De: Pete Docter. Com Jamie Foxx, Tina Fey, Phylicia Rashad e Angela Bassett. Animação / Aventura, EUA, 2020, 100 minutos.
Impressionante a capacidade da Pixar em fazer um filme infantil, mas que não deixa de promover profundas reflexões sobre temas relevantes, como, sentido da vida, memória, morte, espiritualidade, importância da arte, entre outros. Espécie de cruzamento entre Divertida Mente (2015) e Viva: A Vida É Uma Festa (2017), Soul parte da história de um modesto professor de música do ensino fundamental que sonha em ser reconhecido como um virtuose do jazz. Quando a oportunidade finalmente surge para o educador - seu nome é Joe Gardner (Jamie Foxx) -, ele sofre um acidente que o transporta para um outro plano, colocando-o entre a vida e a morte. Nessa espécie de limbo etéreo, onírico, ele será uma alma que terá como missão auxiliar uma "criança" (Tina Fey) a encontrar o seu propósito de vida para que ela possa ser encaminhada para a Terra, onde assumirá o seu formato humano. E essa jornada poderá ser a saída para que o próprio Joe retorne para cá e consiga alcançar seu tão sonhado objetivo.
Sim, parece meio complexo e é quase impossível falar de Soul sem entregar um ou outro spoiler e o que sempre fascina nas obras do estúdio está de volta aqui: por mais que os filmes sejam recheados de piadas físicas e humor genuinamente voltado para os pequenos, é inacreditável a complexidade da abordagem de temas mais psicológicos - o que confere à experiência um valor inestimável também para os adultos. Sim, porque é inevitável, enquanto acompanhamos a tortuosa jornada de Joe, nos perguntarmos sobre quais as nossas motivações na vida. Ou se temos uma grande missão na Terra. Ou será que o que valem mesmo são as experiências? Que nos permitem saborear pequenos prazeres mundanos como o canto dos pássaros, o vento que nos acolhe em baixo de uma árvore, um banho quente, vestir uma roupa bonita, saborear uma gostosa fatia de pizza ou a alegria de curtir uma música bem tocada - seja no trombone, no piano ou no sax? O mundo é feito mesmo de pessoas notáveis? Ou são nossas ações que darão significado nessa jornada terrena?
E, para mim, só o fato de passarmos boa parte do filme dirigido por Pete Docter pensando nestas questões, já torna Soul uma das mais valiosas obras produzidas pela Pixar - e que, não por acaso, deverá estar entre as indicadas na categoria Melhor Filme, no próximo Oscar. A gente sabe que os filmes da produtora invariavelmente nos fazem chorar, mas o choro nunca é forçado ou não orgânico, já que geralmente a obra nos gera sentimentos conflitantes o tempo inteiro, nos levando da ternura ao sorriso, passando pela dor, em segundos. Algo que pode ser exemplificado pelas contrastantes sequências que nos fazem rir de piadas que envolvem o comportamento de um gato, ao passo que nos instante seguinte estaremos impactados pelo comportamento afetuoso da mãe de Joe. E é nessa alternância de instantes que vamos sendo jogados pra lá e pra cá, imergindo numa história que, do ponto de vista religioso talvez pudesse gerar uma série de questionamentos - tudo isso seria possível no plano espiritual? -, mas que, no formato animação se estrutura na mais formidável das narrativas.
Tecnicamente impecável, a trilha sonora é uma das grandes forças do filme, como não poderia deixar de ser. E nem é tanto pelas elegantérrimas peças de jazz/soul que surgem nos momentos nova-iorquinos da projeção e sim pelo trabalho realizado por Trent Reznor e Atticus Ross que conseguem alternar melodias mais primaveris - no espaço pré-vida -, com outros mais sobrenaturais ou fantasmagóricos, como aqueles que envolvem a proximidade do pós-vida ou, mais especificamente, as notas hipnóticas que são executadas em uma soberba parte que envolve o conceito de "almas perdidas" (e, aqui, fiquei me perguntando como reagirão as crianças em uma etapa do filme que pode ser muito mais assustadora do que engraçada). Atenta aos detalhes, a animação é inacreditavelmente bem feita - perceba como é possível ver o suor no rosto das personagens em certo momento - e ainda estabelece outras pequenas discussões como produção artística x sucesso financeiro e importância do aspecto mais místico em nossas vidas. É um grande acerto, daqueles que nos arranca aquele sorrisão enquanto sobem os créditos.
Nota: 9,0
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