Mostrando postagens com marcador Curta Um Curta. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Curta Um Curta. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Curta Um Curta - Bestia

Teria dito Hannah Arendt em seu clássico livro A Banalidade do Mal que "em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime". Esse é o tipo de conceito que foi reconfigurado recentemente - especialmente a partir da ascensão da extrema direita no País (e no mundo) - e que faz uma crítica não ao mal premeditado e sim a mediocridade do "não pensar". O que tornaria possível, por exemplo, a existência de figuras como Adolf Eichmann que talvez nem fosse alguém perverso ou doentio, muito menos um antissemita raivoso. Mas que ainda assim, durante o nazismo, era um cumpridor de ordens. Um burocrata do Estado que trabalhava no setor de transportes de judeus para os campos de concentração. 


 

E o que tudo isso tem a ver com o premiadíssimo curta-metragem em animação em stop motion Bestia, que foi incluído no catálogo da Mubi? Bom, aqui temos mais uma representante desse mal que não está simbolizado por generais perversos com suas fardas, botas e armamentos. A ação se passa no Chile de Pinochet, onde acompanhamos uma mulher rechonchuda, de modos sisudos, que ocupa seus dias com refeições silenciosas e a plena atenção ao seu cãozinho de estimação. As feições apáticas e delicadas da protagonista - representada por uma boneca de porcelana -, servem para reforçar, paradoxalmente, o caráter sombrio de sua personalidade. Especialmente na hora de cometer crimes hediondos durante a ditadura militar chilena. Inspirada em uma personagem real - Ingrid Olderock, que ficaria conhecida como "mulher dos cachorros" -, esse é um thriller psicológico tenso, macabro, que revela o absurdo dos sistemas autoritários.


segunda-feira, 4 de março de 2024

Curta Um Curta - Ninety-Five Senses

Um curta metragem de animação levemente esotérico, que serve como uma oportunidade de reflexão para as escolhas que fazemos na vida - e que, aqui e ali, podem resultar em arrependimentos. Quem nunca? Na trama do ótimo Ninety-Five Senses - um dos indicados ao Oscar em sua categoria e bastante premiado em festivais mundo afora -, um idoso no corredor da morte (a narração é de Tim Blake Nelson) realiza uma espécie de monólogo interior em que volta ao passado para uma espécie de autoexame. Em sua manifestação, por mais que o seu comportamento levemente rabugento possa sugerir o contrário, ele passa a recordar sobre a beleza dos nossos sentidos. Da visão, da audição, do olfato, do paladar, do tato. E de como estando encarcerado, ele se vê limitado em relação aos pequenos prazeres proporcionados por eles. Um aroma agradável. Um sabor gostoso. As cores do mundo.


 

Em entrevistas de divulgação, a dupla de realizadores Jerusha e Jared Hess explicou que o curta foi inspirado em narrativas reais de presos que estavam no corredor da morte. Com diversos estilos de animação - uma para cada etapa da vida do protagonista -, não deixa de ser notável a coesão do projeto, que conecta o trabalho de cinco desenhistas diferentes. Ao cabo esse é um filme pequeno, de apenas treze minutos, mas que envolveu uma grande equipe. Muita gente em início de carreira, inclusive. "E o mais legal sobre este filme é que todo mundo leva algo diferente dele. Algumas pessoas assistem e experimentam a própria dor de ter perdido um ente querido. Outros são movidos pela presença física de sentir-se dotado dos seus sentidos", comentou  Jerusha em entrevista para o Borrowing Tape. Para quem tem acesso, está disponível no Documentary+. E também na internet, dando aquela vasculhada!


segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Curta Um Curta - The Last Repair Shop

Um documentário em curta metragem sobre o poder transformador da música. Ou talvez uma pequena obra que nos faça lembrar a infinidade de histórias profundas, comoventes que, em muitos casos, podem passar despercebidas. Assim como em O ABC da Proibição de Livros, o pano de fundo de The Last Repair Shop tem a ver com o mundo das artes. Mas não exatamente com quem toca esse ou aquele instrumento musical ou integra uma banda. E sim com aqueles que estão por trás e que se empenham em, de forma anônima, abnegada, trabalhar pra que a coisa aconteça. Na trama dessa produção capitaneada pela dupla Ben Proudfoot e Chris Bowers, que venceram o Oscar por The Queen of Basketball, está o dedicado esforço de um coletivo de artesãos que se empenha em manter em bom estado de conservação, mais de 80 mil instrumentos musicais de um armazém de Los Angeles.


