De: Leos Carax. Com Adam Driver, Marion Cottilard e Simon Helberg. Drama / Fantasia / Musical, EUA q França, 2021, 140 minutos.
Em meio a realidades tão diametralmente opostas - ainda que bastante semelhantes no que diz respeito ao contexto de "fama" e do uso da música -, ambos se empenham em reafirmar o seu amor, especialmente diante de uma mídia sensacionalista que parece permanentemente sedenta por notícias suas. Alternando entre uma e outra apresentação, será possível conhecer um pouco da personalidade do casal. Tal qual um Bill Burr ou um Bo Burnham, Henry (Driver) leva ao limite a comédia íntima e perturbadora, capaz de fazer o público rir muito mais pelo desconforto do que necessariamente pela graça. Seus números, no limite entre o deboche e a arrogância, fazem graça com aquilo que está oculto - ou que dificilmente as pessoas teriam coragem de verbalizar. Sabe o Bo Burnham tirando sarro do comportamento padronizado das mulheres brancas no Instagram? Para Henry o absurdo está na necessidade quase forçada de fazer rir - promovendo uma espécie de íntima vingança de seu público ao avançar para algo que é quase o oposto disso.
Já Ann (Cottilard) parece ser realmente adorada pelo público - num tipo de contraste que provocará incômodo, ao mesmo tempo que nos deixará com a impressão de que algo grave poderá acontecer (especialmente pelo simbolismo imaterial da ópera que protagoniza). Abusando do surrealismo e do clima onírico - uma das marcas registradas de Carax -, o diretor utiliza também o elemento fantasioso na hora de trazer ao mundo a pequena Annette (Devyn McDowell), a inesperada filha do amoroso casal. O que resultará no estremecimento da relação, especialmente pela dificuldade de conciliar universos tão distintos, com a existência de um bebê. Em partes, trata-se de uma história muito mais palatável do que o experimental Holy Motors (2012), a excêntrica obra anterior de Carax. E que nos permite refletir sobre temas variados, como, maternidade, influência do showbizz, limites do humor, papel da mulher na sociedade, voyeurismo e outros.
Organizado como se fosse uma extensa peça musical, o filme utiliza ainda as suas canções de uma forma bastante orgânica, sem jamais tornar a jornada cansativa - e isso que estamos falando de uma obra de 2h20. O que significa decisões criativas inteligentes, com a inserção de músicas - e de melodias que se aproveitam da diegese (cortesia do coletivo Sparks) - em instantes bastante inesperados, como na sequência em que um grupo de fotógrafos cerca o casal, que os enfermeiros estão fazendo o parto de Annette, ou que a plateia está vaiando Henry. Nesse sentido, a obra também possui um curioso senso de humor - que é ampliado pelo caráter hiperbólico de seu desenho de produção, pelo figurino de tons exagerados e pelos toques visuais que ficam no limite entre o sombrio e o cômico. Com excelentes interpretações do elenco central - complementado por Simon Helberg (o eterno Howard de The Big Bang Theory) -, o filme dificilmente será lembrado no Oscar, especialmente pelo aspecto enigmático de sua narrativa. O que não apaga o brilho desta, que é uma das grandes estreias da Mubi até aqui, no ano.
Nota: 9,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário