terça-feira, 28 de março de 2017

Pérolas da Netflix - A Estreita Faixa Amarela (La Delgada Línea Amarilla)

De: Celso R. Garcia. Com Damian Alcazar, Joaquim Cosio, Silverio Palacios e Gustavo Sanchez Parra. Drama, México, 2015, 95 minutos.

"Em um desmanche os carros vão para morrer. E eu estava pronto para morrer lá também. Mas, um dia, fui substituído por um cachorro". Essa frase um tanto melancólica é dita logo no começo de A Estreita Faixa Amarela (La Delgada Línea Amarilla) pelo protagonista Tonio (Damian Alcazar, visto na série Narcos). Desabafando com um amigo de longa data, ele fala das vicissitudes relacionadas ao mercado de trabalho e sobre a facilidade com que as empresas da iniciativa privada têm para demitir os seus empregados, se assim lhes der na telha. Ainda que, inicialmente, o debate principal dessa verdadeira pérola do cinema mexicano pareça ser esse, logo o tom muda e passamos a entender que a obra dirigida pelo novato Celso R. Garcia é muito mais sobre recomeços, sobre reencontros, sobre talvez buscar aquilo que já se considerasse perdido do que sobre desemprego, por exemplo. E é por isso que, paradoxalmente, a morte aguardada por Tonío, no começo da película, dará lugar a motivação para viver.

Ainda que o caminho trilhado, evidentemente, não seja fácil. Ao lado de outros quatro operários, o protagonista será contratado por uma empreiteira para pintar a faixa amarela central - aquela que serve de guia para os motoristas - por mais de 200 quilômetros de uma estrada que liga as cidades de San Jacinto e San Carlos. O trabalho renderá um bom dinheiro, mas deve ser concluído em apenas 15 dias - no caso, antes que chegue a estação das chuvas e com ela os desabamentos de terras que podem resultar em acidentes (condição traumática que já ocorrera no passado). Os homens são todos diferentes entre si, com seus sonhos, anseios, traumas, medos e arrependimentos, o que fará com que um pequeno fiapo de história, se transforme em um painel maior da sociedade, em que sentimentos como empatia, tolerância e respeito devem ser estimulados para que haja uma boa convivência.



Se já não bastasse a execução da tarefa ser complicada em meio ao sol escaldante, ao clima seco e as paisagens áridas, o grupo ainda passará por algumas surpresas, como o roubo de seu único veículo, o convívio com animais como cobras e a escassez de água. Sem apelar para um clima excessivamente desalentador, Garcia faz uma mescla de humor e drama na jornada desses cinco homens - o que transforma a obra em um curioso road movie a pé. Se os momentos de irritação de Tonío (quase) nos arrancam risadas por conta da ingenuidade das ações dos demais integrantes do grupo, a introspecção dos sujeitos, somada às revelações que vão sendo disponibilizadas em pequenas doses, tornam a experiência de assistir a obra algo não menos do que agradável. O que não significa necessariamente leveza, já que a alta carga dramática do filme poderá ser quase sufocante em seu terço final.

Utilizando a estrada e sua pintura como uma óbvia - ainda que inegavelmente criativa - metáfora para os caminhos que todos nós seguimos em nossas vidas, e que envolvem descobertas, sonhos e realizações que projetamos (e as marcas que nelas ficam), García ainda centra seu foco na lógica de que aquilo que queremos em nossas existências, em muitos casos depende exclusivamente de nós. Ou ao menos de nossos esforços. A curiosa inclusão de uma cachorra perdida na trama - Tonío odeia cachorros com todas as suas forças, especialmente após perder o "emprego" para um - será o estopim para que o protagonista reveja aquilo que fez em sua existência e repense algumas escolhas que podem estar relacionadas a mágoas e frustrações do passado. Mas não sem antes, ao lado do grupo, passar por uma situação extrema - e que envolverá uma rima visual não menos do que impressionante.


