford v. Ferrari
Quem ganha: Ford v. Ferrari

CURTA METRAGEM

As categorias de curta costumam ser aquelas que desempatam o bolão, então a gente arrisca alguma coisa aqui só pra se divertir, sem muito parâmetro. Como Brotherhood foi a única que não vi, vou deixá-la de fora das minhas escolhas. Por ser inacreditavelmente divertido, Nefta Football Club é o meu preferido, mas o bicho pega MESMO em A Sister e Saria (são temas pesados, em ambas).

Quem gostaria que ganhasse: Nefta Football Club
Quem ganha: A Sister

CURTA DE ANIMAÇÃO

Acho que o meu preferido continua sendo o Kitbull, mas o que tem o melhor tem - o Mal de Alzheimer - e a técnica mais desafiadora é o francês Mémorable (que talvez por estes predicados seja o favorito).

Quem gostaria que ganhasse: Kitbull
Quem ganha: Mémorable

DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM

Dos três que vi o que mais me arrebatou foi o inacreditável In The Absence (apesar de não ser tão perfeito do ponto de vista técnico). Já Life Overtakes Me vem com a moral de ser uma obra redondinha feita pela Netflix. Learning to Skateborad (In a Wardone) tem tema pesado e parece ser a favorita (mas não vi). Então, tudo é chute.

Quem gostaria que ganhasse: In the Absence
Quem ganha: Life Overtakes Me

E pra vocês? Já fizeram as suas apostas? Fala pra gente quem ganha o quê e quem vocês gostariam que faturasse o Oscar! E, boa premiação para todos nós!

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Curta Um Curta - A Vida Em Mim (Life Overtakes Me)

Entre as doenças modernas que afetam a mente humana é provável que poucas sejam mais misteriosas do que a "Síndrome da Resignação". Não sei vocês, mas eu nunca tinha ouvido falar desse mal, que costuma afetar um nicho bastante específico: o dos filhos de refugiados sírios que tentam se restabelecer na Suécia, após uma série de ameças que resultam em traumas certamente difíceis de lidar. Por meio da Síndrome - e há pouquíssimas informações sobre a doença -, as crianças entram em uma espécie de estado catatônico, seguido de sono profundo (como se estivessem em coma). Seguem vivas, se alimentam e se movimentam com a ajuda dos pais - que também sofrem, claro -, mas permanecem como se estivessem congeladas, em uma situação que pode durar meses ou até anos. A angústia das famílias e as tentativas da medicina e da psicologia na busca pela cura, são mostradas no curta-metragem documental A Vida Em Mim (Life Overtakes Me), que está disponível na Netflix e está indicado ao Oscar em sua categoria. Urgente, triste e enigmático, o filme sobre o absurdo da guerra e de políticas excludentes e xenófobas, que podem estar diretamente ligadas aos casos.

Picanha.doc - Honeyland (Land Des Honigs)

De: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska. Documentário, Macedônia / Turquia, 2018, 89 minutos.

É muito provável que vocês, leitores do Picanha, já tenham ouvido falar a respeito da importância das abelhas no mundo - e sobre como estaríamos condenados à extinção, caso estes pequenos insetos simplesmente deixassem de existir. E, em muitos locais, eles têm deixado MESMO de existir - seja pelo excesso do uso de agrotóxicos (o principal motivo), pelas queimadas ou até mesmo pelo manejo inadequado de colmeias, com enxames inteiros morrendo - inclusive de fome. Bom, ainda que não seja assim tão explícito, o documentário Honeyland (Land Des Honigs) utiliza como microcosmo um local remoto da Macedônia para fazer um pequeno recorte sobre o quão prejudicial pode ser o comportamento predatório, na hora de exercer o ofício de apicultor. Trata-se de uma obra singela e contemplativa, que valoriza a comunhão do homem com a natureza e a importância do equilíbrio para a manutenção dos ecossistemas. Aliás, os mesmos ecossistemas que serão polinizados pelas abelhas.

Na trama acompanhamos a jornada de uma mulher de meia idade de nome Hatidze, que mora em uma região isolada com a mãe - uma idosa de 85 anos comoventemente doente. A rotina de Hatidze se divide entre os cuidados com a mãe e o trabalho como apicultora. Com colmeias espalhadas em locais estratégicos, ela faz o manejo de inverno respeitando um dos preceitos para a sustentabilidade dos enxames: ela retira apenas metade do mel, deixando a outra metade para as abelhas sobreviverem. O produto colhido, ela vende em feiras de Sofia, na Bulgária, por valores que podem chegar a até 20 euros. "É um mel puro, sem mistura e que faz bem pra saúde", garante. Bom, por mais sofrida que a vida seja neste contexto, ela se modificará completamente com a chegada de um casal de vizinhos e seus seis filhos, que se instalarão em uma propriedade próxima. Criadores de gado, farão amizade com Hatidze, que ensinará ao pai da família sobre a arte da apicultura.


