Certamente vocês já viram essa brincadeira no Twitter ou em alguma outra rede social: sempre que aparece alguma figura - pública, de preferência - que seja contrária ao governo Bolsonaro, ela certamente figurará na "lista de comunistas atualizada". Ela é engraçada porque ela é delirante, sendo capaz de colocar no mesmo bolo de adversários do "mito", personalidades como Rodrigo Maia, o Papa Francisco, Gabriela Prioli e o Rafinha Bastos, além de entidades abstratas como o Oscar e até o... coronavírus, claro. É um deboche com aquilo que conhecemos como paranoia comunista, que é mais ou menos a prática de enxergar a ameaça vermelha em tudo aquilo que se oponha a Pátria, a família, a Deus, aos bons costumes, a ordem. Sim, porque na ideia dos conservadores, ser de esquerda, socialista ou, simplesmente, progressista, é conspirar, é trafegar no espectro subversivo é estar alinhado a práticas políticas perigosas. Não é por acaso que figuras "perigosíssimas" como estudantes, professores, escritores, jornalistas e funcionários públicos costumam estar desse lado. Pensa, que risco!
Bom, brincadeiras a parte essa paranoia que se intensifica no pós Segunda Guerra e se estende até a Guerra Fria - que colocaria Estados Unidos e União Soviética em lados opostos - evidentemente, não é de hoje. E, não é por acaso, já rendeu capítulos desastrosos em nossa história, em que a repressão política e as campanhas de medo dominavam a esfera pública. No ótimo filme Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, and Good Luck), dirigido por George Clooney, somos apresentados a um pequeno (mas importante) recorte daquilo que ficou conhecido no começo dos anos 50 como Macarthismo. A prática faz alusão ao senador republicano pelo Estado do Wisconsin Joseph McCarthy que, naqueles tempos, promoveu uma verdadeira Caça às Bruxas ao realizar uma patrulha a adversários políticos, que passaram a ser agressivamente investigados pelo Governo ou por empresas privadas, em que houvesse qualquer tipo de evidência ou ameaça real ou palpável.
Aliás, o filme todo carrega essa marca. Primeiro é uma aula de bom jornalismo e eu desejo com todas as forças que ele esteja sendo exibido nas faculdades de Comunicação como parte da doutrinação (tô brincando, tô brincando!). Depois, há as grandes interpretações: o coletivo de atores - Robert Downey Jr., Patricia Clarkson, Jeff Daniels e o próprio Clooney - está fantástico. Ninguém se sobressai, mas os papeis estão bem distribuídos, funcionando de maneira equilibrada, na medida certa. Há ainda a soberba parte técnica, com destaque pela opção pela fotografia em preto e branco, que possibilitou a utilização de imagens reais e de arquivo do próprio senador McCarthy, o que confere um peso maior à tenebrosa narrativa. É uma obra densa em sua temática, mas que possui eventuais instantes de leveza, como nos standards de jazz que ecoam nos bastidores (a música TV Is the Thing This Year é uma joia) ou nos encontros na delicatessen da esquina, para a leitura das resenhas de jornais sobre os programas noturnos (a metalinguagem, essa característica tão linda).
E é um filme, ainda, cheio de frases relevantes e de diálogos expressivos. Em um dos mais marcantes, Murrow está recebendo um prêmio e faz uma reflexão sobre o próprio poder da televisão que, como já dito na resenha, era uma novidade que invadia as casas dos americanos nos anos 50: "este instrumento pode ensinar; pode iluminar; sim, e até pode inspirar. Mas só pode fazer isso na medida em que os humanos estiverem determinados a usá-lo para esses fins. Caso contrário, não são nada além de fios e luzes em uma caixa. Há uma grande e talvez decisiva batalha a ser travada contra a ignorância, a intolerância e a indiferença. Esta arma da televisão pode ser útil." Além de Strathairn, a obra receberia outras cinco nominações a premiação máxima do cinema. Sairia de mãos abanando, mas ganharia um prêmio maior: o do reconhecimento de que as políticas de opressão, totalitárias ou que buscam perseguir adversários políticos devem ser combatidas também pelas práticas jornalísticas, que visam a denunciar estes abusos. Um prêmio difícil de mensurar. Mas insubstituível.
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