Em resumo, A Estreita Faixa Amarela é o tipo de obra que prova que não são necessárias grandes tramas, cheias de reviravoltas, para que haja bons filmes, capazes de discutir conceitos simples mas importantes - como amizade ou companheirismo. Não bastasse a fotografia belíssima - o calor dos homens em suas rotinas é palpável - o filme ainda toma por base o naturalismo, condição que sempre torna a experiência mais verossímil. Ainda mais se levarmos em conta as interpretações. (e essa é uma característica típica dos filmes latinos, com os atores tendo a aparência real das "pessoas" que estão caracterizando) Para quem procura um bom filme no serviço de streaming, este é um verdadeiro achado.

sábado, 18 de março de 2017

Disco da Semana - Real Estate (In Mind)

Poucas bandas alternativas da atualidade conseguem ter uma personalidade (ou uma identidade) tão própria quanto o Real Estate. No caso de In Mind, disco recém lançado pelos americanos de Ridgewood, Nova Jersei, bastam os acordes iniciais da graciosa e litorânea Darling - canção que abre o registro - para reconhecermos a guitarrinha marcante de Matthew Mondanile, pontuada pela bateria levemente abafada de Jackson Pollis e que, somada ao baixo de Alex Bleeker, ditam o ritmo da facilmente identificável "cozinha instrumental" - que é completada pelo tecladista Jonah Maurer e pelo vocalista Martin Courtney, que também toca guitarra. Sempre foi assim, desde o lançamento do homônimo trabalho de 2009. Ideia reforçada, depois, com a chegada dos essenciais Days (2011) e Atlas (2014), duas verdadeiras gemas - para não dizer obras-primas - do cancioneiro indie moderno.

Ouvir Real Estate é aconchegante. É suave. Macio. Faz bem pros ouvidos e pra mente. É uma banda agradável, que não agride. Os (metidos a) exigentes poderão dizer que, por isso, o quinteto possa soar excessivamente insosso, inócuo ou formulaico. Mas é justamente na economia, nas arestas bem aparadas, na ausência de excessos, que parece estar o segredo por trás da sonoridade acolhedora dos americanos. Escutar as suas melodias litorâneas, primaveris, assoviáveis ou mesmo adocicadas é mergulhar em um cenário colorido de final de tarde, em meio a natureza, ao lado das pessoas que gostamos. Experimente, hora dessas, colocar qualquer disco do Real Estate para quem não conheça o grupo - amigo, namorada, parente. Tenho absoluta certeza de que a maioria absorverá a sonoridade tão característica e afável da banda com um sorriso nos lábios.



Totalmente despreocupada em soar excessivamente inovadora ou inventiva, a banda entrega um registro que fará a alegria daqueles que já gostam de Courtney e companhia. Evidentemente, a repetição de fórmulas não significa necessariamente falta de criatividade já que, aqui e ali, em cada canto do trabalho, é possível encontrar um andamento diferente, um teclado bem sacado ou até mesmo um flerte com o rock anda roll raiz (Two Arrows), com o country (Diamond Eyes) ou com a psicodelia (Time). White Light, por sua vez, é Real Estate até o último fio de cabelo, além de ser candidatíssima a single nas rádios mais descoladas, com seu esqueminha estrofe-refrão-estrofe e sonoridade agridoce. Tudo completado pela letrinha à moda "romance juvenil" - White light in the morning/ Yellow afternoon/ Golden in the evening when you come home.

Com produção ainda mais caprichada (e limpa) do que nos caso dos garageiros registros anteriores, o presente trabalho poderá representar, ainda, uma excelente porta de entrada para aqueles ouvintes que ainda não haviam sido cativados pelo quinteto. Ainda mais se levarmos em conta a característica homogeneidade da banda - capaz de organizar as suas canções dentro de um disco, como se todas elas estivessem grudadas umas nas outras, formando uma espécie de "opereta" nostálgica, melodiosa e açucarada. Ainda que, eventualmente, os temas abordados nas canções - quase sempre reflexões irônicas e cotidianas sobre os relacionamentos - tenham, aqui e ali, a sua pitada de desolação. The birds singing/ The sun rising/ Impatiently/ As I wait for you canta Courtney na inaugural Darling, como quem clama por calmaria no coração. Uma das especialidades da banda, diga-se.