Só que o homem tem seis filhos. Precisa dinheiro. Tem muitas bocas a alimentar. Adota a produção de mel como uma alternativa - especialmente depois de surgir um comprador disposto a adquirir uma grande quantidade do produto -, mas se atravessa na hora de fazer o manejo: antecipa a colheita e, com falta de comida para as próprias abelhas, acaba matando os seus enxames e também os de Hatidze. E assim fica estabelecido o conflito. Mas de uma forma tão sutil e introspectiva, que a gente quase nem percebe. Incapaz de brigar com os vizinhos - Hatidze faz amizade com um dos filhos adolescentes do casal -, a protagonista adota uma postura resignada diante dos fatos. E se apoia na idosa mãe, que acredita na intervenção divina para a resolução do caso - e, claro, ela não tardará. Nesse sentido a obra poderá gerar até uma certa ansiedade nos espectadores que não estão tão acostumados ao formato: a trama é simples mas a condução é caudalosa, densa. Flui demoradamente, mas com vigor. Não há pressa para fazer com que percebamos o fato de que o capitalismo e sua ânsia pelo consumo, pode ser capaz de devastar a única fonte de renda de pequenos agricultores familiares.

E nesse sentido o filme é muito hábil em mostrar as diferenças de comportamento entre Hatidze e o vizinho: enquanto a primeira dificilmente é picada por alguma abelha (trabalha com elas num modelo quase simbiótico), o segundo faz um manejo agitado, em que "briga" o tempo todo com os insetos, que lhe picam, picam seus filhos, seus animais, todo mundo. Produzir mel se torna uma luta em que as abelhas são inimigas e não aliadas. Em resumo: só o extrativismo interessa. Esse desequilíbrio gerado - que se estende para a quebra do silêncio nas montanhas e para a alteração da lógica cotidiana de Hatidze - se espalhará de forma desordenada em uma série de sequências em que ficarão claras essas diferenças de comportamento. De um lado a protagonista espreita por cima dos muros, com sua roupa festivamente amarela, alegre. De outro os vizinhos tentam manter a ordem no curral, estão sempre as turras com as crianças e claramente trarão problemas para um ambiente tão pacato. É obra de sutilezas, que foi indicada ao Oscar nas categorias Filme em Língua Estrangeira e Documentário. E essa mesma sutileza é quebrada o tempo todo pelo barulho das abelhas, seu zumbido e alarido, como se tentassem chamar a atenção para o seu valor. Um valor que, aos poucos, a gente parece começar reconhecer.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Cinema - 1917 (1917)

De Sam Mendes. Com George Mackay, Dean-Charles Chapman, Benedict Cumberbatch, Colin Firth e Mark Strong. Guerra / Drama, EUA / Reino Unido, 2019, 119 minutos.

Quando assistimos a uma produção como 1917 (1917) passamos a ter a certeza de que não, o tema da guerra no cinema NÃO SE ESGOTOU e sempre haverá espaço para que ele nos surpreenda ou nos traga um novo ponto de vista. Somente nas premiações desse ano temos duas películas de relevância que revisitam os dois maiores e mais trágicos eventos do tipo, ocorridos no começo do século passado. Se em Jojo Rabbit o humor serve para, a partir do ponto de vista de uma criança, denunciar o absurdo por trás do ideal nazista, na obra de Sam Mendes (Beleza Americana), o que se sobressai é a pasmaceira realista que nos coloca dentro de um episódio que poderia ter ocorrido durante a Primeira Guerra. E acompanhar a jornada de dois homens do exército inglês que devem levar uma carta de um ponto a outro do front - o que poderá evitar a morte de 1.600 aliados -, a pé, adentrando o território inimigo (no caso, os alemães), é algo que nos deixa sem fôlego mais ou menos pelo TEMPO TODO.

E isso tem sim a ver com a parte técnica. Muitas pessoas (a crítica inclusive), tem se empenhado em falar do suposto plano-sequência que nos conduz em um território acinzentado, abandonado, melancólico, lamacento, com cheiro, gosto e cara de morte, com corpos apodrecendo, ratos pestilentos, trincheiras sujas, secas ou úmidas. E de pouca esperança. E de absurdo em um conflito sem lógica. Mas eu digo a vocês que pouco importa o plano-sequência - e quem assistiu filmes como Festim Diabólico, do Alfred Hitchcock, vai sacar direitinho onde estão os cortes: o que importa mesmo é a imersão. É estar com a câmera grudada naqueles dois sujeitos que avançam em território inóspito, sem nenhuma previsão do que vai acontecer. Se serão atacados, mortos, surpreendidos por alguma tática de guerra. Se superarão limites. Se morrerão ou encontrarão alguém. Se voltarão para casa ou para as suas famílias. E é o combo fotografia + figurinos + edição e mixagem de som + desenho de produção que faz isso. Sim, os longos planos também fazem e muitos deles são simplesmente inacreditáveis. Mas eles não "acontecem" sozinhos.


