quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Novidades em Streaming - Apresentando os Ricardos (Being the Ricardos)

De: Aaron Sorkin. Com Nicole Kidman, Javier Barden, J. K. Simmons e Nina Arianda. Drama, EUA, 2021, 133 minutos.

Poucas vezes eu tive tantas dúvidas sobre se fiz bem ou mal em assistir um filme sem saber absolutamente nada da história por trás, como no caso de Apresentando os Ricardos (Being the Ricardos) - um dos lançamentos da semana na plataforma da Amazon Prime. Sim, pra quem se pretende um crítico - no meu caso, amador e, em permanente processo de formação - certamente faria bem saber um pouco mais dos bastidores do período retratado, fosse por meio de publicações da época, em artigos veiculados na imprensa, através de documentários ou de outros materiais que contribuíssem para uma leitura mais ampla de cenário. Só que o que fiz foi "apenas" assistir a mais recente produção do diretor Aaron Sorkin (de Os 7 de Chicago), sem qualquer informação a mais. E, bom, o que encontrei foi um bom entretenimento, uma obra razoavelmente divertida, que utiliza o componente político como pano de fundo e que adota ainda, de forma meio inevitável, a metalinguagem para estruturar o seu roteiro.

Protagonizada por Nicole Kidman e Javier Barden, a trama retorna setenta anos no tempo, para que possamos acompanhar uma semana de trabalho nos bastidores da sitcom I Love Lucy - um verdadeiro fenômeno televisivo da época e que chegou a ter picos de audiência de cerca de 60 milhões de pessoas assistindo ao programa ao mesmo tempo nos Estados Unidos (o Ibope ultrapassava os 70 pontos). Os anos 50, como muitos de vocês sabem, marcou o período também conhecido como Macarthismo - aquele em que o senador republicano Joseph McCathy utilizava toda a sua influência para promover uma verdadeira Caça às Bruxas à jornalistas, adversários políticos, ativistas e até atores e figuras ligadas à essa indústria, que pudessem ter algum envolvimento, alguma coneção que fosse, com o Partido Comunista. Parte dessa história, aliás, é retratada no ótimo Boa Noite e Boa Sorte (2005), filme dirigido e protagonizado por George Clooney e que chegou a figurar no Oscar naquele ano.


Ocorre que Lucille Ball (Kidman), a estrela de I Love Lucy - uma espécie de queridinha da América daqueles tempos -, é acusada de estar no "lado vermelho da força" após o vazamento de documentos que confirmariam a sua afiliação ao Partido. A época era a do pós-guerra e estar de um lado que não fosse o do imperialismo norte-americano poderia representar uma falta gravíssima, algo quase imperdoável para as famílias de bem que se instalavam no sofá para conferir as peripécias de Lucy, de seu amado Ricky Ricardo (o cubano Desi Arnaz é interpretado por Javier Barden), do avô Fred (o veterano William Frawley ganha o rosto de J.K. Simmons) e de sua candidata a par romântico Ethel (com Nina Arianda assumindo o papel que nos anos 50 era de Vivian Vance). Tentar limpar a barra de Lucille será o que parte dos executivos, dos produtores, dos patrocinadores, dos roteiristas, enfim, toda a equipe envolvida no seriado, tentará, talvez utilizando a própria série (suas piadas, suas gags, seus comentários sociais) pra isso.

Nesse sentido o filme é pródigo em estabelecer a semana de produção de apenas um episódio como uma espécie de evento decisivo, que poderá definir o futuro e a carreira de Ball. Em meio a idas e vindas com a própria construção da narrativa da série - o episódio envolve uma exótica sequência de jantar -, Lucille precisará também lidar com os problemas pessoais, que envolvem uma suposta traição do galanteador Desi (esse fato, sim, já sendo bastante explorado pelos tabloides da época, com a situação sendo devidamente piorada pelo fato de o astro ser cubano). A crítica especializada salientou bastante o exagero de Sorkin ao forçar a barra no componente político da história, deixando de lado elementos da vida pessoal de Ball que poderiam fortalecer a trama. Bom, como eu disse ali no começo, sei muito pouco sobre o que, de fato, teria acontecido nesse período. Mas o filme que vi foi bom. Se será suficiente para emplacar indicações ao Oscar o tempo dirá. O esforço dos atores me parece válido, ainda que suas personalidades, aqui e ali, sugiram uma certa palidez meio generalizada. Depois do estrondo que foi Os 7 de Chicago, acaba sendo realmente uma nota menor na obra de Sorkin.

Nota: 7,0


terça-feira, 28 de dezembro de 2021

10 Melhores Leituras de 2021 (+5 Menções Honrosas)

Diferentemente do que ocorreu em 2020, quando a pandemia - à época, uma dolorosa "novidade" - nos obrigou a ficar em casa, neste ano o volume de leituras foi um pouco menor. O que não nos impediu de tomar contato com grandes obras, de escritores nacionais e estrangeiros. Aliás, como comprova a nossa última listinha do ano - a das 10 Melhores Leituras de 2021 e mais cinco menções honrosas -, o período foi produtivo para os autores brasileiros, que entregaram grandes obras que deverão permanecer na memória, especialmente por refletirem os duros tempos que vivemos. Claro, nunca é demais lembrar que os livros que constam nessa relação não foram necessariamente lançados nos últimos 12 meses. Ainda assim procuramos privilegiar algumas novidades, como forma de chamar a atenção para o que tem sido feito na produção atual. Boa leitura!



Menções honrosas:

15) Encontro com Rama (Arthur C. Clarke)

14) A Visita Cruel do Tempo (Jennifer Egan)

13) O Riso dos Ratos (Joca Rainers Terron)

12) A Tensão Superficial do Tempo (Cristóvão Tezza)

11) Recursão (Blake Crouch)


10) As Intermitências da Morte (José Saramago): E se a Morte paralisasse as suas atividades? Resolvesse, de um dia para o outro, descontinuar o seu trabalho. Uma espécie de greve. Sem aviso prévio. A gadanha pendurada em um canto. O corpo esquelético em repouso. Um fato absolutamente contrário as normas da vida, daqueles de causar uma perturbação enorme nos espíritos. Um fenômeno nunca antes visto nos quarenta volumes da história universal - no caso 24 horas sem que se tivesse sucedido um falecimento que fosse por doença, por queda mortal, por suicídio. Nem um acidentezinho de trânsito - uma daquelas trágicas irresponsabilidades que povoam as estradas. Como reagiríamos a essa inesperada suspensão? Como procederíamos diante da imortalidade, convertida agora no "novo normal"? Pois é justamente isso que José Saramago imagina nessa fábula lançada em 2005 e que funciona como uma ampla divagação sobre finitude, sobre vida e, creiam, até sobre amor. Leia a resenha completa.


9) A Porta (Magda Szabó): uma das grandes obras da literatura húngara A Porta nos joga para o cenário pós-Segunda Guerra Mundial, onde uma escritora erudita contrata uma vizinha para ser sua governanta. Com personalidade diametralmente oposta a sua, Emerenc, a empregada, é uma figura misteriosa, taciturna, uma camponesa analfabeta, eventualmente rude e que mora sozinha em uma casa de ares modestos. E como se não bastasse o seu perfil reservado, Emerenc ainda mantém um excêntrico hábito: o de impedir qualquer pessoa de adentrar a sua residência. Em resumo: ninguém passa pela sua porta. E é justamente esse mistério que angustiará a existência da patroa que, em meio a um mosaico de situações cotidianas envolvendo a vizinhança, fará de tudo para tentar descobrir o que esconde a governanta. Quem é afinal essa mulher e porque ela mantém uma postura fechada em relação ao universo que a rodeia? É o que essa joia tentará responder, numa escrita vigorosa, poética e cheia de simbolismos.


8) Os Supridores (José Falero): poucas vezes a literatura brasileira foi tão simples, direta e vertiginosa como no caso do romance de estreia do gaúcho José Falero. Com ares autobiográficos, a trama conta a história dos jovens Pedro e Marques, que trabalham como repositores em um supermercado de Porto Alegre. Um emprego, como não poderia deixar de ser, precarizado, em que as exigências (e as humilhações) são muitas e o salário é pouco. Entre os dois Pedro é o mais intelectualizado, capaz de ter uma leitura mais ampla do cenário que os rodeia e assim utiliza a sua habilidade com as palavras para convencer Marques - um sujeito mais intempestivo, de personalidade forte - a montar um esquema de comercialização de maconha no bairro em que moram. A partir de então o leitor acompanha de perto, e com um realismo pungente, todas as etapas que envolvem as negociações, tendo como pano de fundo profundas discussões sobre desigualdade, sobre racismo e sobre superação. É simplesmente imperdível.


7) Sobre os Ossos dos Mortos (Olga Tokarczuk): nesse romance polonês que propõe uma deliciosa mistura de estilos - a obra vai do suspense policialesco, passando pelo realismo fantástico até chegar à comédia de humor negro, muitas vezes na mesma página - somos arremessados a um vilarejo em uma gelada região ao norte da Polônia, na divisa com a República Tcheca. É nesse local frio, inóspito - o sentimento de desolação por vezes é palpável -, que mora a protagonista Janina Dusheiko, uma professora de inglês aposentada, que ocupa suas horas como caseira em propriedades vizinhas à sua. Atividade que lhe garante uma renda extra, ao mesmo tempo que permite monitorar a movimentação no local. Só que a tranquilidade é quebrada quando Janina é surpreendida pela morte de seu excêntrico vizinho. Com um estilo de escrita direto, sem firulas, Sobre os Ossos dos Mortos é subversivo, existencialista e um tanto macabro, propondo uma série de reflexões sobre a nossa relação com a natureza. Leia a resenha completa.


6) Norwegian Wood (Haruki Murakami): a moda de outros escritores que espalharam dilemas, incertezas, anseios e inseguranças do universo juvenil em suas páginas - casos de J. D. Salinger em O Apanhador no Campo de Centeio e F. Scott Fitzgerald em O Grande Gatsby, pra ficar em apenas dois exemplos -, aqui, Murakami parte de um evento trágico (no caso o suicídio de um adolescente de 17 anos) para revirar as memórias daqueles que ficaram: no caso, o protagonista Toru Watanabe, que era melhor amigo do jovem e a bela Naoko, a ex-namorada do falecido. Um reencontro entre os dois despertará uma paixão bem ao estilo das paixões adolescentes: difusa, muitas vezes complicada e, neste caso, ainda preenchida por uma espécie de dilema ético. Acolher a ex-namorada do melhor amigo pode ser uma fuga nesse momento. Mas desejá-la como como Watanabe nunca desejou nenhuma outra, será o certo? Com um sem fim de referências culturais a obra não nos dará respostas fáceis. Especialmente em relação a perguntas complexas, como o que fazer da vida, quando ela avança inexoravelmente? Leia a resenha completa.


