terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Novidades no Now/VOD - Pacarrete

De: Allan Deberton. Com Marcélia Cartaxo, João Miguel, Soia Lira e Zezita Matos. Comédia dramática, Brasil, 2019, 97 minutos.

Talvez de forma meio involuntária, Pacarrete acaba sendo uma grande homenagem àquelas figuras pitorescas que habitam as pequenas cidades Brasil afora. Cada qual tem a sua - figuras excêntricas, extravagantes, cheias de idiossincrasias que ajudam a formam o folclore municipal. Quem mora aqui em Lajeado, no Rio Grande do Sul, sabe que também temos as nossas - quem não se recorda do falecido Aldino e seu carrinho de mão? Vivida de forma visceral pela premiada Marcélia Cartaxo, a Pacarrete do título é uma professora de dança aposentada, que mora em um casarão cheio de penduricalhos com a irmã Chiquinha (Zezita Matos) e com a empregada Maria (Soia Lira). Maníaca por limpeza, rigorosa e ranzinza, a protagonista passa os dias às turras com os demais moradores - especialmente as crianças da vizinhança de Russas, Ceará (onde se passa a ação) -, enquanto se empenha em manter a calçada de sua casa asseadíssima e as floreiras bem organizadas. É o tipo de figura da burguesia decadente que mantém hábitos elegantes que, para muitos, podem soas apenas arrogantes ou presunçosos.

Mas mesmo estando em constante briga com a comunidade, Pacarrete pretende presenteá-la com uma apresentação de balé que deverá ocorrer (ou deveria, ao menos), durante a ampla agenda que marca as festividades dos 200 anos de emancipação política do município. Só que para conseguir o aval para que o seu show possa ser incluído na "agenda", Pacarrete entrará em uma verdadeira disputa com a Prefeitura local - e com suas lideranças, muito mais preocupadas em entregar espetáculos populares de forró ao seu público (o que é justíssimo, por sinal) do que alguma extravagância cultural que poderia soar apenas como elitismo. Em meio às angústias que marcam a indefinição sobre a inclusão ou não da apresentação - a população também não parece muito interessada em música clássica ou dança -, a protagonista solicitará a confecção de uma nova roupa de bailarina à costureira local, ao mesmo tempo em que retomará os ensaios visando à grande noite.

E a história é basicamente essa e não deixa de ser fascinante como um fiapo narrativo pode se ocupar de desvendar tantos subtextos - que podem ir da infinita discussão sobre os limites da arte (que colocam ainda em lados opostos o popular e o erudito), passando pela velhice, pela solidão e pela necessidade de encarar a inevitável finitude, até chegar na importância de se valorizar as pequenas ações. Sobre este último item, certamente não será difícil de se emocionar em sequências que envolvem um simples bolo de fubá, a adoção de um cachorro ou mesmo escutar uma música nostálgica na companhia de um familiar. Pacarrete pode passar o filme todo aos berros, angustiada - e as inflexões vocais que reforçam o "azedume", feitas por Cartaxo, não são menos do que soberbas -, mas refletem toda a solidão sentida por ela, em um mundo que não parece lhe compreender. E é por isso que os instantes em que o personagem de João Miguel aparece se tornam tão adoráveis, tão leves.

Com excelente desenho de produção - vale a pena observar os detalhes dos cenários (até quadro das "crianças que choram" aparece perdido em uma parede) -, a película de estreia do diretor Allan Deberton bebe na fonte de clássicos como O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962) ao retratar uma figura bastante histriônica e muito carismática, que sonha em reviver os tempos gloriosos de um passado que não retorna mais. E, confesso que as incertezas sobre a personalidade complexa de Pacarrete só tornam a experiência ainda mais satisfatória - o que é complementado pela ausência de flashbacks, o que nos deixa meio no "escuro" em relação a sua verdadeira história. E isso é bom. Com Marcélia Cartaxto dando um verdadeiro show - ela aparece em simplesmente TODAS as cenas -, a obra, grande vencedora do Festival de Gramado de 2019, ainda se vale de sua graciosa trilha sonora como mais um trunfo. O que, inevitavelmente, nos retirará da projeção com lágrimas nos olhos.

Nota: 8,5

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