 

Sim, as quatro pessoas que conhecemos no curta - Dana Atkinson, Paty Moreno, Duane Michaels e Steve Bagmavyan - consertam instrumentos musicais gratuitamente para alunos de escolas públicas. Intercalando sequências dos próprios alunos -que tem suas vidas transformadas pelo simples contato com violões, saxofones e pianos - com as de suas vidas, compreendemos como a música pode ter sido espaço de abrigo para cada um deles, como no exemplo de Bagmanyan, um refugiado armênio do Azerbaijão, que vai parar nos Estados Unidos para fugir da guerra, e se torna técnico de piano. Closes e planos aproximados das estruturas de cada instrumento - com seus botões, texturas, cordas e outros -, majestosamente manuseados, contribuem para um senso de proximidade, que é ampliado pelos tons quentes da fotografia. Ao cabo trata-se de uma obra inspiradora e de grande beleza, que tem boa chance de sair com o Oscar em sua categoria.


terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Curta Um Curta - Paquiderme (Pachyderme)

"Não gosto quando meus pais me abandonam".

Vamos combinar que os medos infantis podem ser muito mais reais (ou concretos) do que abstratos ou sobrenaturais - ainda que, em muitos casos, as crianças sejam incapazes de compreender plenamente de onde vêm estes temores. E o curta-metragem Paquiderme (Pachyderme), um dos indicados ao Oscar em sua categoria, consegue um efeito extremamente potente em sua abordagem - ainda que a faça com sutileza, apostando em metáforas e simbolismos. Na trama, a pequena Louise vai, como sempre, passar a temporada de verão na casa dos avós, em um espaço bucólico, meio isolado e extremamente organizado. Como muitas vezes acontece nas residências mais antigas, Louise, que tem cerca de nove anos, precisa lidar com estampidos e outros barulhos da madeira, que perturbam seu sono. "O que pode te acontecer de mal?", questiona a avó, que insiste para que ela apenas durma.

 

 

Só que a pequena é perturbada constantemente, seja por olhos que parecem simplesmente "brotar" da madeira, como se a espiassem, ou mesmo pela sensação de que algo ou alguém está prestes a entrar no quarto. Tudo piora com a decoração do ambiente em que vivem os avós - no centro da sala, por exemplo, há um enorme chifre que, supostamente, é de um paquiderme morto pelo avô. Aliás, o mesmo avô que lhe leva para passeios na floresta durante o dia (onde ela deve ficar quieta para escutar os animais da floresta) e que, ao retirar as rodinhas de sua bicicleta a inventiva, diz que "agora ele é uma mocinha". Em alguma medida, dado o traço simples mas bonito de Stéphanie Clément, aqui temos uma ambientação meio que de conto de fadas, envolta em uma aura de mistério, ainda que a história tenha um peso doloroso. Ao cabo, as crianças deveriam poder confiar nos adultos. Mas nesse projeto tão desconfortável quanto profundo, esse inverno de libertação pode levar mais tempo para chegar.


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Curta Um Curta - E Depois? (The After)

Vamos combinar que E Depois? (The After) pode até não ser nenhuma Brastemp, mas é um dos curta metragens live action que foi indicado ao Oscar em sua categoria e está lá na Netflix, disponível pra quem quiser conferir. O tema dessa pequena obra é a superação de traumas e os caminhos para tentar reconstruir a vida, especialmente quando tudo parece desabar diante da dor. Na trama David Odeloyo é Dayo, um motorista de aplicativo que sofre uma violência brutal, em plena luz do dia, que resulta na morte de sua esposa e de seu filho. Algo que talvez pudesse ter sido evitado se as coisas ocorressem de forma diferente? Seria possível reagir? Confrontar a violência que surge de forma inexplicável? Não há como saber. Assim como parece ser impossível dimensionar esse tipo de perda.

