segunda-feira, 22 de março de 2021

Picanha.doc - Professor Polvo (My Octopus Teacher)

De: James Reed e Pippa Ehrlich. Com Craig Foster. Documentário / Aventura, Singapura, 2020, 85 minutos.

Preciso ser sincero com vocês: não achava que uma obra sobre a amizade entre um homem e um polvo pudesse ser possível. E não só é, como Professor Polvo (My Octopus Teacher) é um filme maravilhoso, sensível, tocante, evocativo e bucólico, que nos faz mergulhar - com o perdão do trocadilho - em um universo completamente desconhecido, para nos deixar quase tão revigorados quanto o protagonista Craig Foster. Fotógrafo e documentarista, Craig era o sujeito comum que, como muitas pessoas, estava estressado com a rotina. Diagnosticado com fadiga adrenal - uma condição que gera dor no corpo todo, dificuldade para concentrar, vontade de comer alimentos muito salgados ou cansaço persistente - o homem driblou a depressão, com longas sessões de mergulho numa belíssima praia isolada no extremo Sul da África (próxima ao Cabo das Tormentas).

Será nesse local meio paradisíaco, que Craig voltará a encontrar a paz que tanto procurava. Em sessões de mergulho silenciosas, bentônicas, quase místicas, o fotógrafo passará a observar o dia a dia de tubarões, de caranguejos, de peixes, de algas, conchas e sedimentos, numa terapia bastante intensiva que envolve um mar com temperatura inferior a 8ºC e uma explosão de cores, formatos, tamanhos. Excêntrica, curiosa, a fauna marítima - um verdadeiro festival de variedades -, passa a ser observada também pela lente da câmera do fotógrafo, que volta a se sentir estimulado a realizar aquilo que sempre amou. E esse sentimento se intensifica quando ele é atraído por um bizarro animal que utiliza a própria floresta de algas, as tocas, as pedras, ou outros itens do plâncton para se camuflar. É na repetição diária das visitas que se estabelecerá uma relação de confiança entre o homem e o molusco.

Só que o que poderia soar como apenas contemplação aborrecida em um daqueles documentários vistos em canais específicos, se transforma, nas mãos de Craig, não apenas em uma curiosa jornada de amizade, mas também em um verdadeiro exercício de gênero. Da desconfiança inicial do animal, até o momento em que ele se arrisca a "tocar" o braço do protagonista com um de seus tentáculos cheios de ventosas, somos inundados por sensações que nos levam a ficar tensos, que nos fazem sorrir e que nos comovem. Hábil no uso da trilha sonora e na hora de escolher os melhores "ângulos" de câmera, Craig dá um verdadeiro show ao equilibrar aquilo que assistimos, com a sua vertiginosa narração em off. As sequências em que a nossa heroína marinha precisa escapar de tubarões predadores ou mesmo o instante em que ela parece se divertir com um cardume de peixes são verdadeiros prodígios visuais, com o documentarista utilizando à perfeição o seu desenho de produção naturalista, vívido.

Não por acaso, sequências como aquela em que o polvo precisa saltar para fora das águas para fugir de um de seus predadores, enquanto ouvimos um sôfrego barulho de respiração em meio a câmeras trepidantes e em close, conferem movimento e dramaticidade a narrativa. Mais ou menos como se o mergulhador nos alertasse, o tempo todo, para o fato de que essa amizade pudesse ser interrompida intempestivamente, sem muita explicação e sem muito motivo. E é dessa forma que a obra ganha força, como já disse antes, em termos narrativos. Craig deseja que sua amiga fique viva o máximo de tempo possível, nesse ciclo aquático bastante aleatório. Mas também não pode lutar contra a natureza das coisas. Diferentemente do que acontece com a sua fadigada existência que, depois de passar quase um ano visitando diariamente um polvo, passa a ter novo sentido. A ponto de o mergulhador criar uma comunidade - a Sea Change Project - que defende florestas marítimas como aquela que se torna cenário de seu filme. Emocionante é pouco.

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