5) Baixo Esplendor (Marçal Aquino): s
e existe uma coisa que me fascina na obra do Marçal Aquino é o fato de ele pegar aquele Brasil urbano, violento, excessivamente hostil e nos fazer ele escorrer de uma forma absurdamente fluída das páginas de seus livros. É nessas obras que a gente vê escancarado o Brasil dos contrastes, dos malandros, das traições, do submundo. Do jeitinho brasileiro. De tentar fazer dar certo aquilo que, no nosso íntimo, a gente sabe que não vai dar. Aqui, o pano de fundo é o da Ditadura Militar brasileira, ano de 1973. Há uma tensão palpável que está no ar, em meio ao fluxo modorrento de opalas e fuscas, que se alternam pelas avenidas das grandes capitais, contexto em que um tira se infiltra em uma quadrilha de ladrões de cargas e, durante a operação, vê as fronteiras entre sonho e realidade borradas, quando se apaixona pela irmã do chefe do bando. É um caso de amor movido a sexo e fadado ao desastre, que será levado até o limite nessa obra irresistível, rápida e caudalosa, e quase impossível de largar. Leia a resenha completa.


4) A Máquina de Fazer Espanhois (Valter Hugo Mãe): a inevitável chegada da idade e o avanço cruel do tempo são a matéria-prima para uma das mais comoventes obras do escritor português Valter Hugo Mãe. Na trama somos apresentados ao protagonista António, um barbeiro aposentado de 84 anos, que é levado pela família para viver num lar de idosos. Em meio ao processo autocomiserativo do fato em si - e da repulsa automática que passa a sentir por seus entes "não tão queridos" -, o sujeito tentará se adaptar a sua nova realidade, aos funcionários que ali estão e a uma existência em que a convivência com os demais pacientes será, muito provavelmente, o único caminho. De forma quase cruel, Mãe analisa essa dolorosa e solitária etapa da vida com senso de humor e sensibilidade surpreendentes, nos apresentando um coletivo de personagens cativantes, carismáticos e até imprevisíveis. Como a flor que fura o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio, a prosa trágica e cômica do escritor busca, na humidade dos que padecem, material para louvar a vida. Não é pouco.

3) As Brasas (Sándor Márai): existem alguns livros que são tão poeticamente escritos, tão soberbamente costurados, que parecem tornar a narrativa maior do aquilo que se vê nas aparências. E é esse justamente o caso desse clássico do húngaro Sándor Márai. Cronista perspicaz, o autor nos apresenta uma história sobre amizade, paixão amorosa e honra. No romance dois amigos de infância, Henrik e Konrad, não se vêem há 41 anos, depois de um deles desaparecer misteriosamente em 1899. Após a chegada de uma carta ao castelo localizado nos Montes Cárpatos, o velho general do Império austro-húngaro Henrik prepara o local para a visita do amigo que não encontra há quatro décadas. Está claro que entre os dois há feridas jamais curadas - e que podem ter a ver com o, agora fantasma, de Kriztina, mulher que ambos teriam disputado no passado. Ainda há espaço para a retomada desse duelo, após tantos anos? Com total domínio narrativo, Márai converte As Brasas em um romance tão sombrio quanto panegírico, que representa ainda de forma impecável a aristocracia da época.


2) O Avesso da Pele (Jeferson Tenório): um dos mais impressionantes romances lançados em 2020, o livro do carioca radicado no Rio Grande do Sul Jeferson Tenório narra a história de Pedro que, após a morte do pai em mais um "caso isolado" de desastrosa abordagem policial, sai em missão para resgatar o passado da família, refazendo os caminhos paternos. Alternando momentos poéticos, com outros da mais completa brutalidade, o autor traz à tona um País marcado pelo racismo institucional e pela completa incapacidade do Estado - especialmente no contexto de um governo autoritário, perverso e que parece se orgulhar de flertar com o fascismo, como este que vivemos. Nesse sentido trata-se de uma ficção atualíssima, tão sensível quanto dolorosa e que possibilita uma reflexão sobre temas como identidade negra, preconceitos, intolerância e o processo quase permanente de segregação em nossa sociedade. É um livro potente, escrito escrito com habilidade e que articula a complexidade das relações familiares (e suas tragédias) de forma quase ritualística.


1) Solução de Dois Estados (Michel Laub): É o Brasil polarizado na sua essência que nos é apresentado no mais recente romance do gaúcho Michel Laub. Nas páginas do livro, o ódio que divide também as famílias é materializado na experiência antagônica que envolve os irmãos Alexandre e Raquel. Jamais estereotipados, ainda que ricamente caracterizados, os dois funcionam como uma espécie de case para uma certa Brenda Richter - documentarista alemã que centra a sua lente para os países do Terceiro Mundo, bem como para as suas mazelas, diferenças sociais, contrastes. As questões políticas e a beligerância por trás de cada manifestação de cunho ideológico também pontuam cada obra da diretora. Jamais a questão é tratada de forma aberta, mas o Brasil que "iniciou" em 2018 - aquele mesmo que odiou perdidamente o PT (e a esquerda) e alçou um genocida desqualificado ao poder -, aparece em cada página. Em cada linha. Nos detalhes de cada relato, nessa obra que não encontra na ideia de conciliação, a saída para a barbárie que nos enfiamos. Leia a resenha completa.


Pessoal, espero que tenham curtido as nossas listas! Final do ano que vem tem mais. E não esqueçam de comentar, curtir, compartilhar. E de também eleger os seus melhores do ano!


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Novidades em Streaming - Não Olhe Para Cima (Don't Look Up)

De: Adam McKay. Com Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Cate Blanchett, Jonah Hill, Timothée Chalamet, Mark Rylance e Rob Morgan. Comédia / Drama, EUA, 2021, 145 minutos.

Pode parecer meio inacreditável que, às portas de adentrarmos o ano de 2022, ainda haja pessoas que neguem a eficácia da vacina contra a covid-19. Que mergulhem em uma jornada tão solitária quanto camicase em que o mundo inteiro está equivocado - a ciência, os pesquisadores, os acadêmicos -, e somente o "alecrim dourado" que governa este ou aquele País está correto. Ou ao menos é o que o tia Zuleica anda espalhando no zap entre uma dose e outra de cloroquina. "A Globo mente, vocês não sabem? Tudo faz parte de uma grande conspiração globalista e comunista que visa a tornar a China ainda mais poderosa", brada o Geraldo, o vizinho que já afirmou que vai votar contra a obrigatoriedade da vacina em crianças em uma consulta pública que será realizada por aqui. Sim, porque na nossa idiocracia tardia quem decide sobre a eficácia da vacina como método de prevenção à maior pandemia do milênio não é a ciência: é o tiozinho ali da padaria. Entre uma cerveja e outra.

Não Olhe Para Cima (Don't Look Up), mais recente filme do sempre debochado Adam McKay - de A Grande Aposta (2015) e Vice (2018) - não é necessariamente sobre a pandemia ou sobre o Bolsonaro e sua abilolada catrefa, que segue atrapalhando a campanha de vacinação como pode. Aliás, a obra foi escrita antes desse desastre global, coincidentemente, acontecer. Ela pode muito bem ser sobre o meio ambiente e sobre o nosso comportamento destrutivo em relação a ele. Ou a respeito da persistência do extremismo de direita em nossos tempos. É um filme americano e, como tal, dialoga muito mais com a política de lá e com o seu contexto social, econômico, midiático e cultural. Mas ainda assim é uma obra de arte que, a despeito desses poréns, dialoga com todo esse contexto ao olhar para o futuro para refletir sobre o presente. E, essencialmente, é uma obra sobre o efeito devastador do negacionismo e sobre como ele compromete avanços nos mais variados campos. E talvez seja por isso que, em matéria de pandemia, ele seja quase profético.


Afinal de contas, poucas vezes vimos governantes, imprensa, formadores de opinião, pesquisadores, médicos, representantes de entidades e a população em geral bater tanta cabeça sobre um assunto, quando o óbvio para absolutamente todo o mundo deveria ser: sigam a ciência. Procurem se informar de forma qualificada. Em periódicos de relevância. Em canais com credibilidade. Evitem a teoria conspiratória. Ou mesmo a vergonha de acreditar numa pandemia - ou mesmo no aquecimento global - como uma fenômeno deliberado, com o único objetivo de comprometer este ou aquele País e sua economia. A China não serviu morcego numa bandeja pra quebrar os Estados Unidos. O desmatamento da Amazônia não é exagero da mídia marxista. Os democratas não tem uma rede de pedofilia no subsolo de uma pizzaria em Chicago. E o Messias, bom... se o Messias voltar para salvar a Pátria, podem ter a certeza de que ele não virá travestido de anticristo.

No filme, como talvez vocês já saibam, Leonardo Di Caprio e Jennifer Lawrence são o Dr. Randall Mindy e a doutoranda Kate Dibiasky. Em um dia de pesquisas rotineiras na Universidade do Michigan eles descobrem algo nada bom: um meteoro de quase dez quilômetros de raio se chocará contra a Terra em cerca de seis meses. E os cálculos apostam em uma probabilidade de 99% de que isso realmente aconteça. Só que o que deveria ser uma corrida contra o relógio para mobilizar todas as forças de defesa possíveis no mundo todo se torna um circo patético que evidencia desde a burocracia estatal, passando pelo sensacionalismo da imprensa - interessada apenas em cliques -, até chegar ao completo descrédito dos cientistas (em muitos casos por motivos bizarros, como a incapacidade de levar uma mensagem de qualidade ou didática para a população em geral). Some-se a isso a ânsia de bilionários interessados em transformar a catástrofe em um evento que gere ainda mais riquezas (certamente para poucos) e está feito o estrago.


Tratada por McKay com a habitual ironia, a obra se converte em uma grande alegoria que tem como pano de fundo o "elogio à estupidez" de nossos tempos. Aqui no Brasil o suposto alarmismo do Átila Iamarino no começo da pandemia - com previsão de um milhão de mortes - foi motivo de chacota pela população, ao mesmo tempo em que todos normalizaram um general DA ATIVA no comando da pasta que deveria cuidar, acima de tudo, da nossa saúde. Memes, leituras equivocadas de cenários, políticas de caça-cliques, populismo barato, patriotismo exacerbado, nada fica de forma nessa sátira que beira o histrionismo e que fará sucesso com fãs de séries como Years and Years - que também reflete à perfeição a entropia de nossa Era. O elenco, composto ainda por Meryl Streep (uma espécie de Donald Trump de saias), Jonah Hill (o Carluxo da Casa Branca) e  Mark Rylance (uma mescla de Elon Musk com Bill Gates), além de Cate Blanchett, Ariana Grande, Timothée Chalamet, Ron Perlman e Rob Morgan é um atrativo a parte. Sim, pode eventualmente soar exagerado - ou até forçado. Mas nos tempos atuais talvez o óbvio tenha de ser dito de forma muito clara. E, nesse caso, o didatismo é uma das forças da narrativa. Não fica nenhuma aresta pra fora. E o final, é literalmente explosivo.

Nota: 9,5

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Novidades em Streaming - Encontros (Encounter)

De: Michael Pearce. Com Riz Ahmed, Octavia Spencer, Aditya Geddada e Lucian-River Chauan. Drama / Suspense / Ficção científica, EUA / Reino Unido, 2021, 108 minutos.