Dividido em dois blocos, o filme dirigido por Misan Harriman e também estrelado por Jessica Plummer e Amelie Dokubo inicia de forma movimentada e cruel. Dayo muda a sua agenda para ficar com a sua família. O cenário é uma espécie de parque ensolarado, aberto ao público. O que não impedirá a ação de um maluco que simplesmente esfaqueia seu pequeno filho. Em um segundo momento, mais introspectivo, o protagonista tenta retomar algum tipo de normalidade levando para lá e para cá seus passageiros - ouvindo de maneira indireta sobre suas vidas, seus problemas, suas angústias, seus medos. Ao cabo, essa parece ser uma experiência sobre valorizar aquilo que temos. Especialmente o que amamos. E é simplesmente impossível não se emocionar (e ter empatia) com o final comovente, visceral e extremamente profundo.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Curta Um Curta - O ABC da Proibição de Livros (The ABC of Book Banning)

O que os livros O Olho Mais Azul, de Toni Morrison, O Senhor das Moscas, de William Golding, O Conto da Aia, de Margaret Atwood, Matadouro 5, de Kurt Vonnegut e O Caçador de Pipas, de Khaled Hosseini têm em comum? Bom, além de serem grandes obras da literatura universal, eles integram uma bizarra lista de mais de duas mil publicações eliminadas de distritos escolares dos Estados Unidos. Classificados como restritos, questionados ou simplesmente banidos, os livros não estão disponíveis para milhares de estudantes em 37 estados do País. Sim, uma medida de apagamento que remonta o nazifascismo europeu e que censura obras de literatura queer e sobre questões raciais, além de publicações de cunho feminista ou de igualdade de gênero. Quem decide se este ou aquele livro pode ser lido? Muitas vezes integrantes das próprias comunidades escolares, representados por aquele "cidadão de bem" habituado à teorias conspiratórias, que variam do pânico moral à delírio comunista.

E o que o documentário em curta O ABC da Proibição de Livros (The ABC of Book Banning) faz? Bom, de forma muito corajosa o trio de diretoras Nazenet Habtezghi, Sheila Nevins e Trish Adlesic joga luz à essa questão, apontando as contradições por trás desse banimento, que busca supostamente "limpar" as prateleiras daquilo que consideram inadequado. Mesclando animações, imagens documentais e entrevistas, as realizadoras reúnem um grupo de crianças para discutir com naturalidade o tema - bem como o absurdo de proibir qualquer obra que seja. Nesse contexto, surge ainda uma voz relevante nessa luta, no caso o da centenária Grace Linn, uma defensora da democracia, da liberdade e da proteção da literatura, que realizou um discurso para mais de 500 pessoas em um condado da Flórida, no Texas (como não poderia deixar de ser, o paraíso desse perigoso tipo de controle). Carismática, criativa e muito dinâmica, a obra está disponível no Paramount Plus e é uma das indicadas na categoria Curta Documentário. Vale cada segundo!


quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Curta Um Curta - A Incrível História de Henry Sugar (The Wonderful Story of Henry Sugar)

Vamos combinar que quando Wes Anderson consegue unir suas trucagens técnicas com uma boa história, o resultado costuma dar bom. E é justamente esse o caso de A Incrível História de Henry Sugar (The Wonderful Story of Henry Sugar), curta-metragem disponível na Netflix, que deverá ser um dos indicados ao Oscar em sua categoria (talvez seja até o favorito à estatueta). Aqui temos, assim como ocorre com Asteroid City (2023) e A Crônica Francesa (2021), uma obra metalinguística, com a geografia e os enquadramentos simétricos típicos do diretor, que se somam ao desenho de produção de encher os olhos (sério, os cenários parecem saídos de uma espécie de livro de colorir) e à fotografia de cores cintilantes. A trama é baseada em um conto de 1977, escrito por Roald Dahl, e volta quase 100 anos no tempo para nos apresentar a Henry Sugar (Benedict Cumberbatch), um homem riquíssimo (e solteiro), que herdou uma fortuna que serve, na maioria dos casos, pra financiar o seu vício em jogo.