Nota: 8,6

quinta-feira, 16 de março de 2017

Encontro com a Professora - Os Maliciosos (série)

Está no ar uma sitcom britânica deliciosa! Trata-se de Os Maliciosos (Vicious), tradução mais uma vez péssima para o português. A série estreou em 2013. A comédia apresenta um casal gay que vive junto há quase cinquenta anos. Sir Ian McKellen e Sir Derek Jacobi estão impagáveis como Freddie, um ator decadente, e Stuart, que ainda esconde de sua mãe que é gay. Mas engana-se quem espera que o tema seja a homossexualidade.

A trama é sobre a velhice. A perda da beleza e do sucesso torna o casal amargo, incapaz de, na maioria das vezes, demonstrar o amor que sente pelo parceiro. Mas a brutalidade das palavras deixa transparecer o medo diante do inexorável. No apartamento que mantém o clima dos anos áureos, desfilam a amiga Violet, a desmemoriada Penélope e o ranzinza Mason. Impagável também é a (não) presença de Balthazar, o cão moribundo. Ash, um jovem que mora no apartamento de cima, traz um pouco de ar fresco para a vida do grupo.


No primeiro episódio, as atuações de McKellen e Jacobi são bem teatrais. No começo, isso me pareceu um problema. Por fim, deduzi, talvez tendenciosamente, que está relacionado com o lugar em que as personagens se colocam para seguir a vida. Eles criam, na casa, um palco para o tempo em que tudo era perfeito.

Falando assim, parece um drama existencial. E talvez seja. Mas a gente ri sem parar, às vezes com certo incômodo. E é muito bom ver uma comédia que, sem ser politicamente correta, não é desrespeitosa. O fato de McKellen e Jacobi serem assumidamente homossexuais e obviamente idosos dá uma credibilidade aos personagens e, sobretudo, acrescenta ternura. Quando Freddie diz que se sente como uma casa mal-assombrada por causa do barulho das suas articulações, cada ruga do ator provoca empatia na gente.

De minha parte, série recomendadíssima! Fazia anos que não gargalhava diante da TV.


Texto: Rosane Cardoso

segunda-feira, 13 de março de 2017

Lado B Classe A - Jens Lekman (Night Falls Over Kortedala)

O sensacional álbum Night Falls Over Kortdedala (2007), do sueco Jens Lekman, mantém o ouvinte, no decorrer de seus 50 minutos, preso em um microcosmo ensolarado, adocicado, nostálgico - como se pudéssemos, em suas doze músicas, estar no limite entre um musical hollywoodiano e a apresentação de uma orquestra barroca. É um trabalho classudo ao emular a música erudita e toda a sua riqueza instrumental e, ao mesmo tempo, acessível no flerte com o cancioneiro pop de rádios light dos anos 80. Nesse sentido, poucas vezes um disco foi tão recheado de elementos, quer fosse em suas letras irônicas e repletas de figuras de linguagem ou no instrumental grandioso - com o uso de violino, piano, xilofone, acordeão e outros. E tudo isso sem soar presunçoso ou inacessível. Pelo contrário, o registro, segundo da carreira de Lekman, consegue a rara proeza ser ao mesmo tempo sofisticado e radiofônico, nobre e palatável.

Ouvir o disco é mergulhar em um cenário absolutamente romântico e suave que transforma cada curva do trabalho, cada entalhe sonoro e cada refrão pegajoso, em um verdadeiro afago capaz de mexer com a memória auditiva de qualquer ouvinte. É como se já tivéssemos escutado aquilo antes - e talvez já tenhamos e nem nos lembremos. Se pegarmos, por exemplo, os delicados, sutis e quase infantis arranjos da exuberante It Was a Strange Time In My Life, se torna praticamente impossível não recordar a composição Morning do norueguês Edvard Grieg, e que integra a peça teatral Peer Gynt, escrita por Henrik Ibsen. Propositais ou não, resgates como este, que aparecem em vários outros momentos - com o uso de corais de vozes, palminhas, estalos de dedos e outros efeitos diversos - são capazes de fazer sorrir até o mais sisudo dos apreciadores da boa música pop. Afinal de contas, música pop, como sabemos, também pode ser arte.