Traumas de guerra, teorias conspiratórias, segredos governamentais, invasão alienígena, epidemias. Sinceramente a intenção do aceitável Encontros (Encounter) - uma das novidades da Amazon Prime - pode até ter sido boa, já que os temas citados acima teriam muito potencial para a construção de uma ótima ficção científica com pitadas de suspense e drama. Ou será que seria um drama com pitadas de ficção científica e suspense? O caso é que, ao optar por não avançar com mais profundidade em nenhum dos assuntos, a impressão que temos é a de mais uma obra que fica no quase. Não se trata de um filme ruim. Aliás, bem pelo contrário, uma vez que a manutenção do clima de tensão é combustível suficiente para que nos mantenhamos atentos ao que acontece. Mas quando aquilo que se pretenderia ser o grande plot twist da obra de Michael Pearce é revelado, lá pela metade, tudo aquilo que elaboramos em nossas mentes perde um tantinho de força.

Na trama Riz Ahmed - indicado recentemente ao Oscar pelo excelente O Som do Silêncio (2020) - é Malik, um veterano de guerra condecorado, que parece empenhado em se proteger de microorganismos de origem alienígena que estariam atacando a Terra. O filme, aliás, abre com uma ótima sequência em que vemos insetos em movimento, seus modelos parasitários, seu comportamento de grupo, que visa a destruir algum eventual hospedeiro. Mas o que estaria, de fato, acontecendo? Há verdadeiramente uma invasão alienígena que careça de preocupação? Ou seria tudo fruto da cabeça perturbada do homem? Na dúvida ele sequestra seus próprios filhos - ele está separado e a ex já tem outro marido -, na intenção de protegê-los da ameaça invisível. O que ele faz obrigando-os a utilizar uma espécie de desinfetante corporal e evitando a exposição excessiva ao ar livre.


É claro que não demorará para que a polícia parta atrás de Malik, que empreende sua jornada de carro, cruzando uma série de estados, com o objetivo de chegar em uma espécie de base militar de pesquisas - e que seria um dos únicos lugares seguros para todos eles. De uma forma meio torta, esse road movie aleatório permitirá uma aproximação do protagonista com seus filhos Bobby (Aditya Geddada) e Jay (Lucian-River Chauan), que passarão a encarar tudo como uma grande aventura. Bom, ao menos será assim até o momento em que o mais velho começa a perceber que, na realidade, o pai pode estar meio lelé da cuca (e que, talvez, não haja invasão alienígena, ataque de insetos ou qualquer outra coisa). E essa impressão é ampliada pela presença da agente Hattie (Octavia Spencer), que tem papel importante na hora de nos fazer compreender o que está em jogo naquele contexto.

Mas como já disse antes, foi um punhado de boas ideias que talvez não tenham sido tão bem aproveitadas - ainda que o terço final (e o fechamento) não sejam insatisfatórios. Em um mundo polarizado em que a pandemia de covid-19 serve para colocar em polos opostos os terraplanistas que se alimentam de cloroquina e de outro os que acreditam na ciência e nas possibilidades de cura pela vacina, talvez fizesse mais sentido apresentar Malik como aquele sujeito reacionário, que acredita em teorias absurdas e que envolvem grandes segredos do globalismo e da guerra cultural como forma de dominação. Bom, ou talvez isso poderia soar apenas maniqueísta. Não se aproveitando com mais envergadura desse dualismo, a narrativa se torna apenas a luta meio desesperada de um homem (e daquilo que está em sua perturbada mente). É um drama ok, com boas sequências, ótima ambientação e intenções das melhores. Mas a sensação que ficou foi a de que havia potencial pra uma riquíssima ficção científica moderna, política e existencialista.

Nota: 7,0


terça-feira, 21 de dezembro de 2021

25 Melhores Discos Internacionais de 2021 (+15 Menções Honrosas)

Quem acompanha listas de melhores certamente percebeu o fato de, neste ano, não ter havido uma grande unanimidade entre a crítica. Nesse sentido, diferentemente do que rolou ano passado com o comentadíssimo Fetch de Bolt Cutters da Fiona Apple, em 2021 a coisa ficou bem espalhada, com vários artistas diferentes aparecendo nas primeiras posições dos principais veículos. E esse pode ser um bom sinal, a meu ver, já que isso pode significar uma verdadeira enxurrada de bons lançamentos no período - inclusive daqueles trabalhos que estavam, por um ou outro motivo, represados. Também é importante destacar que este, definitivamente, foi um ano das mulheres - e talvez não seja por acaso que, da nossa relação de 40 discos, 25 sejam encabeçados por elas. Aliás, muitas delas meninas, que mal estão chegando a maioridade - casos de Olivia Rodrigo, Arlo Parks e Billie Eilish, pra ficar em alguns exemplos. No mais, aqui na nossa lista de 25 Melhores Discos Internacionais de 2021, com mais 15 Menções Honrosas, impera o ecletismo. Enfrentar esses tempos brutos, afinal, não é tarefa fácil. Mas com arte, com música, com dança, talvez seja possível. Boa leitura!
 

 
Menções honrosas:
 
40) Halsey (If I Can't Have Love, I Want Power)

39) Field Music (Flat With Moon)

38) Lucy Dacus (Home Video)
 
37) Clairo (Sling)

36) Courtney Barnett (Things Take Time, Take Time)

35) Julien Baker (Little Oblivions)

34) Tyler, The Creator (CALL ME IF YOU GET LOST)

33) Kacey Musgraves (Star Crossed)

32) Remi Wolf (Juno)

31) Cassandra Jenkins (An Overview On Phenomenal Nature)

30) The Weather Station (Ignorance)

29) Tune-Yards (sketchy.)

28) Lana Del Rey (Chemtrails Over The Country Club)

27) Laura Mvula (Pink Noise) 

26) Turnstile (Glow On)



25) Faye Webster (I Know I'm Funny haha): curioso notar como a maturidade musical da cantora Faye Webster aparece quase como uma contradição daquilo que ela pretende que seja, ao menos em partes, a sua porção mais "engraçadinha". Sim, porque se por um lado a capa espirituosa do quarto trabalho parece demonstrar uma predileção pela ironia autoindulgente, por outro a sobriedade das melodias, eventualmente tímidas, deixa transparecer uma espécie de conformismo diante das vicissitudes da vida. Assim, talvez não seja por acaso que a artista cante sobre a comoção de perceber um amor que estava bem diante de si (Você me faz querer chorar / Em um bom sentido), para no instante seguinte se ver envolta em incertezas românticas (Pergunte o que você quiser, peça o que você precisa / Eu vou te contar tudo o que sei / Eu espero que você nunca vá embora) - em In a Good Way e Kind Of respectivamente. "Risos e lágrimas, tédio e solidão, terríveis proprietários e Linkin Park, todos eles têm a mesma densidade em suas canções" resumiu o crítico Jeremy D. Larson na resenha para o site Pitchfork. E, encontrar o equilíbrio em meio a tudo, é o que essa jovem de apenas 24 anos tenta.

24) Silk Sonic (An Evening With Silk Sonic): os narizes até podiam estar meio retorcidos quando Bruno Mars e Anderson .Paak anunciaram esse projeto em parceria - e se alguém ainda acha que não poderia dar certo, é só dar play no single Leave The Door Open. Afinal de contas, fazer música pop de qualidade, certeira, direta, também é uma arte e essa canção é tão perfeita em tantos aspectos, que chega a ser um troço quase nojento (no melhor sentido). Nela, Mars está em plena forma: a letra é divertida, sexy e abusada, daquelas que parece querer fazer troça das tentativas de sedução (acabei de me barbear / estou liso como um bebê), que culminarão, vá lá, talvez no melhor e mais límpido refrão do ano. Sim, não é assim tudo aquela perfeição, mas é R&B de qualidade, produzido com esmero técnico e um "polimento" que leva o brilho para além do espectro sonoro, se estendendo para os clipes, para as aparições públicas, para as apresentações em programas de TV. Ouvir música, a gente também não pode esquecer, que também é diversão (alô, Diogão!). E essa "estreia" suculenta cumpre essa premissa à perfeição.

23) Manic Street Preachers (The Ultra Vivid Lament): convenhamos, em alguns casos a gente tende a ter uma maior exigência com aqueles artistas mais experientes, que sabemos que podem entregar coisa boa. É como aquele jogador de futebol que exerce liderança, mas que é um dos primeiros a ser vaiados quando o time sucumbe. No caso dos galeses liderados por James Dean Bradfield lá se vão mais de 30 anos de carreira e 14 discos lançados sendo que absolutamente NENHUM está abaixo da média. Claro, hoje os clássicos The Holy Bible (1994) e Everything Must Go (1996) parecem produtos de uma realidade distante, em que o britpop ditava as regras para os caminhos da música no mundo. Mas The Ultra Vivid Lament não faz feio e o coletivo permanece atento aos movimentos políticos, sociais e culturais do mundo, sendo o veículo ideal para divagações roqueiras que trafegam entre o niilismo dos tempos e a esperança no futuro - como comprova a vibrante Orwellian (Em todos os lugares que você olhar, em todos os lugares que você voltar / O futuro luta contra o passado, os livros começam a queimar / Vou te guiar pelo apocalipse / Onde eu e você pudéssemos coexistir).

22) Lil Nas X (MONTERO): da arte multicolorida da capa, passando pelas batidas e sintetizadores tropicais, até chegar ao vocal cheio de efeitos, eventualmente duplicado ou com autotune, tudo na estreia de Lamar Hill remete ao tipo de música que seria figurinha fácil na programação de alguma estação que tivesse como slogan "a rádio da moçada". A sensação geral é urbana, de beira de piscina, de drinks e de carrões, de gostosas e de música alta. Por mais que esteja apenas em seu primeira registro, Lil Nas X já é uma espécie de "veterano" não apenas na música - alguém aí se lembra do megahit Old Town Road? - mas em peças publicitárias, carregando seu estilo pra dentro de suas canções, que vão no limite entre o hip hop, o trap, a eletrônica, o R&B do começo dos anos 2000 e o pop. Gay assumido, também utiliza a sua arte para confrontar padrões, para quebrar o status quo e, claro, pra incomodar os "puristas". Um bom exemplo de seu comportamento iconoclasta está no single Industry Baby, com seu videoclipe provocativo e letra idem (Sou um cara pop como o Bieber, / Eu não fodo com vadias, sou bicha).