Só que em certo dia, circulando por sua biblioteca, ele se depara com um livro escrito por um médico que acompanha o misterioso Imdad Khan (Ben Kingsley) - uma narrativa sobre a capacidade mística do sujeito de conseguir enxergar sem necessitar dos olhos. Em resumo, com seus poderes ele poderia, por exemplo, identificar uma carta de baralho que tivesse a sua face virada para baixo, apenas com a mente. No filme de Anderson, temos a história dentro da história de como Imdad aprende a sua habilidade - o que envolve um encontro com um guru que, supostamente, seria capaz de levitar enquanto meditava. Só que Imdad morre lá pelas tantas. O que não impede Henry de ficar fascinado com tudo aquilo. Aliás, mais do que fascinado: determinado a colocar em prática os ensinamentos do guru, para que ele possa se dar bem e lavar a baia nos cassinos. Em alguma medida, talvez a experiência seja até mais interessante pela beleza que parte de sua paleta de cores vivíssima. O que não reduz o impacto da mensagem de tintas redentoras.


terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Curta Um Curta - Camp Courage

Jamais haverá melodrama ficcional que se equipare aos efeitos reais (e devastadores) causados por uma guerra. Porque vamos combinar que o atual conflito entre Rússia e Ucrânia, de tão distante que está de nós, por vezes parece algo abstrato, que não nos diz respeito. Que não integra a nossa realidade. E pequenas obras como o tocante documentário em curta Camp Courage - que está disponível na Netflix e é um dos prováveis candidatos em sua categoria no Oscar 2024 -, servem para nos lembrar das dores reais de quem sofre, de fato. Possibilitando o exercício da empatia que, em alguma medida, também nos humaniza. Aqui acompanhamos a rotina da pequena Milana, uma pré-adolescente de onze anos, que perdeu parte da perna em uma explosão ocorria em 2015, quando tinha pouco mais de dois anos. Não bastasse esse trauma em si, ela ainda perderia a mãe no mesmo atentado, ocorrido na cidade de Mariupol. 

 


Anos depois, a guerra de 2022 obrigaria a jovem, criada pela amorosa avó Olga, a se retirar da Ucrânia, buscando refúgio na Eslováquia. Só que a fuga de sua pátria de origem não significará paz - e muito menos a solução para as dores de guerra. E como forma de tentar superar os medos, Milana tem a oportunidade de se juntar à outras pessoas em um acampamento na cidade de Piesendorf, na Áustria - um projeto do coletivo Mountain Seed Foundation, organização sem fins lucrativos que tem a missão de minimizar o sofrimento de quem teve perdas devastadoras em conflitos tão brutais. Para Milana, que basicamente sobreviveu por um milagre após ter sido encontrada pelos bombeiros em meio aos destroços, não será fácil superar desafios que envolvem escalar montanhas, rapeis e outras atividades. "Quando você sofre traumas como o de Milana fica muito mais difícil ultrapassar essa borda e enfrentar o desconhecido", analisou o diretor Max Lowe. Cheia de instantes comoventes, esta é uma experiência redentora e que vale ser conferida.


quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Curta Um Curta - Estranha Forma de Vida (Strange Way of Life)

Vamos combinar que Estranha Forma de Vida (Strange Way of Life) não lembra nem de perto os melhores momentos da obra de Pedro Almodóvar. Aliás, eu concordo com aquele recorte de fãs que acreditam que o curta, agora disponível na Mubi, bem poderia ser um longa. Com mais camadas, explorando de forma mais aprofundada a história de dois pistoleiros do velho oeste, que se reencontram depois de 25 anos, por conta de um crime cometido. Só que, ainda assim, é preciso que se diga que vale muito a pena conferir Pedro Pascal e Ethan Hawke em cena, encarnando esses sujeitos supostamente durões e antagônicos, mas que mantém um relacionamento em segredo. Pascal é Silva, sujeito que atravessa o deserto para uma visita ao xerife Jake (Hawke), na tentativa de demovê-lo da ideia de prender o assassino da esposa de seu irmão. Só que o problema é que o principal suspeito do crime é Joe (George Steane), filho de Silva. Memórias, desejos íntimos e raivas que demoram a ser verbalizadas movimentam a narrativa, que tem cores mais discretas e uma economia como um todo, quando comparada a própria obra de Almodóvar. Ainda assim, vale dar o play!


terça-feira, 27 de junho de 2023

Curta Um Curta - Big Bang

De: Carlos Segundo. Com Giovanni Venturini e Aryadne Amancio. Drama, Brasil / França, 2022, 14 minutos.