Com voz grave e ao mesmo tempo aveludada, o sueco canta como se fosse uma espécie de Morrissey, mas se o vocalista dos Smiths fosse mais afeito às alegrias proporcionadas pela vida. Ainda que sofra, Lekman não esquece de dividir responsabilidades no que diz respeito a relacionamentos fracassados, como no caso da divertida e bela Sipping On The Sweet Nectar - Então lamba os seus lábios/ Esses são os bons momentos que você vai sentir falta, canta ele no saboroso refrão com a confiança inabalável. Outro momento imperdível é na canção The Opposite Of Hallelujah, uma música tão grudenta, mas tão grudenta, que poderia fazer os Beatles da fase Ié Ié Ié até se envergonharem. Mas música chiclete, aqui, jamais significa obviedade: os arranjos sempre primaveris, a letra ao mesmo tempo desalentadora e engraçada - Peguei uma concha/ Para ilustrar minha falta de abrigo/ Mas um caramujo saiu de lá de dentro - e o refrão cheio de trucagens são enriquecidos em seus elementos, com a presença de instrumentos que fogem da previsível trinca guitarra, baixo e bateria.

Até mesmo quando soa excessivamente brega - como no caso da andina e carnavalesca (com sua percussão marcante) Into Eternity, Lekman consegue comprovar a tese de que esse disco nasceu para ser apreciado na íntegra, uma vez que sua homogeneidade latente não deixa dúvidas quanto a sua qualidade, ou mesmo de seu valor enquanto unidade. I'm Leaving You Because I Don't Love You, If I Could Cry, Your Arms Around Me, Friday Night At The Drive-In Bingo... são tantas as canções ao mesmo tempo épicas e encantadoras, que parecem dialogar com tantos períodos diferentes da música, que fica quase difícil tentar traduzir em texto o verdadeiro caleidoscópio sonoro promovido pelo compositor em cada uma de suas doze canções. É daqueles discos que já te "pega" de primeira e que vai crescendo a cada nova audição. Se você ainda não conhece o artista - era o meu caso, há até pouco tempo atrás - esse trabalho, que, na época de seu lançamento, recebeu nota 9 dos exigentes do Pitchfork, é certamente uma excelente porta de entrada.

Novidades em DVD - A Corte (L'Hermine)

De Christian Vincent. Com Fabrice Luchini, Sidse Babett Knudsen e Corinne Masiero. Comédia / Drama, França, 2016, 98 minutos.

Filmes que abordam os relacionamentos de maneira sutil podem até não ser tão divertidos, mas muitas vezes são extremamente realistas - ainda mais se levarmos em conta o fato de que, na vida, nem tudo é tão simples como parecem ser as comédias românticas de Hollywood. Lembro até hoje do ótimo Vestígios do Dia (1993), filme de James Ivory lançado em 1993, que mostrava a singela relação entre um mordomo e uma governanta em uma mansão da Inglaterra vitoriana, no século dezenove - interpretações exemplares, diga-se, de Anthony Hopkins e Emma Thompson. Era um romance nunca óbvio, marcado por silêncios, por olhares, por detalhes minuciosos e de grande riqueza estética, capazes de evidenciar ou sugerir a paixão entre os protagonistas que, no fim das contas, mais pareciam preocupados com os seus afazeres do que com as suas vidas pessoais. Mas como não ser afetado, em nosso dia a dia, no nosso trabalho, nas nossas rotinas, por aqueles(as) que amamos?