21) St. Vincent (Daddy's Home): se o sétimo disco de Annie Clark como St. Vincent fosse um pecado capital, não há dúvida, ele seria a luxúria. Da sugestão ao hedonismo vista na capa, passando pelos versos provocativos até chegar as melodias que vão no limite entre o glam rock setentista e o soul de emanações psicodélicas, tudo no trabalho parece ousado. Nesse sentido, não são poucos os instantes em que a artista debocha das convenções sociais como o casamento (Vestir-se de branco / Deslize no anel / Ande direto pelo corredor / Para as cordas de violino / Isso faz de você um gênio ou / O idiota da semana) ou a maternidade (Então eu fui ao parque apenas para observar as crianças pequenas / As mães viram meus saltos e disseram que eu não era bem-vinda) - em Somebody Like Me e Pay Your Way In Pain respectivamente. Observadora do cotidiano, a compositora não deixa de estar atenta aos movimentos políticos, sociais, culturais e tecnológicos da atualidade. Além de ter de confrontar a dor permanente de ter tido de lidar com a prisão do pai - como descreve a angulosa (e ambígua) faixa-título.

20) Parquet Courts (Sympathy for Life): e se o Kraftwerk fosse uma banda de pós-punk preocupada com o absurdo da precarização do trabalho na era moderna? É mais ou menos lá pela terceira música - no caso a hipnótica Marathon of Anger -, que passamos a perceber as infinitas possibilidades de reformulação da sonoridade da banda nova-iorquina. Num movimento parecido com aquele perpetrado pelos dinamarqueses do Iceage, o coletivo capitaneado por Andrew Savage e Austin Brown parece a cada dia mais interessado em deixar a sonoridade crua, impenetrável e quase confusa de discos como Light Up Gold (2012) e Sunbathing Animal (2014) para trás, passando a investir em músicas mais acessíveis, mais dançantes e que beiram o flerte com o pop. Sim, os temas permanecem os mesmos - excessos da industrialização, destruição da natureza, obscenidade tecnológica, capitalismo tardio. O que foi definitivamente limpa, possibilitando uma aproximação maior com o público, foi a poeira que, anteriormente, parecia vagar pelo estúdio. As comparações com Primal Scream e Talking Heads, afinal, não são de graça.

19) Jazmine Sullivan (Heaux Tales): "tudo é sobre o sexo, exceto o sexo. Sexo é sobre poder". A frase atribuída à Oscar Wilde, replicada justamente pelo cínico Frank Underwood em House of Cards (alguns anos anos do Kevin Spacey ser, com justiça, cancelado), talvez resuma à perfeição o conceito estabelecido pela norte-americana Jazmine Sullivan em seu quarto trabalho. Em oito canções entrecortadas por interlúdios que funcionam como narrativas reais sobre relacionamentos (seus anseios, expectativas, frustrações e até desastres), a artista utiliza o seu R&B vigoroso quase como uma forma de expurgo. Aqui e ali o trabalho avança em meio a memórias que ficam de relacionamentos que se despedaçam (Pick Up Your Fellings) e sobre incertezas e inseguranças em relação ao futuro e a nós mesmos (Girl Like Me). Nas letras a latência vai ao limite, com o jogo de palavras e a batida envolvente surgindo o tempo todo como forma de discutir dor e tesão. É o caso, por exemplo, da ultrasexy On It (Porque eu ouvi alguma merda estranha sobre você / Então deixe-me ver o que essa boca faz / Porque baby não é tão fácil me agradar, estou carente / Eu preciso de mais atenção com diferentes posições).

18) Snail Mail (Valentine): como se estivéssemos em meio a uma narrativa literária fragmentada - à moda de um Haruki Murakami talvez -, em que todas as etapas de um relacionamento juvenil, pontuado por incertezas, se materializam. É exatamente esse o nosso sentimento ao ouvir o segundo trabalho de Lindsay Jordan como Snail Mail. No limite entre a esquisitice e a comiseração, entre o shoegaze e o pop, a artista aposta nas melodias retrô/nostálgicas/noventistas, que servem de base para as suas letras cheias de personalidade e, principalmente, de honestidade. Um bom exemplo desse expediente está na melodramática e lírica Light Blue, que aposta em um violãozinho agridoce que casa perfeitamente com a letra delicada (Quero acordar cedo todos os dias / Só para estar acordada / No mesmo mundo que você). Mas em meio a divagações que unem um tom meio conformista - como se as clínicas de reabilitação fossem um mal necessário em tempos de "amores líquidos" -, a jovem compositora não tem vergonha de parecer cringe enquanto divaga sobre a saudade de algum ex ou a respeito de obsessões de quem tem como único defeito amar demais. Uma joia.

17) The Killers (Pressure Machine): um The Killers muito mais reflexivo, contemplativo e sutil é aquilo que encontramos nesse ótimo sétimo disco da banda de Las Vegas. Sim, a festa purpurinada, dançante e explosivamente roqueira vista nos trabalhos anteriores dá lugar agora a um registro mais íntimo, de essência nostálgica, que pretende navegar sem pressa em meio a esse contexto urgente, tecnológico, de pandemia e de incertezas que vivemos. E, nesse sentido, confesso que esse álbum faz muito bem. Aliás, talvez seja o melhor de Brandon Flowers e companhia em anos. É da economia, afinal, que brotam as grandes canções do disco - casos de Quiet Town, Cody e a perfeita Runaway Horses, que conta com a participação de Phoebe Bridgers, Isso sem contar a inaugural West Hills, com seu instrumental folk à moda Mutual Benefit que já nos insere naquele clima "cidade pequena do interior que pede para ser abraçada". A crítica, aparentemente, saudou a mudança de rumo. Aliás, a gente muitas vezes espera isso de uma banda. Alguma alteração, um sopro de novidade. Um algo diferente que saia da mesmice. O Killers conseguiu.
 
16) Mdou Moctar (Afrique Victime): "A África é vítima de tantos crimes / Se ficarmos em silêncio será o nosso fim / Por que isso está acontecendo? Qual é a razão por trás disso? / Meus irmãos e irmãs, me digam por que isso está acontecendo?". É em tom de lamento que a penúltima música do quinto trabalho do cantor de Níger inicia. Mas não demora para, no instante seguinte, o desalento inicial dar lugar a uma explosão festiva de cores, de sons, de ancestralidade, de psicodelia. De força, enfim. De grande beleza lírica e melódica, o trabalho recorre ás batucadas típicas do povo tuaregue, que se mesclam às guitarras folclóricas, em uma sonoridade bucólica, poderosa e de grande valor poético. São instantes que vão e vem, que remetem à encontros familiares para a produção de música coletiva, com corais, palmas e outros barulhos evocativos, que se misturam ao som ambiente para formar uma colcha atmosférica, que servirá como a cama perfeita para discussões políticas e sociais. Em meio à tudo há espaço para o amor em sua forma mais pura, como atesta o folk pastoril e encantador Tala Tannam (Usei pedras para escrever seu nome em um coração / A água nunca pode lavá-lo porque está rodeado por árvores).

15) Bo Burnham (Inside: The Songs): vamos combinar que um sujeito que cria um clássico pop moderno e debochado como White Woman's Instagram jamais poderia ficar de fora dessa lista. Não se trata apenas de uma música - mais uma que integra a coleção de ótimas canções que acompanha a melhor apresentação de stand up da Netflix lançada no último ano, em meio à pandemia. A canção é um verdadeiro manifesto sobre a futilidade exibida nas redes, com uma melodia soberbamente executada, que acompanha a pseudo mania de grandeza dos influenciadores digitais dos tempos que vivemos. Burnham é cirúrgico, corrosivo e quase misantropo em sua análise do contexto político social atual. De seu quarto, em meio a crises de ansiedade e ataques de pânico escreveu, compôs, atuou, filmou e ditou o especial aqui já citado. De forma paradoxal, a tecnologia parece funcionar como um amálgama de tudo. O que rende outros belos instantes como Sexting, Welcome to the Internet, Bezos e Face Time With My Mom Tonight, numa mescla irresistível de anos 80, eletrônica moderna e R&B. É um trabalho completo.

14) CHVRCHES (Screen Violence): retornando à boa forma mostrada no inaugural The Bones of What You Believe (2013) - álbum que tinha, entre outras, os hits The Mother We Share e We Sink - Lauren Mayberry, Iain Cook e Martin Doherty apostam novamente no synthpop movimentado, eventualmente soturno, recheado por refrãos grudentos, que deixam para trás a má impressão causada pelo pouco inspirado trabalho anterior Love Is Dead (2018). Ainda que produzido em um contexto de pandemia, o disco opera no modo "esperamos vocês no estádio pra cantar junto conosco". Sim, as letras podem soar melancólicas, reflexivas - a perfeita Violent Delights fala de morte de uma forma sombriamente romântica (aliás, condição que se estende a capa do projeto) -, mas a dor é convertida em redenção, a cada evolução robótica da melodia. A conclusão é a de que dá pra falar do mal-estar do mundo, da tecnologia empregada de forma difusa, da violência cotidiana e da fragilidade das relações. E ainda fazer um verdadeiro hinário em forma de álbum.

13) Iceage (Seek Shelter): não sei se dá pra chamar de "evolução" a trajetória trilhada pelo Iceage em direção a uma sonoridade mais acessível, mais palatável, mas esse parece ser, ao menos aparentemente, um caminho sem volta. Sim, porque tudo que a banda dinamarquesa tinha de soturna, de suja e de sombria nos inaugurais New Brigade (2011) ou You're Nothing (2013), o coletivo agora tem de limpo, de melodioso. Até de pop. E isso começou já no ótimo Beyondless - o nosso 15º melhor disco internacional de 2018 -, que desenterrou o grupo do vocalista Elias Bender Rønnenfelt do hermetismo, tornando-o próximo de um público mais amplo (e eu sou um dos que saúdo essa opção). Da inaugural Shelter Song (que surge numa aura meio Afghan Whigs) à conclusão com The Holding Hand, o coletivo entrega uma série de devaneios cotidianos, que unem um niilismo subversivo e uma série de questões existenciais, que parecem fazer o casamento perfeito com o pós-punk oitentista. Um bom exemplo disso está na minimalista Drink Rain, um jazzinho meio torto e envolvente com letra sobre "beber chuva pra se aproximar da pessoa amada". É muito bom.

12) Billie Eilish (Happier Than Never): uma melodia de base minimalista, a voz sussurrada, quase "pastosa" de Billie Eilish, a completa ausência de pressa pra qualquer coisa, mesmo diante da necessidade de se discutir assuntos relevantes. Acho que é nesse paradoxo entre a sutileza instrumental - econômica até o limite - e a potência dos versos quase declamados, que reside uma das forças do trabalho de Eilish. Em linhas gerais a artista se parece com aquela millennial que procrastinou a arrumação do quarto, enquanto conversa com a amiga a respeito de casos de abusos sexuais, a relação conturbada com o próprio corpo ou sobre o trauma do acesso à pornografia precoce. Para a compositora, o ideal do mundo pop como conto de fadas praticamente não existe e ela faz questão de direcionar esse segundo trabalho também para o aspecto desalentador da fama - especialmente pelo fato de ela desviar, ao menos de forma aparente, desse universo. Talvez por isso tantas de suas músicas parecem evocar cafeterias da velha Hollywood, onde jovens novos demais reclamam sobre estarem ficando velhos. A vida acontece num turbilhão para a artista. E a sua análise desse contexto não foge do caráter existencialista. 