Nesse simpático curta-metragem dirigido por Carlos Segundo (de Sideral, 2021) a Teoria do Big Bang - aquela que versa sobre a expansão do Universo a partir de um ponto muito quente e denso em algum tempo do passado - é a metáfora perfeita para a história de Chico (Giovanni Venturini), um anão que trabalha consertando fornos. Como não poderia deixar de ser, esse carismático protagonista sofre todos os tipos de preconceitos - não apenas pela sua diminuta altura, mas também por seu ofício (ele só parece ser um indivíduo quando está a serviço de alguém). Um evento meio inusitado - um engavetamento de veículos em que ele se torna o único sobrevivente - será o ponto de partida para uma mudança de perspectiva para Chico. Especialmente após ele conhecer a diarista Marta (Aryadne Amancio), nos corredores do hospital em que ambos aguardam atendimento. Será o instante daquela faísca, que inicia a expansão. Big Bang, que está disponível na Mubi, faturaria o prêmio de Melhor Curta de Autor no Festival de Locarno. Não foi por acaso.


quarta-feira, 8 de março de 2023

Curta Um Curta - O Menino, A Toupeira, A Raposa e o Cavalo (The Boy, the Mole, the Fox and the Horse)

"Vocês me conhecem por completo, né? Sim. E vocês ainda me amam? Ainda mais."

Um dos projetos mais afetuosos, gentis e carismáticos lançados nesse ano. Assim pode ser resumido O Menino, A Toupeira, A Raposa e o Cavalo (The Boy, the Mole, the Fox and the Horse), animação em curta-metragem que é uma dos favoritas ao Oscar desse ano em sua categoria. Visualmente bela, a obra dirigida por Peter Baynton e que está disponível na Apple TV+, acompanha um menino que se vê perdido em um amplo descampado coberto por neve, no meio do nada. De forma meio inesperada ele faz amizade com uma amistosa toupeira apaixonada por bolo, que lhe auxiliará na tentativa de encontrar o caminho de casa. No trajeto, eles enfrentarão uma série de obstáculos, como frio, tempestades, sensação de isolamento e até "inimigos" que surgem em meio à natureza.


Absolutamente adocicada, otimista e cheia de lições sobre amadurecimento, a obra trem sido criticada por parte do público que tem considerado meio exageradas as diversas frases de autoajuda que surgem no decorrer da narrativa e que parecem escritas por algum tipo de coach. Só que não podemos perder de vista que, ao cabo, trata-se de uma obra infanto-juvenil que é baseada em um livro do escritor Charlie Mackesy. E, vamos combinar, a construção se dá de forma tão delicada e singela que é simplesmente impossível não se sentir tocado pela experiência. Em certa altura o menino chora e pede desculpas ao cair durante uma cavalgada com seu amigo cavalo. Ao que este retruca, reanimando-o: "As lágrimas caem por uma razão. Elas são a sua força e não a sua fraqueza". Sério, é impossível não se comover. Dos curtas de animação que vi, é meu favorito na luta pela estatueta dourada.


sexta-feira, 3 de março de 2023

Curta Um Curta - Haulout

Quais os caminhos para abordar os impactos das mudanças climáticas no mundo de forma sutil, mas envolvente? Talvez o pequeno documentário em curta-metragem Haulout, que está disponível no Youtube, possa ser parte da resposta. Um dos indicados em sua categoria para a edição do Oscar desse ano, o filme dirigido por Maxim Arbugaev e Evgenia Arbugaeva nos joga para uma região remota do Ártico - uma espécie de praia gelada -, onde conhecemos um solitário biólogo marinho (seu nome também é Maxim), que monitora as atividades do local. De maneira inesperada ele verá a sua cabana envolta por milhares de morsas, que procuram algum refúgio diante do aumento da temperatura na região. Muitas delas morrerão.


