quinta-feira, 22 de abril de 2021

Picanha.doc - Collective (Colectiv)

De: Alexander Nanau. Documentário, Luxemburgo / Romênia, 2019, 109 minutos.

O dia 30 de outubro de 2015 foi marcado por uma tragédia que abalou a população da Romênia: nessa data, um incêndio na boate Colectiv, na capital Bucareste, matou 27 pessoas, levando outras dezenas de vítimas para o hospital. Só que o que era pra ser o período de recuperação para muitos pacientes que sofreram queimaduras ou intoxicações com fumaça se tornou uma calamidade ainda maior, quando mais 38 pessoas vieram a óbito nos meses seguintes. O que esse pesado e mais do que necessário documentário mostra é como uma equipe do jornal Sports Gazette desvendou um esquema bilionário de corrupção envolvendo o precarizado sistema de saúde do País - com o descaso de governo, de representantes de hospitais e de empresas que deveriam fornecer materiais de limpeza, sendo determinantes para o desfecho trágico do fato. O resumo é que as pessoas jamais deveriam ter morrido após terem sido salvas da noite na boate. Mas morreram. E as circunstâncias são escabrosas. Revoltantes.

Aliás, é simplesmente impossível não pensar no Brasil, enquanto acompanhamos o desenrolar da narrativa, que começa com uma notícia bombástica envolvendo a empresa responsável por vender para o Governo o anti-séptico que auxiliaria os pacientes na manutenção de sua higiene, evitando infecções hospitalares e outras doenças. Só que o que a equipe de jornalismo do Sports Gazette descobre é que o produto que estava sendo adquirido para este propósito, vinha sendo diluído em uma proporção que o tornava apenas 10% eficaz. Resumo da ópera: os pacientes vindos da Colectiv não morreram pelos efeitos do incêndio. E sim por bactérias, larvas e outros microorganismos que se instalaram em seus corpos fragilizados, em meio ao período de convalescença, os levando ao óbito. Um escândalo que talvez não se assemelhe ao descaso do governo brasileiro no que diz respeito às medidas de contenção da pandemia de covid-19. Mas que chega perto.

Por que o que se vê a partir das revelações publicadas na imprensa é uma verdadeira enxurrada de notícias calamitosas, que tornam a situação ainda mais revoltante para quem acompanha. Lideranças que deveriam primar pela saúde e pelo bem-estar da população envolvidas em uma série de fraudes, como, hospitais com licença de operação, mas que não tinham condições para certos tratamentos (como o de queimados), propagandas enganosas sobre a excelência do sistema de saúde romeno e até políticos e outros líderes governamentais recebendo propinas e outros desvios financeiros de aplicações que deveriam ir para hospitais. No fim, o que o grupo de jornalistas vai desnovelando, conforme avança sobre a investigação, é um esquema histórico de negociatas, que remonta ao governo do socialista Nicolae Ceacescu. O sistema é podre. E está todo contaminado. E pessoas que não deveriam morrer, morrem. Vocês sabem como é (estamos no Brasil).

Trata-se ao cabo de um documentário super bem produzido e editado, intercalando passagens que envolvem o trabalho dos jornalistas - que fazem ligações, se aprofundam em documentos e buscam fontes, quase à moda de um Todos Os Homens do Presidente (1976) -, com sequências em gabinetes de políticos, como o Ministro da Saúde, que é trocado no meio do caminho, em meio a uma circunstância também trágica. Em paralelo, acompanhamos o esforço de superação da tragédia de uma sobrevivente, enquanto utiliza um braço mecânico, se recupera das queimaduras, e serve quase como uma espécie de "propaganda involuntária" do Governo. É uma obra completa que, não por acaso, recebeu duas indicações ao Oscar, nas categorias Documentário e Filme em Língua Estrangeira. O tom é pessimista, dolorido, desalentador. Mas o exercício de jornalismo de excelência é o que fica como lição, especialmente para o País que assiste, de forma meio letárgica, milhares de mortes por dia em meio à pandemia. Quantas dessas seriam evitáveis?

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