11) The War On Drugs (I Don't Live Here Anymore): esse é aquele tipo de disco que vale a pena colocar os fones de ouvido, dar play, fechar os olhos e mergulhar nas ambientações nostálgicas, primaveris, proporcionadas pelas melodias expansivas do coletivo capitaneado por Adam Granduciel. Com produção caprichada, vocal limpo - que evoca um misto de Bruce Springsteen com contemporâneos como Kurt Vile - e instrumental envolvente (com destaque para a guitarrinha melancólica), as músicas parecem ir direto ao coração sem esforço algum, nos jogando para o final de tarde na pequena cidade, para estradas que parecem infinitas em suas curvas, para chuvas que molham as próprias lágrimas e para a solidão que, mais adiante, poderá se converter em solitude. Sim, a gente sabe, acreditar no rock em dezembro de 2021 parece trabalhoso, mas dê uma chance para essa banda que parece um tanto disposta a fazer o hinário do sonho americano, mas de forma oxigenada, com personalidade, sem amarras, como atestam as irresistíveis Harmonia's Dream, I Don't Wanna Wait e I Don't Live Here Anymore.

10) Little Simz (Sometimes I Might Be Introvert): em tempos tão corridos, tão urgentes como os que vivemos parece um contrassenso parar para ouvir um registro de 19 faixas, com mais de uma hora. Mas eu garanto a vocês que vale a pena se dar esse tempo na hora de conferir o quarto trabalho da rapper inglesa. É um álbum envolvente já que, ao mesmo tempo em que é charmoso - há uma série de emanações classudas do R&B à moda dos anos 90 (no limite entre o sexy e o sofisticado) -, provoca, sem fazer concessões na discussão de temas como relacionamentos falhos, validação, ego, obsessões pela fama, entre outros. Na realidade, é como se as músicas brincassem o tempo todo com o conceito da "introversão" sugerida pelo título do disco, como se o contraste entre a economia eventual e a expansão orquestral funcionassem como um paradoxo para os sentimentos da própria artista. É o minimalismo que encontra o caos, a sutileza que se debate com a megalomania. O que se estende para as letras, como no caso da sedutora e autoexplicativa I Love You, I Hate You (A pressão vai me levar a novas alturas ou será a minha morte? Te odeio / Minhas intenções corresponderão ao que aconselho? Te odeio).
 

9) Teenage Fanclub (Endless Arcade): parece incrível pensar que os escoceses do Teenage Fanclub já estão com mais de 30 anos de carreira. E que continuam produzindo com regularidade, vigor e alguma relevância - a despeito da aparência de "tiozões do rock" que Norman Blake e companhia, naturalmente, agora ostentam. Para quem cresceu ouvindo o quarteto - caso de qualquer adolescente consumidor de programas noventistas como o Lado B, exibido pela extinta MTV -, é muito satisfatório dar play em discos como este Endless Arcade e perceber que pouca coisa mudou em relação aos grandes álbuns clássicos (caso do imperdível Grand Prix). Vá lá, os integrantes do grupo certamente amadureceram, as letras provavelmente estão mais cabeçudas e menos juvenis (aliás, o mundo mudou, né?), mas a sonoridade agridoce, primaveril, daquelas que aconchega o ouvinte, segue intocada. Faça um teste com The Sun Won't Shine On Me, Warm Embrace e com Back In The Day - esta última candidata fácil a uma das melhores canções do ano. Dificilmente você não será tragado pelas ambientações ensolaradas e nostálgicas dos escoceses.

8) Adele (30): não chega a ser exatamente uma novidade: a dor de cotovelo costuma ser uma excelente matéria-prima para grandes canções - e ótimos discos. Só que o que Adele faz com 30 não é entregar seu coração em uma bandeja. É mais do que isso, já que ela esparrama suas vísceras para quem se aventurar pelas suas dolorosas e classudas composições. A britânica se separou do empresário Simon Konecki recentemente. E executa o seu ofício como forma de expiar as dores do divórcio. E talvez seja justamente por isso que o trabalho tenha gerado tanta identificação com o ouvinte, afinal de contas, quem nunca? Indo do R&B noventista (Cry Your Heart Out) ao neo-soul (Woman Like Me), com uma paradinha na nostalgia jazzística (My Little Love), a artista banha o registro de personalidade, sem jamais abusar da autoindulgência. Peça central do trabalho, To Be Loved é o verdadeiro grito de algo que parece entalado na goela, funcionando quase como um poema póstumo destinado ao filho Angelo (Já é hora de eu me enfrentar / Tudo que faço é sangrar em outra pessoa / Pintando paredes com todas as minhas lágrimas secretas / Enchendo quartos com todas as minhas esperanças e medos).

7) Bleachers (Take the Sadness Out of Saturday Night): talvez o terceiro disco de Jack Antonoff não tenha a perfeição pop do anterior, Gone Now (2017) - registro que tinha os hits instantâneos Hate That You Know Me e Don't Take the Money -, mas é mais um álbum que evidencia a versatilidade do produtor, especialmente na hora de conceber canções radiofônicas que sejam de fácil "digestão". Trata-se ao cabo de mais uma coleção tão heterogênea quanto honesta - e não é por acaso que nos deparamos com uma grande variedade de instrumentos, aqui e ali, sejam os violinos da inaugural 91, os sopros de How Dare You Want More (que mais parece saída de algum material do Vampire Weekend) ou a guitarrinha noventista à moda Pavement de Secret Life (esta, gravada com a onipresente Lana Del Rey). No site The Young Folks o jornalista musical Ian Krietzberg tentou explicar as canções de Antonoff a partir do conceito "intangível que existe apenas em uma pequena categoria de música, que ignora seu cérebro e conecta a música ao seu coração". Acredito que seja uma boa forma de resumir. Em tempo: há uma música com o The Boss em pessoa, chamada Chinatown. Só ela sozinha já faz valer a pena.

6) Japanese Breakfast (Jubilee): um teclado e um sintetizador, que dão lugar a uma percussãozinha tribal e sopros festivos, enquanto Michelle Zauner canta com sua voz graciosa sobre "abrir comportas e não encontrar nem água, nem corrente, nem rio, nem adrenalina". Sim, é só a abertura do terceiro trabalho do Japanese Breakfast e já somos arremessados para um turbilhão de sentimentos, de cores e de possibilidades em que infernos sensuais e sonhos obscenos se mesclam com prazeres exibicionistas e um niilismo hipnotizante. Cordas, pianos, saxofones, guitarras, enfim, o ímpeto de experimentação da artista parece não ter limite já que no decorrer das dez canções podemos passar de algo tipo uma Madonna intimista em começo de carreira (Be Sweet) até uma Minnie Riperton cintilante (Tactics) em questão de minutos. É um álbum que celebra, mas recua. Evolui mas reavalia. E que representa um momento de júbilo - com o perdão do trocadilho - em relação ao indie rock mais puxado pro shoegaze, à época do Psychopomp (2016), disco que ela escreveu em homenagem à mãe, que sofria de câncer.

5) Lana Del Rey (Blue Banisters): vamos combinar que a Lana Del Rey não faz apenas música. Ela faz poesia musicada. E com uma facilidade quase comovente para compor. E, aqui, entra talvez um dos maiores ônus para que o fã brasileiro consiga acompanhar a sua produtiva carreira a contento, já que o oitavo disco da artista praticamente suplica por uma audição com as letras à tiracolo. "Acho que você poderia chamar isso de livro didático" anuncia ela em tom quase premonitório na inaugural Text Book, antes de nos arremessar pra algum cenário fictício (ou não) em que a vida real - as relações amorosas, as rotinas familiares, as adaptações necessárias em tempos de pandemia, os problemas com a imprensa -, se mesclam com instantes oníricos, quase abstratos. Um bom exemplo disso está na espetacular Arcadia, que eleva ao limite o estilo retrô, meio de romance torto, enfumaçado e melancólico que caracteriza a sua obra. Isso sem contar a letra linda - Todas as estradas que levam até você / São tão interligadas para mim quanto as artérias / Que bombeiam o sangue que flui. O disco lançado no primeiro semestre (Chemtrails Over the Country Club) já era FODA. Esse aqui se superou.

4) Self Esteem (Prioritise Pleasure): não é necessário ser muito atento para perceber como a autoconfiança e um divertido apelo ao hedonismo formam a matéria-prima que guia cada canção do registro do Self Esteem. Da foto de capa - cheia de referências a outras artistas - ao título do disco, passando pelas melodias pop curvilíneas e redondinhas e às letras autoafirmativas, o trabalho capitaneado por Rebecca Taylor é pura disposição na hora de questionar padrões, convenções, o status quo. Apostando em uma mistura de afrobeat, trap, eletrônica, gospel e pop noventista de ares primaveris, o trabalho ecoa dores e amores em meio a relacionamentos abusivos e à exaltação do prazer feminino. Peça central do registro, o single I Do This All The Time funciona como uma espécie de poema musicado que reflete sobre a necessidade de buscar algum tipo de força em meio a um cenário de culpa (Não fique envergonhada pelo fato de que tudo o que você teve foi diversão / Priorize o prazer / Não envie textão). Ainda assim, por mais que haja momentos mais sérios, mais classudos, é na hora do deboche que o bicho pega, como comprovam as irresistíveis Fucking Wizardry, Hobbies 2 e Moody.

3) Olivia Rodrigo (SOUR): adoro pensar no fato de, no mundo das artes, ainda haver espaço para sermos permanentemente surpreendidos. Mesmo quando a gente acha que alguma fórmula já possa ter se esgotado. Tomemos como exemplo a música pop e a sua capacidade quase infinita de reinvenção. É algo que parece não estabelecer limites. Há até um ano atrás, por exemplo, eu sequer havia ouvido falar da norte-americana Olivia Rodrigo. É uma pirralha de 18 anos. Mas com uma capacidade quase única de converter os seus sentimentos ainda juvenis em verdadeiros hinos hipnóticos e comerciais, que dialogam conosco de uma forma quase torta - como se o distanciamento de um tiozão de 40 anos (meu caso), se reduzisse a pó a cada batida eletrônica efervescente e a cada sintetizador acolchoado. O tema pode ser a desilusão amorosa, justo no dia em que se a carteira de motorista foi tirada (como no megahit Drivers License) ou o sofrimento, diante de comportamentos mesquinhos que se repetem (Deja Vu, esta talvez a melhor canção desse 2021, com sua melodia existencialista, que serve de base para a letra potente). Já eu, como bom ouvinte estou lá. Que nem um abobado, cantando junto.