Se já não bastasse o sentimento desalentador de isolamento, a ocorrência tornará tudo ainda mais claustrofóbico. Praticamente impedido de sair de sua habitação, Maxim passará a ser acompanhado em sua rotina pelos animais barulhentos que, devido a temperatura inadequada do oceano, não conseguem sair dali. É uma obra dura que mostra como a natureza cobra seu preço. E de como provavelmente estamos em uma corrida contra o relógio na tentativa de refrear os desastres ambientais. Quase não há diálogos. As sequências são gélidas, palpavelmente frias. Até mesmo doloridas em alguma medida. Um desavisado poderá achar tudo apenas estranho, ou inusitado. Mas o letreiro do final dará conta de esclarecer. Tão contundente quanto trágico.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Curta Um Curta - The Flying Sailor

Acho que o que pega mesmo no curta-metragem em animação The Flying Sailor - um dos indicados ao Oscar desse ano em sua categoria - é o fato de que não apenas é baseado em eventos reais já que a história por trás é simplesmente inacreditável. Foi em 1917 na província de Nova Escócia, no Canadá, que a explosão de Halifax ficaria conhecida no mundo todo. Na ocasião, o SS Mont-Blanc, um navio de carga francês carregado de explosivos, colidiu com uma embarcação norueguesa, em um estreito que ligava o Porto de Halifax à Bacia de Bedford. O resultado foi uma explosão que devastou o distrito, matando cerca de duas mil pessoas, fora outras nove mil que ficaram feridas.



Dirigido por Amanda Forbis e Wendy Tilby - que foram indicadas ao Oscar anteriormente por Wild Life (2011) - o filme recria o evento, narrando o episódio que envolve um marinheiro que explodiu pelos ares voando dois quilômetros longe da tragédia e... sobrevivendo! Metafísica, poética e levemente existencial, a experiência nos conduz a uma espécie de quase morte vivida pelo protagonista, com uma série de fragmentos de sua vida cruzando a sua mente. Vencedor de diversos prêmios, o filme possui apenas oito minutos e emprega técnicas de 3D e 2D, além de utilizar fotografias, gerando uma ousada mistura de comédia, suspense, abstração e filosofia. E a boa notícia: pode ser conferido na íntegra no Youtube!


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Curta Um Curta - O Efeito Martha Mitchell (The Martha Mitchell Effect)

Uma visionária? Alguém a frente de seu tempo? Ou apenas uma mulher delirante? Disponível na Netflix e um dos documentários em curta-metragem indicados ao Oscar em sua categoria, O Efeito Martha Mitchell (The Martha Mitchell Effect) conta a história de bastidores da ex-esposa de John Mitchell, procurador-geral dos Estados Unidos durante o Governo Nixon. Inicialmente uma figura carismática, midiática e onipresente, Martha passou a ser renegada pelos próprios líderes do Partido Republicano, quando denunciou uma série de atividades ilegais envolvendo funcionários da Casa Branca, e que culminariam no Caso Watergate - famoso escândalo de espionagem aos democratas, que culminaria na renúncia de Nixon.

Por sua disposição em verbalizar seus sentimentos (o que envolvia inclusive ligações para o próprio gabinete do presidente Nixon), Martha foi presa e colocada sob vigilância em um quarto de hotel improvisado, sob a alegação de ter uma doença mental - aliás, o "efeito Martha Mitchell" do título, envolve justamente o processo de considerar que determinada pessoa está delirando, sendo que ela pode estar falando a verdade. Com uma vasta quantidade de imagens de arquivo - entrevistas, aparições, fotografias -, o documentário dirigido por Anne Alvergue e Debra McClutchy tem senso de humor e coloca o dedo na ferida na hora de evidenciar quais os limites adotados por líderes políticos quando o assunto envolve silenciar quem quer que seja. É uma pequena aulinha de história que vale conferir.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Curta Um Curta - Le Pupille