É exatamente esse o caso do excelente A Corte (L'Hermine), que chega agora em DVD. Fabrice Luchini (sempre ótimo) é o rígido juiz Racine, homem de modos pouco gentis e reconhecido pelo estilo impiedoso nos tribunais - estando sempre disposto a aplicar sentenças duras em seus julgamentos. Perto de julgar um caso de infanticídio envolvendo um casal, Racine vê a situação mudar de figura quando reconhece entre as integrantes do juri, uma mulher de nome Ditte (Sidse Babett Knudsen), que parece ter tido algum envolvimento com ele, no passado. Mas, inicialmente, é tudo nebuloso: Racine recém saiu de um divórcio e, pra piorar, anda com um forte resfriado. A presença de Ditte claramente lhe abala, lhe causa um misto de desconforto e surpresa. Talvez até algum incômodo. Os motivos para isso só ficarão claros para o espectador a partir do segundo terço da película.



Sem muita pressa para desenvolver a história, o diretor Christian Vincent (do razoável Os Sabores do Palácio) parece muito mais interessado em nos mostrar como podemos ser afetados, em nosso dia a dia, pelas pessoas (sejam elas muito conhecidas ou não) do que em transformar esta em uma grande história de amor, com começo, meio e fim bem delimitados. O pano de fundo de um tribunal - a ação se passa durante dois ou três dias do julgamento - acaba sendo o cenário perfeito para que, metaforicamente, também exercitemos, enquanto espectadores, a ação de "julgar". E se Racine, inicialmente, parece um sujeito intragável, aos poucos passamos a entender as suas motivações - muitas delas tomadas por uma série de frustrações em sua vida, que funcionam como um contraponto exato para o alto cargo hierárquico que ocupa. E, assim, também mudamos, ao menos em partes, as nossas percepções em relação a ele - ainda mais ao percebermos como lhe afeta o amor, um sentimento tão humano.

Contando com valiosas interpretações da dupla central, o filme ainda tem excelente elenco secundário, que se esmera para tornar o filme ainda mais atraente do que já é - e ver um "corpo de jurados" tão diversificado, debatendo suas próprias vidas em uma mesa de restaurante, em uma das melhores sequências da película, é não menos do que sensacional! Da mesma forma, as interações de Ditte com a sua filha - que foge do estereótipo da adolescente rabugenta - e desta com Racine, também conferem à obra uma doçura quase inesperada e, até mesmo, ingênua, na abordagem dos relacionamentos. Isso quando o filme - que faturou os prêmios de roteiro de de ator (para Luchini), no Festival de Veneza - parece sobre relacionamentos, já que na maior parte do tempo vemos o tribunal, seus jargões, seus códigos de conduta, suas hierarquias e seus integrantes... mas a intenção nunca é ser óbvio. E é justamente por isso que esse filme, pleno de significados, merece ser visto.

Nota: 8,0

terça-feira, 7 de março de 2017

Lançamento de Videoclipe - The xx (Say Something Loving)

Quem acompanha com atenção o mundo da música sabe que o The xx lançou um dos melhores - pra não dizer o melhor - discos do ano até o momento. Intitulado I See You, o registro é muito mais acessível do que os anteriores - e igualmente ótimos xx (2009) e Coexist (2012) -, tendo caído nas graças do público especialmente por esta característica. Não é por acaso que as canções do trabalho têm sido executadas nas rádios mais descoladas - como é o caso da nossa Univates FM 95.1, aqui de Lajeado. Empenhado em divulgar o registro, o trio britânico - que estará no Lollapalloza 2017 - já havia lançado um videoclipe para a maravilhosa canção On Hold. Pois nesta terça-feira foi a vez de Say Something Loving, receber o seu registro visual. O clipe é dirigido por Alasdair McLellan e alterna cenas da noite londrina com outras da banda tocando em um fundo azul. Bora clicar que valeu muito a pena conferir!

Cine Baú - Psicose (Psycho)

De: Alfred Hitchcock. Com Janet Leigh, Anthony Perkins, Vera Miles e John Gavin. Suspense, EUA, 1960, 108 minutos.