2) Arlo Parks (Collapsed In Sunbeans): "como você realmente se sente?", "por que você simplesmente não vai?", "por que tornamos as coisas mais simples tão difíceis?", "não seria adorável sentir algo pelo menos uma vez?". Primeiro álbum da compositora britânica Arlo Parks, Collapsed In Sunbeans parece ser um registro de perguntas - mas que nem sempre possuem respostas fáceis. Em meio à citações variadas que vão de Twin Peaks, passando por Sylvia Plath, até chegar à Thom Yorke, a artista mistura R&B, jazz e pop com sofisticação, criando uma coleção de canções que refletem sobre a condição humana, mas sem deixar de manter o pé bem firme fantasia literária. Como se fosse uma mistura de Lily Allen e Corinne Bailey Rae, Arlo aposta na sua voz aveludada para aconchegar o ouvinte, fazendo-o cantarolar junto não apenas os refrões, mas também os versos mais difíceis. É o caso por exemplo da sinuosa Green Eyes, que extrai o melhor do cotidiano de um casal que esvanece em meio a culpas bobas (Claro que sei porque duramos dois meses / Você não podia segurar minha mão em público). Um achado.

1) Wolf Alice (Blue Weekend): ano a ano somos presenteados com grandes lançamentos musicais mas, vá lá, é muito de vez em quando que temos a percepção de estar diante de algo celestialmente superior. E esse foi exatamente o meu sentimento ao ouvir - e ouvir, e ouvir e ouvir - o terceiro e, disparado, melhor trabalho dos britânicos do Wolf Alice. Guiada pela voz e pelas letras irresistíveis de Ellie Rowsell, somos conduzidos em um universo de sonhos, meio onírico, que parecem misturar algum filme dos anos 80 do David Lynch em que a música é tocada pela Annie Lennox num encontro com o Yeah Yeah Yeahs. São canções como Lipstick On the Glass e Delicious Things que começam econômicas e crescem - e que nos fazem ter vontade de estar em um estádio berrando junto. Aqui e ali há pitadas de new age, de música épica, de dream pop, de rock garageiro e não deixa de impressionar como tudo fecha direitinho. Até quando a banda quer soar despretensiosa e moderninha ela consegue, produzindo talvez uma das melhores músicas do ano. Dúvida? Aperte o play em Safe From Heartbreak (If You Never Fall In Love). O sorriso brotará espontaneamente.

E então, pessoal, gostaram da lista? Não deixem de comentar dizendo quais discos que foram marcantes pra vocês nesse 2021. E não deixem de nos ajudar a espalhar a boa música!

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

25 Grandes Filmes Lançados no Cinema ou no Streaming em 2021 (+15 Menções Honrosas)

Vamos combinar que, por mais que o processo de vacinação esteja em curso, a retomada dos cinemas em sua "normalidade" ainda deverá ser um processo mais demorado. Filmes adiados, salas fechadas, crise do setor e desconfiança do público são alguns dos motivos para toda a incerteza que ronda a sétima arte. Ainda assim acho que já podemos afirmar que há um cenário para o otimismo - especialmente após o contexto nebuloso de 2020. O resultado foi um sem fim de grandes (e médias) produções que, novamente, encontraram seu porto seguro nas plataformas de streaming sendo, em muitos casos, exibidas em salas restritas ou no circuito de festivais. Nesse contexto, a boa notícia para o público segue sendo o aumento da possibilidade de acesso a bons filmes sem sair de casa - caso do recém-lançado Ataque dos Cães (2021), por exemplo, que deverá ser figurinha fácil na próxima edição do Oscar. Vale lembrar que a nossa relação de 25 Grandes Filmes Lançados no Cinema ou Streaming em 2021 com mais 15 Menções Honrosas engloba aquilo que conseguimos assistir - e definitivamente não deu pra conferir tudo o que desejávamos. O que poderá explicar, por exemplo, algumas ausências - especialmente de produções que já estão em cartaz nos cinemas, mas que ainda não assistimos, caso da refilmagem de Amor, Sublime Amor (2021) que, se confirmar a expectativa, deverá estar na lista do ano que vem! No mais, ainda dá tempo de se atualizar sobre o que de melhor rolou. 


Se você curte listas, não deixe conferir as nossas relações anteriores dos grandes filmes dos anos de 2020, 2019, 2018, 2017, 2016 e 2015. Boa leitura!

Menções honrosas

40) Ar Condicionado

39) Cry Macho: Caminho Para a Redenção (Cry Macho)

38) Nem Um Passo em Falso (No Sudden Move)

37) Time (Time)

36) Relatos do Mundo (News of the World)

35) Pacarrete 

34) Bela Vingança (Promising Young Woman)

33) O Som do Silêncio (Sound of Metal)

32) Quo Vadis, Aida? (Quo Vadis, Aida?)

31) Amonite (Ammonite)

30) Professor Polvo (My Octopus Teacher)

29) Meu Pai (The Father)

28) Eu Estava em Casa, Mas... (Ich War Zuhause Aber)

27) Uma Noite em Miami (One Night in Miami)

26) Marighella


25) A Casa Sombria (Night House): vamos combinar que muito do sucesso de um suspense psicológico se deve a capacidade de se criar uma atmosfera adequada àquela narrativa. Digamos que temos uma tendência maior a "comprar" a ideia se nos sentirmos mais diretamente conectados à experiência - e a ambientação, o clima ou mesmo a construção do mistério tem muito a ver com isso. Nesse sentido, essa trama protagonizada por Rebecca Hall é extremamente bem sucedida já que, aqui, temos um suspense de ares genéricos, onde uma professora (Hall) que mora em uma bela e isolada casa a beira de um lago, tenta superar o inesperado suicídio do marido. Mas o roteiro de aparência simples não demora a avançar para uma teia complexa, bem amarrada e cheia de possibilidades de interpretação, e que ainda se alia a uma ótima aplicação da parte técnica em favor da narrativa. É um filme fluído, que te prende, te instiga e ainda propõe ótimas reflexões sobre temas como depressão e outros transtornos psicológicos. Tudo executado com uma técnica impecável. Leia a resenha completa.

 

24) Suspeita (Klec): não deixa de ser uma curiosa coincidência o fato de um filme tão hitchcockiano como este ter recebido o mesmo título em português de um dos clássicos do Mestre do Suspense. Bom, homenagens e curiosidades à parte, a obra do diretor tcheco Jiri Stretch - disponível na plataforma da Amazon - é um excelente exercício de estilo, gerando uma espécie de tensão meio involuntária, que nos conduz por um terreno absolutamente imprevisível. E admito que simpatizo demais com filmes que apostam em um senso de humor meio excêntrico e, aqui, confesso que, enquanto os créditos subiam, permaneci uns bons minutos com um sorriso meio abobado no rosto. A trama nesse caso é simplíssima e coloca frente à frente a octogenária e solitária senhora Galová e o jovem e ambicioso ator Daniel, que surge meio do nada sugerindo ser um parente meio distante da idosa (algo tipo um tatatatata-sobrinho). É claro que tem caroço nesse angu e não demora para que a gente perceba que tudo não passa de uma farsa, nessa obra que surpreende justamente pelo estabelecimento de uma relação pouco usual entre esses antagonistas. Leia a resenha completa.


23) Caros Camaradas (Dorogie Tovarishchi): se compreender os meandros políticos do nosso Brasil já não é tarefa fácil, imagina então os da antiga União Soviética. Ainda assim, os que se aventurarem nessa obra enviada pela Rússia no último Oscar certamente serão recompensados. Há, pra começo de conversa, um fio condutor da narrativa, que culminará no episódio que ficou conhecido como Revolta de Novocherkassk - ocasião em que empregados de uma fábrica de construção de locomotivas entram em greve pelo fato de a comida estar a cada dia mais cara (e escassa), as condições de trabalho serem precárias e os salários estarem a míngua. O ano é 1962 e a promessa, com o Governo de Nikita Khrushchov, era o de criar um novo paradigma para o comunismo, muito mais distante da violenta herança estalinista. Só que os preços altos e o desabastecimento parecem estar batendo na porta. E os trabalhadores, no limite, avançam com o protesto. O resultado é trágico e a obra aposta no drama familiar como forma de analisar o todo, em um roteiro de forte teor político e que aborda, entre outros, a importância da sindicalização. Leia a resenha completa.


22) Pig (Pig): um filme com o Nicolas Cage interpretando um sujeito solitário, levemente obeso, com os cabelos compridos e a barba por fazer, que mora sozinho em uma casa isolada no deserto do Oregon com a sua... porca. Porca que, não tardará, será sequestrada, sem que saibamos o seu paradeiro. Vamos combinar, desde que esse projeto do diretor estreante Michael Sarnoski foi anunciado, os fãs do "astro" ficaram agitados. E não é para menos. Famoso pela carreira com muito mais baixos do que altos, Cage tem aqui uma oportunidade de redenção - que ele agarra, é preciso que se diga. A obra gira toda em torno do sujeito e da verdadeira via crúcis que ele empreende na busca de seu animal. Mas se engana quem pensa que, aqui, encontraremos o arco narrativo clássico do homem que sofre algum tipo de violência ou abuso e parte para uma jornada de vingança contra seus agressores, com tiro, porrada e sangue sendo veículo de redenção. O clima é muito mais taciturno, cheio de simbolismos, com uma melancolia latente. A despeito do hype é uma obra de forte apelo emocional, numa das grandes interpretações da carreira do astro.

 

21) All Hands On Deck (À L'Abordage): Um filme leve, de tons primaveris e que não tem nenhuma vergonha de enfocar quais os nossos limites, na hora da "conquista amorosa". Assim é eesa comédia romântica meio torta, que está disponível na plataforma Mubi. À moda das obras ensolaradas do diretor Eric Rohmer, aqui temos um fiapo de história, que servirá de base para idas e vindas e encontros e desencontros entre jovens tão imaturos quanto apaixonados. Na trama, os amigos Félix (Eric Nantchouang) e Chérif (Salif Cissé) saem dos arredores de Paris em direção a uma cidade litorânea. O objetivo é fazer uma visita surpresa à Alma (Asma Messaoudene), que Félix conheceu uns dias antes em uma noite de festa. Para o rapaz, a ideia parece boa, mas será que esse comportamento impulsivo não vai assustar a moça? É desse pequeno impasse inicial, que se desenrolarão pequenos e divertidos instantes, enquanto cada um dos personagens se esforça para consolidar amizades e... amores. Parece bobinho, mas foi eleito um dos melhores filmes do ano na Cahiers du Cinema. Não é pouco. Leia a resenha completa.

 

20) Nomadland (Nomadland): em uma das tantas belas sequências do vencedor do Oscar de Melhor Filme desse ano, um grupo de pessoas tem uma conversa aleatória sobre assuntos amenos, durante um almoço. Em dado instante uma das participantes mostra à protagonista Fern (Frances McDormand) uma tatuagem em que se lê a frase "lar é só uma palavra ou é algo que você carrega com você?" Extraída da letra da canção Home Is a Question Mark, dos britânicos do The Smiths, a sentença diz muito sobre a opção narrativa da diretora Chloé Zhao. Afinal de contas, seria muito cômodo em um filme sobre nômades involuntários - muitas vezes idosos - a escolha pelo caminho da demonização do capitalismo ou do sistema que exaure o trabalhador até a sua velhice, colocando-o como um refém financeiro de bancos, de imobiliárias e de empresas de seguro. Sim, tudo isso está lá. Mas o que a diretora pretende, com seu belo líbelo sobre a liberdade de escolha - ainda que por linhas tornas -, é questionar esses padrões, essas convenções sociais que nos estabelecem como verdadeiros escravos até o ocaso de nossas existências. É uma obra idílica, comovente, nostálgica e de riquíssima beleza estética, que analisa as distorções sociais sem temer a quebra de paradigmas. Leia a resenha completa.