Diretora de obras sensíveis e potentes como As Maravilhas (2014) e Lazzaro Felice (2018), Alice Rohrwacher utiliza no agridoce Le Pupille - um dos indicados ao Oscar na categoria Curta-Metragem e que está disponível no Disney+ - o mesmo tipo de expediente, ao contar a história de um grupo de meninas em um internato católico às vésperas do Natal. Em tempos de guerra e de escassez de suprimentos (e de esperanças), as meninas são procuradas por moradores dos arredores para orações e palavras de conforto - aliás, conforto que elas jamais parecem encontrar na irmã Fioralba (Alva Rohrwacher, irmã da diretora), a madre superiora que coordena o local num estilo meio fascista. Tanto que em uma sequência tão enternecedora quanto rígida, Fioralba proíbe as jovens de cantar e dançar uma canção de letra supostamente pervertida (melhor mesmo é ouvir as novidades sobre os soldados, as mortes e a guerra na rádio estatal).

Na noite do dia 24, as meninas interpretam uma espécie de presépio vivo - e a rigidez de seus movimentos, somada aos tons de voz quase imperceptíveis, fornecem o clima de tensão permanente com que elas convivem no local. E a situação só piora quando uma vizinha, em meio a uma súplica, presenteia as habitantes do internato com um bolo gigantesco onde, supostamente, teria utilizado 70 ovos em sua elaboração. Como resistir a essa tentação? A madre, sem muito constrangimento, demove as garotas da refeição - a oferta à Cristo como sinal de sacrifício é mais importante. Mas não podemos esquecer que em locais do tipo sempre haverá uma "rebelde" - papel que cabe, aqui, de forma meio involuntária à Serafina (Melissa Falasconi), uma pequena de olhos curiosos e modos tímidos. Mas o mundo dá voltas e o resultado é uma experiência levemente onírica, cheia de calor humano e que faz a crítica ao fanatismo religioso sem pesar a mão. E que ainda tem um final deliciosamente inesperado.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Curta Um Curta - An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It

De todos os indicados ao Oscar na categoria Animação em Curta-Metragem, talvez o que tenha a melhor história de bastidores seja o divertido e metalinguístico An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It (algo como Um Avestruz Me Disse que o Mundo É Falso e Acho que Acredito Nisso). Feito pelo cineasta em formação Lachlan Pendragon, o projeto foi concluído num período de dez meses em plena pandemia, como parte de seu trabalho de doutorado em Artes Visuais na Griffith Film School de Brisbane. E a chegada na principal premiação do cinema não é um acaso, já que Pendragon faturou, recentemente, o Student Academy Award, o que daria visibilidade à obra. 

 

 

Como fã de stop motion - e é mágico ver seu filme brincar com o estilo -, ele salientou, em entrevista à Variety, ser um grande fã dos Estúdios Aardman e de obras como A Fuga das Galinhas (2000) e Wallace e Gromit: A Batalha dos Vegetais (2005). Na mesma entrevista disse estar ansioso por conhecer o Guillermo Del Toro, especialmente por sua recente releitura do clássico Pinóquio. Já a sua obra propõe uma alegoria crítica ao mercado de trabalho e a rotina ordinária em cubículos mundo afora. Tudo isso a partir da história de Neil, um jovem operador de telemarketing que, em certo dia, é alertado por um avestruz - que surge de forma meio inesperada no escritório - de que a vida que ele vive não é real. É aquela misturinha de Matrix (1999) com O Show de Truman (1998), que tanto amamos. Detalhe: infelizmente o curta não está disponível no Brasil. Em nenhuma plataforma de streaming. Mas quem tiver disposto a vasculhar as redes, o encontrará.


terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Curta Um Curta - Como Cuidar de um Bebê Elefante (The Elephant Whisperers)

Um casal indiano - os carismáticos Bommam e Belli - resgata um bebê elefante órfão (e ferido) de nome Raghu, se esforçando ao máximo para que ele se torne um animal forte e saudável. A trama do curta em documentário Como Cuidar de um Bebê Elefante (The Elephant Whisperers) é de uma simplicidade comovente. O que não impede a pequena obra de cerca de 40 minutos, dirigida por Kartiki Gonsalves, de ser um verdadeiro elogio à importância da vida - de qualquer vida -, tendo como âncora o respeito à natureza e aos ecossistemas (e no sul da Índia são muitos os conflitos entre humanos e animais). Aqui o ponto alto é o afeto.