Sobre o desenho de produção ele é simplesmente um espetáculo a parte. Da saída de sua própria trincheira, ao avanço pelo descampado imprevisível, há uma grande riqueza de detalhes na apresentação dos destroços de uma guerra - seus cadáveres, seus terrenos acidentados, cheios de pocilgas, de aclives e de espaços que por si só também se transformam em inimigos, nos causando até mesmo certa vertigem. Como se avançássemos por um jogo de videogame, com a câmera "caminhando" conosco, buscando o melhor ângulo para se posicionar, estamos sempre no aguardo da hostilidade que é, metaforicamente, apresentada no formato de cenários destruídos, vidas despedaçadas e tristeza onipresente. Em poucos filmes os horrores da guerra foram apresentados de forma ao mesmo tempo sutil e gritante como em 1917. Mais ou menos como na sequência em que os cabos Shofield (George MacKay) e Blake (Dean-Charles Chapman) cruzam por um belíssimo jardim de cerejeiras perdido no meio do nada, para no instante seguinte serem confrontados, da forma mais cruel possível, com o absurdo do conflito.

Fora aquele crítico que vai dizer que "blablabla, a parte técnica não está a serviço do filme (what?)", duvido o espectador médio (meu caso) não se sentir absurdamente envolvido por essa grande obra - que deverá com justiça faturar o Oscar no próximo domingo. É aquele tipo de filme que vale a pena ver no cinema e fora um ou outro excesso cometido pela trilha sonora (que eventualmente tenta ditar as nossas emoções ou o que devemos ou não sentir em certo momento), a película nos faz sentir de tudo da melhor forma - seja por meio da edição de som que nos faz perceber respirações e tensões, seja na fotografia que modifica sensivelmente a sua paleta de cores de acordo com o "momento" vivido pelos dois cabos. Com interpretações corretas, sem deslizes, e com boas surpresas no elenco de apoio, 1917 consegue renovar o fôlego para os filmes do gênero - especialmente no retrato da Primeira Guerra, que nem sempre é lembrada. E por mais que a história pareça ser simples e com avanços mais espaçados do que convencional, bastará uma explosão meio sem aviso para que a gente se lembre do quão estúpidos nós, os humanos, podemos ser.

Nota: 9,5

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Curta Um Curta - Hair Love

E quem foi que disse que filme bom e com mensagens relevantes precisa ter duas horas de duração? Pois este Hair Love, que é pura simpatia, consegue a proeza de ser uma dos mais tocantes e surpreendentes obras do ano, tendo apenas seis minutos de duração! O filme dirigido por Matthew A. Cherry (da série Jogo de Espiões) é um dos indicados ao Oscar na categoria Curta Metragem de Animação e a trama narra a história de um pai afrodescendente que se esforça para pentear os cabelos de sua filha. Em uma época em que a representatividade se faz cada vez mais necessária, não deixa de ser legal assistir a um filme como este, que ainda conta com um traço estiloso e marcante. Ah, e como tem sido praxe nos curtas indicados ao maior prêmio do cinema, é bom separar um lenço: esse aqui também tem um final arrebatador. Vale clicar e conferir!

Sete Grandes Absurdos no Oscar de Melhor Filme

Já aconteceu muitas vezes na maior festa do cinema: o melhor filme entre os indicados não foi, necessariamente, o aclamado. Por quaisquer que sejam os motivos - e a gente sabe que premiações como o Oscar se valem de muito lobby e campanhas envolvendo um grande volume de recursos (que surgem no formato de mimos ou de jantares luxuosos) -, em muitos casos ficou para a posteridade reconhecer a relevância de determinada obra (como no caso do nosso primeiro colocado). Fora os casos em que o melhor filme do ano sequer foi indicado para a premiação! Bom, aqui a gente relembra, em uma pequena lista, os sete maiores absurdos do Oscar na categoria Melhor Filme.

7) Crash - No Limite x O Segredo de Brokeback Mountain (2006): eu vou contar um segredo a vocês: quando o drama sobre racismo de Paul Haggis foi anunciado como o Melhor Filme da edição daquele ano eu SALTEI DO SOFÁ! De alegria! Por que foi algo totalmente inesperado e eu tava torcendo muito pelo filme. Mas eu tenho consciência de que a crítica torceu o nariz, por O Segredo de Brokeback Mountain ter sido ignorado. Passados dez anos e, com algum distanciamento histórico, reconheço a pungência da abordagem de Lee em seu filme - especialmente em uma época em que o conservadorismo da Academia estava cada vez mais sendo questionado. Mas foi divertido, não vou negar.