19) No Ritmo do Coração (CODA): refilmagem de A Família Bélier (2014) essa joia dirigida por Sian Heder nos apresenta a uma família de surdos em que a única pessoa capaz de falar é a jovem Ruby (a carismática Emilia Jones). Mas, como se não bastasse o fato de seus pais e irmão não se expressarem com a voz - e não escutarem os sons, sendo a linguagem de sinais a forma de comunicação oficial -, a protagonista ainda tem um sonho: o de cantar. E será justamente esse fato que quebrará a harmonia familiar, especialmente após Ruby conquistar uma bolsa de estudos em um conservatório. Trabalhadores de uma colônia de pescadores, os pais e o irmão estão acostumados à labuta diária. Só que o professor de Ruby, o excêntrico Sr. V perceberá o seu potencial, sendo necessário explicar aos pais que vivem em um universo ausente de sons, como aquilo pode ser importante para a jovem. É, em linhas gerais, um filme leve e apaixonado cheio de ótimos (e divertidos) momentos e que ainda tem na parte técnica um dos destaques. Em tempo, os atores que interpretam surdos são efetivamente surdos. É só mais um em tantos méritos. Leia a resenha completa.


18) Nunca Mais Nevará (Sniegu Juz Nigdy Nie Bedzie): enviado da Polônia para o último Oscar, esse drama metafórico que dialoga com a obra de Alain Resnais nos apresenta a um imigrante ucraniano que atua como massoterapeuta em um condomínio fechado. Indo de casa em casa, sempre com a sua maca portátil a tiracolo, o protagonista tem contato com as mais variadas figuras que habitam esse universo particular - da dona de casa mãe de dois filhos que parece estar insatisfeita com o casamento, passando pelo idoso de comportamento reacionário até chegar a mulher solitária que se ocupa de cuidar de seus cachorros. Em meio a porteiros e vigilantes, a existência pacata do local parece estar sempre no limite do "acontecimento". Por baixo do véu de tranquilidade, um sem fim de angústias que sempre parecem prontas à vir a tona, seja em forma de discussões acaloradas, seja por meio de pulsões sexuais reprimidas. Trata-se ao cabo de um filme curiosamente agradável de se assistir e que aborda, à sua maneira, temas complexos como hipocrisia da sociedade, xenofobia e opressão às minorias em uma experiência tão agradável quanto complexa. Leia a resenha completa.


17) Helen: eu confesso a vocês que sou absolutamente fascinado por filmes que partem de um fiapo de história, para traçar um painel mais amplo em que questões políticas, sociais e culturais de certo País se descortinam de forma sutil, enquanto o cotidiano simplesmente acontece. No caso dessa estreia do diretor André Meirelles Collazzo, o cenário é o bairro do Bixiga, em São Paulo, e os seus labirínticos cortiços. É nesse contexto que vive a pequena Helen (Thalita Machad), de apenas nove anos. Cuidada pela avó (Marcélia Cartaxo), a garota se divide em meio à brincadeiras cotidianas com os amigos da pensão, os estudos em uma escola pública do bairro, e um esforço de sobrevivência que se dá em um cubículo claustrofóbico. Negligenciada pelos pais, a menina tem uma rotina de muitas dificuldades e de poucos prazeres - sendo um deles visitar uma vitrine que exibe um vultuoso estojo de maquiagens, que ela decide que será o presente que dará a sua avó, em seu próximo aniversário. Sim, aqui está o fiapo de história e que será o ponto de partida para uma narrativa tão dura quanto comovente - e que aposta em sutilezas como forma de evidenciar os contrastes sociais brasileiros. Leia a resenha completa.


16) tick, tick... BOOM! (tick, tick... BOOM!): na resenha escrita aqui no Picanha eu admiti: não conhecia nada da vida do compositor e roteirista Jonathan Larson. O que não impediu o fato de eu me conectar profundamente com a sua história já que o filme de Lin-Manuel Miranda é, ao cabo, um grande tributo ao seu legado. Um sujeito talentoso (e angustiado), que nos deixou precocemente - como tantos outros artistas, por sinal. E, mesmo com esse contexto tão melancólico, o diretor conseguiu converter a obra em uma ode ao otimismo e à persistência. Sobre nunca desistir de seus sonhos - esse tema tão batido e que parece papo de coach. Trata-se de um filme vibrante, emocionante, repleto de canções divertidamente existencialistas sobre o cotidiano, sobre o nada e tudo ao mesmo tempo. Como se fosse uma espécie de Elton John do teatro, Larson (vivido por Andrew Garfield) era capaz de pegar o tema mais prosaico, mais inesperado, e transformá-lo em uma linda e leve peça musical. O resultado é uma obra prodigiosa em sua montagem, com ótimas interpretações e repleta de ótimas reflexões sobre anseios e incertezas da juventude e sobre perdas pessoais. Leia a resenha completa.

 

15) O Homem Que Vendeu Sua Pele (L'Homme Qui a Vendu Sa Peau): quais os limites do uso do corpo como meio de expressão artística? Quais as barreiras éticas ou morais que podem resultar desse tipo de performance? Uma manifestação materializada na pele - seja ela um desenho, uma pintura, uma frase ou algum outro experimento -, é capaz de converter um ser vivo (bem como seus tecidos, seus órgãos e tudo aquilo que ele carrega) em uma simples "mercadoria"? Pronta para o consumo de excêntricos apreciadores de arte contemporânea? E, mais do que isso: afinal e contas, qual o conceito de arte? Bom, todas essas são questões nem sempre fáceis de se responder, nos acompanham durante toda a projeção dessa joia dirigida por Kaouther Ben Hani, que concorreu ao Oscar desse ano pela Tunísia. Na trama acompanhamos um refugiado sírio que, para escapar da guerra em seu País, oferece, literalmente, seu corpo para ser usado como parte de uma obra de arte. Mas qual o preço real dessa proposta? Essa é uma das tantas perguntas do filme, que discute xenofobia, crise dos refugiados e preconceitos na modernidade, de forma pouco convencional. Leia a resenha completa.


14) Suor (Sweat): "E fora do story, tu tá bem?". A pergunta que virou meme no meio do ano nas redes sociais reacendeu a discussão: vestimos máscaras na vida online? Somos nós que aparecemos verdadeiramente nas publicações que fazemos - especialmente as do Instagram, onde a ordem parece ser manter uma atitude permanentemente otimista? Ou é tudo um faz de conta em que "publis" e "recebidos" cheios de sorrisos são substituídos pela vida real? Disponível na plataforma Mubi, essa joia nos apresenta à influenciadora digital fitness Sylwia (Magdalena Kolesnic), uma verdadeira celebridade das mídias digitais, que atraiu milhares de seguidores postando seus treinamentos e exercícios cheios de energia, de cores e de vida. Requisitada para participar de programas de TV, reconhecida pelas pessoas nas ruas e amada pelos seus seguidores, Sylwia parece ter uma vida perfeita: tem dinheiro, tem saúde, tem amigos, mas... será mesmo tudo tão bom assim? O que o filme do diretor Magnus von Horn faz, com maestria diga-se, é nos mostrar um outro lado - no caso o lado menos glamouroso dessa rotina. E o resultado é não menos do que primoroso. Leia a resenha completa.


13) Collective (Colectiv): o dia 30 de outubro de 2015 foi marcado por uma tragédia que abalou a população da Romênia: nessa data, um incêndio na boate Colectiv, na capital Bucareste, matou 27 pessoas, levando outras dezenas de vítimas para o hospital. Só que o que era pra ser o período de recuperação para muitos pacientes que sofreram queimaduras ou intoxicações com fumaça se tornou uma calamidade ainda maior, quando mais 38 pessoas vieram a óbito nos meses seguintes. O que esse pesado e mais do que necessário documentário mostra é como uma equipe do jornal Sports Gazette desvendou um esquema bilionário de corrupção envolvendo o precarizado sistema de saúde do País - com o descaso de governo, de representantes de hospitais e de empresas que deveriam fornecer materiais de limpeza, sendo determinantes para o desfecho trágico do fato. O resumo é que as pessoas jamais deveriam ter morrido após terem sido salvas da noite na boate. Mas morreram. E as circunstâncias são revoltantes em uma obra que desnovela a podridão dos agentes governamentais. Leia a resenha completa.

 

12) Duna (Dune): tudo que o filme de 1984 - aquele filmado por David Lynch - tinha de caótico, de confuso, com um excesso inacreditável de diálogos expositivos e um sem fim de efeitos especiais toscos, esse reboot tem de bem organizado. Quem assistiu a obra que tinha entre as suas estrelas o cantor Sting - de cuecão de couro -, sabe que a bagunça daquele roteiro era tanta, que era até meio difícil de compreender quem era quem, quais eram os objetivos de cada um dos povos daquele Império fictício, quem era do bem, quem era do mal. Fora a trama em ritmo apressado, cheia de buracos. Pois o sempre competente Denis Villeneuve chamou pra si a responsabilidade de colocar ordem no negócio. Deu fluidez pra narrativa, estruturou o emaranhado de informações que, muito provavelmente, existem no livro, de uma forma bem menos apressada, tornando muito mais possível compreender aquele universo e suas intrincadas tramas e conspirações políticas e religiosas. e foi dessa forma que fez de Duna um dos grandes blockbusters de 2021. Leia a resenha completa.


 
11) Soul (Soul): impressionante a capacidade da Pixar em fazer um filme infantil, mas que não deixa de promover profundas reflexões sobre temas relevantes, como, sentido da vida, memória, morte, espiritualidade, importância da arte, entre outros. Espécie de cruzamento entre Divertida Mente (2015) e Viva: A Vida É Uma Festa (2017), Soul parte da história de um modesto professor de música do ensino fundamental que sonha em ser reconhecido como um virtuose do jazz. Quando a oportunidade finalmente surge para o educador - seu nome é Joe Gardner (Jamie Foxx) -, ele sofre um acidente que o transporta para um outro plano, colocando-o entre a vida e a morte. Nessa espécie de limbo etéreo, onírico, ele será uma alma que terá como missão auxiliar uma "criança" (Tina Fey) a encontrar o seu propósito de vida para que ela possa ser encaminhada para a Terra, onde assumirá o seu formato humano. E essa jornada poderá ser a saída para que o próprio Joe retorne para cá e consiga alcançar seu tão sonhado objetivo. Trata-se de uma obra que valoriza a experiência terrena, abordando temas mais filosóficos sem pesar a mão. Filmaço. Leia a resenha completa.