 


Riquíssimo em imagens aéreas, contemplativas, silenciosas, bucólicas, o filme acompanha a persistência e o otimismo sorridente do casal central que fortalecerá, com o passar do tempo, seus vínculos com esse simpático "filho meio improvisado" (e o fato deles também terem seus traumas a superar, torna tudo mais emocionante). Disponível na Netflix, a produção foi indicada ao Oscar 2023 na categoria Documentário em Curta-Metragem, apostando na ambientação harmoniosa e ritualística, e nas belas imagens, dignas de Discovery Channel, como algumas de suas fortalezas. É difícil ficar alheio. Ou não pensar na vastidão do mundo.

 

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Curta Um Curta - Save Ralph

Pouco menos de quatro minutos e uma mensagem poderosíssima. Assim pode ser encarado o excelente Save Ralph - animação em curta-metragem dirigida por Spencer Susser, que é dada como certa no próximo Oscar, em sua categoria (está na pré-lista). Na trama, conhecemos o simpático coelho Ralph (voz de Taika Waititi), que participa de uma espécie de documentário que tem o objetivo de mostrar um pouco da sua rotina como cobaia de laboratório. Como não poderia deixar de ser, a obra coloca o dedo na ferida em relação ao tema da utilização de animais em testes para cosméticos, com uma abordagem original e surpreendente - e entidades como a Humane Society International (HSI) promovem campanhas que visam a proibir a prática. Feito todo em stop motion e disponível no Youtube, o filme, desde sua estreia em abril de 2021, ampliou a conscientização global sobre esse tipo de crueldade, o que motivou milhões de pessoas ao redor do mundo a assinarem uma petição da HSI que visa a impedir ações do tipo. É o tipo de reflexão que nos tira da zona de conforto e, no mínimo, nos faz pensar.


quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Curta Um Curta - Eu Espero o Dia da Nossa Independência

Parte integrante do Cabíria Festival: Mulheres & Audiovisual - iniciativa que tem o objetivo de incentivar a diversidade e igualdade de gênero na indústria cinematográfica apoiando as contribuições de mulheres tanto à frente quanto atrás das câmeras - o Mubi exibe desde a última semana o curta documental Eu Espero o Dia da Nossa Independência. Co-produção Brasil-Argélia, o filme acompanha duas brasileiras - no caso as diretoras Bruna Carvalho Almeida e Brunna Laboissière - que, em maio de 2019, foram à capital do País africano, Argel, durante as manifestações conhecidas como Hirak, que lutam pela democracia e pela igualdade. No meio da multidão elas conhecem uma garota que se torna uma espécie de porta-voz da luta, em meio ao árido cenário, de prédios acinzentados e de domínio dos homens. Gravado com celular, o projeto mescla poesia com política e visa estimular roteiristas mulheres, ajudando a impulsionar o protagonismo feminino. Ou seja, por todo esse contexto vale demais conferir!



terça-feira, 8 de novembro de 2022

Curta Um Curta - Desvirtude

"Isso é um pedido de socorro / Você está aplaudindo / Eu tô me matando, porra! / Eu tô me matando, porra! / Eu tô me matando / Você tá aplaudindo e eu tô me matando". O estilo visceral de Baco Exú do Blues observado na suplicante canção En Tu Mira - que está presente no álbum Esu (nosso sexto colocado entre os melhores na lista de 2017) - combina perfeitamente com o curta-metragem Desvirtude, do qual integra a trilha sonora. Um dos lançamentos da semana na plataforma Mubi, o premiado filme da diretora gaúcha Gautier Lee coloca o dedo na ferida do racismo estrutural, mostrando como essa chaga pode emergir de onde, em tese, menos se espera. Durante uma apresentação de trabalho acadêmico, uma jovem negra sofre injúria racial de uma das professoras universitárias - crime previsto em Lei. Lidar com as consequências desse episódio sendo o lado vulnerável da equação (a docente, pelo visto é uma figura querida por todos, de reputação ilibada) será o dilema da protagonista, que se vê isolada não apenas pelos colegas, mas pela própria Instituição de ensino. Uma obra sobre injustiça, que supera uma ou outra dificuldade técnica com a potência de sua mensagem. Vale demais.