Poucas vezes o conceito de plot twist - a famosa mudança radical ou inesperada na narrativa - foi tão bem empregado na história do cinema, como no clássico Psicose (Psycho), dirigido por Alfred Hitchcock em 1960. E TAMBÉM por isso, a obra-prima protagonizada por Janet Leigh e Anthony Perkins consiste-se em uma das mais inesquecíveis e engenhosas tramas de todos os tempos. Normalmente lembrado pela "cena do chuveiro" - aquela em que a protagonista Marion Crane (Leigh) é brutalmente esfaqueada por uma enigmática figura que aparenta ser a idosa que administra o hotel ao lado do filho -, o filme é tão rico do ponto de vista psicológico, tão surpreendente no que diz respeito a sua edição e a seus arcos dramáticos, que o próprio Mestre do Suspense aparecia antes dos créditos iniciais da película, com o objetivo de solicitar aos espectadores que não revelassem as surpresas do roteiro àqueles que ainda não haviam visto a obra.

Ainda que a recepção da crítica tenha sido morna na época, Psicose viria a se tornar um marco - com direito a quatro indicações ao Oscar. O filme começa com Marion roubando 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha, com o objetivo de, aparentemente, se juntar ao namorado em um plano que não fica muito claro para o espectador. Com a intenção de fugir de um desconfiado policial e tentando não deixar rastros, a protagonista entra em uma estrada alternativa, onde, após passar por uma forte tempestade, vai parar no famoso Bates Motel. Lá, ela é amistosamente recebida pelo gerente, um jovem simpático que responde pelo nome de Norman, que lhe acomoda no quarto que fica junto à recepção. Ainda que os modos de Norman pareçam afáveis, há algum mistério no ar: sensação que se acentua quando a protagonista escuta uma forte discussão entre ele e aquela que parece ser a sua mãe, que vive em uma espécie de casarão que fica junto ao hotel.



E é justamente ao pensarmos que a trama girará em torno da procura da polícia pela "fugitiva" - que pretende aplicar o golpe durante um final de semana -, que ocorre a primeira, genial e inesperada virada: é o momento em que Marion morre assassinada na já citada cena do chuveiro. Que ideia é essa de matar a protagonista com pouco mais de 40 minutos de filme, é o que TODOS que assistiram o filme na época - e assistem até hoje - pensam, ao presenciar a sequência. Ignorando a importância dos 40 mil dólares (tudo vai, literalmente, por água abaixo no plano de Norman para acobertar as ações da mãe), Hitchock dá um giro de 360º na trama e passa a centrar a ação na busca dos parentes de Marion - o namorado Sam Loomis (John Gavin) e a irmã Lila (Vera Miles) - pelo seu paradeiro. O que inclui uma frustrava incursão do detetive Milton Arbogast (Martin Balsam), no mesmo hotel.

Rico não apenas em sua trama elaborada, mas também na atmosfera de suspense construída, o filme ainda sufoca o espectador ao mostrar cada canto ou mesmo os cômodos do hotel como espaços muitas vezes pequenos, precariamente iluminados e claustrofóbicos - e, nesse sentido, é praticamente impossível não sentir calafrios quando, por exemplo, Norman espiona Marion por um pequeno buraco que dará em seu quarto. A sensação onipresente de mistério em relação as ações da "dupla" que administra o hotel é ampliada não apenas pelo comportamento estranho e aparentemente esquizofrênico de Norman, mas também pelo senso de autopiedade que envolve as curiosas interações deste com a mãe - uma mulher superprotetora, mas tomada por sentimentos ameaçadores em relação ao filho, que sempre parece disposto a atender os desejos da genitora. Todo este contexto, ainda é reforçado pela trilha sonora absolutamente inesquecível e icônica concebida por Bernard Hermann.