10) Lamb (Dýrið): obra atmosférica, silenciosa, contemplativa e com um pé no realismo mágico. Assim é esse ótimo filme islandês, que foi exibido na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes. Na trama somos levados a uma fazenda isolada, erma, local em que um casal cria carneiros. Em meio ao manejo rotineiro da vida agrícola - levar pastagens para os animais, auxiliar as ovelhas prenhas na hora do parto, arar a terra - um ambiente de calmaria, de quase ausência de qualquer barulho. O sossego só é quebrado por algo que parece inquietar os bichos, que se mostram agitados, receosos. O que seria? Leva quase dez minutos para que ouçamos as vozes de Maria e Ingvar. De alguma maneira é possível afirmar que Lamb ocorre sem nenhuma pressa. As informações nos são entregues em pequenas pílulas. Sempre sutis. Até que certo dia o casal é surpreendido por um misterioso bebê recém-nascido, que é gerado no local. Misturando mitologia, fantasia e surrealismo, o filme discute especialmente o luto de uma forma pouco convencional. E acerta em cheio. Leia a resenha completa.



9) 7 Prisioneiros: sim, a gente sabe que está no (des)governo Bolsonaro, num contexto caótico em que absolutamente tudo é possível. Só que, ainda assim, parece meio inacreditável que, às portas de adentrarmos 2022, sejam tantos os casos revelados na imprensa que envolvem tráfico de pessoas e, mais ainda, trabalho análogo à escravidão. Experimente fazer uma pesquisa com os termos relacionados ao assunto, e não será surpresa encontrar notícias atualíssimas de trabalhadores resgatados, em meio a condições degradantes, ausência total de direitos e precarização de todos os tipos imagináveis. Na gestão do "mito", vale a ladainha do "mais trabalho e menos direitos". Isso no País que tem a quarta maior taxa de desemprego do mundo. A real é que há pouco espaço para qualquer tipo de otimismo no que diz respeito a esse tema. O futuro é nebuloso - e, em muitos casos, parece o passado. E, aqui, entra o grande mérito desse dolorido filme nacional que coloca o dedo na ferida na hora de escancarar o absurdo do trabalho escravo na contemporaneidade - uma de nossas tantas mazelas. É uma obra de baixo orçamento, mas que passa o recado. Leia a resenha completa.



8) Minari: Em Busca da Felicidade (Minari): Em uma das tantas belas cenas dessa joia dirigida por Lee Isaac Chung, o pequeno David está próximo a uma densa vegetação, onde sua avó contempla a visível evolução de uma horta improvisada da planta que dá título ao filme - uma espécie de agrião tipicamente coreano. Num tipo de simbiose com o vegetal, a idosa o contempla enquanto improvisa poéticos versos sobre o quão maravilhosa é aquela planta. No instante seguinte, a câmera em close mostra essas mesmas plantas se remexendo ao vento, como se se "curvassem" em sinal de agradecimento. É o tipo de instante que resume a abordagem sensível dessa experiência cinematográfica contemplativa, recheada por instantes bucólicos, de comunhão com a natureza, enquanto uma família luta para se estabelecer como agricultores em uma terra nova, a qual eles não estão familiarizados. É um filme bonito, tocante, comovente, que nos fará rir e se emocionar em igual medida. Há uma aura quase mística, um tanto abstrata no filme, que busca evitar estereótipos. Não esqueça o lenço de papel. Pode ser necessário. Leia a resenha completa.



7) Judas e o Messias Negro (Judah and the Black Messiah): os eventos que viriam a desencadear o covarde assassinato do líder ativista do partido dos Panteras Negras, Fred Hampton, conduzem a narrativa dessa joia dirigida por Shaka King e que figurou no Oscar desse ano. Em tempos em que o preconceito e a violência contra os negros parecem ser "legitimados" pelo comportamento bélico de figuras como o ex-presidente norte americano Donald Trump, esta obra se torna ainda mais relevante e atemporal. Afinal de contas, não seria nenhum exagero comparar aquele turbulento ano de 1968, cheio de acontecimentos históricos, com os nossos pandêmicos e caóticos tempos. O racismo estrutural, afinal de contas, segue em alta. Na trama, o FBI acompanha à distância cada movimento dos Panteras Negras, bem como as progressões feitas. E para tentar estar um passo à frente do coletivo, designa um ladrão de carros para atuar como infiltrado no grupo. O resultado é uma obra idealista e desalentadora e que faz com que nos lembremos que os revolucionários podem até morrer. Mas não a revolução. Leia a resenha completa.



6) Pedaços de Uma Mulher (Pieces of a Woman): A premissa desse filme é tão simples quanto dolorosa: um casal prestes a ter o seu primeiro filho opta pelo parto domiciliar, mas as coisas saem do controle durante o procedimento e o bebê morre instantes depois de nascer. Devastados, Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) lutam para tentar retomar a "normalidade" em suas vidas - a rotina, o trabalho, a vida a dois -, ao mesmo tempo em que enfrentam um doloroso processo judicial em que a parteira (Molly Parker) é acusada de negligência criminosa. Sim, é pesado. E as dúvidas do casal, afinal, são muitas: se o parto tivesse sido realizado no hospital, o filho teria sobrevivido? E se a emergência tivesse sido acionada mais cedo? Há culpados, verdadeiramente? Colocar a parteira na cadeia amenizará, de alguma forma, a dor? Sem tomar partido, a obra do húngaro Kornél Mandruczó não fornece soluções fáceis, ao mesmo tempo em que mergulha o espectador na rotina excruciante da dupla de protagonistas. É uma obra dura, melancólica, cheia de simbolismos e com interpretações espetaculares. Merece ser (re)descoberta. Leia a resenha completa.



5) Annette (Annette): quem acompanha o cinema provocativo, sensorial, hermético e, invariavelmente, metalinguístico, do diretor Leos Carax, dificilmente se surpreenderá com Annette (Annette) - que está disponível na plataforma Mubi. O filme, afinal, é aquele tipo de experiência que, ao mesmo tempo que não entrega soluções assim tão fáceis, nos permite mergulhar em um sem fim de possibilidades no que diz respeito ao universo das artes. Não por acaso, a artificialidade quase teatral parece ter o formato metodológico ideal para a história de um casal que vive uma vida aparentemente perfeita, em uma Los Angeles fascinante e cosmopolita. Ele, um comediante de stand up que está em alta e que apela para piadas cínicas e autocomiserativas (papel de Adam Driver). Ela, uma cantora de ópera de renome internacional, que emociona as plateias em suas lotadas apresentações (papel de Marion Cottilard). Organizado como uma extensa peça musical, o filme fica no limite entre o sombrio e o cômico, especialmente quando o universo cheio de contrastes do casal central passa a entrar em choque. Leia a resenha completa.



4) Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon): quem me conhece sabe que eu tenho uma teoria que diz que o mundo seria um lugar muito mais fácil de habitar se as pessoas investissem mais tempo no consumo de obras de arte. É neles que, muitas vezes, confrontamos medos, incertezas, preconceitos. É assistindo a um filme ou lendo um livro que podemos quebrar paradigmas, repensar ideias ou refletir um pouco melhor sobre este ou aquele assunto. Significa que seríamos um coletivo melhor, mais justo, mais empático? Não sei. Talvez não fôssemos piores, o que por si só já poderia representar uma pequena vitória. O que isso tem a ver com a mais recente animação da Disney? Tudo. Na trama um mundo fantasioso - conhecido por Kumandra - está pronto para entrar em colapso por causa de uma força maligna conhecida como Druun - uma névoa tóxica que petrifica os habitantes do reino. E somente a princesa guerreira Raya poderá salvar o universo da extinção. Trata-se de uma joia que valoriza o espírito coletivo e que alterna tensão e comoção em igual medida. Adultos, crianças, idosos. Ninguém deixará de se emocionar. Leia a resenha completa.



3) Druk: Mais Uma Rodada (Druk): um grande elogio à importância da bebedeira. Aliás, o subtítulo do vencedor do Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira pela Dinamarca poderia ser algo tipo Ode ao Trago. Que seja. Bom, o caso é que enquanto assistia à obra do sempre ótimo Thomas Vinterberg, era tomado por um sentimento de nostalgia em que rememorava os porres homéricos tomados, especialmente, na juventude. E acabei me dando conta de que eles ocorreram em grandes momentos de celebração: aniversários importantes, formaturas, festas de faculdade, casamentos. Condição que contribuía pra tornar a existência mais leve, ampliando a socialização, a desinibição. Beber, afinal de contas, torna a vida melhor? Mais divertida? Aumenta o "brilho"? Nos tira a chatice e nos faz encarar os problemas do mundo com menos letargia? O filme tenta responder algumas dessas questões a partir da história de um grupo de professores que resolve fazer uma espécie de "experimento social" sobre o consumo de álcool. O resultado é uma obra leve, introspectiva e comovente e que jamais soa excessivamente moralista. Leia a resenha completa.



2) Ataque dos Cães (The Power of the Dog): escrito em 1967 pelo romancista Thomas Savage, esse livro foi convertido em um ótimo filme que dialoga - e muito - com a atualidade. É uma obra cheia de personagens complexos, que se aproveitam de uma narrativa imprevisível para discutir temas como masculinidade frágil, sexualidade reprimida e a permanente necessidade de reafirmação heteronormativa. Dirigida pela sempre competente Jane Campion a obra é um faroeste voluptuoso que quebra alguns códigos convencionais do gênero - o que faz com que ela chegue com ares de favorita para o próximo Oscar. A trama coloca frente a frente dois irmãos de personalidades distintas - o boçal Phil (Benedict Cumberbatch) e o gentil George (Jesse plemons) -, em um ambiente inóspito, em meio a criação de gado. A aridez do Estado de Montana há quase 100 anos é o cenário perfeito para uma trama perturbadora, opulenta e com altíssimas doses de tensão. E que terá acontecimentos como poderão mudar a vida de todos naquele rancho. Leia a resenha completa
 

 

1) Titane (Titane): tema complexo e que costuma despertar um sem fim de teses, de artigos e de trabalhos acadêmicos, o pós-humanismo dá conta de um novo modelo de subjetividade, capaz de integrar o sujeito às tecnologias disponíveis. Como nos filmes de ficção científica, esse imaginário costuma transcender o humano para além dos limites físicos (e carnais), fazendo com que este transponha as barreira entre o natural e o artificial, entre o orgânico e o maquínico. Alterações genéticas, clonagem, mutações e outras técnicas sofisticadas transformam o homem, de acordo com certas correntes de estudos, em verdadeiras máquinas híbridas com eventuais capacidades ampliadas. Sabe aquele ciborgue meio homem meio robô que vemos nos filmes? Digamos que o pós-humanismo divague sobre estas ideias. Mas quais os limites éticos de tudo isso? Sim, é complicado e essa experiência cinematográfica sensorial, complexa, curiosa, excêntrica, sexy, suja, vigorosa e robusta, conduzida pela diretora Julia Ducournau tenta apresentar algumas respostas. O resultado incomoda e quase quebra os limites da arte. Leia a resenha completa.


E então pessoal, gostaram da lista? Não deixem de dar as suas opiniões sobre os melhores desse ano. Claro que faltou muita coisa e, como já dito, nem todas as obras conseguimos assistir. Mas a intenção é a melhor! =)