terça-feira, 2 de março de 2021

Cinema - Judas e o Messias Negro (Judah and the Black Messiah)

De: Shaka King. Com Lakeith Stanfield, Daniel Kaluuya, Jesse Plemons, Dominique Fishback e Martin Sheen. Drama, EUA, 2020, 126 minutos.

Os eventos que viriam a desencadear o covarde assassinato do líder ativista do partido dos Panteras Negras, Fred Hampton, é o fio que conduz a narrativa do espetacular Judas e o Messias Negro (Judah and the Black Messiah) - mais um daqueles filmes que deve ser figurinha fácil na edição do Oscar desse ano. Em tempos em que o preconceito e a violência contra os negros parecem ser "legitimados" pelo comportamento bélico de figuras como o ex-presidente norte americano Donald Trump - que descreve manifestações de movimentos como o Black Lives Matter como "terrorismo doméstico", numa espécie de subversão da lógica que beira o delírio -, uma obra como esta, dirigida por Shaka King, se torna ainda mais relevante e atemporal. Afinal de contas, não seria nenhum exagero comparar aquele turbulento ano de 1968, cheio de acontecimentos históricos, com o nosso pandêmico, caótico e recém concluído 2020. O racismo estrutural, afinal de contas, segue em alta. 

Atribuída ao revolucionário Che Guevara, a frase "as palavras são lindas, mas a ação é suprema" ecoa nos bastidores e em cada reunião dos Panteras Negras. O FBI acompanha à distância esse movimento e as progressões feitas. E para tentar estar um passo à frente do coletivo, designa um ladrão de carros de nome William O'Neal (Lakeith Stanfield) para atuar como infiltrado no grupo. Uma vez dentro dos encontros na sede do partido, na unidade de Chicago, William se aproximará de Hampton (Daniel Kaluuya), passando a compreender melhor suas motivações e sendo também influenciado pelo movimento que questiona o capitalismo e que luta por direitos civis e por união entre povos, buscando ainda reduzir as desigualdades e a pobreza. Mas tudo isso será suficiente para demovê-lo de um acordo de "delação premiada" em que ele verá a sua própria pena por roubo e falsificação reduzidas? A luta contra a exploração a que ele TAMBÉM está submetido fará com que ele revise suas posições?

É ao caminhar nessa linha tênue em que "irmão fica contra irmão" que a narrativa ganha força. Na sede do partido ninguém sabe das intenções de William, que recebe a sua missão das mãos do agente Roy Mitchel (Jesse Plemons, o nosso famoso Matt Damon de baixo orçamento) e do próprio J. Edgar Hoover (Martin Sheen), diretor do FBI que via com preocupação os movimentos combativos feitos pelos Panteras, mas também por outros coletivos como os Crowns. Aliás, as disputas internas entre grupos posicionados mais a esquerda, à época, dá conta da desorganização que, em certa medida, também impedia os ideais revolucionários de evoluírem para além de políticas mais "básicas" como o café da manhã comunitário para crianças pobres. Para a socialização do atendimento médico e da educação para todos era preciso união. E as formas de "militar" também surgem como uma dificuldade imposta pela imagem arranhada dos Panteras que, aqui e ali, são vendidos como um coletivo violento e excessivamente beligerante. 

Nesse sentido, não chega a surpreender a fala de Mitchel que, em certa altura compara o ativismo dos Panteras Negras com a violência racial proposta pela Ku Klux Klan - como se fossem estruturas meramente iguais, atuando em espectros políticos opostos. Mais ou menos como colocar lado a lado os atuais grupos de supremacistas brancos com os antifascistas - e este diálogo com os tempos atuais torna a narrativa ainda mais pungente. Com um desenho de produção e um figurino elegantes e uma trilha sonora alegoricamente incômoda - de notas caóticas, propositalmente altas e confusas -, a obra ainda é um prodígio em matéria de interpretações. Tanto que não será surpresa se Kaluuya e Stanfield, que repetem a parceria certeira de Corra! (2017), forem lembrados entre os indicados para o carecão dourado. É um filme dolorido, em alguma medida até desalentador. Mas o ideal permanece. Ecoa. Fica a história. A memória. Afinal de contas um revolucionário pode morrer. Mas não a revolução. Filmaço!

Nota: 9,0

Nenhum comentário:

Postar um comentário