Lançado em 1960, Psicose foi o símbolo de uma das fases mais férteis de Hitchcock, que vinha de dois grandes sucessos de crítica - Um Corpo Que Cai (1958) e Intriga Internacional (1959) - e ainda lançaria mais adiante Os Pássaros (1963), outro clássico muito querido pelo público. Escolhido o 18º melhor filme estadunidense da história, em lista elaborada em 1998 pelo American Film Institute (AFI), o filme, com seus ângulos de câmera oblíquos (como na cena em que Perkins masca um chiclete diante do delegado que lhe interroga), suas trucagens cênicas (como no caso do rosto "escurecido" de Lila, diante de uma má notícia) e sua fotografia em um irrepreensível preto e branco (proposital, para não chocar as plateias), ainda é objeto de estudo em centenas de salas de aula mundo afora, sempre capazes de se surpreender com o brilhantismo dos procedimentos adotados pelo diretor inglês. Se você ainda não é um adepto dos clássicos, mas quer começar essa saborosa viagem, tenha em mente o fato de que um mergulho na filmografia do Mestre do Suspense representa uma viagem (praticamente) sem volta. E absolutamente saborosa para qualquer cinéfilo.

quinta-feira, 2 de março de 2017

Picanha.doc - Life, Animated

De: Roger Ross Williams

Indicado ao Oscar na categoria Documentário e disponível na Netflix, o longa Life, Animated não é apenas uma história de superação: também é um filme sobre o poder transformador da arte. E sobre como ela pode ser, para além de um entretenimento eventualmente formalista, complemento, inclusive, para tratamentos médicos relacionados aos mais variados distúrbios neurológicos (não que isso seja regra, evidentemente). Na trama, o pequeno Owen é uma criança como qualquer outra: brincalhona, alegre, curiosa. Mas algo ocorre por volta dos três anos de idade, quando o menino é diagnosticado com autismo, o que faz com que a sua personalidade "desapareça" - assim como a plena capacidade motora ou de fala. Os pais, Ron Suskind - jornalista premiado com o Pulitzer e escritor do livro no qual a obra se baseia - e Cornelia procuram toda a ajuda médica que possa apontar para uma possível "cura" do menino. Mas sem sucesso.

A situação muda quando a família está assistindo pela vigésima vez o filme A Pequena Sereia - as obras da Disney são uma paixão de Owen desde bebê - e percebe o fato de que o menino tenta reproduzir uma das falas da animação. Isto depois de ficar vários anos sem proferir uma só palavra sequer. Em meio as lágrimas os pais percebem ali um fio de esperança. E passam a utilizar obras como O Rei Leão, Alladin, Mogli O Menino Lobo, Peter Pan e Bambi para se "comunicar" com o menino. A lembrança de Ron sobre a primeira vez que se fantasiou de Iago (papagaio que acompanha o vilão de Alladin) e sobre como conseguiu arrancar dele algumas frases sobre a importância da amizade é daquelas de fazer chorar até o mais duro dos corações. E sequências deste tipo não são poucas na obra do diretor Roger Ross Williams.



Não bastasse a montagem absolutamente dinâmica do filme, que realiza idas e vindas no tempo, com riquíssimas imagens de arquivo, com outras da família na atualidade - as participações do irmão também são importantes -, a obra ainda utiliza a própria arte a qual presta uma espécie de "homenagem" (no caso, a animação) para construir sequências que enchem a existência de Owen, bem como sua fértil imaginação, de significados. E poder, de fato, assistir a animação escrita pelo então menino - na atualidade um jovem adulto de 23 anos -, que se inspira em seus heróis para ele mesmo criar um protagonista que ajuda os "parceiros" (sidekicks) contra um terrível vilão que sopra uma espécie de nuvem de melancolia sobre os protagonistas não é nada menos do que sensacional. Ainda mais por sermos conhecedores da personalidade complexa, introspectiva e silenciosa do jovem, após o diagnóstico da doença.

