quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Picanha.doc - Honeyland (Land Des Honigs)

De: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska. Documentário, Macedônia / Turquia, 2018, 89 minutos.

É muito provável que vocês, leitores do Picanha, já tenham ouvido falar a respeito da importância das abelhas no mundo - e sobre como estaríamos condenados à extinção, caso estes pequenos insetos simplesmente deixassem de existir. E, em muitos locais, eles têm deixado MESMO de existir - seja pelo excesso do uso de agrotóxicos (o principal motivo), pelas queimadas ou até mesmo pelo manejo inadequado de colmeias, com enxames inteiros morrendo - inclusive de fome. Bom, ainda que não seja assim tão explícito, o documentário Honeyland (Land Des Honigs) utiliza como microcosmo um local remoto da Macedônia para fazer um pequeno recorte sobre o quão prejudicial pode ser o comportamento predatório, na hora de exercer o ofício de apicultor. Trata-se de uma obra singela e contemplativa, que valoriza a comunhão do homem com a natureza e a importância do equilíbrio para a manutenção dos ecossistemas. Aliás, os mesmos ecossistemas que serão polinizados pelas abelhas.

Na trama acompanhamos a jornada de uma mulher de meia idade de nome Hatidze, que mora em uma região isolada com a mãe - uma idosa de 85 anos comoventemente doente. A rotina de Hatidze se divide entre os cuidados com a mãe e o trabalho como apicultora. Com colmeias espalhadas em locais estratégicos, ela faz o manejo de inverno respeitando um dos preceitos para a sustentabilidade dos enxames: ela retira apenas metade do mel, deixando a outra metade para as abelhas sobreviverem. O produto colhido, ela vende em feiras de Sofia, na Bulgária, por valores que podem chegar a até 20 euros. "É um mel puro, sem mistura e que faz bem pra saúde", garante. Bom, por mais sofrida que a vida seja neste contexto, ela se modificará completamente com a chegada de um casal de vizinhos e seus seis filhos, que se instalarão em uma propriedade próxima. Criadores de gado, farão amizade com Hatidze, que ensinará ao pai da família sobre a arte da apicultura.


Só que o homem tem seis filhos. Precisa dinheiro. Tem muitas bocas a alimentar. Adota a produção de mel como uma alternativa - especialmente depois de surgir um comprador disposto a adquirir uma grande quantidade do produto -, mas se atravessa na hora de fazer o manejo: antecipa a colheita e, com falta de comida para as próprias abelhas, acaba matando os seus enxames e também os de Hatidze. E assim fica estabelecido o conflito. Mas de uma forma tão sutil e introspectiva, que a gente quase nem percebe. Incapaz de brigar com os vizinhos - Hatidze faz amizade com um dos filhos adolescentes do casal -, a protagonista adota uma postura resignada diante dos fatos. E se apoia na idosa mãe, que acredita na intervenção divina para a resolução do caso - e, claro, ela não tardará. Nesse sentido a obra poderá gerar até uma certa ansiedade nos espectadores que não estão tão acostumados ao formato: a trama é simples mas a condução é caudalosa, densa. Flui demoradamente, mas com vigor. Não há pressa para fazer com que percebamos o fato de que o capitalismo e sua ânsia pelo consumo, pode ser capaz de devastar a única fonte de renda de pequenos agricultores familiares.

E nesse sentido o filme é muito hábil em mostrar as diferenças de comportamento entre Hatidze e o vizinho: enquanto a primeira dificilmente é picada por alguma abelha (trabalha com elas num modelo quase simbiótico), o segundo faz um manejo agitado, em que "briga" o tempo todo com os insetos, que lhe picam, picam seus filhos, seus animais, todo mundo. Produzir mel se torna uma luta em que as abelhas são inimigas e não aliadas. Em resumo: só o extrativismo interessa. Esse desequilíbrio gerado - que se estende para a quebra do silêncio nas montanhas e para a alteração da lógica cotidiana de Hatidze - se espalhará de forma desordenada em uma série de sequências em que ficarão claras essas diferenças de comportamento. De um lado a protagonista espreita por cima dos muros, com sua roupa festivamente amarela, alegre. De outro os vizinhos tentam manter a ordem no curral, estão sempre as turras com as crianças e claramente trarão problemas para um ambiente tão pacato. É obra de sutilezas, que foi indicada ao Oscar nas categorias Filme em Língua Estrangeira e Documentário. E essa mesma sutileza é quebrada o tempo todo pelo barulho das abelhas, seu zumbido e alarido, como se tentassem chamar a atenção para o seu valor. Um valor que, aos poucos, a gente parece começar reconhecer.

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