segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Cinema - O Jovem Ahmed (Le Jeune Ahmed)

De: Jean-Pierre e Luc Dardenne. Com Idir Ben Addi, Myriem Akheddiou, Claire Bodson e Olivier Bonnaud. Drama, Bélgica, 2019, 84 minutos.

O tema de O Jovem Ahmed (Le Jeune Ahmed) é o fanatismo religioso e como ele pode ter um potencial altamente destrutivo, especialmente quando direcionado a pessoas em vulnerabilidade emocional, inseguras ou fragilizadas. Aliás, de alguma forma a película dos sempre ótimos Irmãos Dardenne (O Filho, O Garoto da Bicicleta) dialoga com essa onda conservadora e extremista que tem gerado um sem fim de grupos que visam a "limpar" a população daquilo que consideram religiosa ou politicamente diferente - e na Bélgica, País em que se desenrola a narrativa, isso parece ocorrer com ainda mais força. Na trama o jovem Ahmed do título original (o ótimo Idir Ben Addi) é um garoto de 13 anos que, ao invés de jogar videogame, futebol e se masturbar, prefere seguir a risca o Corão, cumprindo uma rotina de comportamentos introspectivos, que incluem rezas em horas marcadas e uma vida de privações - tudo para seguir o que pede o "Imã", uma espécie de guia espiritual, encarregado da mesquita.

Em nenhum momento fica claro onde foi que Ahmed se perdeu para o extremismo religioso - ainda que a chave pareça estar em um falecido primo do menino que, aparentemente, tinha alguma ligação com o jihadismo. O caso é que o rapaz leva a palavra do Corão a risca, tanto que compra briga com a professora de seu colégio, uma senhora de nome Inès (Myriem Akheddiou), que resolve ensinar a língua árabe de forma menos ortodoxa (com canções e outros recursos linguísticos). Tudo piora quando Ahmed descobre que a educadora possui um namorado judeu e, considerando-a impura (uma apóstata), resolve que precisa assassiná-la. Sim, matá-la. Bom, o plano não sai como ele imaginava e ele acaba indo parar numa espécie de centro de detenção juvenil, onde, com o apoio de um coletivo de instrutores, aprenderá pequenos ofícios, que lhe afastem de ideias extremistas e lhe possibilitem uma vida normal em sociedade.


Como sempre ocorre no cinema dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, eles se ocupam de um pequeno recorte que nos possibilitará, enquanto espectadores, um olhar para o todo. Ainda que tome partido, o filme faz questão de deixar claro que o problema está no extremismo e não na religião muçulmana em si - tanto que em uma cena de uma reunião da escola, pais e alunos de mente mais aberta (ou progressista), discutem a importância do aprendizado da língua árabe no colégio, em equilíbrio com a da Mesquita, já que a intenção é formar cidadãos para o mundo (que possam ler, viajar, levar vidas normais e não apenas para, cegamente, rezar). E ainda que o tapa no conservadorismo ou nos excessos religiosos exista, a gente não consegue deixar de ter pena do protagonista, uma figura que é recrutada por adultos que adotam um discurso radical para ao mesmo tempo assustar, incitar a violência e incluir os jovens (vale para políticos que vociferam ódio também).

Com o naturalismo de sempre, o olhar dos Dardenne para aquele microcosmo ganha um ar documental, com uma infinidade de planos-sequência e utilização de câmera subjetiva, que muitas vezes aparece "grudada" ao rosto de seus personagens (especialmente de Ahmed). E, aqui, vale uma menção para o trabalho espetacular do jovem Idir Ben Addi, que consegue transmitir fragilidade, insegurança e determinação com apenas algumas poucas variações de comportamentos (e olhares). Figuras já tradicionais no Festival de Cannes, os Irmãos Dardenne faturaram na última edição (a mesma em que Bacurau ganhou o Prêmio do Júri e Parasita faturou a Palma de Ouro), a estatueta de Melhor Direção. E é sempre muito prazeroso assistir a qualquer película dos realizadores, especialmente pela capacidade de analisar a nossa sociedade de forma sutil, levantando bandeiras (mas nem por isso as esfregando em nossas caras). Imperdível.

Nota: 9,0

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