Valioso também por não deixar com que Ron seja o exclusivo interlocutor de sua história, o documentário ainda se enche de brilho por permitir ao próprio Owen as suas espirituosas observações sobre a vida, sobre o mundo e até sobre relacionamentos ou outras paixões. Enfim, Owen existe! Assim, ainda que a família tenha ficado emocionalmente devastada quando do diagnóstico da doença, não deixa de comover o fato de, no terço final, todos tratarem o rapaz como um jovem como qualquer outro, independente e com vontades próprias. Melancólica e divertida em igual medida, a obra fala ainda da importância do amor e da harmonia familiar na busca pela superação de dificuldades. Ron e Cornelia nunca abandonaram Owen. Ao contrário, entraram eles em seu mundo. Se transformaram em princesas, vilões e animais falantes. E, assim, conseguiram se reconectar com aquele que mais amavam. Tocante é pouco.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Pérolas da Netflix - Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo (I Don't Feel At Home In This World Anymore)

De: Macon Blair. Com Melanie Lynskey, Elijah Wood e Jane Levy. Comédia dramática, EUA, 2017, 93 minutos.

Sartre já dizia que "o inferno são os outros" e a impressão que temos, já no começo do filme Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo (I Don't Feel At Home In This World Anymore) é a de que a sentença faz todo o sentido. Na trama, Melanie Lynskey é Ruth, uma enfermeira que não aguenta mais o mal estar da modernidade, onde o individualismo e a falta de empatia parecem ser a ordem do dia, com pessoas passando as outras para trás em filas preferenciais do supermercado, não cedendo a vaga para pedestres em faixas de segurança e, ainda, com homens que ignoram as fezes de seus cachorros em jardins alheios. Gentileza gera gentileza já diz um outro ditado. Mas no mundo desalentador em que Ruth se encontra - que no fim das contas, é o de todos nós - ninguém se importa com ninguém: o que vale é estar bem, sem levar em conta o bem-estar do outro.

Mas será que não estamos fazendo julgamentos precipitados e ignorando também o NOSSO comportamento nessa equação que envolve o bem-estar geral do mundo? Quando Ruth tem a sua casa invadida por ladrões que reviram todos os seus pertences para levar um notebook e um conjunto de talheres e louças que está na família há várias gerações, a moça vai até a polícia, que não parece fazer muito caso do ocorrido. Decidida a fazer justiça com as próprias mãos, Ruth vai ao encontro de um excêntrico vizinho fã de artes marciais e heavy metal (Elijah Wood), para tentar reaver os seus objetos na marra. Bom, sem falar demais para não estragar as divertidas surpresas do roteiro dessa verdadeira pérola - vencedora do prêmio do Júri no mais recente Festival de Sundance -, o que se pode dizer é que essa simples decisão de Ruth desencadeará um "efeito cascata" que poderá comprovar o fato de que o inferno, no fim das contas, somos todos nós.



Bebendo diretamente na fonte de diretores como Quentin Tarantino e os Irmãos Coen, o estreante Macon Blair não poupa o espectador do nonsense, chegando no limite do absurdo em algumas cenas. E, mesmo em meio a trilha de violência gerada por Ruth, será praticamente impossível conter o riso involuntário em algumas sequências - como naquela em que a dentadura de um dos vilões voa longe após este receber uma pancada ou mesmo diante das curiosas e excêntricas reações de Tony (o personagem de Wood). E, mesmo sendo pessimista na maior parte do tempo, Blair estabelece a relação entre Ruth e Tony de forma fluída e divertida, o que possibilita conferir ao menos um fio de esperança no que diz respeito a relação entre sujeitos no mundo - e sobre como podemos mudar de opinião a respeito desta ou daquela pessoa que tenhamos conhecido.

Trazendo ainda uma série de coadjuvantes hilários - como o detetive deprimido pelo fim do relacionamento William Bandix (vivido por Gary Anthony Williams) ou a dondoca esposa do chefão da máfia local Meredith (Christine Woods) - a obra funciona justamente por não pretender ser mais do que ela realmente é - e isso fica claro pelo subtexto, que passa apenas de raspão pelas reflexões a respeito de um mundo mais justo, empático e tolerante. (e confesso que, em partes, achei uma pena esse arco dramático ter sido completamente abandonado, ao menos de maneira DIRETA, na segunda metade da projeção)  Ainda assim, Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo é um filme leve, engraçado e que, disponível na Netflix, merece ser visto.