6) Rebecca - A Mulher Inesquecível x Vinhas da Ira (1941): pra mim, nesse caso, o problema não foi nem a vitória do ótimo Rebecca, mas sim o filme do Alfred Hitchcock que escolheram para aclamar como Melhor Filme. Sim, o cara que fez Psicose, Janela Indiscreta e Um Corpo Que Cai (que, pasmem, não foram sequer lembrados pela Academia), recebeu a estatueta por uma obra que, nem mesmo para os fãs, está entre as preferidas. Qual o critério? E, outra: por mais que o Mestre do Suspense seja talvez o meu diretor preferido de todos os tempos, nada batia Vinhas da Ira naquele ano. Aliás, talvez até o agridoce Núpcias de Escândalo fosse uma escolha mais acertada. E se estou errado você que me digam!


5) Kramer vs. Kramer x Apocalypse Now (1980): lembro de ter assistido o drama doméstico do diretor Robert Benton na adolescência e, talvez para não cometer nenhuma injustiça, talvez aqui fosse o caso de uma revisão. Mas, ainda assim, eu DUVIDO, que ele seja mais relevante, impactante e imponente do que retrato nu e cru da guerra, orquestrado por Francis Ford Coppola. Tão cheia de problemas quanto de boas interpretações, excelentes diálogos e momentos icônicos, além da parte técnica impecável, o filme é profundo, alucinante, sombrio. Só faltou a Academia - que preferiu Meryl Streep e Dustin Hoffmann discutindo guarda de filho em tribunal - perceber.


4) Rocky - Um Lutador x Taxi Driver (1977): sim, eu sei que o filme estrelado por Stallone tem seus predicados e era um genuíno representante da América republicana, que vinha na esteira da campanha dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford (sempre lembrando a fama conservadora da Academia). Mas aí a ignorar os méritos da obra de Martin Scorsese? Bom, a trajetória do diretor foi mais ou menos como a do Hitchcock, mas ao contrário: esnobado pelos seus melhores filmes - ocorreu o mesmo na edição de 1981 quando o dramalhão Gente Como a Gente, de Robert Redford, bateu Touro Indomável -, acabou ganhando a estatueta por uma obra "menor", no caso, Os Infiltrados, na cerimônia de 2007. Aliás, um Oscar justo, é preciso que se diga.


3) Shakespeare Apaixonado x O Resgate do Soldado Ryan (1999): a edição do Oscar de 1999 é DISPARADA uma das mais destrambelhadas da história do cinema. Aliás, daria para fazer um especial nesse formato, só com os absurdos daquele ano - que vão de Roberto Benigni ganhando o Oscar de Melhor Ator no ano em que Edward Norton assombrou o mundo com sua caracterização de um nazista em A Outra História Americana e  A Vida É Bela superando Central do Brasil na categoria Filme em Língua Estrangeira. Mas Shakespeare Apaixonado superando O Resgate do Soldado Ryan é algo que, definitivamente, não dá pra aturar. Pelo amor de Spielberg!


2) Sinfonia em Paris x Uma Rua Chamada Pecado (1952): o negócio é sério. Seríssimo, eu diria! No ano em que Marlon Brando e Vivien Leigh assombraram o MUNDO encarnando Stanley Kowalski e Blanche Dubois em uma adaptação enervante da obra de Tenessee Williams, a Academia optou por dar a sua estatueta máxima para o musical Sinfonia de Paris, de Vincente Minelli. Eu só posso acreditar que os votantes faltaram à sessão de Uma Rua Chamada Pecado. Aliás, quer ter uma dimensão do ABSURDO na hora da consideração por musicais? Lançado no ano seguinte, Cantando na Chuva - talvez o melhor filme do estilo na história - sequer figurou entre os nominados daquele ano.


1) Como Era Verde Meu Vale x Cidadão Kane (1942): com todo respeito ao melodrama de John Ford - que tem todos os méritos do mundo no debate da decadência da sociedade capitalista -, mas se comparado ao inovador filme de Orson Welles, ele fica parecendo mais uma novelinha água com açúcar. Maior caso de "Oscar para o filme errado" na história, a justiça só começou a ser feita anos mais tarde, quando Cidadão Kane passou a figurar nas primeiras posições em diversas listas de melhores - caso das do American Film Institute (AFI), tendo a sua narrativa envolvente, recheada de complexas trucagens técnicas nunca antes vistas, finalmente reconhecidas.



E antes de finalizar, fica a menção honrosa para a edição de 2011, que deu a O Discurso do Rei a estatueta que deveria ser de Cisne Negro (ou até de A Origem). E, pra vocês? Quais os absurdos? As injustiças? Esquecemos de algo? Deixem seus comentários!