terça-feira, 30 de novembro de 2021

Novidades em Streaming - Annette (Annette)

De: Leos Carax. Com Adam Driver, Marion Cottilard e Simon Helberg. Drama / Fantasia / Musical, EUA q França, 2021, 140 minutos.

Quem acompanha o cinema provocativo, sensorial, hermético e, invariavelmente, metalinguístico, do diretor Leos Carax, dificilmente se surpreenderá com Annette (Annette) - a mais recente realização do francês, que está disponível na plataforma Mubi. O filme, afinal, é aquele tipo de experiência que, ao mesmo tempo que não entrega soluções assim tão fáceis, nos permite mergulhar em um sem fim de possibilidades no que diz respeito ao universo das artes. Não por acaso, a artificialidade quase teatral parece ter o formato metodológico ideal para a história de um casal que vive uma vida aparentemente perfeita, em uma Los Angeles fascinante e cosmopolita. Ele, um comediante de stand up que está em alta e que apela para piadas cínicas e autocomiserativas (papel de Adam Driver). Ela, uma cantora de ópera de renome internacional, que emociona as plateias em suas lotadas apresentações (papel de Marion Cottilard).

Em meio a realidades tão diametralmente opostas - ainda que bastante semelhantes no que diz respeito ao contexto de "fama" e do uso da música -, ambos se empenham em reafirmar o seu amor, especialmente diante de uma mídia sensacionalista que parece permanentemente sedenta por notícias suas. Alternando entre uma e outra apresentação, será possível conhecer um pouco da personalidade do casal. Tal qual um Bill Burr ou um Bo Burnham, Henry (Driver) leva ao limite a comédia íntima e perturbadora, capaz de fazer o público rir muito mais pelo desconforto do que necessariamente pela graça. Seus números, no limite entre o deboche e a arrogância, fazem graça com aquilo que está oculto - ou que dificilmente as pessoas teriam coragem de verbalizar. Sabe o Bo Burnham tirando sarro do comportamento padronizado das mulheres brancas no Instagram? Para Henry o absurdo está na necessidade quase forçada de fazer rir - promovendo uma espécie de íntima vingança de seu público ao avançar para algo que é quase o oposto disso.


Já Ann (Cottilard) parece ser realmente adorada pelo público - num tipo de contraste que provocará incômodo, ao mesmo tempo que nos deixará com a impressão de que algo grave poderá acontecer (especialmente pelo simbolismo imaterial da ópera que protagoniza). Abusando do surrealismo e do clima onírico - uma das marcas registradas de Carax -, o diretor utiliza também o elemento fantasioso na hora de trazer ao mundo a pequena Annette (Devyn McDowell), a inesperada filha do amoroso casal. O que resultará no estremecimento da relação, especialmente pela dificuldade de conciliar universos tão distintos, com a existência de um bebê. Em partes, trata-se de uma história muito mais palatável do que o experimental Holy Motors (2012), a excêntrica obra anterior de Carax. E que nos permite refletir sobre temas variados, como, maternidade, influência do showbizz, limites do humor, papel da mulher na sociedade, voyeurismo e outros.

Organizado como se fosse uma extensa peça musical, o filme utiliza ainda as suas canções de uma forma bastante orgânica, sem jamais tornar a jornada cansativa - e isso que estamos falando de uma obra de 2h20. O que significa decisões criativas inteligentes, com a inserção de músicas - e de melodias que se aproveitam da diegese (cortesia do coletivo Sparks) - em instantes bastante inesperados, como na sequência em que um grupo de fotógrafos cerca o casal, que os enfermeiros estão fazendo o parto de Annette, ou que a plateia está vaiando Henry. Nesse sentido, a obra também possui um curioso senso de humor - que é ampliado pelo caráter hiperbólico de seu desenho de produção, pelo figurino de tons exagerados e pelos toques visuais que ficam no limite entre o sombrio e o cômico. Com excelentes interpretações do elenco central - complementado por Simon Helberg (o eterno Howard de The Big Bang Theory) -, o filme dificilmente será lembrado no Oscar, especialmente pelo aspecto enigmático de sua narrativa. O que não apaga o brilho desta, que é uma das grandes estreias da Mubi até aqui, no ano.

Nota: 9,0


Nenhum comentário:

Postar um comentário